lundi 3 novembre 2014

O amor ao Eterno fundamenta a obediência a Ele

A graça e a obediência

Primeira parte

Os batistas acreditamos na necessidade do arrependimento, e que é possível viver a vida cristã e obedecer aos mandamentos de Deus, através de uma obediência sincera. “Recebemos dele tudo o que pedimos porque obedecemos aos seus mandamentos e fazemos o que agrada a ele”. 1Jo 3.22.

Existe uma obediência legalista, servil, e uma obediência de filho, da pessoa que nasceu de novo. “Aquela água representava o batismo, que agora salva vocês. Esse batismo não é lavar a sujeira do corpo, mas é o compromisso feito com Deus, o qual vem de uma consciência limpa. Essa salvação vem por meio da ressurreição de Jesus Cristo”. 1Pe 3.21.

No lugar da idéia de pecado contínuo e de arrependimento contínuo, enfatizamos o poder de Deus que guarda, e a necessidade da pessoa nascida de novo entregar-se a Deus: confessar seus pecados e afastar-se deles quando errar. Ao evitar o legalismo e o perfeccionismo que nasce do amor próprio, insistimos na obediência que nasce da fé.

“Samuel respondeu: O que é que o Senhor Deus prefere? Obediência ou oferta de sacrifícios? É melhor obedecer a Deus do que oferecer-lhe em sacrifício as melhores ovelhas”. 1Sa 15.22.

O critério para avaliar a espiritualidade é a obediência voluntária. Não se compreende a fé sem obediência. A fé é salvadora quando nossa ação traduz aquilo em que se crê. Assim, a obediência é a evidência de um relacionamento íntegro com Deus. “Não é toda pessoa que me chama de ‘Senhor, Senhor’ que entrará no Reino do Céu, mas somente quem faz a vontade do meu Pai, que está no céu”. Mt 7.21.

A alienação tornou o humano num ser propenso ao distanciamento. Há uma tendência no ser humano a fazer esse caminho próprio. “Não deixem que ninguém engane vocês com conversas tolas, pois é por causa dessas coisas que o castigo de Deus cairá sobre os que não obedecem a ele”. Ef 5.6.

Ora, se a centralidade da alienação está no distanciamento, a centralidade da fé está na obediência. Como podemos nos considerar salvos se estamos distanciados da vontade de Deus? “Eu tenho prazer em fazer a tua vontade, ó meu Deus! Guardo a tua lei no meu coração”. Sl 40.8.

Pela graça

Há pessoas que confundem a salvação através da obediência à lei, denominada salvação pelas obras, com justificação pela graça através da obediência na fé. Ora, quando a fé nasce da graça derramada sobre nossas vidas, a Palavra de Deus é soberana, e o normal é obedecê-la. Se a fé é um absoluto na vida cristã, a obediência não pode ser condicional. A fé que salva é uma fé que leva à obediência habitual e voluntária. Essa obediência não são obras e atos do homem ou da mulher, mas unida à fé é dom de Deus, que capacita os salvos para uma vida de missão. “Guardam no coração a lei do seu Deus e nunca se afastam dela”. Sl 37.31.

Mas é só pela graça que o salvo pode obedecer a Deus. Não há qualquer possibilidade de uma obediência voluntária por aquele que se encontra escravizado às maldades da natureza humana, ao mundo e ao diabo. A humildade dos salvos à vontade de Deus também seria impossível sem a graça. Sabemos que a graça é instrumento capaz de dar humildade ao ser humano, arrogante na alienação, sem degradá-lo. É o meio capaz de engrandecê-lo, sem torná-lo presunçoso. Ou como disse Paulo: “pela graça de Deus sou o que sou, e a graça que ele me deu não ficou sem resultados. Pelo contrário, eu tenho trabalhado muito mais do que todos os outros apóstolos. No entanto não sou eu quem tem feito isso, e sim a graça de Deus que está comigo”. 1Co 15.10.

A obediência que nasce da graça é a obediência daquele que crê, e não de um escravo que se submete com medo. Não há servidão ao legalismo, mas submissão graciosa. E Jesus é o exemplo: “eu desci do céu para fazer a vontade daquele que me enviou e não para fazer a minha própria vontade”. Jo 6.38.

