vendredi 24 août 2007

Cristologia: o Jesus histórico e o Cristo da fé

Jesus, o Cristo, identidade construída. A etimologia da palavra. A palavra sobre Cristo ou pensamento ou fala sobre Cristo. Quanto a identidade: Cristo exprime uma identidade. Sem reconhecer essa identidade (pessoa), o Filho de Deus, mediante a fé, não há Cristologia, mas, um estudo sobre a pessoa histórica de Jesus de Nazaré. Através da fé, o Espírito Santo torna a pessoa de Cristo contemporânea, isto é, pessoal//relacional.

Fator histórico. Helenos e cristãos: O cristianismo deixa de ser judeu e palestino. Em um sentido amplo, helenismo refere-se à influência que a cultura grega (helênica, de Hellas, ou Grécia) passou a ter no Império Próximo (Mediterrâneo Oriental: Síria, Egito, Palestina, chegando até a Pérsia e Mesopotâmia) após a morte de Alexandre (323 a. C.) e em conseqüência de suas conquistas. Como um dos períodos em que se divide tradicionalmente a história da filosofia, o helenismo vai da morte de Aristóteles (322aC) ao fechamento das escolas pagãs de filosofia no Império do Oriente pelo imperador Justiniano (525dC). O período do helenismo é marcado na filosofia pelo desenvolvimento das escolas vinculadas a uma determinada tradição, destacando-se a Academia de Platão, a escola aristotélica, a escola epicurista e estóica, o ceticismo e o pitagorismo. Nessa época, houve uma tendência predominante ao ecletismo e muitos filósofos sofreram a influência de diferentes escolas. O principal centro de cultura do helenismo foi Alexandria no Egito. A partir dessa reflexão filosófica deu-se a Teologia. Implicações: escândalo para judeus – a questão da deidade de Jesus como heresia; conflito entre o conceito de messias político e o messias de amor.Perigo para os Romanos – ameaça a ideologia de Culto a César: perigo político.

A busca pela expansão: o cristianismo é de caráter missionário quanto à pregação. Aspectos da Pregação: destemida: “é honra morrer por Cristo”; arriscavam a vida e eram considerados heróis por serem leais a Cristo, desconsideravam a autoridade de César se caso se opusesse aos ensinos de Cristo. De 96 d.C. (Dominiciano) a 180 d. C. (Marco Aurélio) a prudência política dos romanos evitou mortes por razões humanitárias (Tertuliano: “o sangue é semente”). Após 235 d. C. (Morte de Alexandre Severo) houve perseguição acirrada e muitas conversões. Por volta de 300 a. C. , um terço da população do império já era cristã.

A vida divide-se em antes e depois dele. A cada 25 de dezembro, dois bilhões de pessoas celebram o nascimento de um palestino moreno, de cabelos longos, segundo alguns de olhos castanhos e nariz adunco, como sugerem as marcas de sangue e suor impressas num lençol de linho guardado como relíquia pelos católicos. Foi com esse possível biotipo que ele morreu, com cerca de 30 anos. Mesmo aqueles que nunca entraram para seu rebanho reconhecem a data. É a partir dela que dias, semanas, meses, anos, séculos e milênios são contados. Como a infinitude do tempo, esse homem de Nazaré se mantém vivo.
Nenhuma vida foi tão esmiuçada e tão cercada de mistérios. Proclamado filho de Deus, ele rompe o terceiro milênio cercado da fé, das dúvidas e da curiosidade de cristãos e não-cristãos. Como teria nascido? Como viveu? Quem foi ele? Bilhões de pessoas seguem extasiadas esse personagem inacabado, obra aberta a desafiar místicos, teólogos e cientistas. Mas não há explicação capaz de oferecer a versão definitiva, irrefutável, sobre o filho de Maria.
E no correr dos séculos foi transformado no símbolo de um dilema: ou os povos assimilam a convivência respeitosa num mundo marcado por diferenças -- daí os diálogos inter-religiosos que procuram reconciliar católicos, judeus e protestantes -- ou aprofundam os contrastes, raiz da proliferação do fundamentalismo. O mais estranho é que, na encruzilhada da civilização, cristãos e não-cristãos voltam ao começo de tudo.
Não restam dúvidas sobre sua passagem pelo planeta: Jesus viveu nesta Terra. Muitos estudiosos consideraram que em relação a tal fato existem mais fontes confiáveis do que em relação a Sócrates, cuja existência foi basicamente testemunhada por um único discípulo, Platão. Mas não é possível discorrer com a mesma segurança sobre a data de nascimento e a de morte de Jesus.
Um recenseamento promovido na Palestina por Herodes, interessado em regularizar a cobrança de impostos, forneceu evidências de que ele teria nascido cerca de seis anos antes do chamado ano zero. Teria morrido às vésperas da Páscoa judaica, numa sexta-feira. Conferindo calendários antigos, verifica-se que duas sextas-feiras coincidiram com a celebração naquele período: nos anos 30 e 33 da Era Cristã.

O Cristo da fé
Juntamente com a crença na Trindade, a teologia da encarnação ocupa uma posição central nos ensinamentos da igreja. Jesus é mais que um homem santo ou um mestre de moralidade. Ele é o Filho de Deus que se tornou Filho do Homem. A teologia da encarnação é uma expressão da experiência do Cristo na igreja. Nele, a divindade está unida à humanidade, sem a destruição de nenhuma dessas realidades. Jesus Cristo é verdadeiramente Deus, que tem em comum a mesma realidade igualmente com o Pai e o Espírito. Ele é verdadeiramente homem que compartilha com todos nós o que é humano. E como único Deus-homem, Jesus Cristo colocou a humanidade em comunhão com Deus.
Pela manifestação da Trindade, pelo ensinamento do significado da autêntica vida humana, e pela vitória sobre os poderes do pecado e da morte (I Co 15, Cl 1.19-20) através da ressurreição, Cristo é a expressão suprema do amor de Deus o Pai, por seu povo, tornado presente em cada época e em cada lugar pelo Espírito Santo através da vida da igreja. Os pais da igreja resumiram o ministério de Cristo nesta clara afirmação: "Deus tornou-se o que nós somos de tal maneira que nós podemos nos tornar o que Ele é."
É um risco separar Jesus e Cristo, ou ver a ação salvífica num e em outro não, ou teologicamente afirmar que há uma ação salvífica no Cristo em sua divindade, separada da humanidade do Cristo encarnado. É fundamental levar em conta, teologicamente, os dois aspectos complementares da cristologia. Ao dado da união das duas naturezas de Jesus, o Cristo, temos que compreender a questão da distinção, que nos alerta para o fato de que não há confusão entre essas duas naturezas. O monofisismo se apresenta entre nós, quando iniciamos uma caminhada em direção à predileção por uma das naturezas do Cristo, no caso, a tendência de absorção da natureza humana na divina. Mas há um monofisismo invertido, que é um outro risco, atualmente menos comum, que é o da absorção da natureza divina na humana, ocasionando uma redução da divindade da pessoa do Verbo.
A ação humana de Jesus é a ação do Cristo encarnado, mas há uma ação divina que permanece sempre distinta da humana. Assim, há uma ação contínua do Logos antes e depois da encarnação, mas sem que isto signifique a negação do evento cristológico como concentração insuperável da auto-revelação divina. Isto porque a economia do Cristo encarnado constitui a revelação de uma economia mais ampla, a do Cristo eterno de Deus.
A revelação de nosso Jesus, o Cristo, oferece à humanidade tudo o que é necessário para a salvação, não necessitando ser completada por qualquer outra ação ou processo, que não seja o arrependimento e a obediência. O evento Jesus, sem deixar de ser revelação universal da vontade de Deus, permanece particular em razão de sua historicidade. Significa que tal evento não diminui a potência salvífica de Deus, pois a ação universal do Cristo e do Espírito Santo não se circunscreve à humanidade de Jesus. Por isso não se pode reduzir Jesus a uma figura salvífica entre outras. A revelação operada em Jesus Cristo é definitiva e insuperável. Seria um erro absurdo entender a ação do Espírito Santo deslocada da economia salvífica universal do Cristo encarnado. Na historicidade da igreja, é fundamental insistir na conjunção da cristologia com a pneumatologia, a fim de preservar a centralidade do evento Cristo. Irineu, pai da igreja, utiliza uma metáfora para nos explicar essa conjunção – que logicamente como qualquer metáfora tem suas limitações. Ele fala das duas mãos de Deus que operam juntas economia da salvação: a mão do Cristo e a mão do Espírito Santo. Mãos que atuam unidas, mas são distintas e complementares. Assim, a presença do Espírito na obra do Cristo encarnado não põe um fim na atuação do Espírito Santo depois do evento-Cristo. O Espírito Santo estava presente e operante antes da glorificação do Cristo e continua presente hoje.
A revelação universal do Cristo não pode nos levar a considerar as religiões do mundo como caminhos complementares ao do corpo de Cristo. Quando muito a universalidade da revelação presente nessas religiões assumem um papel de preparação evangélica para a compreender no evento Cristo, não podendo ser consideradas caminhos de salvação. Ao longo da história cristã foram comuns injustiças e a perseguições aos grupos, denominações e religiões que discordavam do cristianismo hegemônico naquele momento. Ações essas que violentam a imago Dei, o livre-arbítrio e a compreensão da ação salvífica do Cristo. Grupos, denominações e mesmo religiões não-cristãs não se resumem à mera representação de uma busca humana de Deus, mas traduzem a revelação universal de Deus, através da qual Ele tem se automanifestado à humanidade. São parte do processo de envolvimento pessoal de Deus com a humanidade, que atravessa a história, tendo como centro salvífico o evento Cristo.
Jesus, o Cristo, é aquele que revela o Pai. Quando Deus dá-se a conhecer, de forma direta e especial, o faz através de seu Filho, em carne e osso. E é justamente essa verdade revelada em Cristo, que deve dirigir toda a nossa compreensão do ser humano e da igreja de Cristo. Jesus Cristo é Deus e homem, consubstancialmente perfeito e pleno. Nesse sentido, entendemos que o Cristo encarnado possibilita uma compreensão do que é a humanidade, traduzindo numa linguagem cheia de vida os conteúdos fundamentais daquilo que está dito em Gênesis sobre o homem, antes do pecado. O Cristo revelado é a dimensão mais profunda do humano, a dimensão que traduz aquilo que o cristão é: filho adotado do amor e da graça de Deus, criado para o louvor, honra e glória do Deus eterno.
Assim, o corpo de Cristo sobre a terra é uma nova vida com Cristo e em Cristo, dirigida pelo Espírito Santo. A luz da ressurreição de Cristo reina sobre a igreja (I Co 15.3-8) e a alegria da ressurreição, do triunfo sobre a morte, compenetra-se nela. O Senhor ressuscitado vive conosco e nossa vida é uma vida misteriosa em Cristo. Os cristãos levam este nome precisamente porque são de Cristo, vivem em Cristo e Cristo vive neles. A encarnação não é unicamente uma idéia ou uma teologia; é antes de tudo um fato que se produziu uma vez no tempo, mas que possui a força da eternidade. E esta encarnação perpetua, sem confusão, as duas naturezas: a natureza divina e a natureza humana. A igreja é o corpo de Cristo, enquanto unidade de vida com Ele. Expressa-se a mesma idéia quando se dá à igreja o nome de esposa de Cristo ou esposa do Verbo. A igreja, enquanto corpo de Cristo não é Cristo-Deus-homem, pois ela não é mais que sua humanidade; mas é a vida em Cristo e com Cristo, a vida de Cristo em nós: "Não sou mais eu quem vive, é Cristo que vive em mim" (Gl 2,20).
A igreja, em sua qualidade de corpo de Cristo, que vive da vida de Cristo, é por Ele mesmo o domínio, onde está presente e onde opera o Espírito Santo. Eis aqui, porque se pode definir a igreja como uma vida bendita no Espírito Santo. A igreja é obra da encarnação do Verbo, ela é encarnação: na igreja Deus se assimila à natureza humana e através da igreja o corpo se assimila à natureza divina. É a santificação, que os pais chamavam deificação (Zeosis) da natureza humana, conseqüência da união de duas naturezas em Cristo. Assim, a igreja é o corpo de Cristo: enquanto igreja participamos da vida divina da Trindade. Ela é a vida em Cristo, é o corpo de Cristo, que permanece unida à Trindade.

Jesus num mundo de exclusão
A primeira parte da missão de Jesus (4.14–9.50) é toda situada na Galiléia (cf. 23.5; At 10.37). Ao contrário de Mateus (15.21; 16.13) e Marcos (7.24-31; 8.27), Lucas abre a comissão de Jesus com a cena da pregação na sinagoga de Nazaré (4.16-30), que descortina toda a seqüência do evangelho: o anúncio da salvação fundamentado nas promessas do Antigo Testamento e inspirado pelo Espírito Santo, a salvação dos pagãos, a rejeição de seus compatriotas e a tentativa de assassinato. No texto, Lucas descreve duas questões centrais: em primeiro lugar o programa de Jesus e, em segundo lugar, o destinatário da mensagem. Assim, os versículos 18 e 19 apresentam o programa e os versículos 23-27 seu público, os gentios.
Jesus foi ungido, escolhido por Deus, e sob a ação do Espírito Santo – ação esta que caracteriza o verdadeiro profeta – tem como missão proclamar e libertar. Seu programa é formado por quatro pontos: anunciar a boa nova aos pobres, proclamar a libertação aos cativos, dar vista aos cegos, por em liberdade os oprimidos. O programa destaca duas idéias a de anunciar, proclamar, e a de libertar, salvar.
A idéia de proclamar está presente no Antigo Testamento, já que a missão profética era, sobretudo, proclamatória. De Samuel a Jeremias – incluídos nesse período de ouro homens como Samuel, Natã, Gade, Azarias, Elias, Eliseu, Joel, Miquéias, Micaías, Isaías e Jeremias -- esses anunciadores da vontade de Deus falaram aos reis e ao povo. Advertiam, repreendiam, encorajavam. Falavam de julgamentos e de promessas espetaculares. Traduziam grandeza de caráter e força moral. E assim também foi o último período da profecia hebraica, de Ezequiel a Malaquias. No período helênico, graças às reuniões nas casas de oração, sinagogas, a proclamação se generalizou. As Escrituras eram lidas e interpretadas. João, o batista, foi um anunciador da chegada do reino. E Jesus, ali na sinagoga de Nazaré, colocou em seu programa a tarefa da proclamação.
O conceito de libertação no Antigo Testamento parte da idéia de livramento e de segurança. A pessoa de um libertador no AT traduz sempre a imagem do libertador como alguém que arrebata um povo da destruição (Jz 18.28). E no Novo Testamento, o libertador era aquele que soltava os israelitas da escravidão (At 7.35), ou que arrancaria a nação da impiedade (Rm 11.26). Para todo o judeu, na época de Jesus, o ato mais característico de libertação ocorreu sob a liderança de Moisés, quando Deus salvou seu povo da escravidão aos egípcios e o libertou no deserto do Sinai (Ex 12.31—14. 31). É fundamental entender que a libertação da escravidão egípcia definiu para os judeus do período helênico o paradigma da libertação como um ato de Deus que não visava apenas o alívio de uma situação desastrosa. Mas, e aí está a chave do conceito de aliança, para que livres possam servi-lo. Essa idéia fundamenta o conceito de aliança e da espiritualidade judaica até o primeiro século.
O texto usado por Jesus é a leitura de Isaías 61.1-2. Ao ler o texto e dizer que ele próprio é o cumprimento da profecia, Jesus cria uma nova hermenêutica, que será amplamente utilizada por todos os escritores do Novo Testamento. Ele é o intérprete inspirado, ungido, no cumprimento do que foi anunciado e que está presente nesse kairós para o desenlace dos últimos tempos – proclamar o ano aceitável do Senhor. Partindo dessa hermenêutica, os escritores do NT, e Lucas entre eles, lerão o Antigo Testamento à luz do evento Jesus.
Uma característica marcante que se destaca na personalidade de Jesus é a sua liberdade. Liberdade policrômica e polifônica, que abrange os mais diversos registros de expressão e, talvez, seja a chave para explicar o fascínio exercido por ele sobre os que o rodeavam. Liberdade de iniciativa e de movimentos, como desenvoltura e franqueza para falar, com clareza quando toma alguma posição, instrui ou critica. Demonstra grande liberdade em face das classes dominantes (Lc 13:31-33, João 7:1-10, João 10:18). Liberdade para ensinar (Mc 1:22).
Liberdade para escolher seus discípulos entre pessoas mal vistas. A liberdade de Jesus vai abrindo caminho entre os conflitos sociais, sem renunciar um só momento ao sentido do outro, à preocupação pela pessoa de carne e osso dentro de cada situação concreta. Liberdade que visa suscitar condições humanas adequadas a uma vida pessoal criativa e libertadora dos grilhões que a prendem ao passado e lhe tolhem o futuro. A radicalidade da liberdade de Jesus consiste na plenitude de sua inserção no mundo do pobre. A liberdade de Jesus constitui-se assim no fato pessoal fundamental ligado à pregação do Reino. Antes de ser tema de sua pregação, a liberdade e a libertação encontram expressão concreta na própria pessoa, no seu dinamismo criador, na sua originalidade irredutível. Jesus se mostra profundamente livre e, por isso, tanto a sua palavra como seus atos suscitam liberdade ali onde se fazem presentes. Neste sentido, sua prática fundadora de liberdade. Jesus liberta para o Reino.

