mardi 11 janvier 2011

Ainda que a figueira não floresça

“mesmo assim eu darei graças ao Senhor e louvarei a Deus, o meu Salvador” (Habacuque 3.18).
 
Ele é o homem do abraço carinhoso, do coração generoso, que carrega quem sofre no colo. Esse Habacuque procura uma profecia de conforto, que dê ânimo ao povo, como se faz com uma criança que chora. Mas não é isso que acontece.

Habacuque reclama da decadência moral dos judeus e lamenta. E quando o Eterno informa que mobilizará os caldeus para exterminar a apostasia, estarrecido Habacuque diz ao Eterno que os caldeus são piores do que os judeus, que são traiçoeiros, e destroem tudo que encontram pela frente. Idolatram sua própria força e capacidade militar, ao invés de dar glória ao Eterno.

Habacuque, porém, sabe que o Eterno é puro de olhos e, por isso, espera a solução que virá dele. No entanto, está perplexo, a justiça do Eterno para com os inimigos caldeus e os judeus apóstatas não virá como fogo do céu, exclusivamente sobre os pecadores, mas como tsuname que avançará sobre inimigos e apóstatas e sobre todos. E o justo não surfará sobre essa maré de destruição -- deverá repousar apenas na sua fé.

Agradecimento, confiança e oração são as chaves espirituais para desvendar os mistérios do governo do Eterno sobre a terra. O espírito de Habacuque e de seus irmãos vacilam entre o medo e a esperança, mas ao final os julgamentos do Eterno triunfarão alegremente.

Muitas vezes, quando falamos de crise entre as nações, ou de dor e sofrimento entre os cristãos, nos perguntamos se o Eterno está preocupado com essas coisas. A resposta para essas questões estão presentes no rolo de Habacuque. O profeta do primeiro testamento ensina que as nações e os povos são julgadas pelo bem e pelo mal que produzem no mundo. E que esses juízos muitas vezes atingem também os filhos de Deus.

Conhecedor dos pecados de Judá e consciente de que os caldeus invadiriam o país, Habacuque sofre diante do que acontecerá ao seu povo. O profeta ora ao Senhor (3.1-19) e pede que Ele tenha misericórdia no exercício da sua justiça.

E foi assim, num momento extremo de dor, que Habacuque compôs o final do seu livro, o capítulo três, que é um dos poemas mais lindos do primeiro testamento. Nele o profeta mostra que toda a glória e todo o louvor pertencem a Deus.

1. Glória pelo que Ele é: misericordioso. O Eterno não vem só para julgar, mas também para livrar. “Mesmo que estejas irado, tem compaixão de nós” (3.2).

2. Glória por sua majestade. Devemos aceitar a sua justiça, não porque entendemos ou deixamos de entender, mas porque Ele é o Eterno e nós somos pó. “Ele pára e a terra treme. Ele olha para as nações e elas ficam com medo” (3.6).

3. Glória por nos manter firmes na adversidade. Lembre-se: ainda que a figueira não floresça, que não haja uvas nas parreiras, que os campos não produzam alimentos e que o rebanho seja exterminado, Ele está ao seu lado. “O Deus Eterno é a minha força. Ele torna o meu andar firme”. (3.19).

Após as manifestações do Eterno no passado da história do povo, Habacuque canta, agora, a libertação antecipada contra o inimigo, através da interposição da majestade sublime do Eterno, de modo que aquele que crê pode regozijar-se no Eterno da sua salvação. Assim, o capítulo três, um salmo composto para ser cantado e acompanhado por instrumentos, fecha o livro com um lirismo cheio de esperança.

A violência aparentemente bem-sucedida dos caldeus, a apostasia dos judeus, e a maré da justiça de Deus, que varrerá a Palestina, é o pano de fundo para esse profeta de coração generoso falar de esperança e dizer que o justo viverá por sua
 emuná, por seu posicionamento consciente e fiel diante da vontade soberana do Eterno.

