dimanche 21 février 2010

A encarnação do Verbo Eterno de Deus

Texto de um irmão franciscano. Para ler e meditar.

Na noite luminosa do Natal celebra-se o mistério central da nossa fé: o Verbo eterno de Deus, “subsistindo na condição de Deus, não pretendeu reter para si ser igual a Deus. Mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo por solidariedade aos homens” (Fl 2,6-7). Esse hino sublinha o empenho pessoal do Filho de Deus que renuncia absolutamente a si mesmo e assume a condição de servo (natureza humana), embora subsistindo na condição divina.

O Verbo eterno (Lógos em grego), o Filho de Deus Pai, assume a natureza humana de Jesus, ao encarnar-se no seio da Virgem Maria. Não pode haver maior paradoxo à razão humana do que dizer que o Deus experimentado e vivido pelo cristianismo não é somente o Deus transcendente, eterno e infinito, mas é também o Deus que se autocomunica, por Sua livre graça, na pequenez e na fragilidade de uma criança. Como entender que este homem, criado no tempo, seja ao mesmo tempo Deus? Isso é um escândalo para os judeus e para todos os que adoram e veneram um Deus totalmente inobjetivável.

O Deus experimentado e vivido pelo cristianismo é, sim, santo, absoluto, eterno e infinito, mas bem porque Ele é o máximo que se pode pensar, tem o poder de revelar-se “para fora” de forma tão desconcertante e paradoxal. Ou será que não há nada de desconcertante na declaração joanina de que o Verbo eterno de Deus tornou-se “carne” (Jo 1,14)? A palavra “carne” indica, por um lado, a fragilidade e mortalidade próprias da pessoa humana e, por outro, indica a grandeza do abaixamento (kénôsis) de Deus. A alteza e profundidade do mistério quenótico, que se radicaliza na entrega de Jesus na cruz, transcende infinitamente ao máximo que se pode pensar. Por outras palavras, parafraseando Leonardo Boff, o Deus que em e por Jesus se revela é tão humano e o homem que em e por Jesus emerge é tão divino que a linguagem humana não pode dizer adequadamente.

O Verbo (Filho) eterno do Pai assumiu a natureza humana, conservando a Sua divindade. Isso quer dizer que Jesus Cristo, em pessoa, é humano e divino. Enquanto pessoa, Ele é essencialmente relação. A pessoa toma consciência de si e constrói sua individualidade no relacionamento de doação e de recepção da alteridade do outro. Ora, sabe-se da mútua implicação das três pessoas divinas e do quanto Jesus Cristo doou-se incondicional e gratuitamente a todos, bem como abraçou a cada um em seu amor ilimitado (Mc 2,13-17), inclusive aos inimigos (Mt 5,43-44). E devido ao Seu absoluto desprendimento e inominável receptividade, o eu humano de Jesus foi de tal maneira assumido pelo Lógos, a ponto de dizer, como Paulo: ”Já não sou eu que vivo, mas Cristo [o Lógos] vive em mim” (Gl 2,20). Jesus viveu uma relação tão íntima com Deus, invocado por Ele pelo termo “Abba” (Paizinho), que se igualou a nós em tudo, exceto no pecado.

Pensadores clássicos da Filosofia e da Teologia cristãs colocaram muitas questões acerca da criação do mundo e da encarnação do Filho de Deus. Destacamos primeiramente a seguinte: Por que Deus criou o universo? Entre as muitas respostas figurava a idéia de que Deus criou o mundo porque quis, por pura e absoluta gratuidade do amor, manifestar-se ad extra, isto é, para fora de si mesmo. O Sumo Bem cria o mundo contemplando o Verbo, pois é Nele que se encontram as razões ideais (rationes idealis) de todas as coisas criadas e criáveis no tempo. Assim, o Filho de Deus é o princípio; é o primogênito de toda a criatura porquanto todas as coisas visíveis e invisíveis são criadas à luz do Verbo: “Todas as coisas foram feitas por ele [Verbo] e sem ele nada se fez de tudo que foi feito” (Jo 1, 1-3).

Todavia, a suprema comunicação ad extra de Deus não se dá na criação, mas na encarnação do Seu próprio Filho. Poder-se-ia então pensar que Deus criou o cosmos para possibilitar a Sua encarnação em Jesus de Nazaré. Por isso, ao se colocar a questão da criação do mundo indaga-se também pelo motivo da encarnação do Verbo eterno. Onde se fundamenta a decisão divina de encarnar-se em Jesus Cristo? Teria o Verbo se encarnado simplesmente para resgatar a humanidade do pecado? Tradicionalmente afirma-se que a encarnação foi condicionada pelo pecado humano. Mas será que essa é uma resposta exaustiva à questão: Cur Deus homo? (Por que um Deus-homem?). Será que Deus poderia ter-se utilizado de outros meios para realizar a obra da redenção?

Para Santo Agostinho, Deus poderia, sem dúvida, ter-se utilizado de outros meios para realizar a obra da redenção. Porém, “não existia nenhum outro modo mais conveniente para remediar nossa miséria” (De Trinitate, XIII). Também Santo Anselmo e Santo Tomás de Aquino entendem que o motivo da encarnação é a redenção do pecado do homem. Conseqüentemente, sem o pecado, a encarnação não teria acontecido.

No entanto, para o pensador franciscano João Duns Scotus, a encarnação não é só um pressuposto para o sacrifício redentor, mas é um acontecimento que faz parte do plano de amor do Pai. Duns Scotus afirma que o Verbo seria encarnado, mesmo se o homem não tivesse pecado, visto ser a encarnação totalmente incondicionada. Ao encarnar-se, evidentemente quis a salvação de todos, pois, era conveniente que o fizesse por amor a cada pessoa na sua singularidade. Não se nega, portanto, que a encarnação do Verbo tem também a finalidade redentora. Sabiamente Scotus acentua que a segunda pessoa da Santíssima Trindade se encarnou, por Sua livre graça, para demonstrar o profundo amor salvífico de Deus pela humanidade pecadora e para conduzir a criação toda à sua plenitude. O Verbo encarnado é simultaneamente o princípio da criação e o fim último para o qual tende a pessoa humana, integrada ao cosmos.

