mardi 22 août 2023

O Espírito e seus dons

O Espírito Santo e seus dons. 
Uma leitura neotestamentária.
Jorge Pinheiro


“Mas foi a nós que Deus, por meio do Espírito, revelou o seu segredo. O Espírito Santo examina tudo, até mesmo os planos mais profundos e escondidos de Deus. Quanto ao ser humano, somente o espírito que está nele é que conhece tudo a respeito dele. E, quanto a Deus, somente o seu próprio Espírito conhece tudo a respeito dele. Não foi o espírito deste universo que nós recebemos, mas o Espírito mandado por Deus, para que possamos entender tudo o que Deus nos tem dado. Portanto, quando falamos, nós usamos palavras ensinadas pelo Espírito de Deus e não palavras ensinadas pela sabedoria humana. Assim explicamos as verdades espirituais aos que são espirituais. Mas quem não tem o Espírito de Deus não pode receber os dons que vêm do Espírito e, de fato, nem mesmo pode entendê-los. Essas verdades são loucuras para essa pessoa porque o sentido delas só pode ser entendido de modo espiritual”. 1Coríntios 2.10-14.

O Espírito é Pessoa da trindade de Deus. É Pessoa que dá vida nova (Is 63.11-14) e consola os que sofrem (Jo 14.16; 16.7). O Espírito adota (Rm 8.16) e enche de amor (2Tm 1.7). Transmite conhecimento, sabedoria e justiça (Is 11.2-5). Derrama arrependimento e graça (Zc 12.10; 13.1), dá poder e torna as pessoas prudentes (2Tm 1.7). Ele vive em nós (Jo 14.17; 16.13; 1Jo 4.6): pertencemos a Ele (Ef 1.13). 

Mas como viver isso em nossas comunidades de fé? Qual é a importância desse Espírito, teologicamente correto, mas afastado do dia a dia de nossas vidas? Será que vida no Espírito não significa experiência religiosa?

Vemos essa ação e voz do Espírito na vida dos profetas, que se tornavam porta-vozes de Deus, quando o Espírito descia sobre eles. Isaías profetizou sobre a vinda do Cristo e disse que o Espírito do Senhor estaria sobre Jesus (Is 61.1). Ezequiel revelou que o Espírito o levou a lugares distantes, numa visão dada pelo próprio Espírito de Deus (Ez 11). 

E mesmo pessoas que não tinham o título de profeta, proferiram mensagens por meio do Espírito Santo. O rei Davi pronunciou seu último testemunho poético antes de morrer e disse: "O Espírito do Senhor fala por meio de mim, e a sua mensagem está nos meus lábios" (2Sm 23.2). José interpretou os sonhos de Faraó, e o próprio rei exclamou que o Espírito de Deus estava sobre o filho de Jacó (Gn 41.38,39).

Depois que Samuel ungiu a Saul rei de Israel, o Espírito do Senhor desceu sobre ele e profetizou. Deus o transformou numa pessoa diferente, de maneira que os israelitas perguntaram: “Será que Saul também virou profeta?”. (1Sm 10.5-13). Essa pergunta foi repetida quando o Espírito do Senhor desceu novamente sobre Saul, quando perseguia Davi. O rei tirou sua túnica e profetizou (1Sm 19.23,24). 

No acampamento de Israel, durante o Êxodo, Deus multiplicou o Espírito que estava sobre Moisés e o colocou sobre setenta anciãos: eles então profetizaram, bem como Eldade e Medade. Quando ouviu sobre isso, Moisés disse que seu desejo era que o Senhor colocasse o seu Espírito sobre todo o povo, para que todos profetizassem (Nm 11.25-29). 

Moisés é o protótipo do Messias, pois foi considerado profeta e revelou o Espírito do Senhor. Ele predisse o advento do Cristo, quando falou ao povo que Deus levantaria um profeta como ele próprio, do meio deles (Dt 18.15,18). Além disso, ele repetidamente introduziu a revelação do Senhor com as palavras "disse o Senhor a Moisés" (Nm 8.1,5, 23).

Nas línguas utilizadas no Antigo e no Novo Testamento (hebraico e grego), os termos usados para o Espírito Santo enfatizam sua santidade, embora no AT, o adjetivo santo antes do substantivo espírito aparece poucas vezes (Sl 51.11; Is 63.10,11). No Novo Testamento a palavra santo antes do substantivo Espírito está presente na maioria dos livros, especialmente no livro de Atos. Isso não significa que a ênfase ao Espírito seja menor no Antigo do que no Novo Testamento. As expressões mais freqüentes no Antigo Testamento são “o Espírito de Deus” ou “o Espírito do Senhor”. 