Por isso, querido irmão, querida irmã, como Habacuque não se esqueça: quando tudo parece perdido, com o Eterno ainda não está perdido. Quando chegamos ao final de nossos recursos, os recursos do Eterno ainda estão disponíveis. E quando a crise, a dor e o sofrimento nos encurralam, precisamos olhar para o alto, porque é Ele quem torna o teu andar firme como o de uma corça e quem te leva para as montanhas, onde estarás seguro (3.19).

Que a fé de Habacuque sirva de exemplo para você e para mim. Do seu pastor e amigo, Jorge Pinheiro.

A teologia da esperança versus o teísmo aberto

Introdução

Vamos analisar uma pequena teologia que, às vezes, transita na internet, entre colegas, mas principalmente estudantes de teologia. Como premissa quero me reportar a uma frase do Apocalipse que diz que Jesus, a Palavra que reina, estar chegando (22.20). O texto usa ercomai tacu (ercomai táxi), algo como Ele já saiu, está chegando rapidamente e não vai atrasar. Por isso, a esperança é possível e qualquer momento da vida, por mais estranho que pareça, está debaixo da Sua graça e soberania.

Bem, agora vamos pensar um pouco o teísmo aberto. Numa rápida pesquisa na internet, mais especificamente no Wikipedia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Te%C3%ADsmo_aberto), lemos que

“O teísmo aberto é uma teologia que parte de uma reavaliação do conceito da onisciência de Deus. Considera que Deus não conhece o futuro completamente e pode mudar de idéia conforme as circunstâncias. Afirma também que o termo “todo-poderoso” não pode ser extraído do contexto bíblico, pois a idéia original da palavra se perdeu ao longo dos séculos. Assim, o teísmo aberto diz que Deus se relaciona com o ser humano, conhece o futuro, mas não todo ele, pois esse futuro ainda não teria existência na presença de Deus, devido ao livre arbítrio concedido por Deus ao ser humano. Para o teísmo aberto, Deus é todo-poderoso por seu despojamento, visto que mesmo tendo total controle sobre as escolhas humanas, é capaz de governar o futuro prometido. Ou seja, porque Deus não se preocupa em estar no controle de suas criaturas é que ele demonstra realmente estar no controle. O teísmo aberto tem origem na teologia do processo. Surgido na década de 30 do século passado, a teologia do processo teve como principais representantes Charles Hartshorne, Alfred North Whitehead e John Cobb. Trouxe para a teologia o panenteísmo, que faz a aproximação dos pensamentos teísta e panteísta. O termo teísmo foi cunhado pelo adventista Richard Rice em 1979, quando publicou pela Review and Herald Publishing, o livro "A Abertura de Deus: a Relação entre a Presciência Divina e o Livre-arbítrio" (The Openness of God: The Relationship of Divine Foreknowledge and Human Free Will). John MacArthur, no ensaio Megamudança Evangélica diz que o ensino teve origem com Robert Brow, em suas preleções em praça pública. Apesar das origens na teologia do processo e das afirmações de John MacArthur, em 1990, essa leitura teológica divulgou-se meio evangélico a partir de 1986, através de Clark Pinnock, num ensaio denominado "Deus Limita seu Conhecimento" [God Limits His Knowledge]. Clark Pinnock e John Sanders tornaram-se os mais conhecidos defensores dessa leitura teológica”.

Partindo da constatação de Luiz Sayão (vide texto do Wikipedia), eu diria que essa apologética do teísmo aberto, de teólogos norte-americanos cheios de sentimentos de culpa pelos erros da política externa dos EUA, procura livrar Deus de qualquer responsabilidade diante das maldades do Império. É uma teologia pragmática, que acaba por desconhecer a própria teologia, em especial o trabalho gigantesco de Jürgen Moltmann.

Moltmann e os teólogos da esperança, ao contrário dos teístas abertos, afirmam que Deus está fora do tempo e do espaço, acima de toda materialidade, e se revela ao humano vindo do futuro escatológico. Por isso, não há como Deus desconhecer aquilo que se dá no mundo material.