Mas, qual é a missão?
Em meio a todas as questões que se levantam, uma pergunta surge: O que quis e veio trazer afinal Jesus, o Cristo, com a sua pregação? De uma forma breve a melhor resposta é: ser em sua própria pessoa a resposta de Deus à condição humana. Mas para entender Jesus como resposta à condição humana, precisamos compreender quais são as questões que demandam esta resposta. De uma forma geral podemos dizer que elas são geradas por um princípio-esperança gerador de constantes utopias de superação de felicidade plena, que faz parte do humano, seja qual for a sua cultura ou civilização. É neste contexto, que de certa forma esta presente em toda história humana, que surge um homem de Nazaré anunciando a resposta de Deus: o romper da nova ordem está próximo e será trazido por Deus (cf. Mc 1:14, Mt 3:17, Lc 4:18s).
Jesus não começou pregando a si mesmo, mas o Reino de Deus, que é indiscutivelmente o centro de sua mensagem. Mas o que era Reino de Deus para os ouvintes de Jesus? A realização da esperança de superação de todas as alienações humanas, da destruição de todo mal, seja físico, seja moral, do pecado, do ódio, da divisão, da dor e da morte. Isto aconteceria não numa outra vida, no céu, ou pós-morte. Esta utopia, anseio de todos os povos, é o objeto da pregação de Jesus. A sua promessa é que não será mais utopia, mas realidade a ser introduzida por Deus (Lc 4:18-19, 21).
Jesus torna-se libertador porque prega e inaugura o Reino de Deus. Reino este, que é a transformação global e estrutural da realidade estabelecida do homem e do cosmos, purificados de todos os seus males. Não é ser um outro mundo, mas transformar o mundo em novo. Ele apresenta o Reino como graça, acima de todos os esquemas anteriores de possíveis virtudes e merecimentos.
Os zelotas procuravam alianças para realizar a sua revolta militar; os sacerdotes obtinham a ajuda dos grandes poderes do mundo para manter a ordem sacra estabelecida; os fariseus insistiam na pureza da lei que pode conservar os fiéis impolutos dentro deste mundo corrupto; e os apocalípticos queriam congregar os restantes escolhidos para o tempo de julgamento que estava próximo. Jesus escolhe como destinatários do seu reino os últimos do mundo. É ocumprimento de uma das grandes utopias do AT, expressas no ano sabático ou do jubileu, que jamais foram realizadas como ideais sociais de forma definitiva. Os milagres de Jesus vêm mostrar que o Reino já esta presente e fermentando no velho mundo. Jesus anuncia o ano de graça do Senhor que não conhecerá ocaso.
A libertação promovida por este Reino abarca tudo: humano, sociedade, mundo, a totalidade da realidade deve ser transformada por Deus, a partir do próprio ser humano. A pregação do Reino se realiza em dois tempos: no presente e no futuro. Por isto Jesus entusiasma as massas. Ele tem consciência de que com ele já se iniciou o fim deste velho mundo. Jesus vai entender o messianismo e as categorias apocalípticas como os meios mais adequados para comunicar sua mensagem libertadora. Com essa linguagem ele participa dos desejos fundamentais do coração humano, de libertação e de uma nova ordem. A sua moral tem sentido messiânico e se exprime na forma de ruptura. Suplantando os princípios do seu povo, ele acolhe à mesa e na amizade os perdidos, expulsos da aliança.
Apesar destes elementos, a pregação de Jesus destaca-se das expectativas messiânicas do povo. Ele não alimenta o nacionalismo judeu; não diz nenhuma palavra de rebelião contra os romanos, nem faz qualquer alusão à restauração do rei davídico. Neste ponto, decepciona a todos. O que mais se ressalta no Jesus, o Cristo, é a autoridade com que anuncia o reino e o torna presente por sinais e gestos inauditos. Em Jesus, irrompe o tempo da libertação. Uma vez entendendo qual era a sua missão, é preciso saber qual a sua estratégia. Já que Reino de Deus significa uma revolução total, global e estrutural da velha ordem, Jesus faz duas exigências fundamentais: exige conversão da pessoa e postula uma reestruturação do mundo da pessoa.
O Reino atinge primeiro as pessoas. Delas se exige conversão, no sentido de mudar o modo de pensar e agir no sentido de Deus, portanto revolucionar-se interiormente. É um novo modo de existir diante de Deus e diante da novidade anunciada por Jesus. Implica sempre numa ruptura (Lc 12:51-52). É um não à ordem vigente (Lc 13:3,5). Ruptura até mesmo de uma religião que gerava uma consciência oprimida. Afinal, na religião judaica, ao tempo no NT, tudo estava prescrito e determinado, tanto nas relações com Deus como entre os homens. A Lei era amanifestação da vontade de Deus. Com isso a consciência sente-se oprimida por um fardo insuportável de prescrições legais (Mt 23:4).
Jesus levanta um protesto contra a escravização do homem em nome da lei (Mc
2:27). A pregação ética de Jesus pode ser resumida em uma frase: não é a lei que salva, mas o amor. Em outras palavras ele desteologiza a concepção da lei. A vontade de Deus não se encontra só nas prescrições legais e nos livros santos, mas se manifesta principalmente nos sinais dos tempos (Lc12:54-57). Deve ficar claro que, se Jesus liberta o homem das leis, não o entrega a libertinagem ou a irresponsabilidade. Antes pelo contrário, cria laços e ligações ainda mais fortes que os da lei. Liberdade sim, frente a lei. Contudo só para o bem e não para a libertinagem. Desta forma, ele deseja libertar o homem das convenções e dos preconceitos sociais. No Reino de Deus deve haver liberdade e igualdade fraterna. Nesta concepção, justiça supera o conceito clássico de dar a cada um o que é seu. Jesus vem anunciar uma igualdade fundamental. Ele confronta toda a subordinação desumanizadora a um sistema, seja social ou religioso.
Um outro aspecto deste processo de libertação, passa pelo mundo das pessoas, como por exemplo a libertação do legalismo, das convenções sem fundamento, do autoritarismo e das forças e potentados que subjugam o homem. Estas forças eram representadas particularmente pelos escribas e fariseus, que viviam espalhados por todo Israel, comandavam as sinagogas, possuíam enorme influencia sobre o povo e para cada caso tinham uma solução que arrancavam pelos cabelos das tradições religiosas do passado e dos comentários da lei mosaica. Quanto a eles Jesus declara que dizem e nada fazem. Atam pesadas cargas de preceitos e leis e põem-nas nos ombros dos outros.
Jesus prega que para entrar no Reino não basta fazer o que a lei ordena. A presente ordem das coisas não pode salvar o homem da sua alienação fundamental. Ela é uma desordem. Urge uma mudança de vida e uma reviravolta nos fundamentos da velha situação. Por isso os marginalizados da ordem vigente estão mais próximos do Reino de Deus que os outros. Jesus vai além das fronteiras da lei, para o local onde habitam aqueles a quem o povo e os letrados consideram pecadores. Ele veio de forma provocativa.
Podia ter vindo de maneira mais interna, silenciosa, oculta. Podia ter se mostrado como um homem espiritual, prudente. Preferiu, no entanto, comportar-se escandalosamente: sentou à mesa com os pecadores, oficiais de seu povo (publicanos e prostitutas), convidando-os assim para o banquete novo de seu Reino. Ele rompe as convenções sociais da época, não se atém às convenções religiosas e não respeita as divisões de classes. Ele realiza sua ação no reverso da história.

A cruz de Cristo na soteriologia
Diante dessas questões que pontuam a fé que professamos, a cristologia. se coloca como centro da doutrina cristã, intimamente ligada à soterologia. E são essas duas que analisaremos neste texto.
1. O que é o evangelho?
São boas notícias, cf. I Ts 3.6. A mensagem do evangelho é a boa notícia de que o reino de Deus é chegado: Mc 1.14-15, Mt 4.23, Lc 4. 18; 7.22. Mas é também crescimento espiritual: Fp 2.12; I Pe 1. 5, 9.
É interessante lembrar que Orígenes, prenunciando uma teologia dialética da unicidade e universalidade da revelação, falou de um evangelium aeternum (De principiis IV, 1), através do qual Deus revela verdades aos seres humanos de todas as épocas, com a finalidade de integrar a revelação contida no evangelho histórico.
Qual é a relação do evangelho com a graça?
A graça, o amor incondicional de Deus oferecido gratuitamente, através da fé daquele que ouve a mensagem do evangelho, salva para a vida eterna. I co 15.1-5; Ef 1. 13; Rm 1.16; 15. 18-21; Gl 1.8-9; Mt 28.19.
Tomás de Aquino afirmou que a preparação do ser humano para a graça tem o livre-arbítrio como movimento e Deus como móvel. “Ela pode ser considerada sob dois aspectos: no primeiro, depende do livre-arbítrio e não implica a necessidade de obter a graça, porque o dom da graça excede qualquer preparação da virtude humana; no segundo aspecto, tem Deus como móbil e implica a necessidade de obter a graça, que é determinada por Deus, embora não se trate de uma necessidade proveniente da coação, mas da infabilidade, porquanto a intenção de Deus não pode deixar de ter efeito”. (Summa Theologiae, ed. Caramello, Torino, 1950, III, q. 112-113).
Luís de Molina, partindo de Tomás de Aquino, considerou dois tipos de graça: a suficiente, dada a todos os seres humanos como condição necessária à salvação; e a eficaz, que infalível segue a boa vontade humana. (Liberi arbitri cum gratiae donis, divina praescientia, providentia, praedestinatione et reprobatione concordia).
2. O que é a salvação?
De sotérion e soteria é o ato de saldar do poder e dos efeitos do pecado. O sentido geral, tanto no Antigo Testamento como no Novo, é o de livrar das opressões, materiais e espirituais: Ex 14.13, 15.2; Is. 46.13, 52.10-11; Os 1.7; Jó 30.15; Mt 14.30, Jo 12.27, Mt 9. 22, Lc 8.36, At 4.9; Rm 11.26-27.
3. Os tempos da soteriologia
Quando falamos em salvação, falamos nos tempos dessa salvação na vida humana em particular e na vida da humanidade. Assim, a salvação tem (1) um tempo pretérito, II Tm 1.8-9, que fala de perdão jurídico, Rm 5.9, Ef 1.7; (2) um tempo presente, Tg 1.21, I Pe 1.9, que fala de liberdade, Lc 9.23+, Rm 5.10, Gl 5. 16, 25; e (3) um tempo futuro, Rm 13.11, que fala da glorificação, Fp 3.20-21, Gl 1.4, I Pe 1.5, 3.20-21.

A cruz e suas realizações

1. Redenção.
Alforria, ato de comprar a liberdade. Daí, temos expressões como comprador, remidor, resgate. Rt 3-4, Os 3.1-5, Is 43.3,10-14, 44.6.
No Novo Testamento temos seis expressões gregas que traduzem a idéia de alforria e redenção: lutron, que podemos traduzir por “pagamento para livrar”: Mt 20.28, Mc 10.45; lutróo, comprar/libertar, Lc 24.21, Tt 2.14, I Pe 1.18-19; apolútrosis, alforria através de pagamento de um resgate, Rm 3.24, Ef 1.7, Hb 9.15. No nível escatológico, Rm 8.23, Ef. 4.30; agorazo, comprar, I Co 6.19-20, Ap 5.9; ekagorazo, comprar para libertar, Gl 3.13,Ef 5.16, Cl 4.5; peripoiéo, redimir, adquirir, At. 20.28.
Assim, quando estávamos sob a escravidão do pecado e a Satanás – Jo 8.34, II Co 4.3-4, Cristo pagou nossa alforria. II Pe 2.1. Ele nos tirou do pelourinho, Gl 3.13 (cf. Os 3.1-5), e nos deu plena liberdade, Mt 20.28.
Dentro da teologia reformada, a idéia de redenção nos leva a outros conceitos que enriquecem a soteriologia. Vejamos algumas delas:
2. Propiciação
O conceito propiciação (hilastérion) do verbo grego hilascomai traduz a idéia de satisfazer através do sangue. E não significa apenas expiar, no sentido de anular, mas dar uma satisfação plena. Nesse sentido, o conceito propiciação está intimamente ligado ao de justiça de Deus.
Propiciação está ligada à idéia de justiça porque Deus é o absoluto moral do universo. Por isso, Ele manifesta sua orgé e seu tumós, que traduzimos por ira, contra o pecado.
Segundo Lutero, “a ira é o justo juízo de Deus contra a injustiça”. Isto porque, com o pecado, Deus é o grande injustiçado, pois o pecado diz que Deus não é Deus, que Deus não é amor, que Deus não é justo. Diante dessa acusação injusta do pecador contra Deus, Deus deve ser desculpabilizado. Esse é o sentido da ira e da necessidade da propiciação.
No Antigo Testamento, essa ira de Deus contra o pecado é mencionada 585 vezes e está presente no Novo Testamento, cf. Jo 3.36, Rm 1.18+, 9.22, Ef 5.6, II Ts 1.7-9, Hb 10.27, 12.29.
3. Justificação
O conceito justificação que aparece no Novo Testamento como dikaióo, justificar, tratar como justo, dikaios, justo, honrado, reto, e dikaiosine, justiça, honestidade, integridade traduz a idéia ato de declarar alguém justo. Rm 3.19-26, II Co 5.21, At 13.39, Rm 5.9, 8.30-31, Ef 1.4, Tt 3.7, Jd 24. Ou seja, não fala de uma atitude de neutralidade de Deus para conosco, mas de uma condição que nos é imputada, enquanto dom jurídico de Deus que é apropriado pela fé. At 13.39, Rm 5.1, Gl 2.16-17, 3.11-14, Rm 3.21-16.
Teologicamente, o conceito de justificação dá lugar a duas alternativas: a demonstração de uma necessidade, ou seja, de que o ser humano não pode ser diferente daquilo que lê é, pecador; e o esclarecimento da possibilidade: o ser humano, em Cristo, pode ter nova determinação, diferente daquela do estado de necessidade.
Assim, somos justificados pela morte de Cristo na cruz, Rm 5.9, e por sua justiça, estamos em Cristo, somos membros do seu Corpo e Deus habita em nós, I Co 6.15-19.
4. Reconciliação
Katallasso e apokatallasso traduzem a idéia de fazer as pazes ou trocar a inimizade pela amizade, cf. Rm 5.10-11, II Co 5.18-21, Ef 1.10, 2.16, Cl 1.20-22., que nós comumente traduzimos por reconciliação.
Este conceito traduz dois aspectos. Ao morrer, propiciando a ira de Deus, Cristo nos coloca numa situação em que podemos fazer as pazes com Deus, ou como afirma Paulo, “Deus reconciliou consigo o mundo através de Cristo”, II Co 5.19. O segundo aspecto dessa reconciliação é que somente pela fé a paz pode ser completada. A graça e os benefícios da cruz de Cristo só se concretizam através da fé. Assim, o segundo aspecto da reconciliação é o relacionamento pessoal entre Deus e o ser humano que crê nele. Essa verdade aparece na parábola do filho pródigo e é o clamor que encontramos em Paulo, II Co 5. 19-20.
5. Substituição
Este conceito não é aceito por muitos teólogos, entre eles John Stott (vide A Cruz de Cristo, São Paulo, ed. Vida), porque aparece no Novo Testamento sempre através de preposição, como negativa, anti (em grego), ”no lugar de”, cf. Mt 20.28, Mc 10.45, I Tm 2.6, e como substitutiva hyper (em grego), “pelo benefício de” ou “no lugar de”, cf. II Co 5.15, 21, I Pe 2.21-24, Rm 5.6-8.
A idéia da substituição é mais abrangente do que dizer que Cristo morreu no lugar dos pecadores. Para os defensores da substituição, (1) o castigo é removido porque Cristo morreu no nosso lugar, (2) a justiça de Cristo nos é imputada, (3) porque Jesus Cristo é Deus e ser humano, sua morte na cruz tem um valor infinito para todos que crêem. Assim, conforme acreditavam os pais da Igreja, é a substituição que possibilita, no escaton, a nossa deificação.
Quando utilizamos o conceito escaton estamos nos referindo à teoria cristã do destino, onde os propósitos últimos de Deus para humanidade (morte, ressurreição, juízo final) e para mundo (a criação de novos céus e nova terra) são apresentados enquanto teologia dos últimos acontecimentos ou escatologia.
É interessante ver ainda que a substituição implica em disposição testamentária, quer dizer representação por Cristo. Mas, traduz também a idéia de troca de um corpo por outro corpo. Tem também uma leitura fideicomissária, onde Cristo, herdeiro e legatário, recebe a herança e o legado, para transmitir, por sua morte, àqueles que substituiu
6. Perdão dos pecados antes da Cruz
Os pecados dos seres humanos que sentiram a dor e tiveram consciência de sua miserabilidade, ou seja, arrependidos, foram perdoados através da cruz, porque o sistema de sacrifícios no mundo antigo (que é anterior a Israel) era um símbolo do sacrifício vicário do Filho de Deus. Rm 3.25, Hb 9.15, 10.1-14.
7. O fim da lei mosaica
Em Romanos 10.14 lemos que “o fim da lei é Cristo, para justiça de todo aquele que crê”. Quando relacionamos este versículo com outros (Rm 3.19-20, 27-28, 4.14-16, 8.2-4, II Co 3.6-11,Gl 5.1-25, Ef. 2.8-10, Fp 3.9, Cl 2.14), vemos que o propósito da lei era (1) revelar o caráter de Deus, (2) orientar o povo nas áreas sócio-culturais e morais, (3) levar a pessoa à santidade e (4) condenar o pecador, levando-o ao arrependimento e à dependência através da fé na graça de Deus.
Mas o que a lei não pode fazer é justificar o pecador (At 13.39, Rm 3.19-20). Assim, fora da cruz não há salvação. A lei mostra a necessidade de justificação, mas não tem a solução (Rm 8.2-4, Gl 3.22).
Por isso, em Cristo, há uma nova lei (Gl 6.2): “a lei do Espírito da vida em Cristo” (Rm 8.2, 13.8-10, II Co 3.17, I Jo 3.22-24) ou “a lei do amor” (Gl 5.6, 13-18). Essa lei é interna, vem do Espírito.
É importante notar que o espírito da lei antiga, ou seja, sua moralidade, é paralela à nova. Assim, nove dos dez mandamentos aparecem no Novo Testamento, mas como expressão da vida controlada pelo Espírito.
A lei do sábado, que não se repete no Novo Testamento, não existe mais, cf. Cl 2.16, 20-23, Rm 14.5-6, Gl 4.10, I Tm 4.3-4. Fica, portanto, o conceito moral do descanso. Mas, há uma polêmica que permanece: podemos dizer, a partir do Novo Testamento, que o dia do Senhor, assim chamado por causa da ressurreição, é o sábado cristão?
Diante de questões como essa, prefiro dizer que a nova lei do Espírito, embora seja a lei da liberdade cristã, exige de fato mais do crente, pois o Espírito age em cada pessoa dando convicção e direção. E aqui temos que entender a beleza da liberdade cristã: em alguns ele proíbe costumes como o café, vinho, rock, televisão (para citar poucos exemplos), em outros não. Devemos entender a proibição como uma forma de testemunho. Nesses casos, desobedecer é pecar.
8. Adoção como filhos
Esse é um conceito eminentemente paulino, e tem por base uma leitura hermenêutica da família romana. Para Paulo não somos apenas filhinhos (recém-nascidos, crianças) de Deus, mas através da cruz podemos chegar a herdeiros maduros, plenos, filhos provados e dignos, cf. Rm 8.14-17, Gl 3.23-26, 4.1-7.
Não podemos nos esquecer que tal perfilhamento implica em reconhecimento legal, do filho ilegítimo, por Deus, o que implica em termo de nascimento, por declaração vicária e testamentária.
9. A obra do Espírito
A pergunta que move o entendimento desta questão é: como pode o Espírito que é santo operar nas vidas dos pecadores? A resposta é: a cruz possibilitou a ação graciosa, e não meramente jurídica, do Espírito Santo na vida humana.
É a cruz que cria a base para a obra do Espírito na supressão do pecado no mundo (Rm 8.2-6): para o convencimento do pecado e da verdade em Cristo (Jo 16.8-11), para a regeneração – o novo nascimento e a vida eterna (Tt 3.5, Jo 3.1-7), para o batismo do Espírito (I Co 12.13, Rm 6.1-11), para o selo do Espírito (Ef 1.13+, 4.30) e para a habitação do Espírito (I Co 6.19).
10. A base da santificação
O Espírito Santo atua em cada um de nós, a partir da cruz e da nossa fé, separando-nos do pecado e aperfeiçoando-nos a cada dia à imagem de Cristo. Assim, podemos dizer que a santificação cobre três aspectos: (1) é posicional, enquanto estado do ser crente, cf. I Co 1.2, 6.11, Hb 10.10,14; (2) é experiencial, enquanto luta diária e permanente do fiel, cf. I Pe 1.15-16, I Ts 4.3; e (3) é futura, enquanto completude no escaton, cf. I Jo 3.1-2, Ef. 5.26-27, Jd 24-25, I Co 15.12.