Assim, acenamos para a imensidade do mistério do Natal de Jesus Cristo. A Igreja alerta-nos de que devemos nos preparar adequadamente para a celebração de tão grande mistério. O Deus revelado por Jesus Cristo encarnado é essencialmente um mistério transbordante de amor e, portanto, somente apreensível na experiência (ascese) da liberdade e do amor. E o esforço ascético que precede a solenidade do Natal do Senhor é liturgicamente denominado de “advento”. No advento a humanidade prepara-se para a vinda do Filho de Deus na carne humana de Jesus Cristo. No entanto, o Filho de Deus já veio; o Verbo já se encarnou. Qual é, então, o sentido do advento, se o tempo da espera e das trevas já passou e se o Esperado já veio?

É verdade que Deus veio de forma definitiva para dentro de nossa história, mas apesar disso, Ele é sempre aquele que ainda deve vir para cada um de nós. A natureza humana é assumida pelo Verbo não só por um momento, mas por meio de um ato que se realiza constantemente em cada filho e filha de Deus. O Verbo eterno quer encarnar-se em cada um de nós a ponto de também podermos dizer, como Paulo: ”Já não sou eu que vivo, mas Cristo [o Lógos] vive em mim” (Gl 2,20). No advento espera-se, portanto, que o amor de Deus se revele maximamente em cada criatura humana. “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13).

Cada ser humano vive no desejo da redenção e na ânsia do Libertador. Porém, não somente os seres humanos, mas toda a criação espera pela chegada do Reino da Liberdade: “A criação toda geme e sofre em dores de parto até agora e nós também gememos em nosso íntimo esperando a libertação” (Rm 8, 22-23). De fato, o sonho de harmonia cósmica do profeta Isaías ainda não se realizou. O lobo ainda não é hóspede do cordeiro, a pantera não se deita ao pé do cabrito, nem o touro e o leão comem juntos; não é verdade ainda que a vaca e o urso se confraternizam e o leão come palha com o boi; não é ainda verdade que a criança brinca à toca da serpente e o menino mete a mão no buraco do escorpião (Is 11, 6-8). Em suma: a harmonia entre os seres humanos e entre estes e todos os seres da natureza, é ainda um sonho muito distante da realidade. No entanto, Jesus proclamou a grande novidade de que o Reino de Deus já chegou e atua nesta nossa história (Mt 12,28). O Reino de Deus, muito sutilmente, já “está no meio de vós” (Lc 17,21). Mas, enquanto Deus não for tudo em todas as coisas, enquanto não se restabelecer a paz entre todos os seres do universo, continuaremos na expectativa, suplicando como os primeiros cristãos: Vinde, Senhor Jesus!

Enfim, ressaltamos a especial ternura que nosso pai e irmão Francisco de Assis nutriu pela festa do nascimento do Filho de Deus (2Cel 199). Para ele, o Natal do Menino Jesus era a festa das festas porque nesse dia Deus revelou todo o Seu amor para com a humanidade, tornando-se criança pequenina, e porque no Filho encarnado encontramos um modelo para o nosso viver e o nosso agir segundo a vontade de Deus. O “Filho amado” do Pai convoca a todos os seus irmãos e irmãs a responderem amorosamente Àquele que tanto nos amou e a louvá-Lo com todas as criaturas. Então, sim, não será mais advento, mas NATAL.

Frei João Mannes, OFM

Alienação e graça

O que os teístas-abertos não levam em conta

Graça e alienação apontam para duas questões: liberdade e história. Formam a base do pensamento de que o ser humano por ser imagem de Deus é um ser livre e, por extensão, faz história. Livre significa liberdade de julgamento no âmbito da existência. Então, para que as pessoas sejam livres, o próprio Deus garantiria a liberdade delas. Assim, todos são chamados à comunhão e cada pessoa poderia responder positivamente ou não a esse chamado.

Caso o ser humano respondesse positivamente ao chamado viveria o processo de libertação que leva à comunhão plena. A comunhão consistiria, então, em arrependimento, que é volta ao estado de liberdade, mais permanência na escolha. A partir desta resposta, Deus operaria a libertação do ser humano. Por isso, podemos dizer que a vontade humana abre o caminho da libertação. A partir daí entendemos a graça universal, pois todos os seres humanos poderiam responder positivamente ao chamado à comunhão. Ou seja, a liberdade de julgamento no âmbito da existência leva a pessoa a escolher os caminhos de sua história.

Mas a libertação é um processo, por isso a pessoa não seria plenamente livre, porque dependeria dela permanecer ou não na opção escolhida. Se ela se mantivesse na escolha seria plenamente livre, se abandonasse a escolha voltaria à alienação. Caso a pessoa livre se alienasse, se não se arrependesse e voltasse à comunhão, seria eternamente alienada.

Dessa maneira, na polaridade comunhão/ alienação dá-se a construção da história, ou seja, as pessoas e as comunidades humanas interagem, por opção ou por omissão, na construção de sua história. Deus seria soberano porque criara e mantém o universo, sustentando-o na universalidade do Espírito. A soberania especial estaria somente sobre a comunidade que permanece na escolha.

As outras comunidades estariam fora desta soberania especial, da graça que gera comunhão plena, exatamente porque usaram a liberdade para escolher a alienação. E quanto maior é a alienação, mais Deus retrai sua soberania sobre elas, a graça que gera comunhão plena, o que explica o mal enquanto feituras pessoal e social humanas. E para que o processo histórico se dê, Deus contrai espaço-temporalmente sua justiça executora. Por paixão ao ser humano, ele contrai a ação de seu conhecimento. Caso Deus, a partir de seu conhecimento, definisse todas as ações livres, as pessoas e as sociedades poderiam fazer apenas aquilo que Deus por conhecer definisse, sem poderem tomar decisões alienadas, sem poderem se afastar dele. Assim, Deus dirige o seu fazer, mas interage com as pessoas e as comunidades humanas na produção da história, enquanto obra que nasce da correlação liberdade/ comunhão e liberdade/ alienação.

A polaridade comunhão/ alienação não apresenta o ser humano como bom ou mal, mas como ser que age a partir dessa polaridade. Isso fica claro no diálogo que Deus tem com Caim, quando diz que ele está inclinado para o mal, mas deve dominá-lo. Essa conversa apresenta um padrão humano, a tendência à alienação. Assim podemos ler Gênesis 6.5, 8.21 e Deuteronômio 31.21. É interessante que nenhum desses textos fala do ser humano como essencialmente corrupto, mas inclinado à alienação. A própria palavra yetzer, que vem da raiz yzr, utilizada quando as Escrituras hebraicas falam de inclinação maligna, significa moldar, propor-se.

