samedi 31 décembre 2011

Em 2012

Ainda que a figueira não floresça 
Mesmo assim eu darei graças ao Senhor e louvarei a Deus, o meu Salvador
(Habacuque 3.18). 

Ele é o homem do abraço carinhoso, de coração generoso, que carrega quem sofre no colo. Esse Habacuque procura uma profecia de conforto, que dê ânimo ao povo, como se faz com uma criança que chora. Mas não é isso que acontece.

Habacuque reclama da decadência moral dos judeus e lamenta. E quando o Eterno informa que mobilizará os caldeus para exterminar a apostasia, estarrecido Habacuque diz ao Eterno que os caldeus são piores do que os judeus, que são traiçoeiros, e destroem tudo que encontram pela frente. Idolatram sua própria força e capacidade militar, ao invés de dar glória ao Eterno.

Habacuque, porém, sabe que o Eterno é puro de olhos e, por isso, espera a solução que virá dele. No entanto, está perplexo, a justiça do Eterno para com os inimigos caldeus e os judeus apóstatas não virá como fogo do céu, exclusivamente sobre os pecadores, mas como tsuname que avançará sobre inimigos e apóstatas e sobre todos. E o justo não surfará sobre essa maré de destruição -- deverá repousar apenas na sua fé.

Agradecimento, confiança e oração são as chaves espirituais para desvendar os mistérios do governo do Eterno sobre a terra. O espírito de Habacuque e de seus irmãos vacilam entre o medo e a esperança, mas ao final os julgamentos do Eterno triunfarão alegremente.

Muitas vezes, quando falamos de crise entre as nações, ou de dor e sofrimento entre os cristãos, nos perguntamos se o Eterno está preocupado com essas coisas. A resposta para essas questões estão presentes no rolo de Habacuque. O profeta do primeiro testamento ensina que as nações e os povos são julgadas pelo bem e pelo mal que produzem no mundo. E que esses juízos muitas vezes atingem também os filhos de Deus.

Conhecedor da alienação de Judá e consciente de que os caldeus invadiriam seu país, Habacuque sofre diante do que acontecerá ao seu povo. O profeta ora ao Senhor (3.1-19) e pede que Ele tenha misericórdia no exercício da sua justiça.

E foi assim, num momento extremo de dor, que Habacuque compôs o final do seu livro, o capítulo três, que é um dos poemas mais lindos do primeiro testamento. Nele o profeta mostra que toda a glória e todo o louvor pertencem a Deus.
  • Glória pelo que Ele é: misericordioso. O Eterno não vem só para julgar, mas também para livrar. “Mesmo que estejas irado, tem compaixão de nós” (3.2). 
  • Glória por sua majestade. Devemos aceitar a sua justiça, não porque entendemos ou deixamos de entender, mas porque Ele é o Eterno e nós somos pó. “Ele pára e a terra treme. Ele olha para as nações e elas ficam com medo” (3.6). 
  • Glória por nos manter firmes na adversidade. Lembre-se: ainda que a figueira não floresça, que não haja uvas nas parreiras, que os campos não produzam alimentos e que o rebanho seja exterminado, Ele está ao seu lado. “O Deus Eterno é a minha força. Ele torna o meu andar firme”. (3.19). 
Após as manifestações do Eterno no passado da história do povo, Habacuque canta, agora, a libertação antecipada contra o inimigo, através da interposição da majestade sublime do Eterno, de modo que aquele que crê pode regozijar-se no Eterno da sua salvação. Assim, o capítulo três, um salmo composto para ser cantado e acompanhado por instrumentos, fecha o livro com um lirismo cheio de esperança.

A violência aparentemente bem-sucedida dos caldeus, a apostasia dos judeus, e a maré da justiça de Deus, que varre a Palestina, é o pano de fundo para esse profeta de coração generoso falar de esperança e dizer que o justo viverá por sua
 hn"Wma (emuná) por seu posicionamento consciente e fiel diante da vontade soberana do Eterno.

Por isso, querido irmão, querida irmã, como Habacuque não se esqueça: quando tudo parece perdido, com Deus ainda não está perdido. Quando chegamos ao final de nossos recursos, os recursos de Deus ainda estão disponíveis. E quando a crise, a dor e o sofrimento nos encurralam, precisamos olhar para o alto, porque é Ele quem torna o seu andar firme como o de uma corça e quem leva você para as montanhas, onde estará seguro (3.19).

Que a fé de Habacuque sirva de exemplo para você e para mim neste ano de 2012. Do pastor e amigo, Jorge Pinheiro.

jeudi 29 décembre 2011

O paradoxo do arqueiro

Para André & Fernanda, Pablo & Patrícia, Thiago & Dayane

Os filhos da mocidade são como flechas nas mãos de um arqueiro. Projéteis disparados por arco. E sempre foi assim, mas a sabedoria judaica fez questão de registrar, consolando mamães e papais que temem ver os filhos voarem. Mas eles partem como haste longa e fina, de madeira afiada, com ponta armada, mas sem experiência de guerra, porque até o momento do lançamento estavam guardados na aljava. Não os menospreze, pois o Eterno fará de cada um deles, no vôo da sua liberdade, flechas afiadas de arqueiro.

É verdade matemática, o vôo certeiro é possível porque na extremidade da flecha há um princípio de equilíbrio, a ampenagem, que dá estabilidade à trajetória. A ampenagem são três penas dispostas ao redor da haste formando um ângulo de cento e vinte graus entre si. Assim, é normal que no vôo a haste se entorte e se flexione de um lado para o outro, como um peixe debatendo-se fora da água: é o paradoxo do arqueiro. Mas não se preocupe, sob a mira do Arqueiro, o sol e a lua deixam de brilhar diante do brilho das flechas.

Filhos, em nome da fé no Senhor, amem, honrem, obedeçam aos pais, pois vocês foram tirados da sua carne e dos seus ossos, para que vivam bons anos na terra que o Eterno vai dar a vocês.

As três penas da ampenagem

1. A confiança no Eterno a gente vê na menina Miriam, que observava o irmão no cestinho de palha. Essa confiança é a certeza de que aquilo que se espera virá, é a garantia de que aquilo que não se vê será, ainda que no momento pareça improvável: que uma princesa apareça para tirar o menino da margem do Nilo. A fé no Eterno nos leva a confiar e observar.

