O que os teístas-abertos não levam em conta
Graça e alienação apontam para duas questões: liberdade e história. Formam a base do pensamento de que o ser humano por ser imagem de Deus é um ser livre e, por extensão, faz história. Livre significa liberdade de julgamento no âmbito da existência. Então, para que as pessoas sejam livres, o próprio Deus garantiria a liberdade delas. Assim, todos são chamados à comunhão e cada pessoa poderia responder positivamente ou não a esse chamado.
Caso o ser humano respondesse positivamente ao chamado viveria o processo de libertação que leva à comunhão plena. A comunhão consistiria, então, em arrependimento, que é volta ao estado de liberdade, mais permanência na escolha. A partir desta resposta, Deus operaria a libertação do ser humano. Por isso, podemos dizer que a vontade humana abre o caminho da libertação. A partir daí entendemos a graça universal, pois todos os seres humanos poderiam responder positivamente ao chamado à comunhão. Ou seja, a liberdade de julgamento no âmbito da existência leva a pessoa a escolher os caminhos de sua história.
Mas a libertação é um processo, por isso a pessoa não seria plenamente livre, porque dependeria dela permanecer ou não na opção escolhida. Se ela se mantivesse na escolha seria plenamente livre, se abandonasse a escolha voltaria à alienação. Caso a pessoa livre se alienasse, se não se arrependesse e voltasse à comunhão, seria eternamente alienada.
Dessa maneira, na polaridade comunhão/ alienação dá-se a construção da história, ou seja, as pessoas e as comunidades humanas interagem, por opção ou por omissão, na construção de sua história. Deus seria soberano porque criara e mantém o universo, sustentando-o na universalidade do Espírito. A soberania especial estaria somente sobre a comunidade que permanece na escolha.
As outras comunidades estariam fora desta soberania especial, da graça que gera comunhão plena, exatamente porque usaram a liberdade para escolher a alienação. E quanto maior é a alienação, mais Deus retrai sua soberania sobre elas, a graça que gera comunhão plena, o que explica o mal enquanto feituras pessoal e social humanas. E para que o processo histórico se dê, Deus contrai espaço-temporalmente sua justiça executora. Por paixão ao ser humano, ele contrai a ação de seu conhecimento. Caso Deus, a partir de seu conhecimento, definisse todas as ações livres, as pessoas e as sociedades poderiam fazer apenas aquilo que Deus por conhecer definisse, sem poderem tomar decisões alienadas, sem poderem se afastar dele. Assim, Deus dirige o seu fazer, mas interage com as pessoas e as comunidades humanas na produção da história, enquanto obra que nasce da correlação liberdade/ comunhão e liberdade/ alienação.
A polaridade comunhão/ alienação não apresenta o ser humano como bom ou mal, mas como ser que age a partir dessa polaridade. Isso fica claro no diálogo que Deus tem com Caim, quando diz que ele está inclinado para o mal, mas deve dominá-lo. Essa conversa apresenta um padrão humano, a tendência à alienação. Assim podemos ler Gênesis 6.5, 8.21 e Deuteronômio 31.21. É interessante que nenhum desses textos fala do ser humano como essencialmente corrupto, mas inclinado à alienação. A própria palavra yetzer, que vem da raiz yzr, utilizada quando as Escrituras hebraicas falam de inclinação maligna, significa moldar, propor-se.
A idéia é que o ser humano é dirigido por suas inclinações, imaginações, sejam elas boas ou más. É yetzer que, combinado ao julgamento livre no âmbito da existência, possibilita o arrependimento. Ou, conforme diz Deuteronômio, Deus coloca diante do ser humano a possibilidade do bem e a possibilidade do mal. Os seres humanos terão comunhão se obedecerem aos mandamentos do Senhor e serão alienados se desobedecerem aos mandamentos do Senhor (11.16-28). Assim, só o Deus apaixonado é capaz de fazer com que exista a liberdade humana e mantê-la.15 Essa graça, oriunda de Deus e derramada sobre a humanidade, possibilita a construção da história.
Essa leitura da liberdade entregue ao ser humano é importante para a teologia, e aqui não estamos preocupados com definições dogmáticas, pois ao dizer que as pessoas e as comunidades humanas podem agir à margem daquilo que Deus desejaria para a humanidade, apresenta a violência, a guerra e os genocídios como frutos da opção e ação humanas. E o teólogo pode, então, analisar porque os profetas clamam e apontam às sociedades o caminho do Reino, embora estas possam escolher os seus próprios caminhos. Auschwitz e os genocídios contemporâneos, frutos de políticas religiosas fundamentalistas, são, então, passíveis de estudos no campo da teologia.
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