samedi 25 octobre 2008

ENTRE LA (I)LÓGICA DEL MERCADO Y LAS LEYES DEL JUBILEO

¿Es ético utilizar la tierra para defender intereses particulares?

Autor: Nicolás Panotto

Lock-out, desabastecimiento, retenciones, pooles, han sido algunos de los nuevos términos que se han inmerso en el vocabulario de los argentinos y las argentinas en los últimos meses. El conflicto con el campo ha causado un fuerte impacto en el imaginario argentino (¡además de su bolsillo!) llevando a una polarización social que ciertamente homogeniza la visión sobre una problemática mucho más compleja de lo que ella pretende reflejar. Aquí no queremos adentrarnos en un debate sobre las cuestionadas retenciones a la exportación, sobre el análisis de la estructura desigual del campo (pooles vs. pequeños productores), sobre el desenmascaramiento de las ganancias del campo en los últimos años o sobre el rol del sector agrario y ganadero del país a lo largo de la historia en relación a los grupos de poder de turno (sean imperios, empresas multinacionales o dictaduras políticas). Queremos plantearnos la siguiente pregunta: ¿es ético utilizar la tierra y sus frutos para la defensa de los intereses particulares de un grupo determinado de la sociedad en detrimento del resto de la comunidad?

Para ello reflexionemos brevemente en lo que muchos y muchas llaman las leyes del Jubileo que encontramos en Levítico 25. Este pasaje bíblico trata sobre una de las prácticas socio-económicas más importantes del pueblo de Israel que con el tiempo se transformó en un símbolo teológico central de la espiritualidad hebrea y que —inclusive— fue rescatada por Jesús de Nazaret para describir su misión (Lc 4.19). El «año del Jubileo» remite a la práctica de hacer descansar la tierra luego de seis años de trabajarla (vv.1-7), y se fundamenta en normas mucho más amplias en relación al uso de la tierra, también reflejadas en este texto: la tierra debe servir al abastecimiento de las necesidades básicas de la comunidad (v.7), no puede ser utilizada como medio de transacción y de acumulación (vv.23-28), tampoco debe utilizarse para explotar a los más pobres (vv.16-17) sino estar al servicio —sin restricciones e intereses agregados— de los más necesitados y de los extranjeros (vv. 35-38).

Todo esto surge de un principio teológico central: la tierra es de Dios, por lo cual no puede ser utilizada para intereses egoístas e injustos de individuos o grupos particulares de la comunidad. Por lo tanto, este pasaje nos permita reflexionar sobre varios temas relacionados con la ética: el cuidado del medio ambiente, el uso racional de la tierra para la satisfacción de las necesidades básicas de la comunidad, la distribución de los frutos de la producción para el cuidado de los más desfavorecidos, entre otros aspectos.

Como país, siendo parte del continente latinoamericano —uno de los principales centros de producción primaria (commodities) del mundo— estamos inmersos en una lucha de intereses que se da en un contexto global donde la problemática sobre la suba de precios de los alimentos básicos es un tema en boga. Frente a todo este panorama duele en el alma y en el cuerpo ver cuando la (i)lógica del mercado impera sobre el sentido común: camiones volcando miles de litros de leche en la ruta y tirando toneladas de verduras y frutas a la basura «por no haber un precio atrayente para el productor», la complicidad entre gobiernos, políticos, jueces y empresarios en la venta irrestricta de terrenos a empresas multinacionales que cultivan productos nocivos para la tierra, como la siembra indiscriminada de soja (en muchos casos expropiando violentamente a comunidades enteras su espacio vital), la especulación financiera sobre los precios, lo cual socava el bolsillo de los ciudadanos y las ciudadanas, todo esto dibujado en una disputa mediática de mentiras donde los afectados somos los espectadores.

¿Cómo respondemos como cristianos y cristianas a este conflicto? ¿De qué lado estamos? Recordemos que no hay sólo «dos lados» (Estado vs. Campo) y que no son precisamente sus actores las verdaderas «víctimas». En realidad, las víctimas de todo esto son los ciudadanos y las ciudadanas que luchan día a día por sobrevivir —en su mayoría, grandes comunidades de campesinos, de pequeños productores y de pobres que, lejos están de obtener más ganancias si se modifican las retenciones a las exportaciones—. Con ellos y ellas está Dios.