É a pena que possibilita ir a lugares altos, que conquista o intransponível com êxito. Permite o vôo d
a agilidade mental e viaja longe. É a pena da paixão pela vida. É conselheira e sábia. Esta seria pena de ganso.

2. O amor é irmão gêmeo da fidelidade, virtudes que a gente descobre quando lê que Isaque perguntou a Abraão: Pai, temos o fogo e a lenha, mas onde é que está a oferta para o sacrifício? E Abraão respondeu: Meu filho, o Eterno dará a oferta para o sacrifício no momento certo. E ambos continuaram a caminhar juntos.

É pena que voa firme, aplaina a terra e nivela altos e baixos. Dá o equilíbrio que resiste ao desvio de posição: com ela tudo dura, fica estável, seguro. É a pena das
soluções para os aflitivos da humanidade, da intuição e do trabalho. É pena que limpa o céu, acalma o mar e pára o vento. A lua e as estrelas se aproximam, em silêncio, para vê-la nos ares. Esta seria pena de pato.

3. A honra é irmã gêmea do respeito, e a gente vê isso no discurso de Salomão ao povo, antes de consagrar o Templo de Jerusalém. -- Davi, meu pai, teve a intenção de construir um templo para o Senhor, Deus de Israel,  mas o Senhor disse: Você teve a feliz idéia de me construir um templo,  mas não será você quem vai construí-lo; será o filho que você vai ter quem vai construí-lo. O Senhor cumpriu a sua promessa. Sucedi a meu pai, Davi, como rei de Israel, tal como o Senhor disse, e construí o templo para o Senhor, Deus de Israel.

Honrar e respeitar é agir em direção à justiça e à virtude. Em relação aos pais, é reconhecer que somos madeira que veio deles, cedro, cerejeira, pau-brasil, e, por isso, merecem fama e glória. Somos descendentes, carne e osso, e devemos levar isso para onde quer que sejamos lançados. É cuidado sim, mas cuidado dinâmico, que se expressa na ação de não deixar faltar, de estar ao lado quando necessário, de manifestar respeito pelo que significam: nos deram vida. São, e nisso consiste a sabedoria dos filhos, nossos heróis: devem ser o alvo de nossos aplausos e atenção.

Essa é a pena das riquezas escondidas. Encontra no vôo as qualidades que não estão na superfície. Diante dela são abertos os caminhos da abundância e da fartura. Mas é no encontro da alma que isso acontece, na boa disposição das imagens e na beleza das formas. Esta seria pena de peru.

O paradoxo do arqueiro

É normal que no vôo a haste se entorte e se flexione de um lado para o outro, como um peixe debatendo-se fora da água. Mas esse paradoxo não significa que a flecha não vai acertar o alvo. O Arqueiro lançou a flecha com ampenagem perfeita: confiança no Eterno, amor e obediência, honra e respeito aos pais. Por isso, não se preocupe querido papai, querida mamãe, sob a mira do Arqueiro, o sol e a lua deixam de brilhar diante do brilho das flechas.


Igrejas francesas e brasileiras juntas



A Cruz Huguenote
Convergência para o apoio
e o desenvolvimento de igrejas francesas e brasileiras

O projeto A Cruz Huguenote, neste primeiro semestre de 2012, visa apoiar pequenas igrejas francesas que por diferentes motivos estão sem pastores ou necessitam de apoio ministerial e aceitam construir parcerias com igrejas brasileiras. Essas parcerias partem do fato de que Deus mantem na França um remanescente da histórica tradição reformada, que deseja expandir o Reino e atuar junto ao renascimento protestante que pode ser visto em diferente regiões do país. 

A partir do exposto, neste primeiro semestre de 2012, A Cruz Huguenote propõe:

1. Parceria entre igrejas brasileiras e francesas, que desejam se conhecer e testemunhar juntas do amor de Cristo.
2. Promoção de acampamentos no Brasil e acampamentos de férias na França entre  jovens das igrejas solidárias com o Projeto A Cruz Huguenote.
3. Ida e vinda de pequenos grupos que desejam conhecer as igrejas francesas e as igrejas brasileiras para convívio e troca de experiências.
4. Ida e vinda de equipes esportivas e bandas que possam se apresentar em cidades franceses e brasileiras onde estão localizadas igrejas solidárias com o Projeto A Cruz Huguenote.
5. Ida de estudantes brasileiros para cursarem Mestrado em faculdades francesas, e vinda de estudantes franceses para cursarem graduação ou pós-graduação em faculdades brasileiras.

La Croix Huguenote*
Convergence pour l´appui et le développement des églises françaises et brésiliennes
_____________________________________________________
*A cruz huguenote foi criada em 1688 por um ourives da cidade de Nîmes. Passou a ser referência da fé reformada durante as perseguições dos séculos XVII e XVIII. Hoje é um símbolo do protestantismo francês. Os elementos presentes na cruz têm um claro significado espiritual, onde a pomba representa o Espírito Santo, expressão da relação do cristão com o Deus Eterno.

mercredi 28 décembre 2011

Vejam esta entrevista de um amigo meu

Ricardo Gondim no Canal Futura
Lançamos juntos, em 2010, o livro O que eles estão falando da Igreja. 
Obra organizada por Ricardo Quadros Gouvea, com participação de Alessandro Rocha, 
Paulo Brabo e William de Melo, pela Fonte Editorial.

dimanche 25 décembre 2011

Que o Cristo nasça no seu coração!


Três lições de amor
Reflexões a partir de Paul Tillich e do apóstolo Paulo

Pode-se falar muitos idiomas e mesmo ter o dom das lînguas estranhas, mas se não houver amor, as palavras seräo como o soar de um sino ou o barulho de um chocalho. O amor é voluntário, não pode ser forçado. A ação política é compulsória. Por isso, todo poder está associado com a ação imposta e o ato do amor com a liberdade e a vontade. Pode-se ter o dom de proclamar a palavra de Deus, de conhecer mistérios e saber tudo; e ter uma fé capaz de transportar montanhas, mas se não houver amor, nada valhe. Pode-se dar esmolas, doar tudo, ser queimado vivo, mas se não houver amor, nada disso serve. O amor é companheiro e paciente. Näo é invejoso. Näo se envaidece, nem é orgulhoso.