Programa de Teologia Sistemática II

Objetivo
Os profissionais da teologia deveriam ter uma compreensão das características gerais do conhecimento trinitário e do Cristo. A pesquisa da Teologia nos campos das doutrinas da Trindade e do Cristo possibilita o desenvolvimento de uma consciência apta a compreender a riqueza dos fenômenos vividos pela fé cristã e, por extensão, construir um conhecimento a respeito da real experiência dos fiéis e da igreja.
Abordagem
Optamos por uma abordagem temática dos assuntos, sem descuidar da referência necessária à história dessas áreas da teologia, que permita estabelecer o fio condutor da exposição dos temas. Isto porque fazer teologia não deve ser visto como atividade solitária, mas que se faz através do diálogo entre pensadores, igreja e fiéis quando expõem suas diferenças.
Avaliação
Os alunos serão avaliados por sua participação em classe (peso 3), pelos seminários apresentados (peso 4) e por uma prova final (peso 3).

PROGRAMA DA DISCIPLINA
A Teologia da Trindade.
A formulação do dogma trinitário; a economia intratrinitária; paradoxo e dificuldades terminológicas. Posições em relação à Trindade.

A Cristologia.
Jesus, o Cristo, uma identidade construída. O Cristo da fé e o Jesus histórico. Jesus num mundo de exclusão, ontem e hoje. A cruz de Cristo na soteriologia. A cruz e suas realizações.

BIBLIOGRAFIA Obrigatória
Júlio Andrade Ferreira, Antologia Teológica, São Paulo, Fonte Editorial, 2003.
Bibliografia auxiliar
Carl E. Braaten e Robert W. Jenson, Dogmática Cristã, vol I, São Leopoldo, Sinodal, 1990.
McGrath, Alister E., Teologia sistemática, histórica e filosófica, São Paulo, Shedd. 2005.

A doutrina de Deus

“É preciso indagar de nós mesmos: qual é o alvo final e a razão de eu estar ocupando minha mente com essas coisas? O que eu pretendo fazer com o conhecimento de Deus que vou adquirir? Pois o fato que teremos de enfrentar é este: Se procurarmos obter conhecimentos teológicos como um fim em si mesmo, isso provavelmente nos irá prejudicar, tornando-nos orgulhosos e convencidos. A própria magnitude do assunto nos embriagará e chegaremos a pensar que somos bem melhores e superiores aos demais cristãos pelo nosso interesse no assunto e compreensão do mesmo, e olharemos com superioridade para aqueles cujas idéias teológicas nos parecem rudes e inadequadas, pondo-as de lado com desprezo. Isso se conforma às palavras de Paulo aos presunçosos cristãos de Corinto: ‘o saber ensoberbece... Se alguém julga saber alguma coisa, com efeito não aprendeu ainda como convém saber’ (1Co 8.1 e 2)”. J . I . Packer, O Conhecimento de Deus, São Paulo, Mundo Cristão, 1992, pp. 13 e 14.

A – A EXISTÊNCIA DE DEUS
Argumentos naturais a favor da existência de Deus. Pelo menos desde o tempo de Platão, filósofos têm oferecido argumentos racionais a favor da realidade de Deus. Tradicionalmente, estes argumentos dividem-se em cinco categorias:
1. Cosmológicos – de cosmos, mundo em grego – todo acontecimento ou fato possui uma causa e tudo que existe é resultado de uma causa principal e suficiente para criar o universo: Deus. John Locke ( 1632-1704) afirmou: “Eu existo, mas eu nem sempre tinha existência. Qualquer coisa que começa a existir deve ter uma causa. A causa deve ser suficiente, esta causa suficiente existe sem limitações: ela deve ser Deus”. Leia Hebreus 3.4; Platão, Leis, X; Aristóteles, Metafísica, VIII; Tomás de Aquino, Suma Teológica, Q2, Art. 3.
2. Teleológicos – de propósito, fim em grego – A organização do universo aponta para um planejador (Rm 1.18-20), pois há coisas na natureza que mostram propósito. W. Paley (1743-1805) disse: “Se alguém achasse um relógio no campo concluiria que o mesmo teria sido feito por um relojoeiro”. Até Kant e Voltaire se interessaram por este argumento. Leia Salmos 19.1-6; 139.14.
3. Antropológico – de homem em grego – Porque o ser humano é um ser moral; e intelectual, ele deve Ter um Criador que também é moral e inteligente (Atos 19.29). Este argumento tem variáveis: personalidade, sentimentos morais, consciência, tropismo religioso, raciocínio, dignidade, etc. Comparar com Gênesis 1.26 e Romanos 1.18-20. Alguns teólogos vêem o argumento moral como um argumento à parte.
4. Ontológico – de ser, existência em grego – Deus é perfeito. O argumento ontológico é dedutivo (a priori) em vez de indutivo (a posteriori). O ser humano busca a perfeição. Anselmo afirmou que cada ser humano possui o conceito do Ser Perfeito. Esta idéia inclui a necessidade da existência de Deus, pois caso contrário não seria perfeita a busca que o ser humano faz. Ainda hoje esse argumento atrai filósofos cristãos, como A. Platininga, por exemplo.
5. Unidade-Diversidade – Há outros argumentos menos tradicionais. Um deles é o argumento baseada na unidade e diversidade do Universo (Dooyeweerd e Van Til). Segundo tal argumento, a Trindade é a única perspectiva adequada para explicar o lugar do ser humano no Universo, sem cair no mecanismo ou determinismo, no caos ou incoerência completa.
Argumentos bíblicos para a existência de Deus – Os autores bíblicos consideram a existência divina uma realidade. Leia Gn 1.1 e Hb 11.3, 6.
B. OS NOMES DE DEUS
O que significa um nome? Jz 13.18; Ex 20.7; Sl 8.1,9.
Os principais nomes: Elohim, o poderoso, literalmente “os poderosos”, aparece cerca de 2.500 vezes. Em Gênesis 1.1-2.3 é usado 35 vezes. Elohim descreve Deus como criador, sustentador do mundo e do universo.  é a palavra mais comum para Deus no NT e traduz na Septuaginta e no NT Elohim.
Iaveh, YHWH, conhecido como o tetragrama, possivelmente da raiz de “ser, tornar-se”. Seu significado literal é obscuro, mas normalmente é traduzido por Senhor. Aparece 5.321 vezes no AT, e Iah, sozinho, aparece 50 vezes. Na LXX e no NT é geralmente traduzido por , Senhor.
Adonai, de Adon, meu Senhor, meu Mestre. Ex. 21.1-6; Js 5.15; Is 6.8-11; Sl 110.1. Freqüentemente é usado com Iaveh, o Senhor Deus, conforme em Is 61.1.
Outros nomes de Deus – El, o poderoso Deus, Deus, deus. É uma palavra básica em várias línguas semíticas. No AT aparece junto a outros títulos de Deus. Baali, meu Senhor, meu Marido (Os 2.16). O Juiz de toda a terra (Gn 18.25). O meu Pastor (Gn 48.15; 49.24). A Pedra, Rocha de Israel (Gn 49.24). O Santo, o Santíssimo (Is 1.4; 6.3; 43.3; 57.15. No NT, 1Tm 2.8, Ap. 16.5; At 2.27; 1Jo 2.20. O Rei (Ex 15.18; Dt 33.5; Sl 5.2; 44.4. No NT, 1Tm 2.8; Ap 15.3; 19.16. O Ancião de Dias (Dn 7.9). Abba, Pai (Rm 8.9; Gl 4.6). Mestre, Senhor,  (Lc 2.29; At 4.14, soberano Senhor, cf. Tt 2.9. Todo-poderoso, pantokravtor (Ap 1.8; 4.8; 11.17; 16.7).
Os nomes compostos.
El Elyon, o Altíssimo (Gn 14.18, Dt 32.8; Is 22.14). El Ro’i (literalmente, O poderoso que se vê (Gn 16.13). El Shadai, O Deus todo-poderoso (Gn 17.1-20). El Olam, o Eterno Deus (Gn 21.33; Is 40.28) El Betel, o Deus de Betel (Gn 31.13; 35.7) El Elohe Israel, Deus, o Deus de Israel (Gn 33.20). Iaveh Jireh, o Senhor proverá (Gn 22.14). Iaveh Nissi, o Senhor é minha bandeira (Ex 17.15). Iaveh Shalom, o Senhor é paz (Jz 6.24). Iaveh Tzabaot, o Senhor dos Exércitos (1Sm 1.3). Iaveh Macadeshem, o Senhor vos santifica (Ex 31.13); Iaveh Raah, o Senhor é meu Pastor (Sl 23.1); Iaveh Elohim Israel (Jz 5.3; Is 17.6).

I. DEFINIÇÕES DE DEUS
Definição Filosófica, a partir de Platão
Deus é o começo, o meio e o fim de todas as coisas. Ele é a mente ou razão suprema; a causa eficiente de todas as coisas; eterno, imutável, onisciente, onipotente; tudo permeia e tudo controla; é justo, santo, sábio e bom; o absolutamente perfeito, o começo de toda a verdade, a fonte de toda a lei e justiça, a origem de toda a ordem e beleza e, especialmente, a causa de todo o bem.
Definição do Catecismo Breve de Westminster
Deus é um Espírito, infinito, eterno e imutável em Seu Ser, sabedoria, poder, santidade, justiça, bondade e verdade.
Definição Combinada
Deus é um espírito infinito e perfeito em quem todas as coisas tem sua origem, sustentação e fim (Jo. 4.24; Ne. 9.6; Ap. l.8; Is. 48.12; Ap.1.17).
Definições Bíblicas
As expressões "Deus é Espírito" (Jo.4.24) e "Deus é Luz " (1Jo.1.5), são expressões da natureza essencial de Deus, enquanto que a expressão "Deus é amor" (1Jo.4.7) é expressão de Sua personalidade. (1Tm.6.16)

II. ESSÊNCIA OU NATUREZA DE DEUS
Quando falamos em essência de Deus, queremos significar tudo o que é substancial ao Seu Ser como Deus, isto é, substância e atributos.
Substância de Deus
Há duas substâncias: espírito e matéria . Deus é uma substância simples, não composta. A substância de Deus é puro Espírito, sem mistura com a matéria (Jo.4:24).
Atributos de Deus
“Um atributo de Deus é uma característica intrínseca à sua Pessoa e através da qual Ele é distinguido e identificado” (Ryrie). Sua substância é Espírito e Seus atributos são as qualidades ou propriedades dessa substância. Atributos é a manifestação do Ser de Deus.