A idéia é que o ser humano é dirigido por suas inclinações, imaginações, sejam elas boas ou más. É yetzer que, combinado ao julgamento livre no âmbito da existência, possibilita o arrependimento. Ou, conforme diz Deuteronômio, Deus coloca diante do ser humano a possibilidade do bem e a possibilidade do mal. Os seres humanos terão comunhão se obedecerem aos mandamentos do Senhor e serão alienados se desobedecerem aos mandamentos do Senhor (11.16-28). Assim, só o Deus apaixonado é capaz de fazer com que exista a liberdade humana e mantê-la.15 Essa graça, oriunda de Deus e derramada sobre a humanidade, possibilita a construção da história.

Essa leitura da liberdade entregue ao ser humano é importante para a teologia, e aqui não estamos preocupados com definições dogmáticas, pois ao dizer que as pessoas e as comunidades humanas podem agir à margem daquilo que Deus desejaria para a humanidade, apresenta a violência, a guerra e os genocídios como frutos da opção e ação humanas. E o teólogo pode, então, analisar porque os profetas clamam e apontam às sociedades o caminho do Reino, embora estas possam escolher os seus próprios caminhos. Auschwitz e os genocídios contemporâneos, frutos de políticas religiosas fundamentalistas, são, então, passíveis de estudos no campo da teologia.

mercredi 10 février 2010

Le Brésil religieux

et son défi pour l'intellectuel chrétien
Jorge Pinheiro [1]

Introduction
Quand nous voulons parler du Brésil religieux on court le risque de ne penser qu’au Brésil du carnaval, au Brésil touristique, à un Brésil exotique, avec sa présence solide de la culture noire et des religions Afrobrésiliennes. Sans aucun doute, ce Brésil existe-t-il, mais cela ne traduit ni l’essentiel du pays, ni même la religiosité brésilienne.

Par conséquent, pour parler de Brésil religieux et de son défi pour l'intellectuel chrétien, nous nous voyons forcés de comprendre quelle est la religiosité aujourd'hui. Et comment dans ce contexte l'intellectuel chrétien a un défi bien défini à relever.

Le Brésil est un pays de 180 millions d’habitants. La majorité de la population (73,8%) est catholique et le deuxième groupe religieux en importance, ce sont les protestants [2]. 6% seulement professent des cultes afro-brésiliens, comme la umbanda ou le candomblé, des spiritismes, des cultes orientaux, également de l’athéisme. Le Brésil est donc ce qu’on peut encore appeler un pays de chrétienté.

Mais cette chrétienté de 170 millions de personnes n’est pas une chrétienté unie et solide. Il y a une haine silencieuse entre catholiques et protestants. Les catholiques sont divisés en plusieurs tendances, où les trois plus fortes sont les traditionnels/conservateurs, les charismatiques et les tendances populaires. De la même manière, les protestants sont divisés : la tendance la plus forte aujourd’hui est formée par le pentecôtisme et ensuite seulement par le courant historique, dont les baptistes qui sont le groupe plus dynamique, avec trois millions de fidèles.

En général, les protestants brésiliens sont fondamentalistes et politiquement conservateurs, ils ont peur du socialisme et du communisme et n’aiment pas le gouvernement Lula et le Parti des Travailleurs.

C’est pourquoi, l’œcuménisme n’est pas une idée en vogue. Pour le fondamentalisme évangélique c’est même une idée diabolique, qui a pour objectif de détruire la foi, comme ils disent que tel a été le cas en Europe. Un exemple de cette situation c’est le fait qu’un évêque de l’Église Universelle du Royaume de Dieu, a donné un coup de pied dans une image de la Vierge Aparecida, patronne catholique de Brésil, au cours d’une émission du télévision. Comment expliquer cette situation. Comment a commencé l’histoire du protestantisme au Brésil ?

La missiologie de l'auto-gestion et du marché libre

Les missions protestantes arrivent parallèlement à l’expansion capitaliste de la seconde moitié du XIXe siècle. Cette période apporte aussi, pour l'Amérique Latine et pour le Brésil en particulier, d’autres formes de christianisme, avec les promesses des Lumières présentes dans l'idéologie protestante de cette époque.

Les missions protestantes contemporaines représentent une parcelle culturelle qui a été transplantée de l’hémisphère Nord et vers l’hémisphère Sud dans la seconde moitié de le XIXe siècle. Si cette expansion capitaliste a eu de conséquences économiques, politiques et sociales pour les nations du sud, elle a aussi apporté une nouvelle forme d'Église.

L’immigration d'Européens et de Nord-Américains dans cet hémisphère provoque la création de nouvelles couches sociales dans les pays en développement exigeant une génèse de nouvelles possibilités religieuses.

L'expansion capitaliste de XIXe siècle, n’est pas parallèle à l’expansion des missions protestantes par hasard. Les Églises protestantes ont profité de l'expansion du commerce et de la colonisation promus par l’hémisphère Nord pour développer une vision plus englobante de leur missions. Missions qu'on peut classer dans au moins deux modèles, le modèle d'Église officielle et le modèle de l'auto-gestion et du marché libre religieux.

Les missions européennes tendent à suivre le modèle religieux que Troeltsch définit comme celui d'Église officielle où la religion est exportée comme partie de l'ordre social géré par l'État. Comme dans les pays africains et asiatiques sous la tutelle coloniale européenne, les Églises protestantes sont l’expression religieuse de la présence colonisatrice. Les missionnaires utilisent l'infrastructure coloniale (principalement des systèmes de transport et de communications exportées pour les colonies) pour développer leur travail, éparpillant non seulement des temples dans Les nations de l'hémisphère sud, mais aussi des réseaux scolaires et hospitaliers qui influenceront le développement de ces colonies. De cette manière, les Églises protestantes se rendent participantes de l'établissement d'un nouvel ordre social dans les pays colonisés.

Quant aux missions nord-américaines, elles adoptent un autre modèle, celui de l'auto-gestion ou du “marché ouvert” [3] où des Églises différentes se constituent par l'adhésion volontaire des fidèles. Dans ce modèle, chaque Église aurait les caractéristiques sociologiques que Troeltsch qualifierait de “secte”. La séparation constitutionnelle entre l'Église et l'État aux États-Unis force les Églises d’origine nord-américaines à se constituer comme des organisations religieuses indépendantes de la tutelle du gouvernement, dénominations qui fonctionnent par l'adhésion des fidèles dans un marché religieux ouvert, où aucune de ces Églises n’aura pas l'aide exclusive du pouvoir.