O amor é pessoalmente mediado. A natureza voluntária do amor necessita que exista a vontade de amar para ser ativada. O amor é sempre pessoal, o tem maus modos, nem é egoísta. Näo se irrita, nem pensa mal. Näo se alegra com uma injustiça causada a alguém, mas alegra-se com a verdade. Acredita, espera, sofre com paciência, suporta.

Primeira lição de amor


Quando se serve ao Eterno, de hoje até o dia da morte, Ele não ama mais do que o ama 
agora. O Eterno não ama por causa do que é feito, Ele ama apesar do que não é feito. 

O amor é sacrificial, é um ato não compulsório. Sacrificial traduz radicalidade. É a manifestação que exprime a busca do sentido de separação e reparação diante das possibilidades abertas por realidades sobre as quais há a total ausência de poder.

O amor é livre e vai além da obrigação moral ordinária. Cumprir uma obrigação moral é responder a uma necessidade moral. É um ato do dever mais do que da moral livre. Uma senhora de idade entrega, por exemplo, ao caixa várias moedas de um real para pagar três paezinhos numa padaria. Ao ver que a senhora entregou mais que o devido, o caixa devolve as moedas excedentes. Ao fazer isso, não demonstra nenhum gesto especial de amor. Cumpre sua obrigação moral de não levar vantagem a partir das debilidades de percepção da senhora.

Segunda lição de amor

Homens e mulheres gemem, pessoas de corações partidos e vidas destruídas, gentes sofrem a escravidão do mundo e clamam como Castro Alves em Vozes d'África:

Deus! ó Deus! onde estás que não respondes?
Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde desde então corre o infinito...
Onde estás, Senhor Deus?...

... e ouvem uma resposta de amor: O Eterno está ao seu lado. 

O amor é voluntário e livre, vai além da obrigação moral, mas por envolver volição moral é humanamente mediado. E por ser sacrificial está limitado pela capacidade de cada um e de cada uma de absorver as conseqüências dos atos de amor. Por isso, quando se é criança, fala-se como criança, sente-se como criança e pensa-se como criança: liberdade e vontade não têm condições de serem plenamente exercidas. Adulto, consciente e livre, deixa-se o modo de ser de criança: ações e atos podem levar ao exercício pleno do amor.

O amor é eterno. As promessas se cumprem, os idiomas morrem, o conhecimento passa. As esperanças, as promessas e o conhecimento são relativos. Por isso, fé e esperança abrem espaço para o amor, pois quando chega aquilo que é pleno de sentido, tudo o que é imperfeito desaparece.

Terceira lição de amor


O Eterno nasceu aqui, caminhou e viveu, foi à cruz do Calvário e, através do túnel de um 
túmulo vazio, saiu em busca de pessoas que tiveram suas almas leiloadas no mercado de escravos deste mundo tenebroso.

Quando as gentes gritam: Onde está o Eterno? A resposta é sempre: O amor do Eterno está aqui. Que o Cristo nasça no seu coração!

jeudi 22 décembre 2011

O Natal chegou! Adoremos!


Cantata Coro Jovem - Natal 2011
Igreja Batista em Perdizes 

Desejo às pessoas com quem tive um momento ou estive por um momento, ainda que apenas, em 2011, um nascimento marcante de Jesus, o Cristo, em seus corações e que isso faça toda a diferença no ano novo que se abre. 
Em Cristo e por Cristo, 
toda a glória!

samedi 17 décembre 2011

Vamos juntos celebrar o Cristo


  É que um menino nos nasceu, um filho nos foi dado. 
Deus colocou a soberania sobre os seus ombros. 
Os seus títulos são: 
Conselheiro maravilhoso, Deus forte, Pai para sempre, Príncipe da paz!
Isaias 9,5.

Natal na Igreja Batista em Perdizes (SP)
Você é o nosso convidado




 18/dez (DOM)
     - 18h45: Cantata O Esplendor da Glória
Com reflexão do Pr. Jorge Pinheiro

 25/dez (DOM)

     - 18h00: Culto de especial Natal

Com sermão do Pr. Nino



Car un enfant nous est né, 
un fils nous a été donné, 
il a reçu le pouvoir sur ses épaules 
et on lui a donné ce nom : 
Conseiller-merveilleux, Dieu-fort, 
Père-éternel, Prince-de-paix!

  Benvenuto nella famiglia, Luigi!

vendredi 16 décembre 2011

Gratos a Ti pelo nascimento do Cristo

Elvis Presley e Martina McBride -- Blue Christmas

Buon Natale          Fröhliche Weihnachten          Merry Christmas
Mo'adim Lesimkha          Feliz Natal          Feliz Navidad 

"Vós é que sois as minhas testemunhas. Palavra do Senhor! Vós é que sois o meu servo, aquele que eu escolhi, para saberem, acreditarem e compreenderem que eu é que sou Deus. Antes de mim não houve nenhum deus e depois de mim também não haverá. Eu, e só eu, é que sou o Senhor. Fora de mim não há ninguém que salve! Sou eu que ofereço a salvação, a anuncio e a proclamo, e não é nenhum deus estrangeiro que esteja no meio de vós. Eu sou Deus e vós sois testemunhas disso! Palavra do Senhor!" Isaías 43.10-12.    

jeudi 15 décembre 2011

O nascimento de uma criança


 
O povo que andava na escuridão viu uma forte luz: 
a luz brilhou sobre os que viviam nas trevas” (Isaías 9.2).

É comum todos os anos ouvirmos estas palavras do profeta Isaías, nas comemorações do nascimento de uma criança judia. E a cada ano, estas palavras têm um novo sabor e fazem reviver o clima de alegria e caminhada, que é típico do nascimento.