Critérios metodológicos

Quer queiramos ou não há princípios que norteiam a pesquisa teológica cristã. E estes princípios estão presentes em nossos estudos mesmo quando os desconhecemos. O primeiro deles é o princípio arquitetônico, ou seja, a revelação enquanto fonte e fundamento de qualquer estudo da teologia. Nesse sentido, a revelação, ou seja, os dois testamentos que compõem as Escrituras Sagradas cristãs são a base e o eixo da teologia. Podemos chamar a revelação também de fé objetiva, pois deve nortear a vida cristã em matéria de doutrina e fé subjetiva.

O segundo princípio é o hermenêutico e se refere aqueles instrumentos de interpretação que utilizamos para compreender os aspectos históricos da salvação, ou seja, os fundamentos culturais, religiosos, sociais e lingüísticos que subjazem no texto, já que se por um lado o texto é cem por cento revelado, e nesse sentido divino, por outro lado é cem por cento humano. Isso quer dizer que o texto expressa também todas as limitações de uma produção humana, no que tange conteúdos culturais, econômicos, religiosos, sociais e lingüísticos. Assim, o princípio hermenêutico é produto da razão humana. E por se produto da razão a instrumentalidade da hermenêutica através da história cristã sempre expressou a universalidade do senso comum, ou seja, nossa maneira fenomenológica de ver o mundo, de entendê-lo no dia a dia a partir da aparência dos fenômenos. E assim dizemos que o dia nasce às cinco horas, mas é certo que o dia não nasce, nem se põe. Ou, teologicamente, dizemos que uma pessoa quando morre vai para o céu, embora saibamos que o reino escatológico de Deus não se localiza nem na atmosfera, nem na estratosfera e nem mesmo em nenhum lugar do universo visível. Mas o senso comum faz parte da linguagem humana, e cada cultura faz suas construções simbólicas, que não traduzem a realidade da natureza. Por isso, a hermenêutica procurou a razão científica, aquela que baseada nas ciências, sejam elas humanas ou técnicas, possibilitam entender melhor a profundidade do texto bíblico. E foi dessa maneira que introduzimos em nossos estudos a lingüística, com o estudo dos idiomas em que os textos foram escritos, a história, a geografia, a sociologia, o direito, etc. E assim a razão científica conquistou um lugar na hermenêutica acadêmica que estuda a teologia. Mas, se os cristãos sempre utilizaram o senso comum, se a academia trouxe os conhecimentos da ciência, a filosofia, desde o início da história da teologia cristã, foi um elemento fundamental na ordenação do pensamento. Na verdade, o mundo ocidental aprendeu a pensar de forma ordenada com os filósofos gregos, já que eles foram aqueles que formataram ainda no início de nossa civilização as bases do pensamento científico. Por isso, quer queiramos ou não, a filosofia é formadora do pensamento cristão e as filosofias em suas diversidades de abordagens e métodos sempre ofereceram ao teólogo instrumental hermenêutico valioso.

Assim podemos dizer que o princípio hermenêutico sempre se utilizou do senso comum e da razão filosófica e, na modernidade, agregou ao seu instrumental também a razão científica. Mas, não podemos nos esquecer que a utilização de tais princípios possibilita diferentes avaliações da revelação. Por que? Porque o princípio arquitetônico depende do que colocamos como base da estruturação geral de nossa metodologia de pesquisa: pode ser a graça e a fé, como no caso de Lutero; a soberania de Deus, como no caso de Calvino; ou o amor, a justiça e o poder, como no caso de um célebre texto de Paul Tillich. E também porque o princípio hermenêutico depende do uso de uma ou de várias das múltiplas abordagens filosóficas e científicas que podem ser utilizadas como instrumento de interpretação da história da salvação. É por isso que se diz que a ideologia define a hermenêutica.

Aqui reside a dificuldade do fazer teológico: a revelação é universal e plena, mas toda teologia é transitória, pois reflete um momento de compreensão da revelação e da história da salvação.