«Pongan en práctica mis estatutos y observen mis preceptos, y habitarán seguros en la tierra. La tierra dará su fruto, y comerán hasta saciarse, y allí vivirán seguros» (Lev 25.18).

Artículo Publicado en Revista Kairós, Nro.21, Fundación Kairós, Buenos Aires, 2008, pp.20-21.

jeudi 23 octobre 2008

Batista vai governar Salvador, cidade com 1.238 terreiros

As minorias e as religiosidades estiveram presentes nas eleições baianas. No que tange às minorias, Salvador elegeu Leo Kret do Brasil (PR), de 24 anos, o primeiro vereador travesti de uma capital brasileira. Leo Kret foi o quarto verador mais votado nessas eleições baianas.

No que se refere às religiosidades, Salvador teve no segundo turno dois batistas disputando a Prefeitura. Interessante é que um batista governará essa capital que tem 1.238 terreiros. E como lá os terreiros têm poder político, os dois batistas disputaram os votos das religiosidades afro-brasileiras num corpo a corpo com pais e mães de santo e seus fiéis.

O candidato petista, Walter Pinheiro, é batista. Mas, o atual prefeito, João Henrique Carneiro (PMDB) também é. Pinheiro escolheu uma vice católica, Lídice da Mata (PSB) que transitou com desenvoltura pelos terreiros. João Henrique optou por Edvaldo Brito, o primeiro prefeito negro da cidade, filho de Ogum e freqüentador do terreiro do Gantois, um dos mais tradicionais da Bahia. Ambos tiveram que enfrentar os constrangimentos provocados pela rivalidade existente entre os evangélicos e o candomblé.

Em busca de votos, Walter Pinheiro enfrentou as críticas de seus irmãos batistas, mas foi a um terreiro, no primeiro turno, fazer campanha. Constrangido durante a visita ao Maroió Lage, mais conhecido como Terreiro do Alaketo, tentou escapar das fotos dos jornais. E consciente ou não, foi ao terreiro com uma camisa pólo azul e preta, combinação de cores evitada pelos fiéis do candomblé por bloquear as energias dos orixás.

João Henrique evitou ir aos terreiros, mas passou por percalços ainda maiores que o seu irmão batista e adversário petista. Depois de uma batalha jurídica em torno do fim da isenção do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) para os terreiros, o prefeito mandou derrubar o terreiro Oyá Unipó Neto, por falta de pagamento do imposto.

Às vésperas da campanha, pediu desculpas à ialorixá Mãe Rosa, que comandava o terreiro posto ao chão, e mandou reconstruir tudo e ressarcir os objetos de culto destruídos no processo.

O certo é que essas eleições em Salvador nos ensinam algumas lições. No campo das expressões culturais e sociais, podemos dizer que as minorias chegaram para ficar e ocupar espaço político. E no campo das religiosidades vemos que elas não se expressam com uniformidade – é o caso dos evangélicos em Salvador – e fazem alianças com outras expressões religiosas antes consideradas, no mínimo, adversárias, entre as quais estão os católicos e fiéis do candomblé.

mercredi 15 octobre 2008

Perguntas e respostas sobre a crise financeira e a sua vida

UOL Economia
Da Redação em São Paulo.

Veja dicas de economistas sobre financiamentos, aplicações, dívidas, inflação, salário, emprego e outras dúvidas do mundo real:

Agora é um bom momento para comprar imóvel?
Não. A compra deve ser feita quando acabar a crise e os bancos voltarem a reduzir os juros dos financiamentos. Se a compra já estiver em andamento, a taxa de juros aceitável não deve ultrapassar 1% ao mês.

Como deve proceder quem pretende comprar um carro ou um bem mais caro?
Deve preferir pagar à vista e obter o maior desconto possível. Os juros desta modalidade são altos e tendem a subir mais rápido que na compra de imóveis. Se for financiar, a taxa não deve ser maior que 3% mensais.

Quais gastos e investimentos devem ser antecipados e/ou adiados?
Quem já está na Bolsa deve continuar para não tomar prejuízo. Sobre quem está fora da Bolsa, os economistas divergem. Alguns acham que só profissionais devem entrar nessa hora; outros acham que é possível arriscar com ações baratas. Quem não gosta de risco, não deve pôr dinheiro na Bolsa. Uma opção segura é investir em títulos do governo pós-fixados.
Se tiver dividas, deve antecipar o pagamento para reduzir os juros incidentes nas parcelas.