Mas, é importante entender que a idéia da santidade do Espírito está intimamente ligada à sua eternidade. E, a partir daí, santo é este Espírito que não pode ser violado, cuja ação sobre nós e para nós é benéfica, segura e eficaz.

Ora, o Espírito é criador, mas o que significa isso? Bem, poderíamos falar da criação do cosmo: "Por meio da sua palavra, o Senhor fez os céus; pela sua ordem, ele criou o sol, a lua e as estrelas". (Salmo 33.6). E, "Tu lhes deste o teu bom Espírito para lhes ensinar o que deviam fazer" (Neemias 9.20).

Lembrar que a primeira vez que a palavra espírito aparece na Bíblia é no relato da criação, em Gênesis, onde o Espírito de Deus pairava sobre as águas como poder criador que traz ordem ao caos (Gn 1.2). E que o salmista faz eco a esse conceito, quando disse: "Por meio da sua palavra, o Senhor fez os céus; pela sua ordem, ele criou o sol, a lua e as estrelas". (Sl 33.6). 

Ou ainda, que por meio do sopro de Deus, Hadam tornou-se uma alma vivente (Gn 2.7). Jó afirma que o Espírito do Senhor o criou e que recebeu vida por meio do sopro do Todo-poderoso (Jó 27.3; 32.8; 33.4; 34.14,15). Sabemos, também, que quando Deus retira seu sopro dos seres humanos e dos animais, eles morrem e retornam ao pó (Sl 104.29; Ec 3.19,20; 12.7). 

Mas não podemos nos esquecer, que a Pneumatologia deve funcionar como uma Cristologia eclesial, pois a vida é espírito e porque também a comunidade tem espírito. A comunidade de fé, assim como as pessoas, são as criações por excelência deste Espírito criador. E como a comunidade de fé é formada por discípulos do Cristo, seu Espírito está aí presente, criando gente nova e expandindo o reino. Ora isso aconteceu no Pentecostes, na história da jovem igreja cristã e continua a acontecer hoje.

É verdade, o Espírito é Pessoa. Mas aqui também somos chamados a dar carne e osso à nossa Pneumatologia. Se partirmos da ênfase sobre o monoteísmo, dada pelos escritores do Antigo Testamento, vamos encontrar uma distinção entre Deus e o Espírito do Senhor. Mas essa distinção, em nenhum momento define o Espírito como emanação de Deus. Tome-se, por exemplo, as referências em Gênesis 1.1-2. Deus criou o céu e a terra, mas o Espírito do Senhor pairava sobre as águas. Ou quando Deus disse que seu Espírito não contenderia para sempre com o ser humano (Gn 6.3). 

Isso significa que os escritores bíblicos viam ações e personalidades divinas distintas. Entendiam que o Espírito era Deus, o qual exercia funções que os escritores bíblicos expressaram em termos humanos. Isso fica claro em algumas passagens. Os levitas oraram: "Tu lhes deste o teu bom Espírito para lhes ensinar o que deviam fazer" (Ne 9.20). Davi perguntou: "Aonde posso ir a fim de escapar do teu Espírito?" (Sl 139.7) e Isaías escreveu que o povo entristeceu o seu Espírito Santo e Deus (o Pai) tornou-se inimigo deles (Is 63.10-12; veja também 48.16).

Mas a pessoalidade do Espírito pode melhor ser compreendida na comunidade de fé, pois cada comunidade de fé possui um só Espírito. E todas as comunidades de fé têm Deus. Inversamente, o espírito de uma comunidade é ou o Espírito de Deus ou um dinamismo ameaçador, quem sabe demoníaco. Assim todas as comunidades se confrontam com a transcendência, e o Espírito aparecerá ou como a defesa da comunidade contra o espírito que ameaça, ou como a própria desorientação. As comunidades de fé reivindicam seu estabelecimento como cumprimento da pessoalidade do Espírito prometido. Assim a identidade de Deus e do Espírito é clara para as comunidades de fé. E essa pessoalidade do Espírito se dá como Trindade. No chão das comunidades de fé, na carne e osso da Igreja, o Espírito procede do Pai e do Cristo; o Cristo foi gerado pelo Pai e pelo Espírito; e o Pai é fruto do amor de Jesus e do Espírito. Assim, podemos dizer que na Igreja, de forma existencial para cada um de nós, o Espírito é Pessoa. 