A esperança enquanto paradigma

Depois de fazermos uma ruptura criativa com a modernidade, enquanto pensamento, tradição e história – e fizemos isso ao mostrar as limitações da hermenêutica iluminista --, é necessário sentir de novo a alegria da esperança escatológica, para compreender a natureza do terreno sobre o qual a teologia pisa. Há um momento de cisão no qual se modificou de modo essencial a concepção do que significa a teologia. Esse momento foi assinalado a partir dos anos 60 do século XX com a teologia da esperança de Jürgen Moltmann. E são os trabalhos dele que utilizaremos aqui para fazer a crítica do teísmo aberto. O pensamento de Moltmann é uma reflexão prodigiosamente profética, pois enunciou não somente a queda do muro de Berlim, mas o processo de aglutinação vivido por alemães, em primeiro lugar, por europeus, na seqüência, e agora muito possivelmente por parte da humanidade. É sem dúvida, uma das elaborações mais impressionantes, se entendermos sua abordagem epistemológica teológica. Para esclarecer, entendemos a epistemologia utilizada no campo teológico como os métodos dos diferentes ramos do saber teológico -- Ontologia, Cristologia, Pneumatologia, etc. -- e de suas práticas eclesiológicas, avaliadas a partir de sua validade cognitiva, seus paradigmas estruturais e suas relações com a sociedade e a história. Haveria assim uma teoria geral da teologia enquanto gnosiologia e ciência normativa, que nas últimas décadas, através de comunidades e movimentos, abriram aguerridamente, a golpes de machado, a senda da alta modernidade.

A expressão abordagem epistemológica não é exagerada. Conforme Bachelard,

"Os filósofos justamente conscientes do poder de coordenação das funções espirituais consideram suficiente uma mediação deste pensamento coordenado, sem se preocupar muito com o pluralismo e a variedade dos fatos. Não se é filósofo se não se tomar consciência, num determinado momento da reflexão, da coerência e da unidade do pensamento, se não se formularem as condições de síntese do saber. E é sempre em função desta unidade, desta síntese, que o filósofo coloca o problema geral do conhecimento". [G. Bachelard, Filosofia do Novo Espírito Científico, Lisboa, Presença, 1972, pp. 8-9].

Assim, abordagem epistemológica, aqui utilizada, refere-se ao projeto teológico, de herdadas estruturas hegelianas e marxistas, relidas e traduzidas por ele e Ernest Bloch. É sobre a questão da identidade histórica, entendida como processo a realizar-se, que recai a crítica da teologia realizada por Moltmann. Usando a leitura de Machado, diríamos com ele que

"A história arqueológica nem é evolutiva, nem retrospectiva, nem mesmo recorrente; ela é epistêmica; nem postula a existência de um progresso contínuo, nem de um progresso descontínuo; pensa a descontinuidade neutralizando a questão do progresso, o que é possível na medida em que abole a atualidade da ciência como critério de um saber do passado". [Roberto Machado, Ciência e saber. A trajetória arqueológica de Foucault, Rio de Janeiro, Graal, 1982, p. 152].

É justamente a experiência de viver, enquanto comunidade que se realiza no futuro, que é realçada por Moltmann. No nível antropológico, trabalha os elementos dessa esperança, a partir da qual se produz saber e práxis cristã. Suas heranças são translúcidas:

"Por meio de subverter e demolir todas as barreiras -- sejam da religião, da raça, da educação, ou da classe -- a comunidade dos cristãos comprova que é a comunidade de Cristo. Esta, na realidade, poderia tornar-se a nova marca identificadora da igreja no mundo, por ser composta, não de homens iguais e de mentalidade igual, mas, sim, de homens dessemelhantes, e, na realidade, daqueles que tinham sido inimigos. O caminho para este alvo de uma nova comunidade humanista que envolve todas as nações e línguas é, porém, um caminho revolucionário". [Jürgen Moltmann, "God in Revolution", in Religion, Revolution and the Future, New York, Scribner, 1969, p. 141].

Como num laboratório, o teólogo da esperança extrai o fato teológico de sua contingência histórica, tratada sob condições de extrema pureza escatológica. Muito claramente afirma a escatologia como essência da história da redenção e leva à conclusão de que essa mesma essência seja a expressão maior da ressurreição, enquanto metáfora da cruz de Cristo. Essa cruz repousa sobre o esvaziamento da desesperança, enquanto praesumptio e desperatio, na relação que mantém com o mundo.