III. CLASSIFICAÇÃO DOS ATRIBUTOS
Naturais e Morais
Também chamados de "intransitivos e transitivos", "incomunicáveis e comunicáveis", "absolutos e relativos", "negativos e positivos" ou "imanentes e emanentes".
Atributos Naturais
Vida
Deus é o fundamento da vida. Ele ouve, vê, sente e age. (Jo.10.10; Sl.94.9,l0; 2Cr.16.9; At.14.15; 1Ts.1.9). Quando a Bíblia fala do olho, do ouvido, da mão de Deus, etc., fala metaforicamente. A isto se dá o nome de antropomorfismo. Deus é vida (Jo.5.26; 14.26) e o princípio de vida (At.17.25,28).
Espiritualidade
Deus, sendo Espírito, é incorpóreo, invisível, sem substância material, sem partes ou paixões físicas e, portanto, é livre de todas as limitações espaço-temporais (Jo.4.24; Dt.4.15-19,23; Hb.12:9; Is.40.25; Lc.24.39; Cl.1.15; 1Tm.1:17; 2Co.3.17)
Personalidade
Existência dotada de autoconsciência e autodeterminação (Ex.3:14; Is.46:11).
a) Volição ou vontade = querer (Is.46:10; Ap.4:11).
b) Razão ou intelecto = pensar (Is.14:24; Sl.92:5; Is.55:8).
c) Emoção ou sensibilidade = sentir (Gn.6:6, 1Rs.11:9, Dt. 6:15; Pv. 6.16; Tg.4:5)
Trindade
a) Unidade de Ser: Há no Ser divino apenas uma essência indivisível. Deus é um em sua natureza constitucional. Não há separação entre suas características. Ele é tudo que Ele é e em tudo que Ele faz (Dt 6.4; Is. 43.40; Tg 2.19; 1Tm 2.5). A unidade da divindade é ensinada nas palavras de Jesus: Eu e o Pai somos um. (Jo.10.30). Jesus está falando da unidade da essência e não de unidade de propósito. (Jo.17.11,21-23, 1Jo.5.7).
b) Trindade de Personalidade: Há três Pessoas no Ser divino: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. (Mc 10.9;12.29; 1Co.8.5,6; 1Tm.2.5; Tg.2.19; Jo.17.3; Gl.3.20; Ef.4.6).
c) Há distinção de Pessoas na Divindade: Algumas passagens mostram uma das Pessoas divinas se referindo à outra (Gn.19:24; Os.1:7; Zc.3:1,2; 2Tm.1:18; Sl.110.1; Hb.1:9).
Auto-Existência: Jerônimo disse: “Deus é a origem de Si mesmo e a causa de Sua própria substância”. Jerônimo estava errado, pois Deus não tem causa de existência, pois não criou a Si mesmo e não foi causado por outra coisa ou por Si mesmo. Ele nunca teve início. Ele é o Eterno EU SOU (Ex.3.14), portanto Deus é absolutamente independente de tudo fora de Si mesmo para a continuidade e perpetuidade de Seu Ser. Deus é a razão de sua própria existência (Jo.5:26; At.17:24-28; 1Tm.6:15,16).
Infinidade ou Perfeição
É o atributo pelo qual Deus é isento de toda e qualquer limitação em seu Ser e em seus atributos (Jó.11:7-10; Mt 5:48). A infinidade de Deus se contrasta com o mundo finito em sua relação tempo-espaço.
Eternidade
A infinidade de Deus em relação ao tempo é denominada eternidade. Deus é Eterno (Sl.90:2; 102.12,24-27; Sl.93.2; Ap.1.8; Dt.33.27; Hb.1.12). A eternidade de Deus não significa apenas duração prolongada, para frente e para traz, mas sim que Deus transcende a todas as limitações temporais (2Pe 3:8) existentes em sucessões de tempo. Deus preenche o tempo. Nossa vida se divide em passado, presente e futuro. mas não há essa divisão na vida de Deus. Ele é o Eterno EU SOU. Deus é elevado acima de todos os limites temporais e de toda a sucessão de momentos, e tem a totalidade de sua existência num único presente indivisível (Is.57:15).
Imensidão
A infinidade de Deus em relação ao espaço é denominada imensidão ou imensidade. Deus é imenso (Grande ou Majestoso; Jó 36.5,26; Jó 37.22,23; Jr 22.18; Sl.145.3). Imensidão é a perfeição de Deus pela qual Ele transcende (ultrapassa) todas as limitações espaciais e, contudo está presente em todos os pontos do espaço com todo o seu Ser PESSOAL (não é panteísmo). A imensidão de Deus é intensiva e não extensiva, isto é, não significa extensão ilimitada no espaço, como no panteísmo. A imensidão de Deus é transcendente no espaço (intramundano ou imanente = dentro do mundo, Sl.139:7-12; Jr.23:23,24) e fora do espaço (supramundano = acima do mundo; extramundano = além do mundo; emanente = fora do mundo - 1Rs.8:27; Is.57:15).
Onipresença
É quase sinônimo de imensidão. A imensidade denota a transcendência no espaço enquanto que a onipresença denota a imanência no espaço. Deus é imanente em todas as Suas criaturas e em toda a criação. A imanência não deve ser confundida com o panteísmo (tudo é Deus) ou com o deísmo que ensina que Deus está presente no mundo apenas com seu poder (per portentiam) e não com a essência e natureza de ser Ser (per essentiam et naturam) e que age sobre o mundo à distância. Deus ocupa o espaço repletivamente porque preenche todo o espaço e não está ausente em nenhuma parte dele, mas tampouco está mais presente numa parte que noutra (Sl.139:11,12). Deus ocupa o espaço variavelmente porque Ele não habita na terra do mesmo modo que habita no céu, nem nos animais como habita nos homens, nem nos ímpios como habita nos piedosos, nem na igreja como habita em Cristo (Is.66.1; At.17.27,28; Compare Ef.1.23 com Cl.2.9).
Imutabilidade
É o atributo pelo qual não encontramos nenhuma mudança em Deus, em sua natureza, em seus atributos e em seu conselho.
a) A base para a imutabilidade de Deus: É Sua simplicidade, eternidade, auto-existência e perfeição. Simplicidade porque sendo Deus uma substância simples, indivisível, sem mistura, não está sujeito a variação (Tg.1.17). Eternidade porque Deus não está sujeito às variações e circunstâncias do tempo, por isso Ele não muda (Sl.102.26,27; Hb.1:12 e 13:8). Auto-existência porque uma vez que Deus não é causado, mas existe em Si mesmo, então Ele tem que existir da forma como existe, portanto sempre o mesmo (Ex.3.14). E perfeição porque toda mudança tem que ser para melhor ou pior e sendo Deus absolutamente perfeito jamais poderá ser mais sábio, mais santo, mais justo, mais misericordioso, e nem menos. Por isso Deus é imutável como a rocha (Dt.32.4).
b) Imutabilidade não significa imobilidade: Nosso Deus é um Deus de ação (Is.43.13).
c) Imutabilidade implica em não arrependimento: Alguns versículos falam de Deus como se Ele se arrependesse (Ex.32.14, 2Sm.24.16, Jr.18.8; Jl 2.13). Trata-se de antropomorfismo (Nm 23:19; Rm.11.29; 1Sm.15.29; Sl.110.4).
d) Imutabilidade de Deus em Sua natureza: Deus é perfeito em sua natureza por isso não muda nem para melhor nem para pior (Ml.3.6).
e) Imutabilidade de Deus em Seus atributos: Deus é imutável em suas promessas (1Rs.8:56; 2Co.1.20); em sua misericórdia (Sl.103.17; Is.54.10); em sua justiça (Ez 8.18); em seu amor (Gn.18:25,26).
f) Imutabilidade de Deus em Seu conselho: Deus planejou os fatos conforme a sua vontade e decretou que este plano seja concretizado. Nada poderá se opor à sua vontade. O próprio Deus jamais mudará de opinião, mas fará conforme seu plano predeterminado (Is.46.9,10; Sl.33.11; Hb.6.17).
Onisciência
Atributo pelo qual Deus, de maneira inteiramente única, conhece-se a Si próprio e a todas as coisas possíveis e reais num só ato eterno e simples. O conhecimento de Deus tem suas características:
a) É arquétipo: Deus conhece o universo como ele existe em Sua própria idéia anterior à sua existência como realidade finita no tempo e no espaço; e este conhecimento não é obtido de fora, como o nosso (Rm.11:33,34).
b) É inato e imediato: Não resulta de observação ou de processo de raciocínio (Jó.37:16)
c) É simultâneo: Não é sucessivo, pois Deus conhece as coisas de uma vez em sua totalidade, e não de forma fragmentada uma após outra (Is.40:28).
d) É completo: Deus não conhece apenas parcialmente, mas plenamente consciente (Sl.147:5).
e) Conhecimento necessário: Conhecimento que Deus tem de Si mesmo e de todas as coisas possíveis, um conhecimento que repousa na consciência de sua onipotência. É chamado necessário porque não é determinado por uma ação da vontade divina. (Por exemplo: O conhecimento do mal é um conhecimento necessário porque não é da vontade de Deus que o mal lhe seja conhecido (Hc.1:13) Deus não pode nem quer ver o mal, mas o conhece, não por experiência, que envolve uma ação de Sua vontade, mas sim por simples inteligência, por ser ato do intelecto divino (veja IICo.5:21 onde o termo grego  é usado).
f) Conhecimento livre: É aquele que Deus tem de todas as coisas reais, isto é, das coisas que existiram no passado, que existem no presente e existirão no futuro. É também chamado visionis, isto é, conhecimento de vista.
g) Presciência: Significa conhecimento prévio; conhecimento de antemão. Como Deus pode conhecer previamente as ações livres dos homens? Deus decretou todas as coisas, e as decretou com suas causas e condições na exata ordem em que ocorrem, portanto sua presciência de coisas contingentes (ISm.23:12; IIRs.13:19; Jr.38:17-20; Ez.3:6 e Mt.11:21) apoia-se em seu decreto. Deus não originou o mal mas o conheceu nas ações livres do homem (conhecimento necessário), o decretou e preconheceu os homens. Portanto a ordem é: conhecimento necessário, decreto, presciência. A presciência de Deus é muito mais do que saber o que vai acontecer no futuro, e seu uso no N.T. é empregado como na LXX que inclui Sua escolha efetiva (Nm.16:5; Jz.9:6; Am.3:2). Veja Rm.8:29; IPe.1:2; Gl.4:9. Como se processou o conhecimento necessário de Deus nas livres ações dos homens antes mesmo que Ele as decretasse? A liberdade humana não é uma coisa inteiramente indeterminada, solta no ar, que pende numa ou noutra direção, mas é determinada por nossas próprias considerações intelectuais e caráter (lubentia rationalis = autodeterminação racional). Liberdade não é arbitrariedade e em toda ação racional há um porquê, uma razão que decide a ação. Portanto o homem verdadeiramente livre não é o homem incerto e imprevisível, mas o homem seguro. A liberdade tem suas leis - leis espirituais - e a Mente Onisciente sabe quais são (Jo.2:24,25). Em resumo, a presciência é um conhecimento livre (scientia libera) e, logicamente procede do decreto, "segundo o decreto sua vontade" (Ef.1:11).
h) Sabedoria: A sabedoria de Deus é a Sua inteligência como manifestada na adaptação de meios e fins. Deus sempre busca os melhores fins e os melhores meios possíveis para a consecução dos seus propósitos. H.B. Smith define a sabedoria de Deus como o Seu atributo através do qual Ele produz os melhores resultados possíveis com os melhores meios possíveis. Uma definição ainda melhor há de incluir a glorificação de Deus: Sabedoria é a perfeição de Deus pela qual Ele aplica o seu conhecimento à consecução dos seus fins de um modo que o glorifica o máximo (Rm.ll:33-36; Ef.1:11,12; Cl.1:16). Encontramos a sabedoria de Deus na criação (Sl.19:1-7; Sl.104), na redenção (ICo.2:7; Ef.3:10) . A sabedoria é personificada na Pessoa do Senhor Jesus (Pv.8 e ICo.1:30; Jó.9:4; veja também Jó 12:13,16).
Onipotência
É o atributo pelo qual encontramos em Deus o poder ilimitado para fazer qualquer coisa que Ele queira. A onipotência de Deus não significa o exercício para fazer aquilo que é incoerente com a natureza das coisas, como, por exemplo, fazer que um fato do passado não tenha acontecido, ou traçar entre dois pontos uma linha mais curta do que uma reta. Deus possui todo o poder que é coerente com Sua perfeição infinita, todo o poder para fazer tudo aquilo que é digno dEle. O poder de Deus é distinguido de duas maneiras: Potentia Dei absoluta = absoluto poder de Deus e potentia Dei ordinata = poder ordenado de Deus. Hodge e Shedd definem o poder absoluto de Deus como a eficiência divina, exercida sem a intervenção de causas secundárias, e o poder ordenado como a eficiência de Deus, exercida pela ordenada operação de causas secundárias. Charnock [Discurso sobre a Existência e Atributos de Deus, 1682] define o poder absoluto como aquele pelo qual Deus é capaz de fazer o que Ele não fará, mas que tem possibilidade de ser feito, e o poder ordenado como o poder pelo qual Deus faz o que decretou fazer, isto é, o que Ele ordenou ou marcou para ser posto em exercício; os quais não são poderes distintos, mas um e o mesmo poder. O seu poder ordenado é parte do seu poder absoluto, pois se Ele não tivesse poder para fazer tudo que pudesse desejar, não teria poder para fazer tudo o que Ele deseja. Podemos, portanto, definir o poder ordenado de Deus como a perfeição pela qual Ele, mediante o simples exercício de Sua vontade, pode realizar tudo quanto está presente em Sua vontade ou conselho. E' óbvio, porém, que Deus pode realizar coisas que a Sua vontade não desejou realizar (Gn.18:14; Jr.32:27; Zc.8:6; Mt.3:9; Mt.26:53). Entretanto há muitas coisas que Deus não pode realizar. Ele não pode mentir, pecar, mudar ou negar-se a Si mesmo (Nm.23:19; ISm.15:29; IITm.2:13; Hb.6:18; Tg.1:13,17; Hb.1:13; Tt.1:3), isto porque não há poder absoluto em Deus, divorciado de Suas perfeições, e em virtude do qual Ele pudesse fazer todo tipo de coisas contraditórias entre Si (Jó.11:7). Deus faz somente aquilo que quer fazer (Sl.115:3; Sl.135:6).
a) El-Shaddai: A onipotência de Deus se expressa no nome hebraico El-Shaddai traduzido por Todo-Poderoso (Gn.17:1; Ex.6:3; Jó.37:23 etc.).
b) Em todas as coisas: A onipotência de Deus abrange todas as coisas (ICr.29:12), o domínio sobre a natureza (Sl.107:25-29; Na.1:5,6; Sl.33:6-9; Is.40:26; Mt.8:27; Jr.32:17; Rm.1:20), o domínio sobre a experiência humana (Sl.91:1; Dn.4:19-37; Ex.7:1-5; Tg.4:12-15; Pv.21:1; Jó.9:12; Mt.19:26; Lc.1:37), o domínio sobre as regiões celestiais (Dn.4:35; Hb.1:13,14; Jó.1:12; Jó 2:6).
c) Na criação, na providência e na redenção: Deus manifestou o seu poder na criação (Rm.4:17; Is.44:24), nas obras da providência (ICr.29:11,12) e na redenção (Rm.1:16; ICo.1:24).
Soberania ou Supremacia
Atributo pelo qual Deus possui completa autoridade sobre todas as coisas criadas, determinando-lhe o fim que desejar (Gn.14:19; Ne.9:6; Ex.18:11; Dt.10:14,17; ICr.29:11; IICr.20:6; Jr.27:5; At.17:24-26; Jd.4; Sl.22:28; 47:2,3,8; 50:10-12; 95:3-5; 135:5; 145:11-13; Ap.19:6).
a) Vontade ou autodeterminação: A perfeição de Deus pela qual Ele, num ato sumamente simples, dirige-se à Si mesmo como o Sumo Bem (deleita-se em Si mesmo como tal) e às Suas criaturas por amor do Seu nome (Is.48:9,11,14; Ez.20:9,14,22,44; Ez.36:21-23).
Vontade Preceptiva: Na qual Deus estabeleceu preceitos morais para reger a vida de Suas criaturas racionais. Esta vontade pode ser desobedecida com freqüência (At.13:22; IJo.2:17; Dt.8:20).
Vontade decretória: Pela qual Deus projeta ou decreta tudo o que virá a acontecer, quer pretenda realizá-lo causativamente, quer permita que venha a ocorrer por meio da livre ação de suas criaturas (At.2:23; Is.46:9-11). A vontade decretória é sempre obedecida.
A vontade decretória e a vontade preceptiva relacionam-se ao propósito em realizar algo.
Vontade de eudokia: Na qual Deus deleita-se com prazer em realizar um fato e com desejo de ver alguma coisa feita. Esta vontade, embora não se relacione com o propósito de fazer algo, mas sim com o prazer de fazer algo, contudo corresponde àquilo que será realizado com certeza, tal como acontece com a vontade decretória (Sl.115:3; Is.44:28; Is.55:11).
Vontade de eurestia: Na qual Deus deleita-se com prazer ao vê-la cumprida por Suas criaturas. Esta vontade abrange aquilo que a Deus apraz que Suas criaturas façam, mas que pode ser desobedecido, tal como acontece com a vontade preceptiva (Is.65:12).
A vontade de eudokia não se refere somente ao bem, e nela não está sempre presente o elemento de deleite (Mt.11:26). A vontade de eudokia e a vontade de eurestia relacionam-se ao prazer em realizar algo.
Vontade de beneplacitum: Também chamada Vontade Secreta. Abrange todo o conselho secreto e oculto de Deus. Quando esta vontade nos é revelada, ela torna-se na Vontade do Signum ou Vontade Revelada.
A distinção entre a vontade de beneplacitum e a vontade de signum encontra-se em Deuteronomio.29:29.
A vontade secreta é mencionada em Sl.115:3; Dn.4:17,25,32,35; Rm.9:18,19; Rm.11:33,34; Ef.1:5,9,11, enquanto que a vontade revelada é mencionada em Mt.7:21; Mt.12:50; Jo.4:34; Jo.7:17; Rm.12:2). Esta vontade está mui perto de nós (Dt.30:14; Rm.10:8).
A vontade secreta de Deus pertence a todas as coisas que Ele quer efetuar ou permitir, tal como acontece na vontade decretória, sendo portanto, absolutamente fixa e irrevogável.
b) Liberdade: A perfeição de Deus no exercício de Sua vontade. Deus age necessária e livremente. Assim como há conhecimento necessário e conhecimento livre, há também uma voluntas necessária = vontade necessária e uma voluntas libera = vontade livre. Na vontade necessária Deus não está sob nenhuma compulsão, mas age de acordo com a lei do Seu Ser, pois Ele necessariamente quer a Si próprio e quer a Sua natureza santa. Deus necessariamente se ama a Si próprio e Suas perfeições.
As Suas criaturas são objetos de Sua vontade livre, pois Deus determina voluntariamente o que e quem Ele criará; e os tempos, lugares e circunstâncias de suas vidas. Ele traça as veredas de todas as Suas criaturas, determina o seu destino e as utiliza para Seus propósitos (Jó.ll:10; Jó.23:13,14; Jó.33:13. Pv.16:4; Pv.21:1; Is.10:15; Is.29:16; Is.45:9; Mt.20:15; Ap.4:11;Rm.9:15-22; ICo.12:11).
Atributos Morais
Santidade
É a perfeição de Deus, em virtude da qual Ele eternamente quer manter e mantém a Sua excelência moral, aborrece o pecado, e exige pureza moral em suas criaturas. Ser Santo vem do hebraico kadosh que significa cortar ou separar. A santidade de Deus possui dois diferentes aspectos, podendo ser positiva ou negativa (Hb.1:9;Am.5:15; Rm.12:9).
a) Santidade Positiva: Expressa excelência moral de Deus na qual Ele é absolutamente perfeito, puro e íntegro em Sua natureza e Seu caráter (IJo.1:5; Is.57:15; IPe.1:15,16; Hc.1:13). A santidade positiva é amor ao bem.
b) Santidade Negativa: Significa que Deus é inteiramente separado de tudo quanto é mal e de tudo quanto o aborrece (Lv.11:43-45; Dt.23:14; Jó.34:10; Pv.15:9,26; Is.59:1,2; Lc.20:26; Hc. 1:13; Pv.6:16-19; Dt.25:16; Sl.5:4-6). A santidade negativa é ódio ao mal.
Além de possuir dois aspectos a santidade de Deus possui também duas maneiras diferentes de manifestar-se:
c) Retidão: Também chamada justiça absoluta, é a retidão da natureza divina, em virtude da qual Ele é infinitamente Reto em Si mesmo (santidade legislativa). Sl.145:17; Jr.12:1; Jo.17:25; Sl.116:5; Ed.9:15.
d) Justiça: Também chamada justiça relativa, é a execução da retidão ou a expressão da justiça absoluta (santidade judicial). Strong a chama de santidade transitiva. A retidão é a fonte da Santidade de Deus, a justiça é a demonstração de Sua santidade.
A justiça de Deus pode ser retributiva e remunerativa. A justiça retributiva se divide em punitiva e corretiva. A justiça punitiva é aquela pela qual Deus pune os pecadores pela transgressão de Suas leis. Esta justiça de Deus exige a execução das penalidades impostas por Suas leis (Sl.3:5;11:4-7 Dt.32:4; Dn.9:12,14; Ex.9:23-27;34:7). A justiça corretiva é aquela pela qual Deus "pune" Seus filhos para corrigi-los (Hb.12:6,7). Aqueles que não são Seus filhos, Deus pune como um Juiz Severo (Rm.11:22; Hb.10:31), mas aos Seus filhos, Deus "pune" (corrige) como um Pai Amoroso (Jr.10:24;30:11;46:28; Sl.89:30-33; ICr.21:13) A justiça remunerativa é aquela pela qual Deus recompensa, com Suas bênçãos, aos homens pela obediência de Suas leis (Hb.6:10; IITm.4:8; ICo.4:5;3:11-15; Rm.2:6-10; IIJo.8).
e) Ira: Esta deve ser considerada como um aspecto negativo da santidade de Deus, pois em Sua ira Deus aborrece o pecado e odeia tudo quanto contraria Sua santidade (Dt.32:39-41; Rm.11:22; Sl.95:11; Dt.1:34-37; Sl.95:11). Podemos, então, dizer que a ira é a manifestação da santidade negativa de Deus (Rm.1:18; IITs.1:5-10; Rm.5:9 etc.). A ira é também designada de severidade (Rm.11:22).
Bondade
É uma concepção genérica incluindo diversas variedades que se distinguem de acordo com os seus objetos. Bondade é perfeição absoluta e felicidade perfeita em Si mesmo (Mc.10:18; Lc.18:18,19; Sl.33:5; Sl.119:68; Sl.107:8; Na.1:7). A bondade implica na disposição de transmitir felicidade.
a) Benevolência: É a bondade de Deus para com Suas criaturas em geral. E' a perfeição de Deus que O leva a tratar benévola e generosamente todas as Suas criaturas (Sl.145:9,15,16; Sl.36:6;104:21; Mt.5:45;6:26; Lc.6:35; At.14:17). Thiessen define benevolência como “a afeição que Deus sente e manifesta para com Suas criaturas sensíveis e racionais”. Ela resulta do fato de que a criatura é obra Sua; Ele não pode odiar qualquer coisa que tenha feito (Jó.14:15) mas apenas àquilo que foi acrescentado à Sua obra, que é o pecado (Ec.7:29).
b) Beneficência: Enquanto que a benevolência é a bondade de Deus considerada em sua intenção ou disposição, a beneficência é a bondade em ação, quando seus atributos são conferidos.
c) Complacência: É a aprovação às boas ações ou disposições. É aquilo em Deus que aprova todas as Suas próprias perfeições como também aquilo que se conforma com Ele (Sl.35:27; Sl.51:6; Is.42:1; Mt.3:17; Hb.13:16).
d) Longanimidade ou Paciência: No hebraico erek'aph significa grande de rosto e daí também lento para a ira. No grego makrothymia significa longe da ira. Portanto longanimidade é o aspecto da bondade de Deus em virtude do qual Ele tolera os pecadores, a despeito de sua prolongada desobediência. A longanimidade revela-se no adiamento do merecido julgamento (Ex.34:6; Sl.86:15; Rm.2:4; Rm.9:22; IPe.3:20; IIPe.3:15)
e) Misericórdia: Também expressada pelos sinônimos compaixão, compassividade, piedade, benignidade, clemência e generosidade. É a bondade de Deus demonstrada para com os que se acham na miséria ou na desgraça, independentemente dos seus méritos (Dt.5:10; Sl.57:10; Sl.86:5; ICr.16:34; IICr.7:6; Sl.116:5; Sl.136; Ed.3:11; Sl.145:9; Ez.18:23,32; Ex.33:11; Lc.6:35; Sl.143:12; Jó 6:14).
A paciência difere da misericórdia apenas na consideração formal do objeto, pois a misericórdia considera a criatura como infeliz, a paciência considera a criatura como criminosa; a misericórdia tem pena do ser humano em sua infelicidade, a paciência tolera o pecado que gerou a infelicidade. A infelicidade e sofrimento deriva-se de um justo desagrado divino, portanto exercer misericórdia é o ato divino de livrar o pecador do sofrimento pelo qual ele justamente e merecidamente deveria passar, como conseqüência do desagrado divino.
f) Graça: É a bondade de Deus exercida em prol da pessoa indigna. Portanto graça é o ato divino de conceder ao pecador toda a bondade de Deus a qual ele não merece receber (Ex.33:19).
Na misericórdia Deus suspende o sofrimento merecido, na graça Deus concede bênçãos não merecidas. Todo pecador merece ir para o inferno; assim Deus exerce Sua misericórdia livrando o pecador da condenação. Nenhum pecador merece ir para o paraíso; assim Deus exerce a Sua graça doando ao pecador o privilégio de ir gratuitamente para o paraíso.
Essa diferença entre misericórdia e graça é notada em relação aos anjos que não caíram. Deus nunca exerceu misericórdia para com eles, posto que jamais tiveram necessidade dela, pois não pecaram, nem ficaram debaixo dos efeitos da maldição. Todavia eles são objetos da livre e soberana graça de Deus pela qual foram eleitos (ITm.5:21) e preservados eternamente de pecado e colocados em posição de honra (Dn.7:10; IPe.3:22).
g) Amor: A perfeição da natureza divina pela qual Ele é continuamente impelido a se comunicar. É, entretanto, não apenas um impulso emocional, mas uma afeição racional e voluntária, sendo fundamentada na verdade e santidade e no exercício da livre escolha. Este amor encontra seus objetos primários nas Pessoas da Trindade. Assim, o universo e o homem são desnecessários para o exercício do amor de Deus. Amor é, portanto, a perfeição de Deus pela qual Ele é movido eternamente à Sua própria comunicação. Ele ama a Si mesmo, Suas virtudes, Sua obra e Seus dons. E demonstra graça e misericórdia por Sua criação (Ef 2.4,5; 1Jo4.7-10).
Verdade
É a consonância daquilo que é asseverado com o que pensa a Pessoa que fez a asseveração. Neste sentido a verdade é um atributo exclusivamente divino, pois com freqüência os homens erram nos testemunhos que prestam, simplesmente por estarem equivocados a respeito dos fatos, ou então por pura incapacidade fracassam em promessas que fizeram com honestas intenções. Mas a onisciência de Deus impede que Ele chegue a cometer qualquer equívoco, e a Sua onipotência e imutabilidade asseguram o cumprimento de Suas intenções (Dt.32:4; Sl.119:142; Jo.8:26; Rm.3:4; Tt.1:2; Nm.23:19; Hb.6:18; Ap.3:7; Jo.17:3; IJo.5:20; Jr.10:10; Jo.3:33; ITs.1:9; Ap.6:10; Sl.31:5; Jr.5:3; Is.25:1). Ao exercê-la para com a criatura, a verdade de Deus é conhecida como sua veracidade e fidelidade.
a) Veracidade: Consiste nas declarações que Deus faz a respeito das coisas, conforme elas são, e se relaciona com o que Ele revelou sobre Si mesmo. A veracidade fundamenta-se na onisciência de Deus.
b) Fidelidade: Consiste no exato cumprimento de Suas promessas ou ameaças. A fidelidade fundamenta-se na Sua onipotência e imutabilidade (Dt.7:9; Sl.36:5; ICo.1:9; Hb.10:23; Dt.4:24; IITm.2:13; Sl.89:8; Lm.3:23; Sl.119:138; Sl.119:75; Sl.89:32,33; ITs.5:24; IPe.4:19; Hb.10:23).