E a pessoalidade do Espírito nos leva à questão da espiritualidade. Quando dizemos espiritualidade queremos dizer uma vida no Espírito, um intenso convívio com o Espírito: esse é o sentido cristão da palavra. Dessa maneira, a idéia de uma vida forte, a idéia da vitalidade de uma vida criativa a partir de Deus nos leva à espiritualidade, ou seja, a uma vida espiritualizada por Deus. 

Por isso, podemos dizer: as pessoas procuram a Deus porque o Espírito as atrai para si. Estas são as primeiras experiências do Espírito no ser humano. E o Espírito as atrai como um imã atrai as limalhas de ferro. O íntimo e suave atrativo do Espírito é experimentado pela pessoa em sua fome de viver e em sua busca de felicidade, que nada no universo pode satisfazer ou saciar.

A espiritualidade da vida se opõe à mística da morte. Quanto mais sensíveis as pessoas se tornam para a felicidade da vida, mais sentem a dor pelos fracassos da vida. Vida no Espírito é vida contra a morte. Não é vida contra o corpo, mas a favor de sua libertação e sua glorificação. Dizer sim à vida significa dizer não à fome e suas devastações. Dizer sim à vida significa dizer não à miséria e suas humilhações. Não existe uma afirmação verdadeira da vida sem luta contra tudo que nega a vida.

A recepção universal de tal espiritualidade foi anunciada séculos antes do derramamento do Espírito no dia de Pentecostes (At 2.17-21). Deus falou por meio do profeta Joel: "E depois derramarei o meu Espírito sobre toda a carne, e os vossos filhos e as vossas filhas profetizarão, os vossos velhos terão sonhos, os vossos jovens terão visões. Até sobre os servos e sobre as servas naqueles dias derramarei o meu Espírito" (Jl 2.28,29). Joel não estava sozinho na predição da espiritualização futura do planeta.

Isaías também fez uma ilustração do Senhor derramando correntes de água sobre terras secas e seu Espírito sobre os descendentes de Jacó (Is 44.3). Por meio de Ezequiel, Deus disse aos judeus do exílio que o Senhor os tomaria de todas as nações e os reconduziria à sua própria terra. Colocaria seu Espírito sobre eles e os motivaria a obedecer à sua Lei (Ez 36.24-28; 39.29). Deus revelou que o Messias, quando viesse, seria cheio do Espírito (Is 11.2), que também seria derramado sobre o povo da aliança (Is 32.15; 59.21; Ez 37.14). E esse Espírito permaneceria com os filhos de Deus (Ag 2.5).

O Espírito é a fonte de vida (Jo 6.63) e ela é comparada às fontes de águas correntes que, espiritualmente falando, fluem do interior da pessoa (Jo 7.38,39). O discurso de despedida de Jesus, proferido no cenáculo, enfatizou a chegada do Espírito. Ensinou que Ele seria dado pelo Pai e permaneceria para sempre com os fiéis. 

Seria outro Consolador, uma Pessoa que personificaria a verdade (Jo 14.16,17). O Consolador sairia do Pai, seria enviado pelo Filho e testificaria sobre Jesus (Jo 15.26). O Consolador também convenceria o universo de seus erros, da justiça e do juízo (Jo 16.7-11). O Espírito guiaria as pessoas em toda a verdade, proporcionaria a revelação futura e glorificaria a Jesus Cristo (Jo 16.13-15). 

E, antecipando o Pentecostes, Jesus soprou o Espírito sobre os discípulos, para auxiliá-los na tarefa que receberam de pregar o Evangelho (Jo 20.22). As referências ao Espírito na primeira carta de João não diferem muito de seu evangelho. O Espírito dado às pessoas cria uma consciência de que o Pai vive em nós através do Filho (1Jo 3.24; 4.13). E como somos capazes de reconhecer o Espírito de Deus? Nós O conhecemos pelo reconhecimento de que Jesus Cristo veio de Deus em forma humana: ouvimos a Deus (1Jo 4.2, 6).

Podemos dizer, sobre a espiritualidade, que onde há comunidade, há vida e comunicação. E que a comunicação é, ela própria, Espírito ou então resistência ao Espírito. Da mesma maneira, inversamente, ou o Espírito é comunicação, ou então subverte a comunicação. A comunicação é a realidade da relação de uns com os outros e com o futuro. É pela comunicação que temos um mundo e nos encontremos nele. Assim, a missão das comunidades de fé é permanente comunicação no Espírito. 