Ao povo atribulado e oprimido, que andava em trevas políticas e sociais porque estava sob o jugo do Império romano, apareceu uma luz forte. Sim, esta luz forte, irradiada da humildade de uma criança nascida numa vila sem importância – Beitlehem, em hebraico, A Casa do Pão, em português  -- é a luz do sentido pleno da vida. Se a primeira luz foi a do Big Bang, conforme nos conta o livro das Origens (1.3), mais brilhante é a luz que traz o sentido da vida àquele que reconhece a miserabilidade e clama por justiça!

O nascimento é a festa da luz da eternidade entre nós. Na criança d´A Casa do Pão, a luz primeira volta a resplandecer no céu da existência para dissipar as nuvens da alienação. O brilho do triunfo do que é necessário e perene aparece no horizonte da história para propor um caminho novo, a marcha na construção de um novo mundo de alegria, justiça e paz!

A travessia noturna


“Tu, ó Eterno, aumentaste esse povo e lhe deste muita felicidade. Eles se alegram pelo que tens feito, como se alegram os que fazem as colheitas ou como os que repartem as riquezas tomadas na guerra” (Isaías 9.3).

O anúncio vale também para nós, homens e mulheres do alvorecer do terceiro milênio. A comunidade reúne-se em louvores para escutar a boa nova do nascimento de uma criança. Em meio ao terror do Império presente nas vidas, da noite fria no deserto, o nascimento é momento de memória.

Após longa espera, irrompe o esplendor do dia novo. Nasceu a criança, a eternidade conosco! Nasceu aquela que foi anunciada pelos profetas e invocada pelos que andavam nas trevas. Na escuridão e silêncio da vida clandestina, a luz faz-se mensagem de novo caminho.

Mas não contrasta esta certeza do novo caminhar com a realidade histórica em que vivemos? Diante dos fatos que ouvimos, esta palavra de um novo caminho parece sonho. Mas é nisso mesmo que se encerra o desafio do caminho, tornando este anúncio simultaneamente consolador e exigente. O caminhar novo nos envolve na exigência solidária do que é necesário e perene e ao mesmo tempo nos leva a apoiar o diferente e o igual, sempre gente como nós.

Solidários no caminhar


“Deus revelou a sua graça para dar salvação a todos”. (Tito 2, 11).

Nesta memória do nascimento, nossos corações estão inquietos e preocupados com a persistência, em diversas regiões do mundo, de guerras, penosas carências, tensões sociais. Procuramos uma resposta que mobilize e transforme.

O texto da carta de Paulo a Tito recorda-nos que o nascimento da criança traz a liberdade aos extremos da terra e aos momentos da história. Para todo homem e mulher nasce a criança que tem os títulos de conselheiro, forte, eterno, príncipe da paz. (Isaías 9.6). Ela traz a resposta que necessitamos, que desfaz temores e dá coragem para a ação do caminhar em direção ao novo aparentemente impossível.

Nesta noite de memória torna-se mais firme a confiança na força redentora da palavra que se fez carne e habitou entre nós. Quando as trevas parecem prevalecer, a criança nos diz para ir em frente! Ela derrota o poderio do mal, liberta da escravidão da morte e nos convida ao banquete da vida.

Sou chamado a me mobilizar em força solidária, assumir a parceria pelo mundo novo. Sou chamado a vencer o mistério da iniqüidade, ser testemunha de solidariedade e construtor da paz. Vamos, a partir da memória, aos campos d`A Casa do Pão para encontrar a criança, mas também para com ela encontrar outras gentes, irmãos e irmãs feridas no corpo e oprimidas no espírito. A festa da luz é travessia noturna em direção ao sentido pleno da vida!

Teologia e política (3)

Reflexões sobre a construção 
histórica do Partido dos Trabalhadores 

Terceira parte 
Algumas questões teóricas 
sobre o movimento de massas 
Paul Tillich

A palavra massa, para Paul Tillich [Masse et Esprit, Études de philosophie de la masse[1]], transformou-se em slogan político e social. Expressão esta que conota superioridade e idolatria. Por isso, quando se deseja discutir seriamente o conceito massa é necessário definir seus contornos e esfriar um pouco a fervura do slogan[2]. 

Segundo Tillich, há dois conceitos de massa, um formal e outro material, o primeiro de ordem psicológica e sociológica e o segundo de ordem histórica e social[3]. Em termos formais, a massa consiste numa associação de pessoas que, na associação, deixam de ser indivíduos. Sua individualidade se perde e ele se submete à coletividade. A pessoa se torna um átomo, desprovido de suas qualidades, seu movimento próprio, e se transforma em pura quantidade subordinada ao movimento da massa. Através da psicologia das massas pode-se ver como a alma perde sua forma individualizada uma vez que toma a forma da massa e como o indivíduo entra em contradição com ele próprio, já que é um átomo da massa ou um ser bem singularizado.[4]

Tillich considera que no movimento psíquico da massa alguns elementos se separam e se isolam, adquirindo eficiências por eles próprios. Isto porque um indivíduo é o resultado de uma longa evolução interior e sua alma está ligada a milhares de liames à vida da alma em sua totalidade, que assim torna-se autônoma [5]. Na massa, as forças de inibição, de reflexão e de matizações caducam. Tudo se transforma. Assim, podemos resumir essas transformações em duas leis. A lei da imediaticidade, segundo a qual a massa não reflete, mas é. Ela tem uma existência objetiva, não subjetiva como afirmou Hegel, ela é em si, não para si [6]. 

A massa não sabe porque ela faz aquilo que faz. Quando acede a ela própria é sempre através de certos indivíduos, um orador ou chefe. A massa é imediata, vive inteiramente o presente, sem ligações com o passado ou o futuro, sem lembranças ou reflexões. Suas motivações são irracionais. Mas para Tillich, a lei da imediaticidade explica o desabrochar dos instintos biológicos imediatos, que estavam inibidos. Também mostra a existência de um princípio espiritual imediato que se faz presente, que pode ser traduzido como o abandono ao instinto do momento em direção à disponibilidade da revelação espiritual do presente, revelação de uma espiritualidade subjetiva impura [7]. 

Ou seja, a irracionalidade das motivações pode dirigir ao irracional de baixo, à demência, ou ao irracional de cima, à novidade criadora. A outra lei da psicologia das massas, segundo Tillich, é a lei da amplificação. Se a vida espiritual do indivíduo perde suas inibições, se tal fato se repete em cada indivíduo presente, como num alternador, o vivido por um, suscita em outro experiência idêntica, porque a massa vivencia ela própria o ser massa. Essa lei nos leva a dois aspectos da vida da alma, o aspecto emocional e o aspecto intelectual. 