Programa de Teologia Sistemática I

Objetivo
O estudo da Teologia Sistemática I é essencial porque não se pode pensar em um pastor ou teólogo que não seja solicitado a refletir sobre temas como as doutrinas da Revelação, de Deus e do ser humano. Isso significa que todos os profissionais da teologia deveriam ter uma compreensão de como Deus fala ao ser humano, quais são os atributos de Deus e sua importância, assim como o que é o ser humano. A pesquisa da Teologia nos campos dessas doutrinas possibilita o desenvolvimento de uma consciência apta a compreender a riqueza dos fenômenos vividos pela fé cristã e, por extensão, construir um conhecimento a respeito da real experiência dos fiéis e da igreja.

Abordagem
Optamos por uma abordagem temática dos assuntos, sem descuidar da referência necessária à história dessas áreas da teologia, que permita estabelecer o fio condutor da exposição dos temas. Isto porque fazer teologia não deve ser visto como atividade solitária, mas que se faz através do diálogo entre pensadores, igreja e fiéis quando expõem suas diferenças.

Avaliação
Os alunos serão avaliados por sua participação em classe (peso 3), pelos seminários apresentados (peso 4) e por uma prova final (peso 3).

PROGRAMA DA DISCIPLINA

A Palavra de Deus.
Palavra de Deus, Revelação, Inspiração. Roteiro para a vida, base da fé. A formulação do cânon e as quatro características das Escrituras: autoridade, clareza, necessidade e suficiência.

A Doutrina de Deus.
O caráter de acomodação do conhecimento de Deus. O caráter correlativo do conhecimento de Deus. O caráter existencial do conhecimento de Deus. O conceito bíblico de Deus: aspecto misterioso, revelação pessoal, soberania e auto-limitação, santidade amorável. Limitações da teodicéia filosófica.

A questão antropológica e o pecado.
O ser humano real: biológico, psicológico, sociológico, moral, filosófico, teológico. Os dois sentidos da imagem de Deus e a analogia relationis. A natureza do pecado. A terminologia bíblica a respeito do pecado, no AT e no NT. O problema da solidariedade no pecado: reino do pecado, a explicação dialética e a polêmica pelagiana-agostiniana.

BIBLIOGRAFIA OBRIGATÓRIA
Júlio Andrade Ferreira, Antologia Teológica, São Paulo, Fonte Editorial, 2007.

Bibliografia Auxiliar
Carl E. Braaten e Robert W. Jenson, Dogmática Cristã, vol I, São Leopoldo, Sinodal, 1990.
McGrath, Alister E., Teologia sistemática, histórica e filosófica, São Paulo, Shedd. 2005.

O Espírito Santo na Igreja Ortodoxa, a partir de Paul Evdokimov

O desconhecimento da Teologia Ortodoxa oriental é uma realidade em nossas faculdades de Teologia e seminários. Tal desconhecimento afeta o conjunto da Igreja Cristã brasileira, principalmente no que tange à doutrina da Trindade e ao conhecimento do Espírito Santo. Para nossa Igreja e, em especial, para o movimento pentecostal brasileiro é da maior importância, pois apresenta bases diferentes da que herdamos da Igreja cristã ocidental, sem nenhuma dúvida pouco pneumatológica. Assim, na seqüência estudaremos um texto de Paul Evdokímov, O Espírito Santo na Igreja Ortodoxa, (São Paulo, Ed. Ave Maria, 1996), mais especificamente os capítulos 1, 4 e 5. Recomendo ainda uma visita aos seguintes sites: Igreja Ortodoxa. WEB: http://www.fatheralexander.org/booklets/portuguese/igreja_ortodoxa_1.htm, principalmente na questão do Cisma, que discute o filioque. E o site: Sofia, que apresenta algumas das obras de Paul Evdokimov. WEB: http://www.sophia.bem-vindo.net/tiki-index.php?page=Paul+Evdokimov

Paul Evdokimov nasceu no dia 2 de agosto de 1901 em Petrogrado, numa família da aristocracia. Chegou a Paris em 1923 e estudou no Instituto São Sérgio. Casou-se em 1927 com jovem francesa de origem russa. Ficou viúvo em 1945, e se casou novamente em 1954 com uma moça japonesa. Entre suas obras, escreveu A mulher e a salvação do mundo (1958), Gogol e Dostoievsky ou a descida aos infiernos (1961), O sacramento do amor (1962), e Teología da Beleza (1970). Morreu em setembro de 1970.

As premissas orientais da teologia patrística

Nos seus ensinamentos sobre o conhecimento de Deus, os Pais orientais salientam antes de tudo que o projeto divino da criação do homem já traz em germe a Encarnação futura do Verbo. Criação e Encarnação já estão co-implicadas, uma completa a outra. É por esse motivo que para o Oriente, a Encarnação realizar-se-ia mesmo fora da queda original (pecado), como expressão do amor divino e termo último da comunhão entre Deus e o homem. O ícone da Théotokos tendo nos seus braços o Menino Jesus é justamente o ícone da Encarnação, a: "Eléousa", ternura inefável entre o divino e o humano. Também é a concepção eucarística da eclesiologia que aprofunda o mesmo mistério Encarnação-Comunhão e mostra na Igreja o lugar da união substancial entre Deus e o homem.
Para pressentir esse mistério, "o homem", diz São Gregório de Nissa, "leva em si uma certa medida de conhecimento de Deus”, 4 e para responder ao desejo divino, nota São Máximo Confessor, "Deus depositou no coração humano o desejo de Deus". 5 É, pois na sua própria natureza, criada à imagem de Deus, que o homem está predestinado ao conhecimento de Deus. Qual é o órgão desse conhecimento?
O Oriente distingue entre a razão e a sua diferenciação discursiva ao infinito, voltada para o múltiplo e o contrário e, por outro lado, a inteligência, o ultrapassar dos opostos e a integração intuitiva até a unidade e o uno. Evagrio sublinha a diferença de nível: "A inteligência reside no coração, o pensamento no cérebro".6 É um princípio saído das Escrituras, pois os judeus do Antigo Testamento pensavam com o coração, coração no sentido bíblico, centro metafísico do ser humano, sede da inteligência e do noús. Isso é a negação do pensamento discursivo, mas a ciência dos seus limites que postula a sua integração na "inteligência renovada em Cristo" de que fala São Paulo. O Oriente nunca cultivou a autonomia da razão natural- Lumen naturalis rationis. Deus na sua Revelação, ao dirigir-se ao homem, opera uma transfiguração do seu espírito. O conhecimento de Deus, mesmo "natural" é sempre carismático. Segundo Orígenes, a graça theoria eleva todo homem acima dele mesmo.7 Os eslavófilos chamam isso "o conhecimento vivo", conhecimento-vida, conhecimento-amor e comunhão.
Eles seguem a patrística oriental, que ignora a distinção entre uma "via do amor" e uma "via do conhecimento". Normativamente, o verdadeiro conhecimento é sempre caritativo e o amor é sempre intelectivo. Eis por que o grande princípio do hesicasmo convida a fazer descer a inteligência no coração para que a totalidade das faculdades do espírito humano, super-elevada e iluminada pela graça, efetue um face-a-face com os mistérios de Deus, o que significa a exclusão de todo conceito ou imagem mental suscetível de se interpor entre o "coração espírito" ou o "olho do coração" e o Criador.
O pecado original antes de tudo separou a razão do coração, a gnoseologia da axiologia, o que falseou a faculdade do discernimento e da apreciação. Este estado de perversão ontológica reclama um ato de profunda reviravolta do ser - metanoia - que é justamente o ato de fé. É necessário sublinhar fortemente o seu aspecto existencial e experimental, o qual explica por que a fé no Oriente nunca se define em termos de adesão intelectual, mas pertence à reviravolta de tudo no ser humano pela "evidência" ou a "certeza" de Pascal vividas numa certa "experiência do Transcendente". São Máximo nota o seguinte: "Eu chamo experiência o próprio saber em ato que advém para além de todo o conceito..., a participação ao objeto, que se revela para além de qualquer pensamento”.8 É um semelhante conhecimento contemplativo por participação que constitui, segundo os Pais, uma verdadeira théognosia. Teologizar é traduzir em termos teológicos a comunhão com Deus, é relatar o seu conteúdo. A teologia, com certeza, possui um elemento doutrinal, o kerigma, a didaskália e a catequese; mas, mais profundamente, a Igreja cultiva a própria seiva do conhecimento ao escutar os seus santos e os seus Pais, alimentando-se da sua experiência do Espírito Santo, do seu colóquio com o Verbo, e ela o oferece a todos na sua liturgia.
Como o mostra o título do tratado do Pseudo Dionísio Areopagita Peri mystikês theologias (Sobre a teologia mística), teologia mística significa, ao contrário de qualquer conhecimento cerebral, teologia do Mistério que nós conhecemos apenas pela revelação do lado de Deus e pela participação receptiva do lado do homem. A transcendência de Deus ensina-nos que nunca o podemos conhecer do exterior, que nunca podemos ir a Deus senão partindo dele, senão encontrando-nos já nele e sendo tocados pela sua proximidade, atingidos pelas suas energias deificantes.
As lutas dogmáticas pela Verdade, na época dos concílios ecumênicos, não defendiam nenhum conhecimento formal desligado da economia da salvação, mas procuravam esclarecer a via salvadora altamente prática, respondendo às questões de vida ou de morte. Uma teologia semelhante, comportando embora uma propedêutica do ensino e uma cultura, aparece antes de tudo e na sua própria aspiração: via experimental da união com Deus. Compreende-se melhor sob esta perspectiva, a definição orante que dá Evagro9 da teologia: "Se rezas verdadeiramente, tu és teólogo, e se tu és teólogo, rezarás em verdade". É uma contemplativa, geradora de unidade e que se aparenta na sua natureza ao mistério eucarístico, consumação eucarística da Palavra.
Assim no espírito dos Pais, a teologia erige-se em ministério carismático, pois "ninguém pode conhecer a Deus, se não é o próprio Deus que o ensina" - "não há outro meio de conhecer a Deus que de viver nele". “Falar de Deus é uma grande coisa, mas ainda é preferível purificar-nos para Deus", diz São Gregório de Nazianzo.10 O tropário de Noa diz isso à sua maneira: "Entre os dois ladrões, a tua cruz surgiu como uma balança de justiça, um mergulhando no inferno sob o peso da blasfêmia, o outro aliviando-se dos seus pecados para conhecer a verdadeira teologia". O bom ladrão é teólogo, tem a experiência imediata de Deus, reconheceu-o e dirigiu-lhe a sua oração.
A vocação teológica convida a ultrapassar a suficiência de uma ciência puramente enciclopédica, pois ela não é a tarefa da razão natural, mas enraíza-se na luz do Verbo. Na sua iniciação, os Pais mostram a ascese como a preliminar da arte teológica e a oração como um estado - katastasis - da inteligência, uma receptividade orante aberta às Revelações fulgurantes do Transcendente.