É melhor optar por financiamentos mais curtos ou o que faz a diferença é o juro?
A taxa de juros é a mais importante, mas o prazo deve ser analisado. Quem assume financiamento agora continuará pagando juros altos mesmo quando as taxas caírem.

Que taxa máxima de juros deve ser considerada adequada por mês? A partir de que taxa o consumidor deve evitar o financiamento?
3% ao mês. A partir deste patamar, a compra deve ser evitada. Essa taxa serve, segundo os economistas, para qualquer modalidade de financiamento, menos de imóveis, cujo índice máximo deve ser 1% ao mês.

O dólar vai subir ou cair?
A moeda deve ficar próxima de R$ 2 até o final do ano. Mas, para evitar a alta da inflação, o Banco Central deve manter os leilões de venda de dólares para fazer com que a taxa vá abaixo dos R$ 2 no início de 2009.

Quem vai viajar ou comprar produtos importados deve juntar dólares já? Qual é a melhor forma de comprar a moeda?
O dólar só deve ser adquirido neste momento se a viagem estiver muito próxima, caso contrário, o ideal é esperar a taxa ceder novamente. De qualquer forma, a moeda nunca deve ser adquirida em um único dia, já que a taxa oscila bastante e o comprador pode fazer um negócio melhor se dividir a operação.

Investir em dólares é uma boa idéia?
O investimento é arriscado e só deve ser feito para pagar dívidas na mesma moeda ou enviar dinheiro para algum familiar que resida no exterior.

Investir em ouro é boa idéia?
Não. No Brasil, o ouro não tem liquidez, portanto, é difícil para a pessoa vender. Além disso, as barras não vão para casa, ficam no banco. O investidor leva um certificado e paga a custódia ao banco, o que gera um custo para o detentor.

Como proteger minhas economias?
Evite fazer novas dívidas, e adie os planos de investimentos.
Quem tem menos de R$ 1.000 sobrando na conta corrente deve ficar com a poupança, que não cobra taxa de administração, nem imposto de renda.
Quem tem sobra de mais de R$ 1.000 deve aplicar em CDB.
Se tiver mais de R$ 5.000 sobrando e perfil agressivo, pode arriscar e comprar ações baratas. Para isso, é necessário consultar uma corretora para avaliar as pechinchas. Se quiser mais garantia, títulos do governo são a opção.

É seguro deixar o dinheiro em conta corrente? Os bancos brasileiros têm chances de quebrar?
Não há risco de quebra, segundo os analistas. O Fundo Garantidor de Crédito garante depósitos de cada cliente, em cada instituição, em até R$ 60 mil no máximo (considerando todas as contas e aplicações que ele tiver naquele banco).

Como o Brasil será afetado pela crise nos EUA?
Entra menos dinheiro no país, o que reduz a oferta de moeda estrangeira, fazendo com que a cotação do dólar suba em relação ao real. Produtos importados, como eletroeletrônicos, sobem de preço.
Caso entrem em recessão, os Estados Unidos vão consumir menos, afetando as exportações brasileiras para aquele país.
Os bancos emprestam menos, e as empresas ficam sem dinheiro para investir, cortando os investimentos e a produção, gerando desemprego e desaceleração econômica.
Com a produção reduzida, a oferta de produtos também deve cair e, com isso, os preços sobem, aumentando a inflação.

Por que setores que não têm relação com a Bolsa também são afetados por uma crise financeira?
Porque a economia é um sistema interligado. Se os EUA consumirem menos soja, por exemplo, os exportadores vão vender menos, os transportadores vão reduzir sua atividade e as fábricas de caminhões vão cortar a produção.

Há risco de demissões nas empresas?
No início, não. Mas se os produtores brasileiros começarem a exportar menos, por exemplo, as vendas e o faturamento vão cair, e, para equilibrar as finanças, podem demitir.

Os salários vão subir menos?
Se o nível de emprego cair, vai sobrar mão-de-obra. Portanto, a tendência não é de aumento de salários. A partir de 2009, os sindicatos não devem conseguir reajuste de salário acima da inflação.

A inflação pode disparar?
Não. As recentes elevações na taxa de juros no país devem surtir efeito e frear o consumo, o que impede a alta da inflação.