É interessante ver que o Espírito esteve presente no ministério de Jesus desde o início. Ou como diz Mateus, "o céu se abriu, e Jesus viu o Espírito de Deus descer como uma pomba e pousar sobre ele". (3.16). É, o batismo de Jesus foi um evento trinitário: o Pai revelou o Filho, de quem se agrada, e o Espírito Santo desceu sobre ele na forma de uma pomba (Mt 3.16,17; Mc 1.10; Lc 3.22). E tal presença chegou a cada um de nós. O Novo Testamento enfatiza o derramamento do Espírito, seus dons, sua obra, inspiração, comunhão e habitação nos corações dos cristãos. 

A fórmula batismal trinitária, mostrada na conclusão do evangelho de Mateus, enfatiza essa mesma idéia (Mt 28.19). Nas cartas, Paulo e Pedro ensinaram o princípio trinitariano, tanto no início como na conclusão de suas cartas (2Co 13.13; Ef 1.2-11; 1Pe 1.1-3). 

Além dos relatos do nascimento, batismo e tentação de Jesus, há poucas alusões ao Espírito nos evangelhos de Mateus e Marcos. Comparativamente, o de Lucas está repleto de passagens que falam sobre o Espírito. Mateus e Lucas relatam a concepção de Jesus como obra do Espírito Santo (Mt 1.18, 20; Lc 1.35). João Batista disse ao povo que ele batizaria com água, mas Jesus os batizaria com o Espírito Santo (Mt 3.11; Mc 1.8; Lc 3.16). Antes do Cristo iniciar seu ministério, o Espírito o levou ao deserto para ser tentado pelo diabo (Mt 4.1; Mc 1.12; Lc 4.1).

O ministério de Jesus é paradigmático da vida cristã. Entramos para a comunidade de fé pelo Espírito e pelo batismo. Assim, em cada vida, Espírito e batismo são eventos históricos, que marcam e demarcam a caminhada cristã, que é a liberdade em Cristo. O que as pessoas vão fazer com essa liberdade construirá a história de suas vidas e de suas comunidades de fé. E é assim que o Espírito se faz presente, como liberdade do Cristo que vive em comunidades historicamente efetivas.

Mas além de ser a liberdade, o Espírito é defensor. Aquele que convence os errados de suas culpas, defende os acusados e julga com misericórdia. A vida humana pode ser negada e, por isso, para ser realmente vivida tem de ser afirmada. Vida negada e recusada é morte. Vida aceita e afirmada é felicidade. É o Espírito da verdade quem convence o universo de seu pecado, que corrige o universo injusto e que transforma as pessoas, de escravos e vítimas do erro em servos alforriados pela graça de Deus.

Com efeito, se olharmos a prodigiosa atividade do Espírito em Atos dos Apóstolos, será fácil entender o Espírito Defensor dos fiéis e da comunidade neotestamentária, que se por um lado produzia unidade, por outro trabalhava a diferença e diversidade das pessoas.

Nesse sentido, a autoridade defensora do Espírito interveio nos momentos difíceis quando a vida de pessoas estava sob risco, quando a perseguição crescia ou quando se fazia necessário proclamar o Verbo da vida. Foi esse Espírito defensor que revelou às igrejas apostólicas o mistério da encarnação do Filho de Deus, em conformidade com o ensino dos profetas e do evangelho.

Mas, quando se fez necessário morrer pela proclamação do Verbo da vida, o Espírito Defensor se fez Consolador preenchendo a fraqueza humana de coragem e fidelidade.

É este Espírito Defensor que possibilita o encontro das diferentes experiências de vida, assim como a comunhão da diversidade que Ele próprio cria e administra em cada um de nós. E é Ele quem nos encoraja à esperança. O Espírito da unidade e da diversidade não cessa de atuar entre os cristãos, mesmo quando distantes e aparentemente separados.

Se ele defende, também possui. Ou como disse Paulo: “Certamente vocês sabem que são o templo de Deus e que o Espírito Santo vive em vocês”. 1Coríntios 3.16. Possui quem: nós! Por isso, falar sobre o Espírito Santo é falar sobre nós, pois só Ele pode mostrar quem de fato somos. Assim, o que somos é compreendido quando o Espírito atua em nossas vidas.

A criação, a providência e a salvação são obras de Deus. Mas, existe também uma obra subjetiva de Deus, que é a aplicação de sua salvação na vida das pessoas. E é aqui que entra o Espírito, pois esta obra é feita de dentro para fora no ser humano.