A teologia, vida cristã em movimento, numa permanente autoformação, advém das pulsações criadoras da própria esperança, cujo sentido volta-se para ela própria. Essa construção, que se nos apresenta como caleidoscópio, belo, mas aparentemente ilógico, traz em si a força combinatória do devir cristão. Assim, a teologia de Moltmann quebra os grilhões do presente eterno da neo-ortodoxia, e nos oferece um conceito realista da história, que tem por base um futuro real, lançando dessa maneira as bases para uma teologia que responda às reais necessidades do homem pós-moderno.

"O passado e o futuro não estão dissolvidos num presente eterno. A realidade contém mais do que o presente. Ao desenvolver sua teologia futurista, Moltmann realmente tem o peso considerável da história bíblica do lado dele, e faz bom uso dela. Ao enfatizar o futuro, desenvolveu um pensamento bíblico legítimo que jazia profundamente enterrado na teologia ética e existencial dos séculos XIX e XX". [Stanley Gundry, Teologia Contemporânea, São Paulo, Mundo Cristão, 1987, p.167].

A teologia de Moltmann nasce enquanto reação ao existencialismo e absorção do revisionismo de Bloch. A descontrução do marxismo, realizada por aquele filósofo, não agradou ao mundo comunista, mas estabeleceu uma ponte, diferente daquela da teologia da libertação, entre o hegelianismo de esquerda e o cristianismo. Substituiu a dialética pelo ainda-não, enquanto espaço que não está fechado diante de nós, e definiu uma antropologia que não mais está calcada no império dos fenômenos econômicos, mas na esperança.

Os escritos filosóficos do jovem Marx serviram de ponto de partida para o vôo de Bloch. A alienação da pessoa é um fato inquestionável, não como determinação econômica, mas enquanto determinação ontológica. Afinal, o universo em que vive é essencialmente incompleto. Mas a importância do incompleto é que é susceptível de complemento. Por isso, o possível, o ainda-não, o futuro traduz de fato a realidade.

Nesse processo estão presentes a subjetividade humana e sua potência inacabada e permanente em busca de solução e a mutabilidade do mundo no quadro de suas leis. Dessa maneira, o ainda-não do subjetivo e do objetivo é a matriz da esperança e da utopia. A esperança traduz a certeza da busca e a utopia nos dá as figuras concretas desse possível. Para Bloch, o homem é impelido, assim, ao esforço permanente de transcender a alienação presente, em busca de uma “pátria de identidade”. É no “vermelho quente” do futuro que está a razão fundamental da existência humana. Nenhum marxista chegou tão próximo da escatologia cristã!

"Deus -- enquanto problema do radicalmente novo, do absoluto libertador, do fenômeno da nossa liberdade e do nosso verdadeiro conteúdo -- torna-se-nos presente somente como um evento opaco, não objetivo, somente como conjunto da obscuridade do momento vivido e do símbolo não acabado da questão suprema. O que significa que o Deus supremo, verdadeiro, desconhecido, superior a todas as outras divindades, revelador de todo o nosso ser, ‘vive' desde já, embora ainda não coroado, ainda não objetivado. Aparece claro e seguro agora que a esperança é exatamente aquilo em que o elemento obscuro vem à luz. Ela também imerge no elemento obscuro e participa da sua invisibilidade. E como o obscuro e o misterioso estão sempre unidos, a esperança ameaça desaparecer quando alguém se avizinha muito dela ou põe em discussão, de modo muito presunçoso, este elemento obscuro". [Ernst Bloch, Geist der Utopie, Franckfurt, 1964, p. 254 apud Battista Mondin, Curso de Filosofia, São Paulo, Paulinas, 1987, vl. 3, pp. 246-7].

Bloch realiza uma penetrante releitura da cosmovisão judaico-cristã. Entende o clamor profético do mundo bíblico e da proclamação cristã não como alienação e ópio, mas como fermentos explosivos de esperança, protestos contra o presente em nome da realidade futuro, a utopia. Talvez por isso possamos dizer que nos anos 60, os caminhos de Moltmann e Bloch não apenas cruzaram-se na Universidade de Tübingen, mas abriram espaço para o mais enriquecedor diálogo cristão-marxista que conhecemos.