Em todo movimento da massa podemos observar a força do entusiasmo, a amplificação das paixões, da coragem, que podem levar ao seu sacrifício e destruição. Do lado intelectual, a lei da amplificação age de forma mais discreta, porque o processo de reflexão não convém à massa por causa de sua complexidade[8]. De certo ponto de vista, explica Tillich, o indivíduo está mais alerta que a massa, mas a massa pode se elevar bem acima das consciências subjetivas, com suas intuições mais simples, mas também maiores e também com sua clarividência disso, que prepara o espírito objetivo no momento presente[9]. A amplificação pode levar ao monumental e ao heroísmo, mas também ao demoníaco e à destruição. E as intuições da massa podem se conformar ao espírito ou lhe ser refratário.[10]

As leis da psicologia das massas são leis naturais, afirma Tillich. Elas são sempre válidas e necessárias onde uma pluralidade se encontra reunida. Elas têm valor para todos os estamentos sociais, para um grupo de marginais, assim como para uma assembléia de nobres. Com ironia superior, elas regem uma reunião de convencidos individualistas, assim como explicam o sentimento de superioridade existente na palavra massa, quando usado como slogan [11]. Segundo Paul Tillich, no conceito material de massa, a essência de um grupo de homens determinado é ser essencialmente formado conforme a psicologia das massas[12]. 

Por isso, no sentido histórico do termo, a massa, quer sejam classes ou ordens, raças ou círculos, partilha do destino de ser excluído de toda formação espiritual individual. Vemos, então, que para Tillich a imediaticidade da massa faz com que desabroche nela instintos biológicos que estavam inibidos no indivíduo, o que traz à tona um princípio espiritual imediato: a disponibilidade à revelação espiritual do momento presente. 

Essa imediaticidade é o que leva a massa ao irracional de baixo, à demência, ou ao irracional de cima, à novidade criadora. Ao lado da imediaticidade, os aspectos emocional e intelectual são amplificados. As forças do entusiasmo e da coragem são amplificadas de tal modo que podem levá-la ao sacrifício e destruição. Assim, a massa se eleva acima das consciências individuais com intuições simples, mas com clarividência disso. Este processo prepara o espírito objetivo no momento presente. Quando objetivamente a massa vive esse processo de espiritualização, nela, religião e cultura se misturam. A esse primeiro momento de evolução da massa Tillich chama de massa mística. 

No contexto geral de uma análise do socialismo, não se pode deixar de levar em conta que a evolução histórica dá nascimento a diferentes tipos de massa, conforme o modelo de desenvolvimento das relações entre religião e cultura.[13] O primeiro estado consiste em uma unidade onde os dois ainda não se distinguem. Uma segunda etapa é marcada pela autonomia da cultura: assim, ela se diferencia mais e mais da religião, a ponto de gerar a secularidade moderna. Mas esta ruptura e separação são catastróficas tanto para a cultura como para a religião. E serão então superadas pela etapa final da teonomia, caracterizada pela presença de conteúdo religioso em todas as formas autônomas da cultura[14]. 

Podemos facilmente reconhecer os elementos desse esquema na descrição que Tillich faz dos diferentes tipos de massa. A massa mística corresponde à religião de origem: é a fusão dos indivíduos numa única comunidade que engloba tudo. Vem em seguida a etapa da autonomia, onde os indivíduos se diferenciam cada vez mais da comunidade de origem, até tornarem-se completamente independentes e separados. Mas ainda é massa sem forma e cultura, que não se colocou em movimento e caminhou para um estado de individualização. Essa é o estado de massa técnica ou mecânica, característico da moderna sociedade industrializada[15]. 

A partir daí surge a perspectiva de uma etapa final onde a massa e a individualidade pessoal formarão uma nova união, uma síntese nova, chamada massa orgânica, que corresponderá ao ideal da teonomia. Logicamente, nem sempre se caminhará em direção a este ideal: mas o tempo histórico que orienta nessa direção é o da massa dinâmica[16]. Dessa maneira, para Tillich, a massa dinâmica é sempre revolucionária, não unicamente no sentido político do termo – inclusive este é o sentido menos freqüente --, mas sempre em um sentido de fé espiritual e social. É necessário que ela seja revolucionária, porque o sentido de seu movimento é precisamente ir além do estado de massa e todas as formas que são responsáveis por este regulamento [17]. 

Assim, para Tillich o movimento da massa dinâmica parte da massa mecânica e é essencialmente um movimento de libertação: o movimento da massa dinâmica parte da massa mecânica, já existente ou em perigo de aparecer, e visa a supressão da massa, visa à massa orgânica, não importando que esse começo seja ou não atendido.[18]

Vemos aqui que Tillich tem uma compreensão diferente daquela de Gramsci, que entende a vanguarda enquanto intelectualidade orgânica, mas não vê a massa em processo dinâmico que pode levar ao surgimento de uma massa orgânica. Sem desejar fazer um confronto entre os dois pensadores, tocamos apenas no ponto que metodologicamente nos interessa: a vanguarda não se limita ao militante ou intelectual, é um processo maior que tem na massa orgânica uma dupla ação, de liderança da sociedade e de transformação da situação-limite. 