Dans les pays sous tutelle coloniale européenne ont assiste donc à une complète exportation de la culture et des habitudes de la société colonisatrice pour la société colonisée. La forme du gouvernement, l'organisation économique, le modèle de religion, le système d'éducation, et le système de santé sont organisés à l'aide des mêmes paramètres sociaux que ceux de la nation dominante.

Dans l’Etats Unis, les Églises s'établissent à leur propre frais et combattent pour assumer une part du marché. Les Églises missionnaires des États-Unis ne voient pas leur avantage à opérer dans l’Amérique Latine. Les missionnaires sont plutôt envoyés dans les pays qui maintiennent le commerce avec l'États-Unis.

Dans un marché religieux ouvert, chaque Église ou dénomination va développer une catéchèse efficace pour convaincre une partie de la population locale de la supériorité de sa doctrine et de sa pratique religieuse. Dans le cas des dénominations nord-américaines, çà ne va pas être facile, parce que le système religieux qu’elles exportent pour l'Amérique Latine est très différent du système existant dans le continent. La culture ibérique, non calviniste, repose sur un système de relations sociales et spirituelles, dans de nombreux cas, diamétralement opposés au système nord-américain.

Une des questions les plus importantes pour l'étude de missions dans un marché religieux ouvert comme celui du Brésil, est l’impact de la dissonance entre l'idéologie protestante et la réalité latino-américaine pour déterminer le degré d'acceptation des missions. Jusqu'à ce quel point la foi apportée par les missionnaires peut réveiller l’intérêt des populations locales pour un nouveau modèle d'Église et jusqu'à ce quel point cette vision est étrangère et demeure inadaptable et inacceptable ?

Cette question est importante parce qu’au cours du XIXe siècle les Églises protestantes nord-américaines apportent au Brésil une foi qui accepte inconditionnellement les promesses des Lumières et elles voient dans les États-Unis l'expression la plus grande de la modernité4. Pour ces missionnaires, leur patrie est bénie par les libertés politiques et civiles, et par les associations volontaires qui contribuent à l'intégration communautaire et à l'identité nationale, exactement tout ce que professe la foi protestante.

La nation américaine est présentée au Brésil comme un pays basé sur les principes de tolérance religieuse et sur une égalité politique. Par conséquent le Brésil est vu par les missionnaires comme un pays surchargé par l'héritage oligarchique.

Ainsi, se constitue une composante déterminante de la nation : le fort caractère anticatholique importé par le protestantisme lors de son arrivée au Brésil, face aux entraves maintenues par l’Église catholique, dominante dans la société et dans l’Etat brésilien. L’identité protestante au Brésil s’est constituée dans une “opposition à l’identité catholique [...]. Le catholicisme serait synonyme d’archaïsme culturel et économique tandis que le protestantisme représenterait le progrès”.[5]

Ce choc a des répercussions dans la pensée protestante brésilienne jusqu’à nos jours avec des variations cependant. La séparation entre Église et État prôné par les protestants aurait pour conséquence un manque d’intervention directe de leur part dans la politique brésilienne, facteur qui distinguerait catholiques et protestants, ces derniers se maintiendraient à distance de la scène sociale vue comme un lieu de corruption dominé par des valeurs catholiques. Une autre conséquence de cette position anticatholique, se vérifie par le désintérêt des protestants pour la culture brésilienne, imprégnée de valeurs considérées comme retrogrades. Des habitudes morales protestantes cultivent ainsi la différence entre l’attitude du catholique, lequel boit et fume, etc. alors que le protestant ne fait rien de tout cela et progresse dans la vie parce que il est “ honnête, travailleur et qu’il sait lire (au moins à Bible) ”.[6]

Le Protestantisme brésilien : phénomène doux vu du dehors

Du point de vue de la sociologie religieuse, les missionnaires protestants représentent une force culturelle envahissante pour l'Amérique Latine. D'autres agents culturels venus avec l'expansion commerciale (techniciens, experts, entrepreneurs), déstabilisent les modèles locaux, mettent en question le statut quo socio-religieux et font naître la possibilité d'une nouvelle forme de pratique religieuse. Cela va créer des conflits avec un système religieux catholique qui était efficace dans les pays latino-américains.

Toutes les missions protestantes historiques sont arrivées au Brésil pendant le règne de D. Pedro II. Les méthodistes arrivent en 1836, quatorze ans après l'indépendance et cinq de l'abdication de D. Pedro I. Les presbytériens, les épiscopaliens, les congrégationalistes et les luthériens arrivent dans la seconde moitié du XIXe siècle, au moment favorable du règne du second empereur brésilien, D. Pedro II. Les baptistes arrivent finalement en 1881.

Trois facteurs au moins expliquent le succès de la présence missionnaire nord-américaine au Brésil : (1) le règne de D. Pedro II et sa politique d'ouverture au monde commercial et culturel anglais et nord-américain, et la tentative de construction d'un état monarchique libéral ; (2) la relation conflictuelle entre l'Église Catholique et l'État pendant la même période ; (3) et la vague migratrice qui apporte une main d'œuvre d'Europe et des États-Unis.

La crise de l'économie basée sur l'esclavage [7] et les exigences de l'économie exportatrice qui se développe, appelle un volume de plus en plus grand de main d'œuvre immigrée. L'empereur, voulant en même temps à développer la colonisation intérieure du Brésil et à satisfaire les élites économiques, cherche dans les pays européens et aux États-Unis la population qu’il estime nécessaire au développement de la nation. Le recrutement d'immigrés commence autour de 1820, et atteint son apogée dans la seconde moitié du siècle.

Dans cette période le pays assume les dépenses de transport des nouveaux immigrants, dont le nombre atteint le chiffre record de 133.000 immigrés dans la seule années 1888. Entre 1820 et 1930 le pays reçoit entre quatre et cinq millions d'immigrés européens et nord-américains. La majorité d'entre eux s’installent dans les provinces du sud. Une bonne partie de ces immigrés est européenne et catholique, mais un petit nombre est originaire des États-Unis et protestant. Ce sont ces immigrés nord-américains qui contribuent de deux manières à l'implantation des missions protestantes dans le pays

Premièrement par le style de vie qu’ils apportent. La technologie et les habitudes nord-américaines représentent un tout, religion comprise exprimant le plus haut niveau de développement. Entre autres des technologies de transport de culture des terres, de construction (maisons de briques), de cuisine et de transformation des aliments (cuisinières modernes, broyeurs de café), d’ustenciles ménagers (lampes de kérosène, machines de couture, surtout quatre nouvelles cultures agricoles : le coton de montagne, la pastèque américaine, le raisin, et les noix.