Só preços de produtos importados devem subir?
A alta do dólar deve encarecer alguns produtos importados como eletrônicos e fortalecer a indústria nacional. A crise deve reduzir o consumo nos Estados Unidos de commodities, reduzindo o preço desses produtos nos mercados internacionais.

Quanto tempo deve durar a crise?
Após a aprovação do pacote, deve demorar um ano para a economia dos EUA se restabelecer da crise e mais um ano para voltar a mostrar vigor econômico.

Fontes:
# José Carlos Luxo, professor de finanças da FIA (Fundação Instituto de Administração da USP).
# Liao Yu Chieh, professor de finanças do Ibmec São Paulo.
# Luiz Jurandir Simões de Araújo, consultor da Fipecafi (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras da USP).
# Marcelo Ângulo, administrador e autor do livro "Suas finanças.com"
# Miguel José Ribeiro de Oliveira, presidente da Anefac (Associação Nacional dos Executivos de Finanças).
# Paulo Scarano, coordenador do curso de Economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

jeudi 9 octobre 2008

A ação política cristã

Prof. Dr. Jorge Pinheiro

Comunidad Civil y Comunidad Cristiana
Karl Barth, Montevidéu, Ediciones Tauro, 1973

Esta obra de Karl Barth discute as relações entre a Igreja e o Estado. Não enquanto problema jurídico de relações institucionais, mas encontro dialético entre comunidades que se sobrepõem, que têm um mesmo centro de autoridade. No texto sentimos como pano de fundo as reflexões do Agostinho de As Duas Cidades. Aqui, Barth apresenta seu pensamento social numa exposição teológica brilhante e faz um chamado à “presença da comunidade cristã no exercício de sua corresponsabilidade política”. Nesse momento de guerra, o texto de Barth é altamente inspirativo. Por isso, traduzimos e apresentamos na seqüência o capítulo XIV do livro Comunidade Civil e Comunidade Cristã.

Capítulo XIV
A orientação da ação política cristã, de uma ação que se compõe de discernimento, juízo e eleição de uma vontade e de um compromisso, está relacionada com o caráter duplo do Estado, que possui ao mesmo tempo a possibilidade de oferecer e a necessidade de receber a imagem analógica do Reino de Deus que a Igreja anuncia. Como já mostramos, o Estado não pode ser uma réplica da Igreja, nem uma antecipação do Reino de Deus. Em sua relação com a Igreja tem realidade própria e necessária e em sua relação com Deus representa – da mesma maneira que a Igreja – um fenômeno puramente humano, acompanhado de todas as características deste mundo temporal. Não se pode pensar em identificá-lo nem com a Igreja, nem com o Reino de Deus. Mas, por outra parte, desde o momento em que está fundado sobre uma disposição particular da vontade divina, e porque pertence na realidade ao Reino de Cristo, não se pode dizer que seja autônomo. Não poderia existir independentemente da Igreja e do Reino de Deus.

Por esta razão não se poderia falar de uma diferença absoluta entre a Cidade e a Igreja por um lado, e a Cidade e o Reino, por outro. Logo, fica uma possibilidade: desde o ponto de vista cristão, o Estado e sua justiça são uma parábola, uma analogia, uma correspondência do Reino de Deus que é o objeto da fé e da prédica da Igreja. Como a comunidade civil constitui o círculo exterior em cujo interior se inscreve a comunidade cristã, com o mistério da fé que ela confessa e proclama, as duas, tanto uma como outra têm o mesmo centro do qual resulta a primeira, distinta pelo princípio no qual está fundada e pela tarefa que lhe corresponde, se encontra forçosamente na relação analógica com a verdade e realidade da segunda; analogia no sentido de que a Cidade é capaz de refletir indiretamente, como por um espelho, a verdade e a realidade do Reino que a Igreja anuncia.

