dimanche 31 mai 2020

Quem nos alimenta?

No universo existem dois modos de se viver – ter o coração quente e a cabeça fria ou fazer para ver no que vai dar. Ora, não fazer dá trabalho ao contrário do que a gente pensa, e é por isso que todos somos atraídos pelo fazer. Donde inativo, inativo, ninguém é e muito menos gosta de ser taxado assim. E esses modos de fazer, nós chamamos de funções do ser, que variam conforme cada um, e acabam virando meta da vida.

Mas, ainda ao contrário do se pensa, quem faz, quem faz acaba acorrentado e por estar acorrentado torna-se inativo, pois coração e cabeça giram ao redor do que faz, do que se faz.

Mas o coração quente e a cabeça fria colocam as coisas nos seus devidos lugares. Não basta o coração quente, não basta a cabeça fria, mas juntas colocam desejos e fazeres no caminho da alegria, da justiça e da paz. Repare bem, fazer é necessário, afinal todos temos que comer, mas fazer também faz das gentes, gente. E ao fazer assim, juntos, com o coração quente, o desejo do coração solitário fica de lado, e nasce a alegria do trabalho comum. E é assim que nasce a abundância certa. É assim que nós multiplicamos e produzimos para os pequenos, os grandes, os experientes e para a própria natureza, que sempre nos chama à permuta.

E quem nos alimenta? São os deuses? Não. É o acordo solidário entre gentes e natureza, que sempre quer trocar, permutar com todos. Afinal é assim que ela vive. Ou, como diziam os antigos, animais e vegetais vivem na terra, vivem das terras, os frutos dos animais e dos vegetais são geradas pelo hálito quente da terra, mãe e útero, e pela água fria do céu, mas também pelo suor de todos nós, que é fazer e alegria.

E quem com o coração quente e a cabeça fria participa do ciclo da vida, curte os segundos deliciado e cheio de prazer, vive. Encontrou a alegria, é feliz em seu coração, e não despreza o trabalho, mas o faz com todas as forças do seu ser.

Repare, aqui há a experiência de um velho que atravessou décadas, em todo trabalho há um segredo escondido, mas este só se revela quando chega ao coração e às mãos das gentes. Pode parecer, aparecer como de um só, individual, mas quando todos sentam e juntos participam da ceia com alegria, o que era individual, na aparência, realizou a obra do fazer, atingiu o objetivo maior e o segredo se revela a todos. Assim nasce o com panus, o companheirismo solidário que faz de um, todos, do fraco, forte, e do forte de coração quente, amigo e irmão.

Shlomo, que quer dizer pacífico em hebraico e que traduzimos por Salomão, foi rei de Israel. Seu reinado está contado no Livro dos Reis. Era filho de Davi com Bate-Seba e, segundo a tradição, foi o terceiro rei de Israel, governando quarenta anos, de 966 a 926 antes de Yeshua.



Fonte: Jorge Pinheiro, Kaddish, vida, morte e reino,
São Paulo, Fonte Editorial, 2018, pp. 357-358.