Deuxièmement les immigrés protestants cherchent auprès de l'empereur protection pour l'exercice de leur religion. Ayant obtenue la protection impériale, ils demandent à leurs Églises d'origine l'envoi de pasteuts pour la communauté, pasteurs qui deviendront les premiers missionnaires au Brésil. Le but de la mission étant que des Brésiliens se convertissent au protestantisme, le gouvernement contrôle officiellement les religions non catholiques, attitude qui entraîne l'envoi de plus de missionnaires et l'expansion de leurs secteurs d'activités à côté des communautés nord-américaines immigrées dans le sud du pays.

Ainsi, en un siècle environ le protestantisme implanté par des missionnaires est devenu brésilien, selon un processus de création de quelque chose de plus en plus différent de ses origines historiques, soit européennes, soit nord-américaines. Aujourd'hui, le protestantisme est présent, avec ses diverses ramifications, dans tout le Brésil, de plus en plus, maintenant, comme phénomène doux vue du dehors, implanté dans les classes sociales, urbaines et populaires. D’un protestantisme historique il est devenu pentecôtiste et néo pentecôtiste présentant des taux de croissance remarquable.

Conclusion
La diversité institutionnelle, doctrinale, morale et politique, très changeante de la réalité chrétienne au Brésil montre la difficulté d'étudier le phénomène comme un tout. Il est certain que n'y a pas un protestantisme brésilien, mais différents protestantismes au Brésil. Dans ce pays où coexistent le cosmopolitisme mondialisé, de fortes présences politiques de gauche et un régionalisme traditionnel, une société multiculturelle et religieusement plurielle a été consolidée. Dans le protestantisme sont entrées des personnes venues d'autres religions, de l'indifférentisme religieux et même du matérialisme. De plus, à l'intérieur de l'espace protestant lui-même, se produisent des mouvements d’une communauté locale à l’autre ou d’une dénomination à l’autre principalement en fonction de la mobilité de haut en bas de l’échelle sociale.

Selon Cavalcanti [8], “ tant que le protestantisme historique apparaît comme une alternative culturelle liée à l'idéologie bourgeoise, le pentecôtisme est apparu comme une proposition de contre-culture populaire, de racines pré-modernes et d'idéologie anti-moderne, à partir des mêmes sources du catholicisme populaire. S'éloigner du principe protestant‚ a été regardé par les protestants historiques comme un catholicisme de substitution”. Messianique, et malade d'une espèce de “tentation théocratique”, le pentecôtisme a substitué le protestantisme historique et son discours sur l'aliénation, par une sorte d’engagement à produire des résultats. Il a oublié l'appel de la théologie sociale reformée et s'est tourné vers des pratiques du clientélisme politique, a commencé à soutenir les secteurs politiques conservateurs et de droite, promettant aux exclus la possibilité d'une ascension dans l’échelle sociale.

Mais, dans les dernières vingt années, le Brésil est passé par une nouvelle étape de cette croissance du protestantisme : le phénomène urbain du neo pentecôtisme, avec son accent mis sur la métaphysique, le mysticisme, et une eschatologie infra-historique. Ou encore, dans sa version néo-libérale, avec la “théologie de la prospérité”. Ainsi, ce neo pentecôtisme s'est divisée en deux tendances : l’une populaire, dirigée vers les exclus, l’autre bourgeoise, dirigée vers les émergents. Les uns aspirent à des bénédictions matérielles qu’ils convoitent, les autres remercient pour ce qu’ils ont déjà reçu. La mobilité sociale et le bourgeonnement de ce neo pentecôtisme ont favorisé, à partir de la dernière décennie, la dislocation du pentecôtisme traditionnel qui conduit à une nouvelle approche des Eglises historiques, et à une revalorisation de la théologie réformée. Et les Églises historiques, à leur tour, ont incorporé des pratiques du monde pentecôtiste.

En devenant une partie constitutive de la société brésilienne, le protestantisme reflète ses contradictions, ses misères et ses potentialités. Les situations sont diverses et divers aussi sont les discours. Les différences et les conflits internes s'accentuent et la coopération interdénominationnelle connaît aussi une baisse. En partant de ces contradictions, on peut dire que l'élite protestante se réfère au paradigme progressiste, elle ne fait pas partie de la masse, et ne voit pas l’Église comme “abri”. En revanche, les masses exclues de la mobilité sociale ascendante, ainsi que les classes moyennes qui subissent un processus descendant, cherchent dans les Églises un abri.

Une partie de cette élite protestante milite dans des organisations et partis de gauche et vote pour ses candidats. Du fait de toutes ces contradictions et conflits, nous pouvons dire que l'étude du protestantisme brésilien et, par extension, de ses potentialités missiologiques, dépendent de notre capacité à écouter les voix de ce phénomène religieux, comme signe critique d’un accouchement d'une créature nouvelle, l'Église protestante brésilienne, encore sans visage et sans forme. La seule certitude que nous avons est que nous sommes des millions, différents et sectaires [9]. Sans doute donc que la missiologie, comme praxis chrétienne du dialogue inter-religieux, est nécessaire au Brésil aujourd'hui.

C'est le défi de l'intellectuel chrétien aujourd'hui au Brésil : au lieu de cultiver le sectarisme et la dénégation permanente de la richesse de la foi chrétienne, malgré nos évolutions et nos différences, il faut montrer “la richesse de la grâce, que Dieu a répandu abondamment sur nous par toute espèce de sagesse et d’intelligence” [10]. Pour que naisse cette Église chrétienne brésilienne, traduction de la sagesse multiforme de Dieu, l'action missiologique de l'intellectuel chrétien consiste d’abord à construire de ponts : c’est un cri prophétique pour la recherche du dialogue, par lequel il pourra alors se rendre présent à la société.