Mas como está condenado a continuar a ser o que é e a atuar dentro de seus próprios limites, o Estado, como reflexo da verdade e da realidade cristã não possui justiça e consequentemente não possui também existência intrínseca e definitiva. Ao contrário, sua justiça e sua existência estão sempre gravemente ameaçadas e sempre deve se perguntar se, e até que ponto, está cumprindo com suas tarefas de justiça. Para preservar a comunidade civil da decadência e da ruína é necessário recordá-la de quais são as exigências desta justiça que deve representar. A comunidade civil, pois, precisa desta analogia tanto quanto é capaz de criá-la. Por esta razão necessita uma e outra vez um quadro histórico cujo fim e conteúdo possam ajudá-la a chegar a ser uma analogia, uma parábola do Reino de Deus, permitindo a ela cumprir as tarefas da justiça civil. Mas, nesses assuntos, a iniciativa humana não pode orientar-se somente por si mesma. A comunidade civil, como tal, não conhece nem o mistério do Reino de Deus, nem o centro escondido do qual depende e diante do testemunho e mensagem da comunidade cristã é neutra. Por tanto, tem que se limitar a buscar sua água nas “cisternas rachadas” do chamado direito natural. Por si mesma não pode lembrar-se do critério verdadeiro de sua justiça, nem colocar-se em movimento para cumprir com as tarefas desta justiça. Justamente por esta razão é que precisa da presença às vezes incômoda e saudável da atividade que se desenvolve ao redor do centro comum dos dois domínios: a presença da comunidade cristã no exercício de sua corresponsabilidade política.

Sem ser o Reino de Deus, a comunidade cristã sabe algo dele, crê, espera e ora no nome de Jesus Cristo e anuncia a excelência deste nome sobre todos os outros. Nesse ponto não é nem neutra nem impotente. Quando passa ao plano político para tomar sua parte de responsabilidade não abandona sua atitude “comprometida”, esta atitude de fidelidade ao único Senhor.

Para a Igreja, aceitar a parte de responsabilidade que lhe corresponde significa uma única coisa: tomar uma iniciativa humana que a comunidade civil por sua parte não pode tomar, dar a comunidade civil um impulso que ela não pode dar a si própria, fazê-la lembrar das coisas que a comunidade civil não sabe lembrar por si mesma. Discernir, julgar, eleger no plano político implica sempre para a Igreja ter que aclarar as relações que existem entre a ordem política e a ordem da graça, para azar de todo aquele que possa obscurecer esta relação.

Entre as diversas possibilidades políticas do momento, os cristãos saberão discernir e eleger aquelas cuja realização leve a uma analogia, a um conteúdo de sua fé e de sua mensagem. Os cristãos se encontrarão ali onde a soberania de Jesus Cristo, acima de todas as coisas de ordem política ou de outras ordens, não é obscurecida, mas evidente. A comunidade cristã exige que a forma e substância do Estado, neste mundo caduco, orientem os homens em direção ao Reino de Deus e não os distanciem. Não pede que a política humana coincida com a de Deus, mas sim, que na imensa distância que a separa daquela, seja paralela. Pede que a graça de Deus, revelada de cima e atuando aqui em baixo, se reflita na totalidade das medidas exteriores, relativas e provisórias assumidas pela comunidade dentro dos limites das possibilidades que este mundo oferece.

É, pois, em primeiro e último lugar, diante de Deus – este Deus que em Jesus Cristo revelou sua misericórdia aos homens – que ela exerce sua responsabilidade política. Todas suas decisões políticas (discernir, eleger, julgar, querer) têm por isso valor como testemunho, que não é menos real por ser um testemunho implícito e indireto. Sua ação política é pois, também, uma forma de confessar sua fé. Exorta à comunidade civil para que saia de sua atitude de neutralidade, de ignorância espiritual, de seu paganismo natural, para comprometer-se junto com ela, diante de Deus, em uma política de responsabilidade compartida. Desencadeia, além disso, o movimento histórico cujo fim e conteúdo são fazer da cidade terrestre uma parábola, um sinal analógico do Reino de Deus, permitindo a esta cumprir com as tarefas da justiça civil.

lundi 6 octobre 2008

Revelação e Torá

Prof. Dr. Jorge Pinheiro

Quando se estuda a religião de Israel, questões referentes à revelação e ao surgimento de determinados conceitos teológicos vêm à tona. Duas fortes correntes teológicas tentaram nos últimos duzentos anos apresentar respostas para essas questões. Uma apriorística, colocando a ênfase na revelação, e outra empirista, vendo a religião de Israel como fruto da experiência cultural e religiosa dos povos vizinhos.