“Mas foi a nós que Deus, por meio do Espírito, revelou o seu segredo. O Espírito Santo examina tudo, até mesmo os planos mais profundos e escondidos de Deus. Quanto ao ser humano, somente o espírito que está nele é que conhece tudo a respeito dele. E, quanto a Deus, somente o seu Espírito conhece tudo a respeito dele”. 1Co 2.10-11.

Num exercício teológico, podemos dizer que o Pai, para nós, aparece nas obras da criação e da providência, o Filho aparece na obra de redenção da humanidade e o Espírito aplica essa obra redentora às pessoas, tornando real a salvação. Na realidade, o Espírito é a Pessoa da Trindade que se torna pessoal para aquele que crê. O Espírito é a pessoa específica da Trindade por meio de quem a Trindade atua em nós.

Embora tal compreensão da ação do Espírito seja importante, ela é um pouco difícil, pois nas Escrituras temos menos revelações explícitas acerca do Espírito do que encontramos sobre o Pai e o Filho. Mas, teologicamente, podemos ampliar a compreensão do Espírito ao dizer que Ele sopra sobre e através das vidas. Ele é a liberdade da historia universal e particular das brasilidades, a espontaneidade da realidade, a beleza da criação cósmica e criador da vida nova das comunidades de fé.

E quando falamos que Ele é a espontaneidade da realidade, estamos dizendo que o Espírito é paradoxal. Exemplo disso foi o derramamento do Espírito no dia de Pentecostes, que se apresentou como gênese e escathon. Foi o fim da aliança anterior e o surgimento de uma nova. É o fim de uma era e o início de uma nova. O que era escrito nas pedras da lei agora seria, pelo Espírito, escrito nos corações. As comunidades de fé deixavam de estar restritas a uma raça.

No Pentecostes, ao citar o profeta Joel, Pedro deixa claro: o escathon começou. A compreensão de que o Pentecostes marca o tempo do fim traz para nós duas lições: a primeira, é que somos chamados à vigilância, pois o fim se abrevia. A segunda, é que devemos fazer a crítica daqueles que pensam poder apresentar os tempos e as épocas que Deus reservou para si. 

É interessante observar que Lucas (Atos 1.4) diz que os discípulos deveriam esperar o tempo da promessa em Jerusalém. Depois (Atos 2.2) fala que de repente o Espírito se fez presente. Eles esperavam, mas não sabiam quando. Eles tinham certeza, mas não sabiam a hora. O Espírito é a espontaneidade da realidade. Ele vem quando e da forma que não esperamos. Quem anda com o Espírito aprende a estar preparado para surpresas. É certo que Ele não falha nas promessas, mas não faz como e quando esperamos.

Quando o Espírito vem ninguém a todos controla. Aquela hora do Pentecostes ninguém escolheu. Mas ninguém estava sem controle. O Espírito controlava a todos. Era conforme o Espírito queria. Ser cheio do Espírito não é ser avião sem piloto. Ser cheio do Espírito é ser conduzido por sua soberania. Eis o paradoxo de Espírito.

“Mas quem não tem o Espírito de Deus não pode receber os dons que vêm do Espírito e, de fato, nem mesmo pode entendê-los. Essas verdades são loucura para essa pessoa porque o sentido delas só pode ser entendido de modo espiritual”. 1Coríntios 2.14.

O Espírito é cósmico, ou seja, é missionário. Vejam as palavras de Lucas: “Essas notícias chegaram à igreja de Jerusalém, que resolveu mandar Barnabé para Antioquia. (...) Barnabé era um homem bom, cheio do Espírito Santo e de fé. E muitos se converteram ao Senhor”. Atos 11.22 e 24.

Atos dos Apóstolos é um livro sobre a prática de missões sob o comando do Espírito Santo. Por isso, o livro de Atos é único em seu estilo no Novo Testamento, porque revela o Espírito como missionário. E se o Espírito é missionário, o que lemos em Atos é a consequência natural da história de uma comunidade que é formada como igreja missionária. A relação Espírito/ comunidade é a chave do sucesso em Atos. 

Lucas deixa claro que o Espírito é quem comanda a igreja em sua missão. O Espírito é Deus soberano. Ele conduziu em triunfo a jovem comunidade cristã em sua missão de comunicar. E o mesmo Espírito quer hoje conduzir nossas comunidades na tarefa missionária. Afinal, é o Espírito quem vocaciona, capacita e dirige os chamados para a missão.