Notes
1. Jorge Pinheiro est Docteur en Sciences de la Religion dans l’Université Méthodiste de Sao Paulo ; il est professeur de Théologie Systématique dans la Faculté Théologique Baptiste de Sao Paulo et pasteur dans l'Église Baptiste à Perdizes, Sao Paulo.
2. Les chiffres du Recensement 2000 de l'Institut brésilien de Géographie et Statistiques, IBGE, montrent l’ascension et l’augmentation expressive des protestants dans le pays. En 1970, ils étaient 5,17% de la population, mais en 2000 ils arrivent à 15,4%. Dans les nombres absolus: dans l'année 2000 les protestants ont traversé la marque des 25 million. [www.ibge.gov.br].
3. H. B. Cavalcanti, O Projeto Missionário Protestante no Brasil do Século 19: Comparando a Experiência Presbiteriana e Batista, University of Richmond.
4. Peri Mesquida, Hegemonia norte-americana e educação protestante no Brasil, Juiz de Fora/São Bernardo do Campo, Editora da UFJF e Editeo, 1994.
5. Leonildo Silveira Campos, Pentecôtisme, conversion et lien social au Brésil, in FATH, Sébastien, Le protestantisme évangélique: un christianisme de conversión, EPHE, p.185.
6. Israel Belo de Azevedo, A celebração do indivíduo, a formação do pensamento batista brasileiro, Piracicaba, Editora Unimep, 1996, p.172.
7. Elizete da Silva, Visões Protestantes Sobre a Escravidão, São Paulo, Rever, ISSN 1677-1222, PUC, 2003: site: www.pucsp.br/rever/rv1_2003/t_silva.htm
8. Robinson Cavalcanti, Protestantismo brasileiro, Recife, Igreja Evangélica Anglicana do Brasil (IEAB), site : www.ieabrecife.com.br/Artigos/protestantismo_brasileiro.htm
9. “Le monde évangélique est divisé. Aucun il y a une unité institutionnelle qui est mise sur aux divergences, comme dans le Catholicisme. Il y a une diversité immense d'organisation, théologique, liturgique et politique. Si quelqu'un n'aime pas quelque aspect de son église, il peut aller pour autre, ou égal fonder un nouveau, sans laisser le monde évangélique. C'est principe de l'auto-gestion et du marché libre. Dans un certain chemin, 'évangélique' (ou 'Protestant') c'est une catégorie résiduelle, c'est ce qui est resté du champ chrétien après l'Église catholique et des Églises Orthodoxes, un type de Troisième Monde”. Paul Freston, Fé Bíblica e Crise Brasileira, São Paulo, ABU Editora, 1992, p. 78.
10. Êpitre de Paul aux Éphésiens 1.7-8.

BIBLIOGRAFIA
ALVES, Rubem, Da Esperança, Campinas, Papirus Editora. Título original em inglês: Towards a Theology of Liberation, Corpus Book, Washington, 1969. Tradução: João-Francisco Duarte Jr.
AZEVEDO, Israel Belo de, A celebração do indivíduo, a formação do pensamento batista brasileiro, Piracicaba, Editora Unimep, 1996
CAMPOS, Leonildo S., Teatro, templo e mercado, São Bernardo do Campo, UMESP, 1999.
CARDONNEL, Jean e outros, Socialismo e Cristianismo, Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1967.
CARNEIRO, José Fernando. Imigração e Colonização no Brasil. Rio de Janeiro: Universidade do Brasil. 1950.
CARNEIRO, Júlio César de Morais. O Catolicismo no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Agir. 1950.
CRABTREE, A.R. e Antonio Mesquita. História dos Batistas do Brasil. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista. 2 vols. 1937-1940.
DE HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio Editora. 1969.
DORNAS Filho, João. O Padroado e a Igreja Brasileira. São Paulo: Companhia Editora Nacional. 1938.
DUNCAN A Reily, História documental do protestantismo no Brasil, São Paulo, ASTE, 1984, pp. 324-329, in Joanildo A Burity, idem, op. cit., p. 45.
FRESTON, Paul, Marxismo e fé cristã, o desafio mútuo, São Paulo, ABU, 1989.
_________, Fé Bíblica e Crise Brasileira, São Paulo, ABU Editora, 1992.
GOLDMAN, Frank P. Os Pioneiros Americanos no Brasil. São Paulo: Livraria Pioneira. 1972.
GORENDER, Jacob, O escravismo colonial, São Paulo, Ática, 1978.
KRISCHKE, Paulo José, A Igreja e as Crises Políticas no Brasil, Petrópolis, Vozes, 1979.
LÉONARD, Emile-G. O Protestantismo Brasileiro. São Paulo: ASTE. 1963.
LUSTOSA, Oscar de Figueiredo. A Igreja Católica no Brasil República. São Paulo: Edições Paulinas. 1991.
MENDONÇA, Antônio Gouveia e VELASQUES FILHO, Prócoro, Introdução ao Protestantismo no Brasil. São Paulo: Edições Loyola. 1990.
MESQUITA, Antonio. História dos Batistas do Brasil. 2 vols. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista. 1940.
MÍGUEZ BONINO, José, Rostros del Protestantismo Latinoamericano, Buenos Aires, Nueva Creación, 1995.
NIEBUHR, Richard. The Social Sources of Denominationalism. New York: Meridian. 1929.
ORO, Ari Pedro e STEIL, Carlos Alberto (Orgs), Globalização e religião. Petrópolis ˆ RJ, Vozes, 1997.
REIS PEREIRA, J. História dos Batistas no Brasil. Rio de Janeiro: JUERP. 1982.
SILVA, Geoval Jacinto, O processo de globalização e a missão, Implicações bíblico-teológicas e pastorais, in Culturas e Cristianismo, São Paulo, Loyola, 1999.
TORRES, João Camilo de Oliveira. História das Idéias Religiosas no Brasil. São Paulo: Editorial Grijalbo, 1968.
TROELTSCH, Ernst. The Social Teachings of the Christian Churches. 2 vols. New York: Harper & Row. 1960.

vendredi 5 février 2010

Você e seu destino -- Antropologia bíblica

O shemá era a oração que duas vezes por dia os judeus elevavam ao Eterno. Essa prece reconhece Deus como único e diz que deviam amá-lo com todo leb, com toda nefesh e com toda meod, conforme Deuteronômio 6.5.