Essas duas correntes, embora tenham armazenado um arsenal considerável de informações, que não podem ser descartados, pecam ao nível da metodologia. Não levam em conta que todo conhecimento pressupõe uma elaboração nova, e exige do estudioso jamais esquecer as duas caras de qualquer processo social e histórico. A primeira dessas facetas está diretamente ligada ao ser humano, enquanto sujeito, se dá no terreno formal, e só se torna necessária depois de elaborada. A outra cara dessa moeda acontece ao nível do objeto, no terreno do real, e possibilita a conquista da objetividade.

Assim, o que precisamos entender é como se dá a origem de um conhecimento específico, ou de uma estrutura nova. Em primeiro lugar, seria um erro, afirmar que uma nova estrutura pode ser fruto único de um processo exclusivo, apriorístico, revelado ou inato. Ou, ao contrário, que repousa em características preexistentes do objeto. Em ambas os casos, o erro consiste em definir o conhecimento como predeterminado, quer por estruturas internas ao sujeito, quer por características preexistentes no objeto. Descarta-se, assim, o conhecimento enquanto construção efetiva e contínua.

O que acontece é que o conhecimento não começa com um sujeito plenamente consciente de seu ato histórico, nem de realidades definidas a priori. Resulta sim de interações que surgem da combinação de múltiplos fatores, que vão criando dependência e novas relações. Não é um intercâmbio entre formas diferentes, mas a construção de realidades com plasticidades novas.

A este processo de surgimento de novas estruturas chamamos revolução. Isto porque são novas construções de conhecimento e não evolução ou reforma de uma estrutura já conhecida. Aqui, temos crise e ruptura de estruturas e conhecimentos anteriores, gerando fatores que criam novas relações e novos equilíbrios. Nesse processo haverá sempre um ou vários desequilíbrios iniciais, uma crise epistemológica, que rompe esquemas definidos, gerando movimentos que parecem estar fora do controle do sujeito.
Em relação à religião de Israel assistimos a essa revolução epistemológica em seu próprio surgimento, ou seja, com a aliança abraâmica. Nesse momento, movimentos ao nível do indivíduo e sociais desencadearam processos diferentes que revolucionaram o próprio conceito de religião e, por extensão, mudaram a face da fé em todo o mundo.

A visão clássica da crítica bíblica, da qual J. Wellhausen é um dos expoentes, parte de postura empiricista e considera que a profecia clássica foi a fonte do monoteísmo israelita. Na verdade, para Wellhausen, os profetas literários criaram o monoteísmo ético, e a Torá é apenas a formulação sacerdotal-popular posterior do pensamento profético. É importante notar que a hermenêutica crítica vê a Bíblia como objeto histórico, fonte preservada de informações sobre a cultura e história dos hebreus. Assim, as bases de sua metodologia repousam sobre um arcabouço que combina racionalismo alemão, historicismo e idealismo filosófico.

O conhecimento que se origina na atividade reflexa do sujeito recebe com a revelação esta organização funcional, que o torna possível. Aqui, convém notar que para o conhecimento que tem por base o processo revelatório a organização funcional sempre se mantém invariável. Ou seja, essa organização funcional se mantém em equilíbrio, apesar dos processos vividos nas estruturas. E mais do que isso, se impõe a elas como necessárias.

A discussão em torno de um centro para a teologia de Gênesis é polêmica, pois o próprio conceito de centro, para muitos teólogos, seria uma limitação para um segundo conceito: o de revelação progressiva. Ora, dizem eles, se a revelação é progressiva toda definição de centro é descabida. Nesse sentido, hoje preferimos falar de rede, pois não podemos falar de um desenvolvimento linear em progressão, mas de uma expansão. Poderíamos pensar na rede da WEB, onde a expansão se dá, mas sem centro definido, a não ser aquele localizado pelo internauta.

A teologia de Gênesis tem por base o conceito da aliança, não como paradigma doutrinário gerador de dogmas, mas como descrição de um processo vivo, que tem origem em determinado momento histórico, numa relação entre Iavé e uma pessoa.

Ao entendermos o conceito de aliança como rede unificadora do livro de Gênesis e, por extensão, da Torá, a leitura do texto bíblico passa permite uma compreensão que cresce conforme a aliança se transforma em osso e carne, primeiramente, na vida dos patriarcas e, posteriormente, na formação da própria nação.