“Naquele tempo alguns profetas foram de Jerusalém para Antioquia. Um deles, chamado Ágabo, levantou-se e, pelo poder do Espírito Santo, anunciou: Haverá uma grande falta de alimentos no universo inteiro. Isso aconteceu quando Cláudio era o Imperador romano”. Atos 11.27-28.

Mas qual a relação entre Espírito cósmico e missão? Seguindo Irineu, podemos dizer que Deus pela Palavra deu existência ao universo, mas foi pelo Espírito que Ele transforma o existente em cosmo, todo ordenado, com sentido, com ordem de adequação e adaptação.

Comunicar é semear. Por isso, Jesus disse: “Eu pedirei ao Pai, e ele lhes dará outro Auxiliador, o Espírito da verdade, para ficar com vocês para sempre. O universo não pode receber esse Espírito porque não o pode ver, nem conhecer. Mas vocês o conhecem porque ele está com vocês e viverá em vocês”. João 14.16-17.

Para a comunidade de fé, a unidade só é válida na variedade: nunca na uniformidade. A aceitação das pessoas com suas diferenças e particularidades, e aqui devemos falar de afrobrasileiros, brasilíndios e neobrasileiros, é uma condição indispensável para a saúde da comunidade cristã. Por isso, há diversidade de dons, mas um mesmo é o Espírito (1Co 12.4). Assim, o amor unifica as diferentes expressões do frutificar no Espírito e a liberdade no Espírito possibilita a expressão dos diferentes dons.

Os dons do Espírito são evidências na comunidade porque a Palavra do Senhor é a mesma ontem e hoje, pois "passarão os céus e a terra, mas, as minhas palavras não haverão de passar" Mateus 24.35. Sabemos que "o Espírito Santo opera todas essa coisas, repartindo particularmente a cada um como quer" (1Co 12.11) e que a "manifestação do Espírito é dada a cada um para o que for útil" (1Co. 12.7). 

Os dons do Espírito são os meios através dos quais os membros do corpo do Cristo, a comunidade de fé, somos capacitados, habilitados e equipados para podermos realizar com autoridade e poder, a obra de Deus.

Em 1Co 12.1, o apóstolo Paulo diz: "a respeito dos dons espirituais, não quero, irmãos, que sejais ignorantes". E assim somos exortados a viver os dons do Espírito, sem os quais a comunidade, ao invés de ser um organismo vivo, cheio de graça e de unção, passaria a ser uma organização social ou apenas religiosa.

Sim, todos os dons permanecem em sua integridade ou, como diz Paulo em 1Co 12.4 "ora, há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo". Isto é, aquele Espírito que deu e repartiu, é o mesmo que dá e reparte hoje, a cada um, como quer, para a edificação do corpo do Cristo que é a Igreja do Senhor.

Às vezes, porém, fazemos confusão entre os dons do Espírito e o fruto do Espírito, que se expressa através de características indispensáveis à vida cristã. O cristão tem que frutificar e manifestar as características do fruto do Espírito: amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão e temperança. Gl 5.22. Esse fruto do Espírito molda o caráter da pessoa no padrão do caráter do Cristo, enquanto os dons são capacitações especiais que o Espírito concede aos fiéis, para com poder, graça e unção, realizar a obra do Senhor.

A Palavra de Deus ensina: "segui o amor e buscai com zelo os dons espirituais" (1Co. 14.1), mas, também, a reavivar o dom de Deus que está em nós (2Tm 1.6). E por que isso? Porque os dons são palavras de conhecimento, de sabedoria e discernimento, unção para curar, para realizar milagres, e fé. É, ainda, capacitação para falar em línguas, para interpretá-las e para profetizar.

Jesus disse: “Porém, quando o Espírito da verdade vier, ele ensinará toda a verdade a vocês. O Espírito não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que ouviu e anunciará a vocês as coisas que estão para acontecer. Ele vai ficar sabendo o que tenho para dizer, e dirá a vocês, e assim ele trará glória para mim”. João 16.13-14.

Os dons espirituais são necessários à vida e ao ministério dos que exercem a liderança na comunidade de fé. São a sabedoria, o conhecimento e o discernimento. Falar com sabedoria, ter conhecimento e discernir a origem de idéias, propostas e ações possibilitam ao fiel comunicar, liderar com humildade e harmonia, e saber escolher o que é melhor para a comunidade. 