Uma tal visão abre perspectivas interessantes na análise e compreensão de diferentes situações históricas, em especial do momento vivido pelo Brasil no final dos anos 1970. A questão da transformação da sociedade, a luta pela democratização e a formação do Partido dos Trabalhadores são compreendidos melhor através do caminho metodológico construído por Paul Tillich em seus escritos socialista. E como ele afirmou, todas as questões convergem para uma mesma resposta: a humanidade deve ter origem nas profundezas de um novo conteúdo, onde será superada a oposição entre massa e personalidade. Onde um novo conteúdo será produto da graça e do destino.[19]

Notas
[1] Publicado em Berlim e Frankfurt por Edições da Comunidade Operária, em 1922, e mais tarde em Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de L’Université Laval, 1992, pp. 48-112. 
[2] Idem, op.cit., p. 75. 
[3] Idem, op.cit., p. 75. 
[4] Idem, op.cit., p. 76. 
[5] Idem, op.cit., p. 76. 
[6] Idem, op.cit., p. 76. 
[7] Idem, op.cit., p. 76. 
[8] Idem, op.cit., p. 77. 
[9] Idem, op.cit., p. 77. 
[10] Idem, op.cit., p. 77. 
[11] Idem, op.cit., p. 77. 
[12] Idem, op.cit., p. 77. 
[13] Jean Richard, Introduction au Tillich Socialiste, La masse prolétarienne, in Paul Tillich, Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de L’Université Laval, 1992, p. XLI. 
[14] Idem, op.cit., p.XLI. 
[15] Idem, op.cit., pp. XLI-XLII. 
[16] Idem, op.cit., p. XLII. 
[17] Idem, op.cit., p. XLV. 
[18] Paul Tillich, Masse et Esprit in Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de L’Université Laval, 1992, p. 81. 
[19] Idem, op. cit., p.72.

mardi 13 décembre 2011

Teologia e Política (2)


Reflexões sobre a construção
histórica do Partido dos Trabalhadores (2)
Rubem Alves

Segunda parte
A presença cristã

Eu diria que tudo começou com a Conferência do Nordeste -- Cristo e o Processo Revolucionário Brasileiro[1], em 1962, e com Towards a Theology of Liberation de Rubem Alves[2], mas foi, sem dúvida, com o encontro da Conferência do Episcopado Latino-americano, realizado em Medellín, em 1968, que a teologia da práxis adquiriu direito de cidadania. Não nasceu naquela ocasião, mas foi a partir dela que se intensificou a reflexão da teologia enquanto ação para a libertação.[3]

E a partir das propostas do Concílio Vaticano II, a conferência de Medellín fez três afirmações que nortearam o pensamento dessa teologia: os países pobres estão submetidos ao imperialismo; a igreja latino-americana vive num meio social em processo revolucionário; a igreja latino-americana deve buscar sua transformação, diante da miséria e injustiça.[4]

A Cristologia dos documentos de Medellín teve um viés libertador. “É o próprio Deus que, na plenitude dos tempos, envia seu Filho para que, feito carne, libere todos os homens de todas as escravidões a que o pecado os mantêm subjugados: a ignorância, a fome, a miséria e a opressão, numa palavra a injustiça e o ódio que têm origem no egoísmo humano”.[5]

Assim, a Conferência do Episcopado Latino-americano não viu a libertação reduzida à esfera espiritual, mas como ação transformadora que deveria se estender ao ser humano enquanto totalidade, cobrindo as esferas das relações familiares, políticas e sociais.

E se as opressões do homem latino-americano direcionaram a teologia da libertação, por outro lado, ela sofreu influência direta de teólogos europeus que procuravam interpretar a mensagem de Cristo e a história da salvação em base política. Esses teólogos, entre os quais podemos citar J. B. Metz, H. Cox e J. Moltmann, negavam a interpretação escolástica e as abordagens existenciais. Procuraram na práxis política uma interpretação da mensagem cristã. Ou como diz Metz:

A salvação a que se refere a esperança da fé cristã não é uma salvação privada. A proclamação desta salvação empurrou Jesus para um conflito mortal com os poderes políticos de seu tempo. (...) Ela está ‘fora’, como formula a teologia da Carta aos Hebreus. O véu do templo foi definitivamente rasgado. O escândalo e a promessa desta salvação são públicos”.[6]

Mas o exemplo cristão não chegou só de além-fronteiras. No Brasil ele foi contundente. E jornal Versus explicou porque.

“Hoje são quase 50 mil Comunidades Eclesiais de Base, organizando cerca de um milhão e quinhentas mil pessoas, no Brasil. Elas identificam o pecado-raiz de toda a opressão: “...esse grande pecado é agora social e se chama sistema capitalista”, concluiu o III Encontro Intereclesial de Comunidades de Base, em julho de 78 na Paraíba. Já não se contam mais nos dedos as Comissões Diocesanas de Justiça e Paz. A Igreja Católica foi, talvez, o primeiro setor organizado, com peso efetivo na sociedade brasileira, a empunhar a bandeira de luta pelos direitos humanos. Ligada às parcelas mais exploradas do povo, sofrendo a perda de padres e freiras perseguidos e mortos, a Igreja se organizou para combater as ameaças à Justiça e à Paz. Deixa, enfim, o regaço dos poderosos, não sem contradições e conflitos dentro de sua própria estrutura”. [7]

E para entender os caminhos da catolicidade, o jornal entrevistou D. Adriano Hipólito, bispo de Nova Iguaçu. Mas, explicou Versus, “qualquer que seja o resultado da reunião, a luta entre as tendências conservadoras da Igreja e os setores progressistas vai continuar. Ela não é um fenômeno apenas superestrutural, ela reflete um processo mais amplo de lutas sociais, e faz parte da movimentação política das massas latino-americanas, hoje num processo irreversível de construção de sua própria história”.

Nova Iguaçu era àquela altura, modelo brasileiro de cidade dos pobres e excluídos: “(...) oitavo município mais populoso do país, ali faltam esgotos, escolas, hospitais, transportes, segurança pessoal (reina o esquadrão da morte). Região de  operários, funcionários mal remunerados, comerciários, subempregados, que já não podem esperar soluções senão de si próprios”.

Diante da desconfiança de muitos socialistas ao engajamento da igreja na luta pelos direitos dos oprimidos, por causa de sua tradição heteronômica, Versus argumenta que “se os homens são aquilo que fazem, a Igreja está sendo aquilo que seus sacerdotes têm praticado. E essa prática de discussão e organização das bases de nossa sociedade nós precisamos compreender e avaliar”.