É interessante lembrar que em 1968, quando manifestações estudantis varriam Tübingen, Heidelberg, Münster e Berlim Ocidental, grande parte dos líderes estudantis eram oriundos das faculdades de teologia. Sua Theologie der Hoffnung (Jürgen Moltmann, Teologia della Speranza, Queriniana, Bréscia, 1969), publicada no início da década na Alemanha, estava na oitava edição e, no ano seguinte, ele lançaria Religion, Revolution and the Future nos Estados Unidos.

Agora, a partir da escatologia da esperança de Moltmann vejamos algumas considerações que têm por base o texto de Apocalipse 22.6-21.

Algumas conclusões

No Apocalipse, o futuro define o presente. Ou seja, Moltmann não está errado ao entender que o futuro define o presente. E que a cruz de Cristo veio do futuro em direção ao presente histórico da humanidade. Foi plantada num momento de nossa história, porque o sacrifício foi realizado na eternidade, fora do tempo, no que a partir do senso comum chamamos de futuro, e a partir da razão filosófica chamados de futuro escatológico. E exatamente porque Deus a partir da eternidade criou as materialidades do universo e do humano, ele conhece porque parte do todo, da eternidade, em direção ao contingente, ao universo e a historicidade humana.

O Apocalipse inverte a nossa noção de tempo. O futuro escatológico modela e estrutura o presente. Saber como a história termina nos ajuda a entender como devemos nos encaixar nela, agora. Por isso, já estamos vivendo os últimos dias. As visões de João mostram a realidade do juízo divino, quando cada um de nós dará conta de sua existência diante de Deus. Deus recompensará aqueles que, às vezes, ao custo de sua própria vida "guardaram as palavras da profecia deste livro". Não podemos esquecer que profecia é proclamação da Palavra de Deus. E no Novo Testamento é proclamação das boas novas.

Podemos dividir o texto escolhido em três blocos. O primeiro bloco (vv 6 e 7) nos diz que a esperança escatológica é fiel e verdadeira. Ou seja, as palavras proferidas, profetizadas, proclamadas são leais, não contrariam a confiança depositada no Senhor que as decretou. E estão em conformidade com a realidade escatológica.

O segundo bloco (vv. 10-12) diz para não fecharmos o livro, porque o futuro é hoje. E é esse futuro escatológico que deve definir o que você faz. E você dará conta do hoje e receberá a justa recompensa. Ora, fechar o livro é abandonar a esperança. É achar que o seu presente você mesmo traça, sem entender que o contingente é sempre um possível dentro de um sistema hipotético dedutível. Dedutível por Deus por conhecer todas as hipóteses, o fundo da alma humana e cada uma das possibilidades da história. É não entender que Deus está fora do tempo e da materialidade e exatamente por isso ao abrir a gaveta de nossa historicidade conhece todas as possibilidades do espaço, os movimentos e o tempo.

O terceiro bloco (vv 18-19) é um chamado aos leitores a viver a esperança escatológica. Alertando que a praesumptio e o desperatio subvertem a esperança e por isso não podem ser acrescentadas. Acrescentá-las geram conseqüências, a alienação do futuro escatológico e a morte. Mas também nada pode ser tirado: a cruz, o sofrimento e a dor, incompreensíveis, que fazem parte da materialidade, enquanto espaço/ tempo não completado, e da humanidade, enquanto existência não essencializada, não podem ser arrancadas da vida na esperança escatológica. Tirá-las significa ficar fora do futuro que chegou, que veio da eternidade e nos trouxe o acesso à árvore da vida. Tirá-las é ficar fora da cidade santa e abandonar a esperança.

A Palavra é fiel (v. 20). Jesus, a Palavra que reina, garante: Ele está chegando! E aqui o texto fala ercomai tacu (ercomai táxi). Ele já saiu nesta sua volta, está chegando rapidamente e não vai atrasar. Por isso, a esperança é possível e qualquer momento da minha vida, por mais estranho que pareça, está debaixo de Sua graça e soberania.

Fonte
Site: Teologica
WEB: www.teologica.br/theo_new/files/TeismoAberto_JPinheiro.pdf