mercredi 2 septembre 2015
Edgar Morin e a ecologia da ação
O PENSAMENTO COMPLEXO
DE Edgar Morin E
SUA ECOLOGIA DA AÇÃO
por
Angélica Sátiro*
A Revista Linha Direta
vem realizando um interessante trabalho de intercâmbio e divulgação de idéias
de pensadores contemporâneos através de sua seção HIPERTEXTO.
Preservando
um espaço que vai além de uma simples entrevista, convida intelectuais
inquietos e produtivos, agentes de mudança e de transformação para “dialogar”
com nosso leitor. Nesse número, fomos brindados com um presente: o sorriso
amável do francês Edgar Morin.
Edgar Morin (Paris, 1921) é considerado um dos
maiores pensadores do século XX. É doutor honoris causa em 17 universidades de
diversos países, tais como Itália, Portugal, Espanha, Dinamarca, Grécia,
México, Bolívia e Brasil (em João Pessoa e Porto Alegre). Para estudar os
problemas do humano e do mundo contemporâneo, passa por distintas áreas do
conhecimento: ciências biológicas, ciências físicas e humanas entre outras. Tem
formação pluridisciplinar, é sociólogo, antropólogo, historiador, geógrafo e
filósofo, mas acima de tudo é um intelectual livre que nos propõe uma visão
transdisciplinar do pensamento. Tem mais de 40 livros de Epistemologia,
sociologia, política e antropologia, publicados e traduzidos em diversas
línguas. Merece ser destacada sua obra de 4 volumes, intitulada El Mètode que trata da transformação
das ciências e do seu impacto na sociedade contemporânea. É diretor do Centro
de Estudos Transdisciplinares em Paris, (EHESS), presidente da Agência Européia
de Cultura da UNESCO e
presidente da Associação de Pensamento Complexo. É um apaixonado pelas artes em
geral, principalmente pela literatura e pelo cinema. E gosta de ressaltar que
durante a II Guerra Mundial, foi combatente voluntário da resistência francesa
nos anos de I942 a 1944, lutando contra o nazismo e o stalinismo.
Nosso
encontro ocorreu no cenário gótico da Universidade de Girona, na Espanha. Edgar
Morin estava lá como convidado do professor José Maria Terricabras, da cátedra
Ferrater Mora, a quem devemos nosso mais caloroso agradecimento por facilitar
essa entrevista.
Linha Direta ‑ Qual é
a educação necessária para o século XXI?
Edgar Morin ‑ Há que se fazer uma total reorganização da
educação. E essa reorganização não se refere ao ato de ensinar. Refere‑se à
luta contra os defeitos do sistema que estão cada vez maiores. Por exemplo, o
ensino de disciplinas separadas e sem comunicação entre si produz uma
fragmentação e uma dispersão que nos impede de ver globalmente coisas que são
cada vez mais importantes no mundo. Existem problemas centrais e fundamentais
que permanecem completamente ignorados ou esquecidos e que são importantes para
qualquer sociedade e qualquer cultura.
Linha
Direta ‑ O senhor se refere ao seu estudo sobre os sete saberes necessários
para a educação do futuro?
Edgar Morin ‑ Sim, refiro‑me aos sete saberes necessários
que implicam em ensinar a:
· Reconhecer as cegueiras do conhecimento, seus erros e
ilusões.
· Assumir os princípios de um conhecimento pertinente
· Condição humana
· Identidade planetária
· Enfrentar as incertezas
· compreender
· ética do gênero humano
Linha Direta ‑ Poderia fazer um comentário mais detalhado
para cada um deles?
Edgar Morin ‑ Entende‑se reconhecer as cegueiras do
conhecimento, seus erros e ilusões, é assumir
o ato de conhecer como um
traduzir e não como uma foto correta da realidade. Trata‑se de armar
nossas ates para o combate vital pela lucidez e isso o significa estar sempre
buscando modos de conhecer o próprio ato de conhecer:
Por
assumir os princípios de conhecimento pertinente, entende‑se a necessidade de ensinar os métodos que permitam
apreender as relações mútuas e as influências recíprocas entre as partes e o
todo se mundo complexo. Trata‑se de envolver uma atitude mental capaz abordar
problemas globais que contextualizem suas informações parciais e locais.
Ensinar
a condição humana deveria ser o objeto essencial de qualquer sistema de ensino
e isso passa considerar conhecimentos que estão dispersos em várias disciplinas
como as ciências naturais, as ciências humanas, a literatura e a filosofia.
As gerações precisam conhecer a unidade
e a diversidade do humano.
Ensinar
a identidade planetária tem a
ver com mostrar a complexidade da crise planetária que caracteriza o século XX.
