mercredi 8 octobre 2014

Noite sem lua -- poema

Noite sem lua
Jorge Pinheiro

A pomba voou e foi para o mar, 
cercada de marinheiros, 
ficou enrolada, coberta num canto do barco, 
envolta em fantasmas de medo, 
a olhar as cordas da amarração, 
a pensar em partir para as profundezas. 


Os marinheiros querem a vida depois da tormenta, 
tempo seco e ventos alíseos. 
Beber sentados nos barris, cantar, dançar, 
sabendo que ao longe há um farol de segurança.

Param de sonhar, se voltam para a pomba, 
repartem a angústia, querem ouvi-la falar da vida elevada, 
mas as ondas arrebentam, o mar é onça no cio, 
a pomba reclama que a flama da lâmpada apagou, 
que a noite já não importa. 
Sou hebreia e adoro Iavé, 
Eloim do céu, que fez o mar e a terra.

E viram a pomba suja a caminho do exílio, 
no cruzeiro para o extremo do mundo, 
marujo sem capitão, desgrenhada, 
de olhos fixos no abismo. 
Não há tempo para discursos, é melhor jogá-la fora.

Talvez amanhã não seja a última noite, 
o farol brilhe de novo, 
os meses de inverno garantam águas serenas. 
Talvez, em terra firme, 
o dia abrande e os olhos delas acariciem corpos, céu e mar. 

A pomba amanhece, deixa a casa de Eloim, 
faz o caminho ensolarado, 
agradecida pelo resgate das entranhas do monstro, 
sem saber como pode existir noite sem lua.