mardi 3 mars 2009

O ser humano. Antropologia bíblica

Antropologia bíblica [Teologia Sistemática II]. Questões para serem discutidas em sala de aula.

O SER HUMANO
Façamos o ser humano segundo a nossa imagem, semelhante a nós”. Gn 1.26

Toda a criação de Deus é o mundo do ser humano. Assim afirmam os dois relatos da criação e o Salmo 8. Mas em que sentido o ser humano é a imagem de Deus? Como Deus confere ao ser humano essa correspondência? A partir da antropologia bíblica podemos ver que:
[1] Em primeiro lugar o ser humano é fruto de uma intervenção de Deus. Há uma concessão de encargo que diferencia o ser humano do resto da criação. Ele é apresentado como um momento especial que coroa a ação criadora de Deus (Sl 8.6). Ele recebe responsabilidade (Gn 2.15-17) e poder de decisão (2.18-23).
[2] Em segundo lugar, Deus deixa claro a finalidade da decisão de criar um ser pessoal, segundo sua imagem. Tal ser deverá ter uma relação especial com o restante da criação (1.26). Deus cria e entrega ao ser humano sua criação. Este ser pessoal deverá estar sobre ela, numa relação de administração, cuidado e produção (2.15,16,19). O ser humano relaciona-se com a criação e através do uso dela e de suas descobertas em relação a ela, mantém uma permanente relação com Deus.
[3] Em terceiro lugar, a imagem de Deus é traduzida na relação que mantém com as criaturas, já que é uma relação de domínio. Ele reina sobre o universo produzido pelo poder criador de Deus. Mas aqui há um detalhe importante: este direito de domínio não lhe é próprio, ele reina enquanto imagem de Deus. Ele não é proprietário, nem tem autonomia irrestrita sobre a criação.
[4] Mas imagem de Deus traduz abertura à transcendência. Aqui estão dados os elementos que nos permitem entender porque faz parte da humanidade o abrir-se à transcendência e viver com ela. Há um deslumbramento permanente diante do absoluto, do sobrenatural e do mistério. Estamos diante de um ser que pode pensar o que não está aqui e agora, e que pode refletir sobre o que vai além da realidade factual.
E é por poder pensar tais realidades que não podem ser vistas, que o ser humano enquanto imagem de Deus pode refletir sobre a eternidade e relacionar-se com o transcendente. Assim, ao ser feito imagem de Deus, o próprio Deus transfere à humanidade a capacidade de relacionar-se com Ele.

UM SER PLURAL
[5] Esse ser humano de que fala Gn 1.26, que deve ser uma imagem de Deus, não é uma pessoa em particular, pois a continuação do texto fala que eles dominem. Estamos diante da criação da humanidade e o domínio do universo não é dado a uma pessoa, mas a comunidade dos seres humanos. Assim, ninguém pode ser excluído da autoridade de domínio dada por Deus à humanidade.
Da mesma maneira, em Gn 1.27 temos uma outra característica fundamental dessa mesma humanidade: ela é formada por conjuntos pares. Para alguns teólogos, como Karl Barth, tal explicação de Gn 1.27b, de uma humanidade formada por pares, é apresentada por Deus “quase à maneira de definição”.
Logicamente, há uma intenção para que o texto bíblico aprofunde-se em tais minúcias. É a de apresentar como o universo criado deveria ser administrado: através da convivência de seres que se completam e se amam. Ou seja, esse ser plural só poderia exercer o domínio através da comunidade, completando-se como homem e mulher.

Para onde aponta o domínio?
Se toda a criação de Deus é o mundo do ser humano, há a total desmitização da natureza. Não há astros divinos, terra divina, animais divinos. Todo o universo pode tornar-se o ambiente do ser humano, seu espaço, que ele pode adaptar às suas necessidades e administrar.
E como ele consegue isso? Através da cultura, enquanto processo social e objetivo de sujeição da natureza, e através dessa necessidade de expansão e domínio, pessoal e subjetivo, que é peculiar a todo homem e mulher livres.
O afastamento de Deus fez com que a humanidade perdesse sua capacidade de ser imagem de Deus viva e eficaz. Seu caráter inicial está distorcido e o mal perpassa todas suas ações. Assim, o ser humano lançou-se ao domínio de seus iguais, inclusive através do derramamento de sangue; suprimiu o equilíbrio e a mútua ajuda entre homem e mulher; mitificou a ciência e técnica; e lançou-se à destruição da própria natureza.
Cristo é “a verdadeira imagem do Deus invisível” (Cl 1.15 cf. 2Co 4.4) e a Ele cabe fazer, a nível escatológico, aquilo que à humanidade tornou-se impossível. “Foi-me dado todo o poder no céu e na terra, por isso, indo, fazei discípulos em todas as nações” (Mt 28.18).