Trata‑se de ensinar a história da era planetária, mostrando como todas as
partes do mundo necessitam ser intersolidárias, a vez que enfrentam os mesmos
problemas de vida e de morte.
É
preciso aprender a tentar as incertezas
reveladas ao longo do século XX através da microfísica, da
termodinâmica, da cosmologia, das ciências biológicas evolutivas, das
neurociências e das ciências históricas. É preciso aprender a navegar no oceano
das incertezas através dos arquipélagos das certezas.
Compreender é ao mesmo tempo meio e fim da
comunicação humana, portanto não pode ser algo desconsiderado pela educação. E,
para tanto, precisamos passar por uma reforma das mentalidades.
Por
ética do gênero humano, entendo uma abordagem que considere tanto o indivíduo,
quanto a sociedade e a espécie. E isso não se ensina dando lições de moral. Isso
passa pela consciência que o humano vai adquirindo de si mesmo como indivíduo,
como parte da sociedade e como parte da espécie humana. Isso implica conceber a
humanidade como uma comunidade planetária composta de indivíduos que vivem em
democracias.
Linha Direta ‑ Sua proposta é muito interessante, mas parece
ir contra um movimento que tem ocorrido tanto na Espanha, quanto no Brasil.
Trata‑se da proposta de realizar avaliações que buscam medir a quantidade de
conhecimento dado por essas disciplinas fragmentadas. Com base em dados vindos
dessa forma de avaliar, separam‑se os alunos pelo nível de informação que foram
capazes de reter e se afirma uma média educacional nacional. Como o senhor vê
esse tipo de iniciativa?
Edgar
Morin ‑ Não sou a favor de nenhum tipo de segregação, uma vez que ao longo da
vida passamos por tudo: atrasos, progressos, encontros, desencontros, crises.
Esse tipo de avaliação é uma forma de segregação que não ajuda a organizar o
conhecimento e suas relações entre as distintas informações. Os dados e fatos
que cabem em avaliações desse tipo não são conhecimentos, representam um vazio
que não reflete nenhum dos sete saberes enunciados anteriormente.
Linha Direta ‑ Um outro contra‑exemplo para a idéia que o
senhor apresenta seria o ocorrido em I I de setembro de 2001, não é verdade?
Edgar Morin ‑ É evidente que sua pergunta é muito importante
e pede um tipo de resposta que vai além do tempo que podemos dedicar a essa
entrevista. Mas vou tentar resumir o que penso sobre isso. Temos ouvido falar
de choque de civilizações em discursos pessimistas que revelam um maniqueísmo
simétrico com direção trágica. De um lado, o fenômeno da modernização que é
baseado na homogeneização geral, é um processo que suscita diversos tipos de
reação nas civilizações mais antigas: Elas se aferram a seu passado, às suas
raízes e à sua religião, porque têm medo de perder sua identidade. De outro
lado, fracassou no mundo ocidental, a fé no progresso tecnológico e econômico
como algo que nos conduzia à um mundo melhor. Já se sabe que esse progresso
pode gerar inclusive o fim do mundo com uma guerra atômica.
Mas,
não podemos entender as conseqüências possíveis desse momento como determinação
histórica. E, portanto, não devemos aceitar a idéia da inevitabilidade da guerra.
Linha Direta ‑ Mas parece que temos outros indícios que
também vão a direção contrária ao que o senhor propõe. Estamos vendo que tanto
na Europa quanto em outros países do mundo, a extrema direita tem avançado de
modo muito evidente. Como o senhor vê esse retorno à ideologia de extrema
direita?
Edgar Morin ‑ Concordo que haja uma ressurreição de coisas
do passado que deveriam ter sido esquecidas ao longo do tempo. Mas, a questão é
saber se isso é algo que permanecerá minoritário e localizado ou se pode vir a
assumir grandes proporções em todo mundo. Compreende‑se que isso ocorre em
função do clima de incerteza atual e da angústia gerada por essa política do
dia –a ‑dia que não dá esperanças de melhora para seus cidadãos. A globalização
e a imigração que vem principalmente da África e dos países da América do Sul
têm causado na Europa um aumento da necessidade de identidade nacional. Essa
identidade de pátria faz com que as relações de cooperação internacional fiquem
frágeis, além é claro de dar lugar a inúmeros tipos de ações racistas. A
imigração da forma como está ocorrendo tem trazido questões complexas como a
marginalização, a delinqüência juvenil e o conseqüente aumento de violência
urbana. Da forma como aparecem, esses são fatores que favorecem a extrema
direita.
Mas
volto a insistir que não são determinismos, o futuro está limpo e não se deve
pensar que o perigo é inevitável. Precisamos estar em estado de vigilância para
que isso não cresça, mas não em estado de alarme como se esse fosse um mal
inevitável. Para contrapor a tudo isso está a educação. E é por isso que venho
desenvolvendo os últimos volumes da obra .
