mercredi 17 août 2011

O brilhante arrebata os sentidos

Em hebraico heilel ben-shachar, e em grego, na Septuaginta, heosphoros. Lúcifer é a estrela da alva, que brilha de manhã, que a gente nâo entende porque está ali se o dia já vem nascendo. Não brilha mais que o sol e, por isso, vai desaparecer quando a luz de verdade, forte, alumiar. Mas se engana quem pensa que essa luz meio vesga, que entra olhos a dentro, não veio para alucinar. É o brilhante que está ao lado para confundir. É o diá, diacho, diale, dialho, dianho, adversário que ilumina a alma às avessas.

Et dices ei haec dicit Dominus Deus tu signaculum similitudinis plenus sapientia et perfectus decore in deliciis paradisi Dei fuisti omnis lapis pretiosus operimentum tuum sardius topazius et iaspis chrysolitus et onyx et berillus sapphyrus et carbunculus et zmaragdus aurum opus decoris tui et foramina tua in die qua conditus es praeparata sunt”. (1)

É o caluniador das vidas, o que revira o que devia estar de pé, que faz errar o alvo, que puxa o breque, catatonia, hipotonia, jogo interminável com as mãos diante dos olhos, treme-treme que lança os corpos ao chão.

É o lúcifer das escrituras antigas, aquele que caiu e que mesmo de dia parecia tão cintilante. É o que leva a luz torta, que brilha piscando, a convidar para programas adormecidos na alma. Mas se ele leva a luz, porque se faz presente no lusco-fusco do antes do alvorecer?

"O gênio do mal", Guillaume Geefs, 
catedral de Saint-Paul de Liège, Bélgica

Tu cherub extentus et protegens et posui te in monte sancto Dei in medio lapidum ignitorum ambulasti perfectus in viis tuis a die conditionis tuae donec inventa est iniquitas in te in multitudine negotiationis tuae repleta sunt interiora tua iniquitate et peccasti et eieci te de monte Dei et perdidi te o cherub protegens de medio lapidum ignitorum”. (2)

E porque hipnotiza com luz mortiça, a língua tropeça, cheia de ruídos bizarros, de ranger os dentes, de ruído de matraca, e deságua em grito agudo. O eu é substituído pelo tu, pelo ele, e o sim emudece. A língua não comunica, dilacera.

E assim as vidas são cortadas da terra. E a imprecação cai sobre as cabeças. Como ele caiu, faz os humanos descerem, como foi cortado por terra, abate as nações! E como pensou subirei ao céu, acima das estrelas exaltarei meu trono e no monte da congregação me assentarei, aos lados do norte, assim constrói torres de Babel nos corações. E como disse marinharei sobre as alturas das nuvens e serei semelhante ao Altíssimo, convence os humanos a pugnar o mesmo conflito. Aí está o risco, os humanos são levados ao sheol, ao mais profundo abismo.

E por cortar da terra, heilel ben-shachar invade os corpos com rituais para caminhar, deitar, levantar. É o delírio, quem sabe o que é mentira, o que é verdade? O que é pesadelo, o que é realidade? A luz de lúcifer alucina. O sono desperta, a boca vomita, as fezes escapam, o equilíbrio balança e o mundo desaba. O que arrebata os sentidos está ao lado, chegou piscando. O brilhante, por saber que será será precipitado no sheol, a sepultura comum, quer companhia. Ele é o deus das coisas que fogem, o deus deste mundo. E está ao lado.

elevatum est cor tuum in decore tuo perdidisti sapientiam tuam in decore tuo in terram proieci te ante faciem regum dedi te ut cernerent te in multitudine iniquitatum tuarum et iniquitate negotiationis tuae polluisti sanctificationem tuam producam ergo ignem de medio tui qui comedat te et dabo te in cinerem super terram in conspectu omnium videntium te omnes qui viderint te in gentibus obstupescent super te nihili factus es et non eris in perpetuum”. (3)

Quando a extrema angústia aniquila e retalha, a incapacidade de tolerar fumega, a clivagem e a onipotência fazem parte da ordem do dia, tome ciência, ele pousou a mão sobre o seu ombro e está a cochichar no seu ouvido idéias de delírio. É o princípio do fim, você vai fazer o caminho do sheol.

Diante das fronteiras da loucura, existe uma zona intermediária, um claro-escuro onde a realidade parece preservada, mas a natureza das relações estabelecidas por lúcifer, a vivência fantasmática quer arrastar a lucidez. Por isso, lutar contra o brilhante da alva significa romper frieza, indiferença e isolamentos, agressividade, cólera e errância.

O senhor das luzes, o sol do meio-dia, apaga a radiação que não deve brilhar: ego Dominus vocavi te in iustitia et adprehendi manum tuam et servavi et dedi te in foedus populi in lucem gentium ut aperires oculos caecorum et educeres de conclusione vinctum de domo carceris sedentes in tenebris ego Dominus hoc est nomen meum gloriam meam alteri non dabo et laudem meam sculptilibus” (4).

Notas
1, 2, 3 -- Os textos bíblicos citados de Ezequiel 28.12-17 estão em latim da Vulgata de Jerônimo.
4 – Idem, Isaías 42.6-8.