Os livros de Gênesis e Êxodo apresentam a fé israelita, enquanto construção, fundamentada em dois acontecimentos históricos. O primeiro, é a escolha de uma pessoa chamada Abrão, que foi tirado da cidade de Ur e levado para Canaã, uma terra prometida a ele e sua descendência (Gn 12.1-3; 13.14-17). Essa promessa foi selada com um pacto, uma aliança entre Iavé e Abraão, conforme Gênesis 15.5-10. E o segundo fato histórico é a libertação dos descendentes de Abraão da escravidão do Egito, através de Moisés, e sua entrada na terra prometida (Ex 3.6-10).

Esses dois acontecimentos expressam a materialidade da aliança, que se traduz como escolha de Iavé a favor de uma pessoa, geradora de um povo, para uma missão definida. Realidade esta que foi reafirmada, centenas de anos depois, pelo príncipe dos profetas israelitas:

“Ouvi-me, vós, que estais à procura da justiça, vós que buscais a Iavé. Olhai para a rocha da qual fostes talhados, para a cova de que fostes extraídos. Olhai para Abraão, vosso pai, e para Sara, aquela que vos deu à luz. Ele estava só quando o chamei, mas eu o abençoei e o multipliquei”. Isaías 51.1-2.

Aqui voltamos ao início da análise: por que o conceito de aliança fornece uma base para a compreensão do livro de Gênesis? Em primeiro lugar, porque o diálogo de Iavé com Adão e Eva em Gênesis 3.15 aponta para um salvador. E em Gênesis 15 temos a primeira realização dessa promessa através da aliança com Abraão, que produzirá descendência, com duas missões: ser testemunha entre as nações, e ser a nação separada, da qual nasceria o Messias prometido.

A aliança iniciou uma nova relação entre Iavé e Israel, uma relação imposta por Iavé, mas íntima. Embora, na tradição judaica, o livro de Êxodo seja o livro da aliança, o conceito está presente e é desenvolvido no primeiro livro da Torá.

Na aliança está embutida a idéia de salvação e de relacionamento pessoal com Iavé. Esta realidade nova dentro do plano de redenção do ser humano está implícita na declaração de Iavé a Abraão: “Estabelecerei uma aliança entre eu e você, e a sua raça depois de você, de geração em geração, uma aliança perpétua, para ser o seu Iavé e o da tua raça depois de você” Gn.17:7. E como todo pacto, além do “berit milah” (pacto da circuncisão), Abraão e seus descendentes são chamados à responsabilidade moral (v.1) e a uma adoração permanente (vv.7 e 19).

Elementos estes, que a partir de Moisés serão desenvolvidos, dando origem à religião de Israel, que tem por base, num primeiro momento histórico a primazia do culto e suas ordenanças e, num segundo momento, com o surgimento da profecia literária, da justiça social. Assim, é impossível fazer uma completa separação entre aliança e reino. Este último será uma construção que tem como primeiro tijolo a nova relação estabelecida por Iavé com pessoas.

Aqui somos obrigados a recorrer a alguns conceitos da epistemologia, para entendermos o papel da transmissão do conhecimento de Iavé e de sua vontade, realizado através da aliança, que Gênesis nos apresenta. Quando estudamos o desenvolvimento e a construção das estruturas de conhecimento, vemos que esta construção se dá através de uma dissociação de conteúdos e da elaboração de novas formas, mediante uma abstração reflexiva de conhecimentos anteriores.

Ora, a relevância da epistemologia está em que ela mostra que, por mais importantes que sejam as origens de dado conhecimento, o que determinará sua essência é seu movimento genético. Assim, quando temos a formalização desse processo temos de fato um conhecimento inteiramente novo, que extrapola os dados iniciais, transbordando o real.

Sabemos que a circuncisão na época de Abraão era um costume associado aos poderes da reprodução humana, que servia de distintivo tribal. Também sabemos que os pactos eram selados com sangue e o seu rompimento significava a morte do transgressor. Esses conteúdos faziam parte da cultura de Abraão e de seu clã. Da mesma forma, outros conteúdos, como adoração/ “edificar um altar” (Gn.12.8), obediência/ “foi habitar nos carvalhais de Manre” (13.17-18), entrega de bens e posses/ “e de tudo lhe deu o dízimo” (14.20), fidelidade/ “ele creu no Senhor” (15.6), e consciência da onipotência divina/ “não fará justiça o juiz de toda a terra?” (18.25) são conteúdos espirituais da fé de Abraão e das pessoas santas que o antecederam.