O Método. O quinto
volume está dedicado à educação e no sexto volume, desenvolvo minha proposta
ética de resistência à crueldade do mundo.
Linha Direta ‑ O senhor poderia nos explicar as linhas gerais
dessa sua proposta ética?
Edgar Morin ‑ Falo de autoética, de sócioética, de antropo‑ética
e de ética planetária. Isso porque vejo o indivíduo, a sociedade e a espécie
como categorias interdependentes. Diante de toda a complexidade contemporânea
não há como descartar alguma dessas perspectivas. O problema atual da ética não
é o dever, a prescrição, a norma. Não precisamos de imperativos categóricos.
Precisamos saber se o resultado de nossas ações corresponde ao que queríamos
para nós mesmos, para a sociedade e para o planeta. Já sabemos que não basta
ter boa vontade, uma vez que em nome dela foram cometidas inúmeras ações
desastrosas. A minha ética é uma ética do bem pensar e está implícito nisso
toda a minha idéia de pensamento complexo.
Linha Direta ‑ O senhor poderia apresentar uma síntese de sua
teoria do pensamento complexo?
Edgar Morin ‑ Muitos me
vêem como sintetizador, unificador, afirmativo e suficiente que trata de
apresentar uma teoria sistemática e global. Mas, devo admitir que isso é um
engano, eu não tenho uma teoria que sai do bolso afirmando: “aqui estou, podem
jogar fora seus paradigmas anteriores!” Claro que essa proposta de pensamento
complexo é fruto de um esforço em articular saberes dispersos, diversos e
adversos. Mas a própria idéia de complexidade conduz a uma impossibilidade de
unificar, uma vez que parte da incerteza admite o reconhecimento cara a cara
com o indizível. A complexidade não é uma receita que eu dou, é apenas um
convite para a civilização das idéias.
O
pensamento complexo é a união entre a simplicidade e a complexidade. Isso
implica processos como selecionar, hierarquizar, separar, reduzir e globalizar.
Trata‑se de articular o que está dissociado e distinguido e de distinguir o que
está indissociado. Mas não é uma união superficial, uma vez que essa relação é
ao mesmo tempo antagônica ‑e complementária.
Linha Direta ‑ O senhor gostaria de enviar alguma mensagem
especial para os leitores da Revista Linha Direta?
Edgar Morin ‑ Sinto‑me muito bem no Brasil e agradecido pelo
reconhecimento que me dedicam, no mês de agosto de 2002, quando estive em São
Paulo. Sempre estou em contato, porque me sinto em harmonia com os pensadores e
educadores brasileiros, vejo que tratamos questões similares com enfoques
similares e isso me alegra muito. Que sigamos com nossa ecologia da ação!
Linha Direta ‑ A revista agradece ao professor Josep Maria
Terricabras e à cátedra Ferrater Mora da Universidade de Girona pelo apoio à
realização dessa entrevista, bem como à professora Irene de Puig pela
facilitação às informações. Agradece evidentemente ao entrevistado que, por sua
atitude durante a entrevista, demonstrou ser coerente com as idéias que
apresenta. Pedimos permissão a ele para encerrar essa entrevista citando‑o:
“Somos
habitantes da Terra. Citamos a Holderlin e completamos sua frase dizendo:
prosaica e poeticamente o homem habita a Terra. Prosaicamente (trabalhando,
fixando‑se em objetivos práticos, tentando sobreviver) e poeticamente
(cantando, sonhando, gozando, amando, admirando), habitamos a Terra. A vida
humana está tecida de prosa e poesia. A poesia não é só um gênero literário, é
também um modo de viver a participação, o amor, o fervor, a comunhão, a
exaltação, o rito, a festa, a embriaguez, a dança, o canto que transfiguram
definitivamente a vida prosaica feita de tarefas práticas, utilitárias e
técnicas. Assim, o ser humano fala duas linguagens a partir de sua língua. A
primeira denota, objetiva, funda‑se no lógica do terceiro excluído. A segunda
fala através da conotação, dos signifcados contextualizados que rodeiam cada
palavra, das metáforas, das analogias, tenta traduzir emoções e sentimentos,
permite expressar a alma. (...) No estado poético, o segundo estado se converte
em primeiro”.
Esperamos
que a entrevista inspire o leitor a seguir educando prosaica e poeticamente,
lembrando que um estado pode converter‑se em outro.
*Angélica Sátiro é escritora, educadora e doutoranda na
universidade de Barcelona. Investiga as relações entre criatividade e ética. e‑mail:
angelsatiro@hotmail.com
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