As dimensões catafática e apofática da teologia dos Pais


Na sua dimensão apofática, a teologia é a negação de toda definição humana. Definir é limitar; ora Deus é ilimitado e incomparável no sentido absoluto, não existe nenhuma escala de comparação, nenhum nome é capaz de o exprimir adequadamente. Adonai é o sinal do inefável, Javé é o Nome que não pode ser dito. Ao dizermos Deus ou Criador ou Salvador, nunca é Deus em si mesmo que nós designamos, mas a sua face voltada para o mundo, o que está "ao redor de Deus".
A teologia catafática, positiva, é chamada pelos Pais "simbólica", pois ela apenas se aplica aos atributos revelados, às manifestações de Deus no mundo. Esse conhecimento de Deus nos seus atos traduz as suas "fanias" através do modo inteligível, apresenta uma expressão calculada, simbólica, pois a realidade de Deus é absolutamente original, irredutível a qualquer sistema de pensamento. Assim Evagrio aconselha: "Aproximai-vos do Imaterial de uma maneira imaterial". Da mesma forma, por exemplo, para São João Crisóstomo, a expressão "à direita do Pai" nada tem de especial, mas exprime a identidade da glória do Cristo com a do Pai. A teologia positiva assim não é desvalorizada, mas determinada quanto à sua dimensão própria e aos seus limites.
Em compensação a teologia negativa habitua à intransponível e salvadora distância. "Os conceitos criam os ídolos de Deus", diz São Gregório de Nissa, "só a admiração apreende qualquer coisa". 11 "OS mistérios simples revelam-se para além de qualquer conhecimento, para além mesmo de qualquer ignorância, nas trevas mais que luminosas do silêncio." 12 É uma aproximação das trevas, franja da inacessível luz divina, mas que se encontra ao oposto do agnosticismo, pois graças a esta própria ignorância, através de uma "intuição primordial e simples", conhecemos para além de qualquer inteligência. A teologia negativa realiza um ultrapassar, mas que nunca se desliga da sua base, a teologia positiva da Revelação bíblica. Quanto mais alta é construída a vertical celeste, tanto mais ela se encontra enraizada na horizontal terrestre da história.
Não se trata apenas da simples impotência natural do homem, mas da profundidade indizível, radicalmente transcendente da essência divina. Deus é misterioso, incognoscível pela sua própria natureza. Porém a via negativa, sublinha profundamente o Pe. de Lubac, não é negadora, "negatividade não é negação". 13 Ela constitui o único remédio para a insuficiência obrigando a transcender-se. Eis por que ela não é um simples corretivo nem um apelo à prudência, mas uma teologia autônoma. Os seus termos "hiper-bom" ou "hiper-existente" são negações-afirmações e levam uma certa descrição do Inconcebível situada na experiência geradora da unidade.
Quanto mais Deus é incognoscível na transcendência da sua Sobressência mais ele é experimentável na sua proximidade imanente enquanto Existente.
Quando o homem procura Deus, é ele que é encontrado por Deus; quando ele procura a verdade divina, é ela que o apreende e o transporta ao seu nível. "Encontrar Deus consiste em procurá-Lo sem cessar... é verdadeiramente ver Deus sem nunca estar saciado de o desejar".15 Ele é "o eternamente procurado" o zêtoumenos. Como método, a apofase ensina a atitude correta de todo teólogo: o homem não especula, mas transforma-se. É nesse estado de mudança contínua, de "deificação" progressiva que o homem contempla pelos olhos da Pomba a Mônada una e trina ao mesmo tempo e que "permanece escondida na sua própria epifania". 15

As particularidades da Teologia dos Pais Orientais

A teologia dos Pais no século IV é urna teologia trinitária por excelência. Ela elaborou as definições dogmáticas e fixou, ao mesmo tempo a unidade e a diversidade das Pessoas em Deus. Já o próprio termo de homoousios consubstancial, co-essencial, idêntico em essência, permitiu exprimir o mistério de Deus, ao mesmo tempo Mônada e Tríade.
No Evangelho segundo São João, o Logos era “pros ton Theon”, era mais "para Deus" que "junto de Deus" ou "com Deus", fórmula que designa a geração eterna do Filho - que não é o Pai. Da mesma forma um "outro Consolador" é outro que o Filho e outro que o Pai. Todas as Pessoas são iguais em dignidade, idênticas em substância e diversificam-se pelas suas relações internas. É aqui que é necessário realçar uma diferença de visão entre o Oriente e o Ocidente. Para o Oriente, as relações entre as Pessoas da Trindade não são de oposição nem de separação, mas de diversidade, de reciprocidade, de revelação recíproca e de comunhão no Pai.
Os atributos que se referem à natureza comum, tais como sabedoria, vontade, amor, santidade, eternidade, são inerentes aos Três sem diferenciação. A Pessoa na sua qualidade de Única é evocada na sua relação à Fonte que é o Pai. A inascibilidade do Pai, a geração do Filho e a processão do Espírito são as relações que melhor permitem distingui-las. E pela fraqueza natural do nosso pensamento que nós as evocamos de maneira negativa: o Pai não gerado não é nem o Filho, nem o Espírito; o Filho gerado não é nem o Pai nem o Espírito; o Espírito espirado não é nem o Pai nem o Filho.
Para o Oriente, essas relações de origem não são o único fundamento das Hipóstases, que as constituiria e as esgotaria do seu conteúdo. São João Damasceno o diz: "Cada uma das Pessoas contém a Unidade pela sua relação às outras, não menos que pela sua relação a si mesma".34 Elas designam somente por excelência a diversidade hipostática. Não diferenciam a natureza em Pessoas, mas exprimem a identidade e a diversidade do Deus Uno e Trino.
O mais importante para compreender a teologia trinitária do Oriente é o caráter sempre ternário ou triplo das relações. Ternárias, elas são ao mesmo tempo triúnicas e é por esse motivo que em cada relação de uma Pessoa as outras estão presentes. O Filho e o Espírito referem-se ao Pai simultaneamente, a inascibilidade, a geração e a processão implicam-se reciprocamente, uma nunca está sem as outras. Esse caráter ternário das relações suprime qualquer possibilidade de as reduzir à dualidade, à formação de díades no seio da Trindade, o que colocaria a idéia racional de oposição em vez da visão meta-racional de uma diversidade - unidade trinitária.
Com efeito, apenas se podem opor dois princípios; ora nós temos três princípios, eis por que o Oriente recusa o sistema de oposição de relações ou de relações de oposição que são as relações causais. A relação ativa do Filho e do Espírito ao Pai é uma relação de comunhão, de revelação, de manifestação, da mesma maneira a relação ativa entre o Filho e o Espírito não é a relação de origem. A relação de origem é uma negação: o Pai não é o Filho, etc., e deve ser entendida num sentido apofático que transcende qualquer lógica de relações e não define, mas descreve. "O modo da geração e o modo da processão são incompreensíveis"; 35 inefáveis e ao mesmo tempo concretos, eles são suficientes para diferenciar as Pessoas numa simultaneidade eterna, pois toda relação é tripla: o Espírito procede do Pai conjuntamente e em relação com o Filho no qual ele repousa; o Filho é gerado pelo Pai conjuntamente e em relação com o Espírito que o manifesta.
Na vida intradivina dos Três, a Mônada fechada é excluída tanto quanto a Díade porque justamente o número dois implica oposição e limitação recíprocas. O ultrapassar opera-se nos Três e para além de qualquer conumeração lógica. Simplesmente e de repente abre-se o infinito do Deus vivo: "A divindade não é partilhada nos partilhantes", diz São Gregório Nazianzeno,36 "nos Três Sóis que se compenetram, única é a Luz". 37 Assim a Trindade não é o resultado de um processo, de uma teogonia, mas de um dado primordial da existência divina. Ela não é uma obra de vontade hipostática nem de necessidade de natureza; Deus é eternamente, sem começo, o Pai, o Filho e o Espírito Santo, reciprocidade eterna de seu Amor.
O dogma trinitário é absolutamente alheio a qualquer especulação metafísica. Não há nenhuma teogonia no ato da criação do mundo que é um ato de vontade, em compensação a processão das Hipóstases divinas é um ato do Ser divino, do Existente absoluto, para além de qualquer dialética de tipo hegeliano, por exemplo.
A teologia apofática contempla o mistério que nenhuma inteligência pode atingir. É unicamente porque se dirige aos filósofos que São Gregório Nazianzeno utiliza a linguagem deles e diz: "A mônada é posta em movimento em virtude da sua riqueza; a díade é ultrapassada e a tríade encerra-se na sua perfeição absoluta..." 38Assim Deus não é solitário, judaico, nem múltiplo, politeísta. Ele é a Trindade para além de qualquer dedução, razão ou necessidade. Tudo o que se pode dizer é que mônada é solitária, que dois é o número que separa um do outro e os opõe, e que o número que ultrapassa a separação e desemboca no infinito é o três. É na Trindade que se encontram de certa forma reunidos e circunscritos o uno e o múltiplo. Os Pais não procuram justificar pela razão o número Três; ofuscados eles mesmos pela Luz, eles deixam simplesmente contemplar a plenitude superabundante da Triunidade divina. Mas até esta contemplação é apenas a "sombra pálida da Trindade" pois os Três em Deus transcendem qualquer número matemático. São Basílio afirma isso no seu Tratado do Santo Espírito: "Nós não contamos indo do um ao múltiplo pela adição, dizendo um, dois, três ou o primeiro, o segundo e o terceiro. Ao confessarmos as três hipóstases sem dividir a natureza em multidão, nós permanecemos na Monarquia". Vemo-lo bem: o número em Deus não é uma quantidade, mas exprime a ordem inefável: três igual a um. A Tríade das Hipóstases "unidas pela distinção e distinção pela união" designa uma diferença que não opõe, mas se coloca colocando as outras.
A consciência dogmática da Igreja defendeu com veemência o mistério trinitário contra as tendências naturais da razão que oscila fatalmente entre o um e o múltiplo, entre por um lado a essência dos filósofos e os três modos das suas manifestações e isso é o modalismo sabeliano, e, por outro lado, a divisão em três seres distintos e desiguais e isso é a heresia de Àrio. Igualmente em Plotino, o Uno, a Inteligência e a Alma do mundo apresentam uma hierarquia decrescente das pessoas por emanação.
Diante de todos esses desvios da razão natural, era necessária uma metanoia, uma reviravolta radical da inteligência posta em Cristo, para se elevar acima dos conceitos filosóficos e para receber a Revelação de Deus na sua pureza intacta. Era necessário suprimir o germinar do unitarismo monoteísta e o triteísmo politeísta.
Essa reviravolta comporta dois métodos diferentes na sua compreensão do Mistério trinitário e marca assim a diferença das posições teológicas do Oriente e do Ocidente. O Pe. Régnon, nos seus Études de théoiogie positive sur ia Sainte Trinité, nota isso claramente: "A filosofia latina encara em primeiro lugar a natureza em si mesma e prossegue até o subordinado (a Pessoa); a filosofia grega encara em primeiro lugar o subordinado e aí penetra depois para encontrar a natureza. O latino considera a personalidade como um modo da natureza, o grego considera a natureza como o conteúdo da pessoa. Assim o Ocidente parte da natureza una para considerar em seguida as Três Pessoas; o Oriente parte das Três Pessoas para considerar em seguida a natureza una".39 São Basílio, por exemplo, seguia esse método conscientemente porque ele partia do concreto, em conformidade com a Escritura e com a fórmula batismal que nomeia o Pai, o Filho e o Santo Espírito.
O Oriente vê o perigo quando não é a Monarquia do Pai, mas a natureza una que se erige em princípio da unidade na Trindade. Nesse caso, as relações de origem identificam se com as Hipóstases e as exprimem totalmente. Se se afirma com São Tomás que "o nome de pessoa significa a relação", 40 é lógico deduzir que são as relações internas. Da essência que a diversificam. Ora, para os gregos, o princípio de unidade não é a natureza, mas o Pai que estabelece relações de origem em relação a Ele mesmo, como a única Fonte de qualquer relação. Santo Atanásio declara: "Há um só princípio da divindade e conseqüentemente existe a monarquia da maneira mais absoluta: um só Deus porque um só Pai". Esta afirmação lapidar torna-se o adágio de todos os Pais orientais. Para eles, confessar a unidade trinitária é reconhecer o Pai como a única fonte das Hipóstases que simultaneamente recebem dele a mesma e única natureza. É porque as relações se referem ao Pai que elas significam ao mesmo tempo a unidade e a diversidade. As Pessoas e a natureza são apresentadas simultaneamente sem que uma preceda logicamente as outras.
"O grego considera a natureza como o conteúdo da pessoa", o que significa que cada Hipóstase é a maneira pessoal de se apropriar a mesma natureza e, por conseguinte cada Hipóstase na sua realidade única ultrapassa as simples relações de origem. São Gregório Nazianzeno diz: "A natureza una nos Três - é Deus; quanto à união hênosis - é o Pai, de quem os Outros procedem e para o qual eles se dirigem sem se confundirem nem se separarem, mas coexistindo com ele".41 É o Pai que distingue as Hipóstases, mas esta distinção ultrapassa o simples plano das origens, pois segundo São Máximo o Pai os distingue "num movimento eterno de amor" 42. Os Pais distinguem a substância hipostática e a ação manifestadora. No "movimento eterno de amor", o Filho e o Espírito Santo são inseparáveis na sua ação manifestadora do Pai e eles são inefavelmente distintos como duas Pessoas procedendo do mesmo Pai. "O Santo Espírito, diz São Basílio, por um lado está ligado ao Filho com o qual ele é concebido inseparavelmente, e por outro lado o seu Ser está suspendido ao Pai, do qual ele procede... Ele subsiste procedendo do Pai e é manifestado conjuntamente com o Filho". 43 Em todos os Pais constatamos a afirmação da única Fonte Hipostática do Pai e ao mesmo tempo uma relação íntima entre o Filho e o Espírito inseparavelmente concebidos e unidos: o Espírito repousa eternamente sobre o Filho e o manifesta.
Os orientais sempre acentuam fortemente o caráter inefável, apofático da processão dos Dois do único Pai, contra uma noção mais racional que situava o comum da natureza acima do pessoal. Eles nunca consideraram o Espírito Santo como um vínculo (nexus amo ris) entre o Pai e o Filho unidos na mesma natureza e constituindo um único Princípio de espiração. Nesse caso, já não são mais duas Hipóstases distintas, mas a substância impessoal que "espira". Ora a unidade é a unidade dos Três.
Podemos nos interrogar se a Monarquia oriental não favorece o subordinacionismo no interior da Trindade? São Gregório Nazianzeno responde: "A glória do Princípio não consiste no abaixamento daqueles que procedem dele... Deus é os Três considerados em conjunto; cada um é Deus por causa da consubstancialidade; os Três são Deus por causa da Monarquia". 44
Régnon chama a atenção sobre o perigo oposto no Ocidente: "Parece que o dogma da Unidade divina tenha como que absorvido o dogma da Trindade de que fala apenas por lembrança". E o risco do primado da essência filosófica sobre o concreto escriturístico das Pessoas. Já não se voltam mais para as Pessoas da Trindade, mas ao "Santo Deus" que não se sabe exatamente quem é. Por outro lado, várias formas de piedade popular são voltadas exclusivamente para o Cristo, ligando-se forçosamente à sua humanidade e é um cristocentrismo excessivo. Em compensação o teocentrismo sem precisão conduz à mística do "abismo divino", a Gottheit de Mestre Eckhart, anterior à Trindade.
A acentuação muito marcada sobre a natureza condiciona a noção da beatitude do século futuro como visão da essência divina. Ora, para o Oriente a beatitude designa o infinito da deificação, participação da vida divina e visão da glória trinitária através da humanidade glorificada do Cristo, "luzeiro de cristal", a essência de Deus sendo transcendente para sempre.
Numa figura, podemos representar a triadologia sob a forma de um ângulo no qual o sopé designa o Pai e os dois pontos onde terminam os lados, o Filho e o Espírito. Esse esquema exprime a igualdade dos dois, mas não diz nada sobre as suas relações recíprocas salvo a sua relação à única origem que é o Pai. Segundo o Pe. Serge Boulgakov, o esquema mais correto é um triângulo inscrito num círculo: o movimento é circular, parte do Pai e volta para ele. O Pai é a fonte da Verdade, o Filho é o princípio de revelação da Verdade do Pai, o Espírito Santo é o princípio da sua manifestação dinâmica e vivificante, ele é a Vida da Verdade, o seu Espírito. A relação entre o Filho e o Espírito não é causal: mas é uma relação de interdependência e de condição, pois qualquer relação intradivina é sempre tripla na circum-incessão eterna do Amor divino. Veremos toda a importância do termo de condição, avançado pelo teólogo russo Bolotov, e que é bastante esclarecedor em relação ao problema do Filioque.