Assim, qual o espírito que orienta o atual trabalho comunitário da Igreja Católica no Brasil? E dom Adriano Hipólito respondeu:

“A Igreja, na sua essência, é comunidade de fé, de esperança e de amor. Sua maior eficiência, fermentadora e renovadora da comunidade humana, sempre dependeu de seu comportamento e de sua atuação com comunidades. Sem dimensão comunitária a Igreja não é Igreja. Sem abertura para os problemas da comunidade/sociedade, a Igreja não está em condições de realizar sua missão, ser continuação da ação libertadora de Jesus Cristo, ser sinal de esperança para o homem angustiado e sofredor”.[8]

Mas, Versus quer saber mais: o que são as CEBs, como funcionam, quem as integra? E Dom Hipólito explicou:

“Comunidade: as pessoas se aproximam livremente, se sentem responsáveis, descobrem e atuam nos mais diversos elementos de interesse comum. Eclesial: o ponto de partida e de chegada, os elementos formadores e aglutinadores, os métodos de ação, etc, são os mesmos da Igreja. Base: a comunidade de base tem como princípio fundamental o relacionamento primário das pessoas: pessoas que se conhecem, que se estimam, se complementam, se ajudam mutuamente. Todos atuamos em nível de base. A CEB, embora não seja constituída para fazer política, tem de se preocupar com os problemas políticos e tem parte ativa no processo político. Tem a preocupação de integrar as pessoas da base no processo social, como direito/dever da pessoa humana, e de levá-la à participação consciente e crítica”.[9]

Como jornal socialista, envolvido com a organização dos trabalhadores ao nível sindical e político, Versus queria conhecer o pensamento de seu aliado cristão. E Dom Hipólito esclareceu sua posição.

“Para participar do processo social, o Povo precisa de instrumentos válidos e eficientes. Entre esses instrumentos estão, por exemplo, os sindicatos e os partidos políticos. Os sindicatos devem ser órgãos de participação eficiente na defesa dos direitos dos seus sindicalizados. Estão a serviço dos trabalhadores como comunidade de trabalho que constrói a Pátria, e não a serviço de grupos do poder, de demagogos e pelegos. O Estado onipotente conseguiu, também no Brasil, corromper a filosofia dos sindicatos, reduzindo-os a instituições de beneficência e lazer”.

“Um partido trabalhista que corresponde realmente a uma grande corrente do pensamento popular, na classe dos trabalhadores será, mais cedo, ou mais tarde, uma necessidade imperiosa. (...) Mas um Partido Trabalhista que esteja entregue a liderança dos trabalhadores, e não seja manipulado por uma elite burguesa que deseja apenas conquistar o poder”. [10]

E já no final da entrevista, Versus fez uma pergunta que traduziu não apenas reflexão sociológica, mas também teológica, com profundas implicações políticas para o momento.

“Como o senhor vê o possível relacionamento entre Cristianismo e Socialismo diante das necessidades dos trabalhadores?

-- Sem disfarçar as divergências em pontos fundamentais, podemos admitir uma luta comum por uma causa comum: a justiça social. Quero crer que sem o Cristianismo como pano de fundo, o Socialismo não se explica suficientemente. Muitos elementos do Socialismo são de fato cristãos”.[11]

Para dom Hipólito, assim como para o jornal socialista Versus, a história da Igreja era passível de críticas. Muitas vezes, suas opções e alianças com os grupos de poder fizeram com que se afastasse e dificultasse seu relacionamento com parte da população excluída de bens e possibilidades.

Tal situação facilitou e potencializou a pregação do ateísmo e do materialismo. Mas, como explicou Tillich, não podemos dizer que o ateísmo materialista seja um fenômeno constitutivo do socialismo. Para ele, é uma herança da cultura burguesa, crítica e cética. Essa herança foi adotada pelo socialismo sob a crença de que ajudaria a extirpar a idéia de opressão e abriria o caminho para a construção de um novo mundo, mais justo e digno.

Assim, embora haja razões históricas para criticar a Igreja, o socialismo errou quando negou a existência da base solidária e comunitária do ideal cristão. Versus evitou esse erro, quando esclareceu aos seus leitores de que “se os homens são aquilo que fazem, a Igreja está sendo aquilo que seus sacerdotes têm praticado. E essa prática de discussão e organização das bases de nossa sociedade nós precisamos compreender e avaliar”. [12]

Podemos fazer uma leitura deste cristianismo a partir do pensamento de Emmanuel Lévinas. Lévinas reclama prioridade para a vítima na figura dos excluídos. O não matarás, princípio do humanismo de Lévinas, é uma marca constante nos escritos do teólogo Enrique Dussel. Lévinas é o judeu embebido no pensamento europeu. Mas a cultura européia não tem lugar para o outro, para o judeu oriental Lévinas. De maneira semelhante, Dussel é o excluído da América latina, que faz a critica teológica do pensamento europeu, que não consegue ver o outro.

Há aqui uma hermenêutica que se fundamenta na razão da libertação enquanto imperativo ético: quando se vive num mundo que não permite a produção e reprodução de nossas vidas latino-americanas, em que sentido nos relacionamos com esse mundo? Torna-se evidente que Dussel pretende uma teologia que parta de um retorno à realidade da América Latina. Para ele, a teologia na América Latina nasce da reflexão sobre a realidade econômica, cultural e política do continente. Dussel mostra a necessidade da ruptura com a tradição latino-americana que pensava a cultura, economia e política continental a partir da teologia européia. A situação latino-americana é diferente da situação européia. Os caminhos que devem ser percorridos divergem, segundo Dussel, dos caminhos dos países do centro.

Assim, Dussel construiu uma teologia que partiu da situação do excluído, e neste sentido o horizonte dos latino-americanos diverge da problemática européia, onde a centralidade do pensamento repousa sobre a dominação. Para ele, por exemplo, o Discurso do Método de Descartes é o manifesto do homem reduzido a ser um sujeito que pensa, e essa metafísica do sujeito, é a “expressão temática da experiência fática do domínio imperial europeu sobre as colônias”, que se concretiza não somente como vontade universal do domínio, mas historicamente como dialética de dominação versus dominado. Assim, afirma, “se existe vontade de poder, existirá alguém que deve sofrer o seu poderio”.