Leb/ lebab, que os gregos traduziram por cardia e nós por coração, nos falam dos movimentos do corpo humano. Leb e sua variante lebab ocorrem 858 vezes nas Escrituras hebraicas, das quais 814 se referem ao coração humano. Expressam a noção antropológica de que somos movidos por sentimentos e emoções que movimentam e dirigem nossos membros e corpo. Têm a realidade anatômica e as funções fisiológicas do coração enquanto expressões das atividades do ser humano, que levam às disposições de ânimo como alegria e aflição, coragem e temor, desejo e aspiração, e também às funções intelectuais como inteligência e decisão da vontade, que na cultura ocidental atribuímos ao cérebro. Nas passagens do livro de Gênesis que nos falam do leb constatamos que a antropologia se apresenta como uma psicologia teológica. Assim, leb tem um significado antropológico que fala daqueles aspectos que nos levam aos movimentos do sentir, do querer e do agir, que compõem a personalidade humana.

Meod, que os gregos traduziram por dynamis e nós por força, aparece trezentas vezes nas Escrituras hebraicas, e traduz a idéia de intensidade e abundância. Em alguns textos, como no caso do crescimento do povo hebreu no Egito, meod aparece ligado à idéia de reprodução, de muitos filhos, o que nos leva a uma compreensão diferente do termo dynamis em grego, que nos fala de uma força física externa ao ser humano. Em hebraico podemos entender meod como potência, aquela força, aquela energia que faz de nós seres criadores, tanto no sentido biológico como intelectual. Seria potência que identifica o ser humano, capacidade de gerar que faz o humano crescer e multiplicar-se.

Mas, nefesh, que os gregos traduziram por psyché, mas que significa garganta, respiração, fôlego, pessoa, vida e alma, sem dúvida, nos fala da plenitude daquilo que é humano, conforme encontramos em Gênesis 2.7. Dessa maneira, nefesh possibilita um rico diálogo com o texto de Gênesis e nos permite uma reconstrução dos significados da natureza humana.

A expressão nefesh leva a uma concepção de exterior versus interior, que tem por base Deuteronômio 32.9, quando afirma que “uma parte de Iaveh faz seu povo”. Mobiliza assim em diferentes níveis essa força criacional, que constitui uma parte de Deus. A matéria-prima utilizada por Deus na modelagem humana é ordinária, enquanto material pertencente a ordem comum de “ló nefesh”: inanimados e animais. É o sopro de Deus que faz especial essa matéria ordinária. Mas será que estamos somente diante de um símbolo ou, de fato, a força criacional de Deus transmite à matéria ordinária não somente vida, mas transfere intensidade e profundidade? De certa maneira, não é absurdo dizer que os seres celestiais são criaturas integralmente espirituais. Sua existência procede do exterior da força criacional de Deus. A exteriorização traduz-se no fato de que a força criacional se dá através da palavra, da palavra criadora de Deus. Nesse sentido, nefesh procede da interioridade de Deus e por isso é conhecida como “ein sof”, que vem de seu interior. “Ele soprou” deve ser entendido como continuidade da afirmação anterior “façamos o ser humano” (Gênesis 1.26), de maneira que nefesh liga céu e terra, o que está acima e o que está abaixo. Por isso, dizemos que a natureza humana é superior à natureza angélica, porque procede da interioridade de Iaveh. Traduz ação mediadora e conjuntiva da força criacional. Donde, a natureza humana procede de atributos divinos não ostensivos, discretos, que se traduzem em integridade holística, pluralidade social, sabedoria, compreensão e abertura à transcendência. Nefesh entende-se e revela-se enquanto natureza que se torna compreensível e inteligível. É transbordamento e transparência do Espírito de Deus, que indica transbordamento e transparência no humano, daquilo que relaciona o que está em cima com o que está em baixo. Da leitura de Gênesis 2.7 podemos constatar que o texto fala de respiração e daquilo que o humano passa a ser: ele não tem uma nefesh, ele passa a ser uma nefesh.

O texto e o pensamento literário dos hebreus são sintéticos. Daí que a chave para chegarmos a uma compreensão analítica dele exige identificar com que parte do corpo o ser humano pode ser comparado e onde o agir humano faz interface com nefesh, utilizando para isso textos que apresentam diferentes sentidos de nefesh. Embora a expressão nefesh apareça 755 vezes nas Escrituras hebraicas e seja traduzida 600 vezes na Septuaginta por “psyché”, garganta e estômago podem ser tomados por paradigma e transmitem a idéia de necessidade, de algo difícil de ser saciado. Nesse sentido, a palavra alma nos dá uma tradução incompleta, pois a idéia é que “Iaveh Deus formou o ser humano do pó da terra e insuflou em suas narinas o seu hálito e o ser humano se tornou um ser vivente que necessita Dele para ser saciado”.

Nefesh não traduz algo bom ou mal, mas a realidade das necessidades fundamentais e imprescindíveis da alma humana, que ao não serem ou não estarem preenchidas por Deus produzem alienação, individualismo, descrença, ignorância e idolatria. Mas como o sopro de Deus pode ter gerado um ser humano com tal índole de insaciabilidade? Se entendermos a nefesh como o órgão das necessidades vitais, dos movimentos emocionais da alma, somos levados a entender o pensamento sintético hebreu ao ver a nefesh como síntese da própria vida. Assim, as necessidades humanas criadas pelo próprio Deus só podem ser saciadas por Ele.

Quem me encontra, encontrou a vida e alcançou benevolência de Iaveh. Quem não me acha, faz violência à sua nefesh. Todos os que me odeiam, amam a morte”. Provérbios 8.39 e seguintes.

No relato de Gênesis 2.7 o ser humano é definido como nefesh hayah, um ser vivente, que necessita ser saciado. Quando integrado ao seu Criador, nefesh é transbordamento e transparência do Espírito de Deus, que indica transbordamento e transparência no humano, daquilo que relaciona o que está em cima com o que está em baixo. Mas essa natureza também se vai constituir enquanto expansão dos significados da imagem de Deus, em graça e amor. “Ele soprou” traduz o fato de que as coisas do intelecto e do coração expressam-se através dos órgãos da fala, em especial, garganta e boca, que possibilitam o sopro. Nefesh como substantivo ganhou vários sentidos, sendo garganta um deles, e assim é usado em Provérbios 23.2, quando diz “põe uma faca à tua garganta, se fores uma pessoa de grande apetite”. A garganta ou goela é por onde entra e sai a respiração, o ar. O ser vivente, então, ganhou a designação nefesh, ser respirador. No caso do humano refere-se basicamente à forma que o espírito e a inteligência, sem forma em si, assumiu ao animar o corpo. Esse padrão simboliza a interioridade da natureza humana. Portanto, para que o humano possa dar intensidade e profundidade a sua inteligência precisa de amor e graça, que nascem da interioridade de Iaveh. Em Gênesis 2.7, “ele soprou” significa que Aquele que soprou o fez numa determinada direção e com objetivo definido. Aqui, direção e objetivo traduzem destinação.