Teólogos Ortodoxos Contemporâneos: Vladimir Lossky
(1903-1958)

Nació e1 8 de Junio de 1903, lunes de Pentecostés. Después de sus estudios en Petrogrado, llega a Paris en 1924. Pronto, una fuerte amistad lo une a Eugraf Kovalevsky y entra en la Cofradia San Focio, con vistas a una ortodoxia universal, capaz de revivificar las tradiciones ortodoxas de la Francia de los once primeros siglos. Casado en 1938, tuvo cuatro niños. En 1945 enseña teología en el Instituto Ortodoxo San Dionisio para formar a los presbíteros de la iglesia Ortodoxa de Francia.
Escribe obras esenciales: Teologia Mística de la iglesia de Oriente (1944); A la Imagen y Semejanza de Dios (1967);etc. Muere el 7 de febrero de 1958.
El pecado original
El origen del mal reposa en la libertad del hombre. Por eso el mal es inexcusable, pues sólo tiene origen en la libertad del ser que lo realiza: el hombre da lugar al mal en su voluntad y lo introduce en el mundo.[...] Pero la actitud de Lucifer nos revela la raíz de todo pecado: el orgullo como rebelión contra Dios. El primero que fue llamado a la deificación por la gracia quiso ser dios por sí mismo. Seréis como Dios, dice la serpiente, y así no engaña totalmente al hombre, también llamado a la deificación. Pero aquí, "como" significa la igualdad del resentimiento: dios autónomo contra Dios, dios sin Dios. Cuando Dios llama a Adán (el Hombre) , éste, en lugar de acercarse a su Hacedor, acusa a la mujer que Tú pusiste cerca de mi. El hombre rehúsa su responsabilidad y la proyecta sobre la mujer y sobre Dios mismo.[...)
Desde ese momento, el hombre se separa de Dios y su naturaleza se hace no natural, se vuelve contra su naturaleza: el espíritu humano se invierte.[...] El espíritu debía vivir de Dios; el alma, del espíritu; y el cuerpo, del alma. Pero el espíritu empieza a parasitar el alma al nutrirse de valores no divino. El alma parasita el cuerpo y las pasiones se alzan. El cuerpo finalmente parasita el universo terrestre.[...] Pero Dios introduce una cierta pedagogía para evitar una total desintegración por el mal: más vale morir, es decir, ser excluído del "Arbol de Vida", que vivir eternamente en el pecado (morir de muerte, o la desintegración del pecado).
Mas el mundo verdadero, la verdadera naturaleza se afirmarán por la Gracia. El pecado inicia el drama de la salvación. El Cristo, segundo Adán, elegirá a Dios allí donde el primer Adán se había elegido a sí mismo. Satán ofrecerá al Cristo la misma tentación, mas tres veces la tentación se quebrará contra las voluntades unidas de Dios y del hombre. [...]
La obra del Espíritu Santo en la iglesia
La Encarnación y la obra salvadora del Cristo, tomadas aparte de la economía del Espíritu Santo, no pueden justificar la multiplicidad personal de la Iglesia, tan necesaria como su unidad natural en el Cristo. El misterio de Pentecostés es tan importante como el de la Salvación. La obra salvadora es una condición indispensable de la obra deificante del Espíritu Santo. [... ] El Hijo Se hizo semejante a nosotros por la Encarnación y nos hacemos semejantes a El por la deificación, participando de la divinidad en el Espíritu Santo que la comunica a cada persona humana. La obra redentora del Hijo concierne a nuestra naturaleza y la obra deificante del Espíritu Santo se dirige a nuestras personas. Las dos obras son inseparables: es la "economía" de la Santa Trinidad, cumplida por las dos Personas divinas que - el Padre envía al mundo.
Desde el punto de vista de nuestro estado de decadencia, la meta de la economía divina se llama redención o salvación: es el aspecto negativo en relación con el pecado. Desde el ponto de vista de nuestra vocación última, es la deificación: es el aspecto positivo del mismo misterio que se cumple en cada persona humana en la Iglesia y que se revelará plenamente en el mundo venidero, cuando, después de haber reunido todo en el Cristo, "Dios será todo en todo" .