Em Atos 4.13 lemos que os líderes judeus ficaram admirados com a coragem de Pedro e de João, pois sabiam que eram homens simples e sem instrução. Admiraram-se de que? Com as palavras sábias apresentadas através da inspiração do Espírito.

Ninguém é detentor de todos os dons do Espírito, mas cada um recebe o dom, da forma como o Espírito quer. O Espírito é quem reparte. A exortação da Palavra é que busquemos os dons e o façamos com equilíbrio, zelo, sem impedir que o Espírito possa fluir. Em 1Co 12.7 lemos: "a cada um, porém, é dada a manifestação do Espírito para o proveito comum", isto é, para a alegria da comunidade. 

Ah! Como o Espírito é inspirador! Ou, retornemos a Paulo: “Quem fala em línguas estranhas fala a Deus e não às pessoas, pois ninguém o entende. Pelo poder do Espírito Santo ele diz verdades secretas. Porém quem anuncia a mensagem de Deus fala para as pessoas, ajudando-as e dando-lhes coragem e consolo. Quem fala em línguas estranhas ajuda somente a si mesmo, mas quem anuncia a mensagem de Deus ajuda a igreja toda”. 1Coríntios 14.2-4.

Quem fala com Deus sem usar as palavras em português, ou no seu idioma pátrio, edifica-se a si mesmo (1Co 14.2-4,14). Ora, segundo o apóstolo, as línguas podem ser humanas (At 2.4-6), ou desconhecidas aqui na terra (1Co 13.1). Os cristãos de Corinto deram muita importância do dom de línguas, em razão disso Paulo argumenta que: 

a) a profecia, por que é comunicação, é mais importante para a comunidade porque exorta, edifica e consola: dela todos se beneficiam. Os fiéis não devem pensar apenas na sua edificação.

b) para que os benefícios se estendam ao maior número de pessoas na comunidade, aquele que fala em línguas, deve pedir ao Espírito para receber o dom de interpretação (1Co 14.13). Em nenhum momento Paulo desprezou o dom da variedade de línguas. Ao contrário, agradeceu a Deus porque falava em línguas e disse que gostaria que todos também falassem, mas que houvesse mais comunicação do Evangelho. 

O que significa isso? Através das Escrituras hebraicas, vemos que o Espírito do Senhor impacta o ser humano, que esse Espírito é experimentado como uma força transcendente que se põe em movimento, para criar ou derrubar, pessoas e comunidades. Se na tradição narrativa de Israel, o Espírito era poder de Deus que atuava sobre e através das lideranças carismáticas de Israel, hoje, em nossas comunidades de fé, o falar em línguas é processo da misericórdia de Deus para pobres e excluídos, que não têm voz na sociedade, cujas línguas estão socialmente mudas. Então, é um desprender-se sob o Espírito que possibilita expressarem o que sentem e experimentam. É uma nova expressão para a experiência da fé, e é expressão pessoal e comunitária.

Nesse sentido, o Espírito é amplidão. “A terra era um vazio, sem nenhum ser vivente, e estava coberta por um mar profundo. A escuridão cobria o mar, e o Espírito de Deus se movia por cima da água”. Gênesis 1.2. É o acontecer da presença atuante de Deus, que penetra até o mais íntimo da existência humana. Ele atua como força de vida no ser humano e transforma aqueles que se encontram sob o senhorio do Cristo.

O Espírito cria espaço, põe em movimento, leva da estreiteza para a amplidão. Cria o horizonte e nas nossas vidas amplia o horizonte. Na experiência com o Espírito, Deus não é sentido somente como Pessoa da Trindade, mas também como aquele espaço e tempo de liberdade onde o ser humano pode se desenvolver.

“Aí eu me ajoelhei aos pés do anjo para adorá-lo, mas ele me disse: Não faça isso! Pois eu sou servo de Deus, assim como são você e os seus irmãos que continuam fiéis à verdade revelada por Jesus. Adore a Deus! Pois a verdade revelada por Jesus é a mensagem que o Espírito entrega aos profetas”. Ap 19.10.

Esta é a experiência do Espírito. Um dos nomes de Deus, segundo a religião judaica, é Macom: amplidão. Quando o Espírito é experimentado como essa amplidão aberta à vida, quando os seres humanos vivem no Espírito, Deus é experimentado como um novo tempo de vida.

E, então, o Espírito se torna liberdade em nossas vidas. “Aqui a palavra Senhor quer dizer o Espírito. E onde o Espírito do Senhor está presente, aí existe liberdade”. 2Co 3.17. Vamos repetir: onde está o Espírito há liberdade. Com essa experiência do Espírito, Paulo falou sobre a liberdade cristã. Mas para falar da liberdade no Espírito é necessário começar pela fé.