A obediência na fé não é apenas uma possibilidade na vida. É prova de amor, de conversão radical. Quem obedece movido pelo medo não conhece o amor. Obediência e amor caminham juntos: um aponta para o outro. O amor e o medo existencial se repelem, pois o medo é resultado da incerteza do amor de Deus. Há pessoas que tentam obedecer porque têm medo de conseqüências imaginárias, da morte ou do inferno. Desconhecem o amor divino, mas, se o medo faz da obediência uma obrigação terrível, o amor torna a obediência um momento especial de encontro com o Salvador, porque “no amor não há medo. O amor que é totalmente verdadeiro afasta o medo. Portanto, aquele que sente medo não tem no seu coração o amor totalmente verdadeiro, porque o medo mostra que existe castigo”. 1Jo 4.18.

A obediência sem amor é imposição cruel: nada é mais terrível do que a obrigação destituída de amor. O amor não é passivo, opressivo, nem possessivo. Toda obediência de mero compromisso é constrangimento. Assim, “tudo o que vocês fizerem seja feito com amor”. 1Co 16.14.

O amor é a chave da obediência. A vida cristã não é comportamento formal. A conduta dos filhos é fruto da atitude humilde de um coração submisso à vontade do Pai. Obedecer de má vontade é, seguramente, uma coação, pois “damos graças a Deus porque vocês, que antes eram escravos do pecado, agora já obedecem de todo o coração às verdades que estão nos ensinamentos que receberam”. Rm 6.17.

Jorge Pinheiro.

O pensar solidário, origens

As origens do pensamento solidário
Jorge Pinheiro, PhD

O pensamento solidário é o produto da evolução econômica e religiosa, que foi lentamente preparado e que se apresentou como pensamento político a partir da Renascença, da Reforma e com o surgimento do capitalismo. Ele surgiu em oposição ao pensamento autoritário da Idade Média e sedimentou suas bases nas criações culturais dos últimos séculos.


A ideia da busca da construção de sociedades mais justas e solidárias só pode ser compreendida a partir desse desenvolvimento e seu surgimento esteve ligado diretamente a esta evolução. Deve-se reafirmar, porém, que foi do interior do cristianismo que brotaram as ideias de economias e políticas solidárias e que um pensar solidário sem estes pressupostos é um equívoco. Aqueles que defendem uma economia, uma política, enfim, uma sociedade solidária devem compreender sob que princípios tal solidarismo repousou.

A organização econômica e religiosa da Idade Média estava fundada sobre um sistema de centralização da autoridade que, ancorado em leituras do sobrenatural, associava a natureza e o transcendente numa unidade que submetia pessoas e instituições.

A Reforma protestante, surgida a partir do pensamento humanista, que brotou a partir da Renascença, golpeou o sistema de autoridade, trouxe a fé pessoal, livre de amarras, para o plano formal, ao recorrer à autoridade das Escrituras. E, no plano material, valorizou a subjetividade da consciência.

Assim, apoiada formalmente sobre as Escrituras, a religião protestante produziu novas contradições, apesar do sistema centralizado da autoridade medieval já estar em frangalhos. Coube, a partir daí, às pessoas decidirem a que grupo queriam ligar-se: aos católicos ou aos protestantes.

Tal situação, no entanto, por razões geopolíticas, levou às guerras religiosas, fazendo com que as ideias de construção de sociedades livres e solidárias vivessem um processo lento, pois de cada lado, católicos e protestantes viviam a falsa esperança de que poderiam chegar a uma vitória exclusiva. Com o fim dos combates o que se viu foi que as oposições às confissões se tornaram permanentes. Dessa maneira, brotou a consciência autônoma nos mais variados campos, que se plasmou como consciência europeia ocidental, passando assim a atacar as muralhas autoritárias das religiosidades. E não deixou subsistir sob o solo protestante nada mais que os destroços do constrangimento autoritário.


E, ao nível do pensamento e da metodologia da produção científica, René Descartes golpeou o autoritarismo eclesiástico ao afirmar que a certeza que temos de nós mesmos é o princípio de toda certeza objetiva. E que, embora a autoridade não possa me livrar da dúvida, é em mim mesmo, na minha pessoa, somente, que se enraíza a certeza. Temos então, o Iluminismo, que constata: toda tradição deve ser submetida à crítica. Está dada a partir desse momento, no plano teórico, a possibilidade da busca da construção de sociedades justas e solidárias.