Noite sem lua
Jorge Pinheiro
A pomba voou e foi para o mar,
cercada de marinheiros,
ficou enrolada, coberta num canto do barco,
envolta em fantasmas de medo,
a olhar as cordas da amarração,
a pensar em partir para as profundezas.
Os marinheiros querem a vida depois da tormenta,
tempo seco e ventos alíseos.
Beber sentados nos barris, cantar, dançar,
sabendo que ao longe há um farol de segurança.
Param de sonhar, se voltam para a pomba,
repartem a angústia, querem ouvi-la falar da vida elevada,
mas as ondas arrebentam, o mar é onça no cio,
a pomba reclama que a flama da lâmpada apagou,
que a noite já não importa.
Sou hebreia e adoro Iavé,
Eloim do céu, que fez o mar e a terra.
E viram a pomba suja a caminho do exílio,
no cruzeiro para o extremo do mundo,
marujo sem capitão, desgrenhada,
de olhos fixos no abismo.
Não há tempo para discursos, é melhor jogá-la fora.
Talvez amanhã não seja a última noite,
o farol brilhe de novo,
os meses de inverno garantam águas serenas.
Talvez, em terra firme,
o dia abrande e os olhos delas acariciem corpos, céu e mar.
A pomba amanhece, deixa a casa de Eloim,
faz o caminho ensolarado,
agradecida pelo resgate das entranhas do monstro,
sem saber como pode existir noite sem lua.