Vladimir Lossky
TEOLOGÍA Y MÍSTICA EN LA TRADICIÓN DE LA IGLESIA DE ORIENTE
Introducción a "Teología mística de la Iglesia de Oriente", Barcelona, Herder, 1982.
Nos proponemos estudiar aquí algunos aspectos de la espiritualidad oriental en relación con los temas fundamentales de la tradición dogmática ortodoxa. Con la expresión "teología mística" no se designa, pues, aquí sino una espiritualidad que expresa una actitud doctrinal.
En cierto sentido, toda teología es mística, en la medida en que manifiesta el misterio divino, los elementos procedentes de la revelación. Por otra parte se opone a menudo la mística a la teología, como un campo inaccesible al conocimiento, como el misterio inexpresable, un fondo oculto que puede ser vivido más bien que conocido, entregándose a una experiencia específica que sobrepasa nuestras facultades de entendimiento, antes que a una aprehensión cualquiera de nuestros sentidos o de nuestra inteligencia. Si se adoptara sin reserva este ultimo concepto, oponiendo resueltamente la mística a la teología, se llegaría finalmente a la tesis de Bergson, quien distingue, en Deux saurces, la "religión estática" de las iglesias, religión social y conservadora, y la "religión dinámica" de los místicos, religión personal y renovadora. ¿En qué medida tenía razón Bergson al afirmar esta oposición? La cuestión es difícil de resolver, tanto más difícil cuanto que para Bergson los dos términos que él opone en el terreno religioso se fundan en los dos polos de su visión filosófica del universo: la naturaleza y el impulso vital. Pero, con independencia de la actitud bergsoniana, se expresa a menudo la opinión que quiere ver en la mística un campo reservado a unos pocos, una excepción a la regla común, un privilegio concedido a unas cuantas almas que gozan de la experiencia de la verdad, mientras que los demás tienen que contentarse con una sumisión más o menos ciega al dogma que se impone exteriormente como una autoridad coercitiva. Acentuando esta oposición, se va a veces demasiado lejos, sobre todo si se fuerza un tanto la realidad histórica; se llega, así, a poner en conflicto a los místicos y los teólogos, los espirituales y los prelados, los santos y la Iglesia. Basta recordar varios pasajes de Harnack, "La vie de sa¡nt François" de Paul Sabatier, y otras obras, debidas las más de las veces a historiadores protestantes.
La tradición oriental jamás ha distinguido netamente entre mística y teología, entre la experiencia personal de los misterios divinos y el dogma afirmado por la Iglesia. Las palabras que, hace un siglo, dijo un gran teólogo ortodoxo, el metropolitano Filareto de Moscú, expresan perfectamente esta actitud: "Ninguno de los misterios de la más secreta sabiduría de Dios debe parecernos ajeno o totalmente trascendente, sino que, con toda humildad, debemos adaptar nuestro espíritu a la contemplación de las cosas divinas". Dicho de otro modo, al expresar el dogma una verdad revelada que nos aparece como un misterio insondable, debemos vivirlo en un proceso durante el cual, en vez de asimilar el misterio a nuestro modo de entendimiento, será preciso, por el contrario, que cuidemos de un cambio profundo, de una transformación interior de nuestra mente, a fin de hacernos aptos para la experiencia mística. Lejos de oponerse, la teología y la mística se sostienen y se complementan mutuamente. La una es imposible sin la otra: si la experiencia mística es una fructificación personal del contenido de la fe común, la teología es una expresión, para la utilidad de todos, de lo que puede ser experimentado por cada cual. Fuera de la verdad guardada por el conjunto de la Iglesia, la experiencia personal estaría privada de toda certidumbre, de toda objetividad; sería una mezcla de lo verdadero y de lo falso, de la realidad y de la ilusión: el "misticismo" en el sentido peyorativo de la palabra. Por otra parte, la enseñanza de la Iglesia no tendría ninguna influencia sobre las almas si no expresara en cierto modo una experiencia íntima de la verdad dada, en diferente medida, a cada uno de los fieles. No hay, pues, mística cristiana sin teología, pero sobre todo no hay teología sin mística. No es casualidad que la tradición de la Iglesia de Oriente haya reservado especialmente el nombre de "teólogos" a tres escritores sagrados, el primero de los cuales es san Juan, el más "místico" de los cuatro evangelistas; el segundo, san Gregorio Nacianceno, autor de poemas contemplativos; y el tercero, san Simeón, llamado "el nuevo teólogo", cantor de la unión con Dios. La mística es, pues, considerada aquí como la perfección, la cumbre de toda teología; como una teología por excelencia.
Contrariamente a la gnosis, en la que el conocimiento en sí constituye la meta del gnóstico, la teología cristiana es siempre, en último lugar, un medio, un conjunto de conocimientos que deben servir a un fin que excede a todo conocimiento. Este fin último es la unión con Dios, o deificación, la "Theosis" de los Pais griegos. Se llega así a una conclusión que puede parecer harto paradójica: la teoría cristiana tendrá un sentido eminentemente práctico, y ello con tanto mayor motivo cuanto que es más mística y apunta más directamente al supremo fin de la unión con Dios.
Todo el desarrollo de las luchas dogmáticas sostenidas por la Iglesia en el transcurso de los siglos, si se enfoca desde el punto de vista puramente espiritual, nos aparece dominado por la preocupación constante que la Iglesia ha tenido de salvar, en cada momento de su historia, la posibilidad de que los cristianos alcancen la plenitud de la unión mística. En efecto, la Iglesia lucha contra los gnósticos para defender la idea misma de la deificación como fin universal: "Dios se hizo hombre para que los hombres puedan volverse dioses". Afirma, contra los arrianos, el dogma de la Trinidad consubstancial, porque es el Verbo, el Logos, quien nos abre el camino hacia la unión con la divinidad, y si el Verbo encarnado no tiene la misma substancia con el Padre, si no es el verdadero Dios, nuestra deificación es imposible. La Iglesia condena el nestorianismo, para abatir la barrera con la cual, en el propio Cristo, se ha querido separar al hombre de Dios. Se alza contra el apolinarismo y el monofisismo, para mostrar que, al haber asumido el Verbo la plenitud de la verdadera naturaleza humana, nuestra naturaleza entera debe entrar en unión con Dios. Combate a los monotelitas porque fuera de la unión de las dos voluntades, divina y humana, no se podría alcanzar la deificación: "Dios creó al hombre por su sola voluntad, pero no puede salvarlo sin el concurso de la voluntad humana". La Iglesia triunfa en la lucha por las imágenes, al afirmar la posibilidad de expresar las realidades divinas en la materia, símbolo y garantía de nuestra santificación. En las cuestiones que se plantean sucesivamente sobre el Espíritu Santo, sobre la gracia, sobre la propia Iglesia -cuestión dogmática de la época en que vivimos-, la preocupación central, el envite de la lucha es siempre la posibilidad, el modo o los medios de la unión con Dios. Toda la historia del dogma cristiano se desarrolla alrededor del mismo núcleo místico, defendido con armas diferentes contra adversarios múltiples en el transcurso de las épocas sucesivas.
Las doctrinas teológicas elaboradas en el transcurso de esas luchas pueden tratarse en su más directa relación con el fin vital que debían ayudar a alcanzar: la unión con Dios. Se presentarán entonces como bases de la espiritualidad cristiana. Así lo entendemos cuando queremos hablar de "teología mística". No se trata de la mística propiamente dicha: experiencias personales de los diferentes maestros de vida espiritual. Por otra parte, estas experiencias nos resultan, las más de las veces, inaccesibles, incluso cuando encuentran una expresión verbal. ¿Qué se puede decir, en efecto, acerca de la experiencia mística de san Pablo?: "Conozco a un hombre en Cristo que fue, hace catorce años, arrebatado hasta el tercer cielo (si fue en su cuerpo, no lo sé, si fuera de su cuerpo, no lo sé, Dios lo sabe). Y sé que este hombre (si fue en su cuerpo o sin su cuerpo no lo sé, Dios lo sabe) fue arrebatado al paraíso y oyó palabras inefables que no le es concedido a un hombre expresar: (2 Cor 12,2-4)". Para arriesgarse a emitir un juicio cualquiera respecto a la naturaleza de esta experiencia, habría que saber más de ella que san Pablo, que reconoce su ignorancia ("no lo sé, Dios lo sabe"). Dejamos a un lado deliberadamente toda cuestión de psicología mística. No son tampoco las doctrinas teológicas como tales lo que tenemos intención de exponer aquí, sino tan sólo los elementos de teología indispensables para comprender una espiritualidad; dogmas que constituyen la base de una mística. Ésta es la primera definición y limitación de nuestro tema, que es la teología mística de la Iglesia de Oriente.
La segunda determinación de nuestro tema se circunscribe, por decirlo así, en el espacio: el campo de nuestros estudios sobre la teología mística será el Oriente cristiano o, más precisamente, la Iglesia ortodoxa de Oriente. Hay que reconocer que esta limitación es un tanto artificial. En efecto, al no datar la ruptura entre el Oriente y el Occidente cristianos más que de mediados del siglo XI, todo lo anterior a esa fecha constituye un tesoro común, inseparable de ambas partes desunidas. La Iglesia ortodoxa no sería lo que es si no tuviera a san Cipriano, san Agustín o san Gregorio Magno; como la Iglesia católica romana no podría prescindir de san Atanasio, de san Basilio o de san Cirilo de Alejandría. Por consiguiente, cuando se quiere hablar de teología mística de Oriente o de Occidente, se coloca en el cauce de una de las dos tradiciones que, hasta cierto momento, siguen siendo dos tradiciones locales de la Iglesia una, que dan testimonio de una sola verdad cristiana, pero que se separan a continuación y dan lugar a dos actitudes dogmáticas diferentes, inconciliables en varios puntos. ¿Se puede juzgar ambas tradiciones colocándose en un terreno neutral, tan ajeno a una como a otra? Sería juzgar el cristianismo como no cristiano, es decir, resistirse por anticipado a entender cualquier cosa del objeto que se tiene intención de estudiar. Porque la objetividad no consiste de ningún modo en colocarse fuera del objeto, sino, por el contrario, en considerar el objeto en sí mismo y por si mismo. Hay terrenos en donde lo que comúnmente se llama "objetividad" no es más que indiferencia y en donde indiferencia significa incomprensión. En el estado actual de oposición dogmática entre Oriente y Occidente es preciso, pues, si se quiere estudiar la teología mística de la Iglesia de Oriente, elegir entre dos actitudes posibles: colocarse en el terreno dogmático occidental y examinar la tradición oriental a través de la de Occidente, es decir, criticándola; o bien presentar dicha tradición bajo el aspecto dogmático de la Iglesia de Oriente. Esta última actitud es para nosotros la única posible.
Se nos objetará, quizá, que la disensión dogmática entre Oriente y Occidente no fue más que accidental, que no desempeñó un papel decisivo, que se trataba más bien de dos mundos históricos diferentes que tarde o temprano debían separarse para seguir cada uno su propio camino; que la disputa dogmática no fue más que un pretexto para romper definitivamente la unidad eclesiástica, la cual, de hecho, hacía mucho tiempo que no existía ya. Tales afirmaciones, que se dejan oír muy frecuentemente tanto en Oriente como en Occidente, son debidas a una mentalidad puramente laica, a la costumbre general de tratar la historia de la Iglesia según los métodos que prescinden de la naturaleza religiosa de la Iglesia. Para un "historiador de la Iglesia", el factor religioso desaparece, encontrándose reemplazado por otros, como el juego de los intereses políticos y sociales; o el papel de las condiciones étnicas o culturales, consideradas como fuerzas determinantes en la vida de la Iglesia. Se cree más listo, más al día, invocando estos factores como las verdaderas razones dirigentes de la historia eclesiástica. Un historiador cristiano, aunque reconoce la importancia de estas condiciones, apenas puede resignarse a considerarlas diferentemente que exteriores al ser mismo de la Iglesia; no puede renunciar a ver en la Iglesia un cuerpo autónomo, sometido a una ley distinta de la del determinismo de este mundo. Si se considera la cuestión dogmática sobre la procesión del Espíritu Santo, que dividió a Oriente y Occidente, no se la puede tratar como un fenómeno fortuito en la historia de la Iglesia, considerada como tal. Desde el punto de vista religioso, es el único motivo que cuenta en la concatenación de los hechos que condujeron a la separación. Aunque condicionada, quizá, por varios factores, esta determinación dogmática fue, para unos como para otros, un compromiso espiritual, una toma de partido consciente en materia de fe.
Si frecuentemente se está inclinado a quitarle importancia al hecho dogmático que determinó todo el desarrollo ulterior de ambas tradiciones, es debido a una cierta insensibilidad con respecto al dogma, considerado como algo exterior y abstracto. La espiritualidad es lo que cuenta, dicen; la diferencia dogmática nada cambia. Sin embargo, espiritualidad y dogma, mística y teología, están inseparablemente ligados en la vida de la Iglesia. Por lo que se refiere a la Iglesia de Oriente, como hemos dicho, no establece una distinción bien nítida entre la teología y la mística, entre el terreno de la fe común y el de la experiencia personal. De ahí que, si queremos hablar de la teología mística de la tradición oriental, no podremos tratar dicho tema de otro modo que dentro de los límites dogmáticos de la Iglesia ortodoxa.
Antes de abordar nuestro tema, es necesario que digamos unas cuantas palabras sobre la Iglesia ortodoxa, poco conocida hasta hoy en Occidente. El libro del padre Congar, "Chrétiens désunis", notabilísimo en muchos aspectos, en las páginas consagradas a la ortodoxia, pese a todas sus preocupaciones por la objetividad, no deja de estar sometido a ciertas opiniones preconcebidas respecto a la Iglesia ortodoxa. "Donde Occidente -dice-, sobre la base, a la vez desarrollada y limitada, de la ideología agustiniana, reivindicará para la Iglesia la autonomía de una vida y de una organización propias y fijará en ese sentido las líneas maestras de una eclesiología muy positiva, Oriente admitirá prácticamente, e incluso a veces teóricamente, para la realidad social y humana de la Iglesia, un principio de unidad político, no religioso; parcial, no verdaderamente universal". Para el padre Congar, como para la mayor parte de los autores católicos o protestantes que se han expresado al respecto, la Ortodoxia se presenta bajo el aspecto de una federación de iglesias nacionales, que tienen como base un principio político: la Iglesia de un Estado.
Hay que ignorar tanto los fundamentos canónicos como la historia de la Iglesia de Oriente para arriesgarse a semejantes generalizaciones. La opinión que quiere fundar la unidad de una iglesia local en un principio político, étnico o cultural está reputada por la Iglesia ortodoxa como herejía especialmente designada por el nombre de filetismo. Es el territorio eclesiástico, la tierra consagrada por la tradición más o menos antigua del cristianismo, lo que constituye la base de una provincia metropolitana, administrada por un arzobispo o metropolitano, con obispos para cada diócesis, que se reúnen en sínodo de cuando en cuando. Si bien las provincias metropolitanas se congregan en grupos y forman iglesias locales bajo la jurisdicción de un obispo que lleva a menudo el título de patriarca, es la propia comunidad de tradición local y de destino histórico, así como la comodidad para convocar un concilio de varias provincias, lo que dirige la formación de esos grandes círculos jurisdiccionales, cuyo territorio no corresponde necesariamente a los limites políticos de un Estado.
El Patriarca de Constantinopla goza de cierta primacía de honor, haciéndose a veces árbitro en las diferencias, sin ejercer una jurisdicción sobre el conjunto de la Iglesia ecuménica. Las iglesias locales de Oriente tenían más o menos la misma actitud con respecto al patriarcado apostólico de Roma, primera sede de la Iglesia antes de la separación, símbolo de su unidad. La ortodoxia no admite un jefe visible de la Iglesia. La unidad de ésta se expresa mediante la comunión de los jefes de las iglesias locales, por el acuerdo de todas las iglesias respecto a un concilio local y que adquiere, por eso mismo, un valor universal; por último, en casos excepcionales, puede manifestarse por un concilio general. La catolicidad de la Iglesia, lejos de ser privilegio de una sede o centro determinado, se realiza más bien en la riqueza y multiplicidad de las tradiciones locales, que dan testimonio unánime de una sola verdad: lo que es guardado siempre, en todo lugar y por todos. Siendo católica la Iglesia en todas sus partes, cada uno de sus miembros -no solamente el clero, sino también cada laico- es llamado a confesar y defender la verdad de la tradición, oponiéndose aun a los obispos si caen en la herejía. Un cristiano que haya recibido el don del Espíritu Santo en el sacramento del santo crisma no puede ser inconsciente en su fe; para la Iglesia es siempre responsable. De ahí el carácter agitado y a veces turbado de la vida eclesiástica en Bizancio, en Rusia y en otros países del mundo ortodoxo. Pero ése es el precio de una vitalidad religiosa, de una intensidad de vida espiritual que penetra al pueblo de los creyentes, unido por la conciencia de formar un solo cuerpo con la jerarquía de la Iglesia. De ahí también esa fuerza invencible que permite a la Ortodoxia atravesar todas las adversidades, todos los cataclismos y trastornos adaptándose siempre a la nueva realidad histórica, mostrándose más fuerte que las condiciones exteriores. Las persecuciones contra la fe en Rusia, cuya furia metódica no ha podido destruir a la Iglesia, son el mejor testimonio de esa fuerza que no es de este mundo.
La Iglesia ortodoxa, aunque es llamada comúnmente la Iglesia de Oriente, no deja de considerarse sin embargo como la Iglesia ecuménica. Y esto es verdad en el sentido de que no está limitada por un tipo de cultura determinada, por la herencia de una civilización, helenística u otra, por formas culturales estrictamente orientales. Por otra parte, "oriental" quiere decir demasiadas cosas a la vez: El Oriente es menos homogéneo, desde el punto de vista cultural, que Occidente. ¿Qué hay de común entre el helenismo y la cultura rusa, a pesar de los orígenes bizantinos del cristianismo en Rusia? La Ortodoxia ha sido la levadura de demasiadas culturas diferentes, para ser considerada como una forma cultural del cristianismo oriental: estas formas son diversas, la fe es una. A las culturas nacionales no ha opuesto jamás una cultura que se repute de específicamente ortodoxa. Por eso la obra de la misión pudo desarrollarse tan prodigiosamente : la cristianización de Rusia en los siglos X y XI y, más tarde, la predicación del Evangelio a través de toda el Asia. Hacia el fin del siglo XVIII la misión ortodoxa llegó a las islas Aleutianas y Alaska, pasó a continuación a América del Norte, creando nuevas diócesis de la Iglesia rusa fuera de Rusia, propagándose en la China y en el Japón. Las variedades antropológicas y culturales, desde Grecia basta las extremidades del Asia, desde Egipto hasta el océano Glacial, no destruyen el carácter homogéneo de esta familia de espiritualidad, muy diferente de la del Occidente cristiano.
La vida espiritual en la Ortodoxia conoce una gran riqueza de formas, de entre las cuales el monacato permanece la más clásica. Sin embargo, contrariamente al monacato occidental, el de Oriente no comprende una multiplicidad de diferentes órdenes. Esto se explica por el concepto mismo de la vida monástica, cuyo fin no puede ser sino la unión con Dios en el renunciamiento total a la vida de este siglo. Si el clero secular (sacerdotes y diáconos casados) o las cofradías de laicos pueden ocuparse de obras sociales o dedicarse a otras actividades exteriores, ocurre de otro modo con los monjes. Toman el hábito ante todo para consagrarse a la oración, la obra interior, en un claustro o un eremitorio. Entre un monasterio de vida común y la soledad del anacoreta que continúa las tradiciones de los Pais del desierto, hay varios tipos intermedios de instituciones monásticas. Se podría decir, en general, que el monacato oriental es exclusivamente contemplativo, si la distinción entre las dos vías, contemplativa y activa, tuviese el mismo sentido en Oriente que en Occidente. En realidad, ambas vías son inseparables para los espirituales orientales: la una no puede ejercerse sin la otra, puesto que la maestría ascética, la escuela de la oración interior, reciben el nombre de actividad espiritual. Si bien los monjes ejercen a veces trabajos físicos, es sobre todo con un fin ascético, para mejor conseguir romper la naturaleza rebelde; también para evitar la ociosidad, enemiga de la vida espiritual. Para alcanzar la unión con Dios, en la medida en que ésta es realizable aquí abajo, es preciso un esfuerzo continuo o, más precisamente, velar incesantemente por que la integridad del hombre interior, "la unión del corazón y el espíritu" (para emplear la expresión ascética ortodoxa) resista todos los embates del enemigo, todos los movimientos no razonados de la naturaleza caída. La naturaleza humana debe cambiar, debe ser transfigurada cada vez más por la gracia, en el camino de la santificación que tiene un alcance no solamente espiritual sino también corporal y, de este modo, cósmico. La obra espiritual de un cenobita o de un anacoreta que vive retirado del mundo, aun cuando quede inadvertida para todos, conserva todo su valor para el universo entero. Por eso las instituciones monásticas han gozado siempre de una gran veneración en todos los países del mundo ortodoxo.
El papel de los grandes focos de espiritualidad fue muy considerable no solamente en la vida eclesiástica, sino también en el terreno cultural y político. Los monasterios del monte Sinaí; de Studion, cerca de Constantinopla; la "república monástica" del monte Athos, que reunía a los religiosos de todas las naciones (incluidos monjes latinos antes de la separación); otros grandes centros fuera del Imperio como el monasterio de Tirnovo en Bulgaria y las grandes abadías (lavra) de Rusia -Pechen, en Kiev, Santísima Trinidad, cerca de Moscú- fueron ciudadelas de la Ortodoxia, escuelas de vida espiritual cuya influencia religiosa y moral fue de primerísimo orden en la formación cristiana de los pueblos nuevos. Pero si el ideal del monacato tenía tan grande influencia en las almas, no era, sin embargo, la única forma de vida espiritual que la Iglesia proponía a los fieles. La vía de la unión con Dios puede seguirse fuera de los claustros, en todas las condiciones de la vida humana. Las formas exteriores pueden cambiar, los monasterios pueden desaparecer, como han desaparecido hoy en Rusia, pero la vida espiritual continúa con la misma intensidad encontrando nuevos modos de expresión.
La hagiografía oriental, sumamente rica, muestra junto a los santos monjes varios ejemplos de perfección espiritual adquirida en el mundo por simples laicos, por personas casadas. Conoce también vías de santificación extrañas e insólitas, como la de los "locos en Cristo" que cometían actos extravagantes para ocultar sus dones espirituales a la otra gente, bajo la apariencia horrenda de la locura, o mejor dicho para liberarse de los lazos de este mundo en su expresión más íntima y más molesta para el espíritu, la de nuestro "yo" social. La unión con Dios se manifiesta algunas veces por los dones carismáticos, como por ejemplo el de la dirección espiritual ejercida por los startzy o "ancianos". La mayor parte de las veces son monjes que han pasado muchos años de su vida en oración, cerrados a todo contacto con el mundo y que, al final de su vida, abren ampliamente las puertas de su celda a todos. Poseen el don de penetrar en las profundidades insondables de las conciencias; revelar los pecados y dificultades interiores que, las más de las veces, nos son todavía desconocidos; enderezar las almas abrumadas; dirigir a los hombres no solamente en su vía espiritual, sino también en todas las peripecias de su vida en el siglo.
La experiencia individual de los grandes místicos de la Iglesia ortodoxa nos sigue siendo desconocida las más de las veces. Salvo algunas raras excepciones, la literatura espiritual del Oriente cristiano apenas posee relatos autobiográficos en lo que toca a la vida interior, como los de santa Angela de Foligno, Enrique Suso, o como "La historia de un alma" de santa Teresa de Lisieux. La vida de la unión mística es casi siempre un secreto de Dios y del alma, que no se confía al exterior si no es al confesor o a algunos discípulos. Lo que se hace público son los frutos de la unión: la sabiduría, el conocimiento de los misterios divinos que se expresa en una enseñanza teológica o moral, en consejos que deben edificar a los hermanos. En cuanto al lado íntimo y personal de la experiencia mística, permanece oculto de la vista de todos. Hay que reconocer que el individualismo místico aparece en la literatura occidental bastante tarde, hacia el siglo XIII. San Bernardo no habla directamente de su experiencia personal sino muy raramente, una sola vez en los "Sermones sobre el Cantar de los Cantares", y aún así con una especie de pudor, a ejemplo de san Pablo. Hizo falta que se produjera una cierta escisión entre la experiencia personal y la fe común, entre la vía indirecta y la vía de la Iglesia para que la espiritualidad y el dogma, la mística y la teología se hicieran dos terrenos distintos, para que las almas, al no encontrar ya alimento suficiente en las sumas teológicas, se pusieran a buscar con avidez los relatos de las experiencias místicas individuales, a fin de introducirse de nuevo en una atmósfera de espiritualidad. El individualismo místico permaneció ajeno a la espiritualidad de la Iglesia de Oriente.
Congar tiene razón cuando dice: "Nos hemos vuelto hombres diferentes. Tenemos el mismo Dios, pero somos ante él hombres diferentes y no podemos convenir en la naturaleza de la relación entre nosotros y Él". Pero para juzgar bien esta diferencia espiritual habría que examinarla en sus más perfectas expresiones, en los tipos diferentes de los santos de Occidente y de Oriente después de la separación. Podríamos entonces darnos cuenta del estrecho vínculo que existe siempre entre el dogma confesado por la Iglesia y los frutos espirituales que produce, porque la experiencia interior de un cristiano se lleva a cabo en el círculo trazado por la enseñanza de la Iglesia, encuadrado en el dogma que modela su persona. Si ya una doctrina política profesada por los miembros de un partido puede formar las mentalidades, hasta producir tipos de hombres que se distinguen de los demás por ciertos signos morales y psíquicos, con mayor razón el dogma religioso logra transformar la mente misma de los que lo confiesan: son hombres diferentes de los demás, de los que han sido formados por otro concepto dogmático. Nunca se comprendería una espiritualidad si no se tuviera en cuenta el dogma que está en su base. Hay que aceptar las cosas tal como son y no tratar de explicar la diferencia entre las espiritualidades de Occidente y Oriente por causas de orden étnico o cultural, cuando una causa mayor, una causa dogmática, está en juego. Tampoco hay que decirse que la cuestión de la procesión del Espíritu Santo o de la naturaleza de la gracia carecen de gran importancia en el conjunto de la doctrina cristiana, que sigue siendo más o menos idéntica en los católicos romanos y los ortodoxos. En los dogmas tan fundamentales, este "más o menos" es lo importante, porque presta un acento diferente a toda la doctrina, la presenta bajo otra apariencia, es decir, da lugar a otra espiritualidad.
No queremos hacer "teología comparada" ni, menos aún, resucitar las polémicas confesionales. Nos limitamos aquí a hacer constar el hecho de una diferencia dogmática entre el Oriente y el Occidente cristianos, antes de examinar algunos elementos de teología que están en la base de la espiritualidad oriental. Corresponderá a nuestros lectores juzgar en qué medida estos aspectos teológicos de la mística ortodoxa pueden ser útiles para la comprensión de una espiritualidad ajena a la cristiandad occidental. Si permaneciendo fieles a nuestras actitudes dogmáticas pudiésemos llegar a conocernos mutuamente -y de especial manera en lo que nos hace diferentes-, sería con certeza una vía hacia la unión, más segura que aquella que hiciese poco caso de las diferencias. Porque, por citar la frase de Karl Barth, "la unión de las iglesias no se hace, sino que se descubre".
Fonte: www.geocities.com/origo_es/lossky.htm