A teologia de Dussel tem por base uma nova história, pois, as histórias universais são européias, e os latino-americanos não podem se ver nessas histórias européias, porque o outro é invisível para elas. Para Dussel, os que se libertam conduzem a história para o seu futuro e constituem o momento essencial da história. Contraposto ao destino europeu e norte-americano, é reservado aos excluídos um destino que criar caminhos para a realização de uma humanização universal. Por isso, os excluídos encontram-se em posição privilegiada. São os excluídos que têm oportunidade de descobrir a situação de opressão, compreendendo quem é o dominador -- aquele que crê tudo compreender e que na realidade nada compreende.

Ora, quando a comissão nacional provisória do Partido dos Trabalhadores fez o lançamento público no 1º de Maio de 1979 de sua Carta de Princípios, afirmou que “os males profundos que se abatem sobre a sociedade brasileira não poderão ser superados senão por uma participação decisiva dos trabalhadores na vida da nação. O instrumento capaz de propiciar essa participação é o Partido dos Trabalhadores”. Podemos entender essa declaração a partir da análise de Dussel, quando diz que os excluídos ao descobrir a situação de opressão criam os caminhos para uma nova humanização.


Recado para os novos amigos leitores, se você tiver interesse por conhecimento mais profundo sobre o tema leia: Jorge Pinheiro, Teologia e Política, Paul Tillich, Enrique Dussel e a Experiência Brasileira, São Paulo, Fonte Editorial, 2006.



[1] Jorge Pinheiro dos Santos, Cristo e o Processo Revolucionário Brasileiro, Uma releitura da Conferência do Nordeste, 1962, São Bernardo do Campo, UMESP, apostila, 2000.
[2] Rubem Alves, Da Esperança, Campinas, Papirus Editora. Título original em inglês: Towards a Theology of Liberation, Corpus Book, Washington, 1969. Tradução: João-Francisco Duarte Jr.
[3] R. Vidales, Acquisizioni e compiti della teologia latinoamericana, Concilium, 1974, nº 4, p. 154. In: Batista Mondin, Os teólogos da libertação, São Paulo, Edições Paulinas, 1980, p. 30.
[4] Mondin, op. cit., p. 31.
[5] Mondin, op. cit., p. 31.
[6] J. B. Metz, Sulla teologia del mondo, 1968, p. 11.
[7] “A velha Igreja ainda pesa. Esse processo de descolamento se dá em toda a América Latina. Desde Medellin, há 10 anos, nasce uma igreja combativa, voltada para os problemas das sociedades pobres e dependentes. É aí que aparecem Pedro Casaldáliga, Tomás Balduíno, D. Pelé, Benedito Uchoa, Cândido Padim. Para um jornal que se coloca junto às lutas populares este é um debate fundamental. Qual é o papel da Igreja hoje? O que acontecerá em Puebla? Dentro de alguns dias, centenas de religiosos se encontrarão no México, para decidirem o destino de suas comunidades, arduamente trabalhadas durante anos e anos. O Papa vai a Puebla: rompe-se a tradição anticlerical da revolução mexicana, mas, é certo, podemos esperar a aberta interferência de um Vaticano endividado, atolado na falta do dinheiro, recebendo ajuda americana, e alemã... um papa polonês, um golpe nos estados operários, golpe nas comunidades de base?” Renato Lemos e Marcos Magalhães, O mandamento da liberdade, São Paulo, Versus no 28, janeiro de 1979, pp.14-15.
[8] “É verdade que nem sempre a consciência comunitária da Igreja funcionou com tanta clareza. Houve períodos históricos em que os cristãos, inclusive em nível de hierarquia, se deixaram envolver demasiadamente pelos interesses de grupos do poder, e assim se acomodaram. Essas colocações são importantes para entender o interesse da Igreja pelos problemas da humanidade e os instrumentos que ela criou, como por exemplo as Comunidades Eclesiais de Base (CEB), as Comissões de Justiça e Paz, etc... Não visam dominar, elas visam servir melhor”. Idem, O mandamento da liberdade, São Paulo, Versus no 28, janeiro de 1979, p.15.
[9] “A CEB aberta, integra-a quem quiser viver e agir em dimensão comunitária. É através da educação de seus membros, empregando o método da reflexão bíblica-oração, orientada para a via concreta: conscientização para a participação tanto na atuação interna da comunidade e da Igreja, como na atuação social. A CEB não é uma sociedade secreta, por isso não tem medo de serviços secretos, nem de perseguição. É típico de uma ideologia de segurança e de desenvolvimento ter medo da conscientização e da participação ativa do Povo, e por isso mesmo olhar como subversivas as atividades da Igreja e das CEBs”. Idem, op. cit, p.15.
[10] “Olho a nossa América Latina. Apesar de certas aparências, nossos povos vivem à margem do processo social. Uma elite, voltada inteiramente para a Europa, para os EUA, para a Rússia, continua hoje o imperialismo colonial de séculos passados. Só que agora o colonizador é interno. Apesar da chamada independência política os nossos povos precisam ainda ser liberados, e ter os meios de participar intensamente da vida nacional. Medellin quis dar um impulso forte para o aceleramento deste processo integração e participação. Nossa esperança é que a planejada Terceira Conferência, em Puebla, intensifique mais ainda o esforço de Medellin.” Idem, op. cit., p.15.
[11] “Disse o sociólogo alemão Werner Sombart: ‘há mais de cem tipos de Socialismos’. Certamente com vários tipos será possível uma aproximação do Cristianismo. É por isso que as palavras de Pio XI no Quadragésimo Anno: ‘Ninguém pode ser ao mesmo tempo socialista e cristão’ (que em determinado momento histórico visava ao socialismo radical, em sua forma extremada) têm de ser entendidas corretamente. O Socialismo teve de adaptar-se, e moderar-se no contato com a realidade concreta, que é sempre muito diferente do mundo dos filósofos e dos ideólogos. A História, mestra da vida, corrigiu graves erros do Socialismo primitivo, como está corrigindo (cf. Eurocomunismo e também as formas políticas dos diversos países comunistas) o Marxismo. Para nós, os cristãos, vale sempre o princípio de não absolutizarmos os momentos históricos, que de sua natureza, são sempre contingentes e mutáveis. Isto vale para a Política, para a Economia, para a Cultura, para as diversas Religiões. Isto vale também para a própria história do Cristianismo”. Idem, op. cit., p.15.
[12] Idem, op.cit., p.15.