A questão não está centrada nas origens desses conteúdos que, sem dúvida, são históricos e refletem as culturas das civilizações mesopotâmicas e da bacia do Nilo, assim como a tradição monoteísta na época de Abraão. O fundamental aqui é entender que esses conteúdos se organizam em nova estrutura: a aliança abraâmica, que se constrói geneticamente, com história peculiar. Esta aliança, cuja gênese e história mostram uma elaboração sucessiva, que é a própria Torá, como síntese lingüística, não é pré-formada. Sua construção histórico-genética é autenticamente constitutiva e não se reduz a um mero conjunto de conteúdos acessíveis.

Mas há um bereshit, um fiat, um momento especial que dá origem à essa estrutura nascente: é a revelação. A partir da promessa de Gênesis 3.15 temos uma revelação. A aliança surge como revelação, como ruptura que dá vida a antigos conteúdos, colocando em movimento um processo histórico-genético que vai-se construir enquanto estrutura (povo escolhido/ terra prometida) e dar novo salto com a formalização maior realizada no Sinai.

Esta realidade leva a uma outra, que é o da linguagem da Torá, na seqüência da aliança. Considerando a moderna lingüística, do ponto de vista estrutural, vemos que a linguagem tem duas grandes características: por um lado é universal, enquanto estrutura geral, humana, e, por outro, é livre e não serve apenas à função comunicativa, mas é um instrumento para a livre expressão do pensamento e para a resposta às novas situações.

Isto é o que explica o fato das grandes revoluções do conhecimento serem sempre acompanhadas pelo surgimento de uma linguagem nova e de novas estruturas de pensamento. A aliança descrita em Gênesis 15 e 17 vai abrir um processo de revolução em relação ao conhecimento de Iavé e de sua vontade, e vai gerar uma nova linguagem.

De forma crescente vemos nos capítulos seguintes de Gênesis e dos demais livros da Torá essa nova linguagem ganhar forma e consolidar-se enquanto linguagem da teologia da aliança. Algumas palavras serão fundamentais nessa nova linguagem: acordo/ aliança/ pacto (berit, conforme Gn 12.2; 15.17; 17.7-8; 22.16-18); altar/ holocausto/ sacrifício (conforme Gn 12.7; 22.9; 35.1,7; Êx 17.5; 24.4; 27.1-8; 30.1-10; Lv 16.16-19); circuncisão (berit milah, conforme Gn. 17:9-14; Êx. 4:24-26; Dt. 10:16); justiça/ misericórdia (conforme Gn 15.6) e santidade (conforme Gn 17.1; Êx 19.6; Lv 20.6).

Na Torá, a aliança entre Iavé e Israel era a base de todo trato de Iavé com seu povo. O significado da aliança foi que Israel pertenceu a Iavé e Iavé pertenceu a Israel. A relação foi descrita com semelhante àquela entre pai e filho, ou como de marido e esposa. Donde a declaração de que Iavé é Iavé ciumento (Êx 20.5; 34.14; Dt 4.24). Através de Abraão, a aliança é em primeiro lugar pessoal, abrangendo um espectro cada vez maior: tribal, nacional, universal. Mas, quer no primeiro caso, pessoal, quer historicamente, como redenção, ela é sempre estrutural.

Mas, se aliança é eleição, escolha, implica em preferência por alguém, escolher por prazer ou por amor. E essa conceituação entre aliança e amor é enunciada em 1Reis 11.13, quando Iavé afirma que escolheu Jerusalém por amor. Assim, aliança e amor não podem ser separados, embora não sejam a mesma coisa. A aliança é o selo, o pacto. O amor, o motivo que leva à aliança. No livro de Gênesis vemos o amor de Iavé na criação, na conversa com Adão e Eva e na promessa de um salvador. Mas é na aliança que o amor pela pessoa caída torna-se material e compreensível. A saga dos patriarcas descendentes de Abraão, que se torna pai de muitos povos, mostra o caminho da concretização da aliança. Eis o tema central de Gênesis e da Torá: Iavé ama e casa-se com um povo, criado por ele, e comissionado por ele. O resto da história, nós conhecemos. E por amor estamos dentro da aliança abraâmica.

Fonte
Jorge Pinheiro, História e Religião de Israel, gênese e crise do pensamento judaico, São Paulo, Editora Vida, 2007.