A fé é geralmente entendida como uma concordância formal com a doutrina da igreja ou como uma participação na fé da igreja. Mas a fé que liberta é mais do que isso, é uma fé que nos envolve pessoalmente. A fé que me faz livre é a fé com a qual eu concordo, porque eu a compreendo, não porque seja forçado por hábito ou tradição. A fé pessoal é o início de uma liberdade que renova inteiramente a vida e vence o universo (Jo 16.33).

Essa fé é uma experiência que não abandona aqueles que a experimentaram realmente: a liberdade do medo para a confiança, o reviver para uma esperança viva, o amor incondicional à vida.

Para a fé cristã, a liberdade não consiste nem na compreensão de uma necessidade histórica, nem na autonomia sobre si próprio e sobre a propriedade, mas sim no ser tocado pela energia de vida do Espírito.

Fé significa ser criativo com Deus e no seu Espírito. Crer leva a uma vida criativa e vivificante pelo amor. Crer, por isso, significa ultrapassar os limites da realidade determinada por nosso passado de escravidão, exclusão social e dor e buscar as possibilidades da vida que não se realizaram. E é essa fé que livra da força do mal, da lei das obras e do poder da morte e leva a uma comunhão com Deus e direta com as pessoas e a comunidade. Essa é a base e o fundamento da liberdade no Espírito. 

“O Espírito e a Noiva dizem: Venha! Aquele que ouve isso diga também: Venha! Aquele que tem sede venha. E quem quiser receba de graça da água da vida”. Ap 22.17. 

As palavras hebraica e grega para espírito revelam um significado duplo: espírito e vento. Por exemplo, "o Espírito de Deus pairava sobre a face das águas" (Gn 1.2), e "Deus fez passar um vento sobre a terra, e as águas abaixaram" (Gn 8.1). Jesus disse a Nicodemos: "O que é nascido do Espírito, é espírito... o vento sopra onde quer” (Jo 3.6-8). 

Outro significado do termo espírito nos dois idiomas é sopro, respiração, tanto divina como humana (Jó 4.9; 12.10; 2Ts 2.8; Ap 11.11). Nas Bíblias em português, a expressão espírito é escrita com letra maiúscula para referir-se ao Espírito de Deus ou com letra minúscula para indicar o espírito humano. Como os manuscritos antigos não usavam letras maiúsculas, os tradutores e editores, às vezes, têm dificuldade para determinar se o escritor bíblico tinha em mente o espírito de Deus ou o humano. Como exemplo veja as variações de tradução em Atos 19.21. 

A imagem da água, que denota limpeza e purificação (Ez 36.25-26; Ef 5.26-27; Hb 10.22), as imagens do óleo e do azeite, que denotam unção (Mt 25.1-13; Ap 3.18) e a imagem do fogo, que denota luz e o consumir da justiça divina (Mt 3.11; At 2.3; Sl 78,14) são também símbolos do Espírito.

“De repente, veio do céu um barulho que parecia o de um vento soprando muito forte e esse barulho encheu toda a casa onde estavam sentados. Então todos viram umas coisas parecidas com chamas, e cada pessoa foi tocada por uma dessas línguas. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, de acordo com o poder que o Espírito dava a cada pessoa”. Atos 2.2-4.

O Espírito é água que refrigera, limpa e purifica, por isso simboliza o poder de um novo nascimento.

O Espírito também é azeite. Nessa simbologia, é um poder que conforta, já que o azeite era utilizado como medicina. Os reis eram ungidos com o azeite perfumado. O perfume da unção usado em Israel tinha uma fórmula, na qual entravam a mirra, a canela, as madeiras aromáticas, a cássia e o azeite de oliva. 

Já o fogo sempre esteve ligado à imagem de Deus e sua justiça. No Pentecostes, centelhas de fogo pousaram sobre a cabeça de cada um dos apóstolos e no Apocalipse um lago de fogo está reservado para a morte, para o universo dos mortos e para aqueles que não tiverem seus nomes escritos no Livro da Vida (Ap 20.14-15). A água, o óleo e o fogo são sinais da presença e da justiça de Deus e nos ajudam a compreender o papel do Espírito em nossas vidas, nas comunidades e no universo. “Ele os batizará com o Espírito Santo e com fogo”. Lc 3.16.