Essa é a destinação do humano: ter sua nefesh integralmente saciada por seu Criador e a partir daí relacionar-se com Ele, com o universo, com seus semelhantes e consigo mesmo. Nesse caso, temos uma nefesh em equilíbrio, plena do Espírito de Deus, o que se traduz em integridade holística, pluralidade social, sabedoria, conhecimento e abertura à transcendência. A ruptura dessa integridade produz alienação, individualismo, descrença, ignorância e idolatria. A antropologia da nefesh em Gênesis nos fala sobre a imagem de Deus e nos dirige a uma pesquisa teológica do humano, da humanidade, da pessoa e da comunidade, da pessoa e da ordem social, da pessoa enquanto excluído, da pessoa enquanto eleito, da humanidade e seu destino, ou seja, da vida para o mundo, do amor para o próximo e da criação para todos.

No centro da fé cristã se encontra Jesus Cristo, Deus e ser humano, revelador do divino e do humano. E se a teologia fala da divindade, ela fala a homens e mulheres, fala sobre um Deus que encarnou e que ama os homens e mulheres. Está a serviço do humano.

No livro das origens lemos: “agora vamos fazer os seres humanos, que serão como nós, que se parecerão conosco. Eles terão poder sobre os peixes, sobre as aves, sobre os animais domésticos e selvagens e sobre os animais que se arrastam pelo chão”. (Gênesis 1.26). Ora, se todo o universo é o mundo do ser humano, conforme afirmam os dois relatos da criação e o salmo oito, em que sentido o ser humano é a imagem de Deus? Como Deus conferiu ao humano essa correspondência?

A partir da antropologia bíblica podemos ver que em primeiro lugar o homo sapiens é fruto de uma intervenção de Deus. Há uma concessão de encargo que diferencia o ser humano do resto da criação. Ele é apresentado como um momento sublime, especial, como um ser que coroa toda a ação criadora de Deus. Ele recebe responsabilidade e poder de decisão. Em relação a esta discussão, considero elucidativa a exposição que apresenta a imagem de Deus através de três concepções: substantiva, ou seja, física e psicológica; relacional, ou seja, com um tropismo à transcendência e possibilidade de relacionamento com Deus; e funcional, que se dá através da ação cultural do ser humano. Acredito, porém, que privilegiar uma dessas concepções em detrimento das outras duas é perder a riqueza do ser humano enquanto imagem de Deus. Por isso, aqui correlacionamos as três concepções, já que formam uma totalidade. Em segundo lugar, Deus deixa claro a finalidade da decisão de criar um ser pessoal, segundo sua imagem. Tal ser deverá ter uma relação especial com o restante da criação. Deus constrói e entrega ao ser humano sua criação. Este ser pessoal deverá estar sobre ela, numa relação de trabalho, produção e administração. O ser humano relaciona-se com a criação e através do uso e de suas descobertas em relação a ela, mantém uma permanente relação com Deus. Em terceiro lugar, a imagem de Deus é traduzida na relação que mantém com as criaturas, já que é uma relação de domínio. Ele reina sobre o universo produzido pelo poder criador de Deus. Mas aqui há um detalhe sutil: este direito de domínio não lhe é próprio, ele reina enquanto imagem de Deus. Ele não é proprietário, nem tem autonomia irrestrita sobre a criação. Imagem de Deus traduz também abertura à transcendência. Aqui estão dados os elementos que nos permitem entender porque faz parte da humanidade o abrir-se à transcendência e viver com ela. Há um deslumbramento permanente diante do absoluto, do sobrenatural e do mistério. Estamos diante de um ser que pode pensar o que não está aqui e agora, e que pode refletir sobre o que vai além da realidade factual. E é por poder pensar tais realidades que não podem ser vistas, que o ser humano enquanto imagem de Deus pode refletir sobre a eternidade e relacionar-se com o transcendente. Assim, ao ser feito imagem de Deus, o próprio Deus transfere à humanidade a capacidade de relacionar-se com Ele.

Adão é um ser plural. Esse ser humano de que fala Gênesis 1.26, que deve ser uma imagem de Deus, não é uma pessoa em particular, pois a continuação do texto fala que eles dominem. Assim, estamos diante da construção da humanidade e o domínio do universo não é dado a uma pessoa, mas a comunidade dos humanos. Ninguém pode ser excluído da autoridade de domínio dada por Deus à humanidade. Da mesma maneira, em Gênesis 1.27 temos uma outra característica fundamental dessa mesma humanidade: ela é formada por homens e mulheres. Para alguns teólogos, como Karl Barth, tal explicação de Gênesis 1.27b, de uma humanidade formada por dois sexos, é apresentada por Deus “quase à maneira de definição”. Logicamente, há uma intenção para que o texto bíblico se aprofunde em tais minúcias. É a de apresentar como o universo criado deveria ser administrado: através da convivência de seres que se completam e se amam. Ou seja, esse ser plural só poderia exercer o domínio através da comunidade, completando-se como homem e mulher.

E para onde aponta o domínio? Se toda o universo é o mundo do ser humano, há a total desmitização da natureza. Não há astros divinos, terra divina, nem animais divinos. Todo o universo pode tornar-se o ambiente do ser humano, seu espaço, que ele pode adaptar às suas necessidades e administrar. E como ele consegue isso? Através da cultura, enquanto processo social e objetivo de sujeição da natureza, e através da necessidade de expansão e domínio, pessoal e subjetivo, que é peculiar a todo homem e mulher livres. Mas, o afastamento de Deus fez com que a humanidade perdesse sua capacidade de ser imagem de Deus viva e eficaz. Seu caráter inicial está distorcido e o mal perpassa todas suas ações. Assim, o ser humano lançou-se ao domínio de seus iguais, inclusive através do derramamento de sangue; suprimiu o equilíbrio e a mútua ajuda entre homem e mulher; mitificou a ciência e técnica; e lançou-se à destruição da própria natureza. Cristo é “a verdadeira imagem do Deus invisível” (Colossenses 1.15, cf. 2a. Coríntios 4.4) e a Ele cabe fazer, a nível escatológico, aquilo que à humanidade tornou-se impossível. “Foi-me dado todo o poder no céu e na terra, por isso, indo, fazei discípulos em todas as nações...” (Mt 28.18).