mardi 31 mars 2009

Introdução ao estudo do Apocalipse

A apocalíptica, diferente da profecia clássica, tem três objetivos: falar de eventos futuros (cf. Ap 1.3; 22.7 e 10); revelar fatos ocultos ao momento presente (Lc 1.67-79; At 13.6-12); ministrar consolo e exortação, geralmente em linguagem de alto impacto (At 15.32; I Co 14.3, 4 e 31).
Nossa primeira pergunta é se os princípios hermenêuticos utilizados na apocalíptica devem ser os mesmos que se aplicam aos outros gêneros literários encontrados no texto sagrado, ou se necessitamos de um método hermenêutico especial. Os procedimentos tradicionais para a profecia clássica são as análises contextual, histórico-cultural, léxico-gramatical e teológica. Mas o grande problema é saber quando devemos interpretar o texto literalmente e quando deve ser analisado simbolicamente ou analogicamente. É o caso a expressão “et vidi de mare bestiam ascendentem habentem” (Ap 13.1). Esta expressão, besta que sai do mar, não pode ser encarada como uma expressão literal. É uma pessoa, é uma cidade, é um poder? Assim, o problema não está em antepormos um método literalista a outro estritamente simbólico. Um recurso pode ser o método analógico, que toma as declarações literalmente, mas depois as contextualizam.
Outro problema é se a linguagem apocalíptica tem universalidade ou se uma mesma palavra pode ter significados diferentes. Como é o caso dos números, das cores e de conceitos. Mas o maior problema da hermenêutica apocalíptica, no meu entender, é definir se o texto reflete uma contração profética, tem cumprimento evolutivo ou cada passagem tem uma única realização intencional.
Devido a essas dificuldades, opto pela seguinte hermenêutica em relação à literatura apocalíptica:

(1) análise histórica e cultural para definir em que condições o texto foi produzido, e checar se a profecia foi cumprida ou não;
(2) análise léxica e sintática, a fim de determinar que palavras foram utilizadas em sentido simbólico ou analógico;
(3) análise teológica para determinar se há passagens paralelas ou ciclos que se repetem dentro da mesma profecia.

Logicamente, não podemos perder de vista de que estamos diante de um texto figurativo e, por isso, com forte conteúdo simbólico e analógico.
Em relação ao livro do Apocalipse minha posição aproxima-se ao paralelismo progressivo de Hendriksen (1), defendido por Hoekema (2), que considera a existência de sete seções paralelas, que descrevem num crescendo a relação entre a igreja e o mundo, desde o primeiro século até o retorno de Cristo.

Teríamos assim
• Primeiro bloco nos capítulos 1 a 3 -- é a visão do Cristo glorificado, formando uma unidade com as cartas e as igrejas.
• Segundo bloco nos capítulos 4 a 7 -- é o da igreja sofrendo perseguições, tendo ao fundo o Cordeiro vitorioso.
• Terceiro bloco, que vai dos capítulos 8 a 11 -- mostra a igreja vingada, protegida e vitoriosa.
• Quarto bloco, dos capítulos 12 a 14 -- temos a visão de dois auxiliares de Satanás, que fazem oposição à igreja.
• Quinto bloco, nos capítulos 15 e 16 -- mostra a visitação final da ira de Deus sobre os impenitentes.
• Sexto bloco, nos capítulos 17 a 19 -- temos a queda das forças do secularismo e da impiedade que se opõem ao reino de Deus.
• Último bloco do livro -- temos a derrota de Satanás, o juízo e o triunfo final de Cristo e de sua igreja, e o universo restaurado.

Sem dúvida, nessas sete seções há uma progressão escatológica, que nos fornece a cada passo maiores informações sobre a luta de Cristo e de sua igreja com Satanás e as forças da impiedade.
Em Apocalipse 20.2-3 temos o trecho que fala de um período de mil anos. É uma passagem que se divide em duas partes. A primeira que fala do acorrentamento de Satanás (1 a 3) e a segunda de um período de mil anos com Cristo.
Como expus, os capítulos 20 a 22 não descrevem o que se segue à volta de Cristo, mas o versículo 20.1 nos leva, de novo, ao princípio da era cristã. A derrota de Satanás começou com a primeira vinda de Cristo (cf. 12.7-9), e o reinado de mil anos de Ap 20.4-6 acontece antes da volta de Cristo, porque depois (Mt 16.27; 25.31-32; Jd 14-15, 2 Ts 1.7-10) temos o juízo final. E como este juízo está ligado à volta do Rei Jesus, Senhor dos senhores, parece-me claro que o reinado deve acontecer antes e não depois do retorno de Cristo.
Particularmente, dentro da tradição judaica, mil é todo o número que não se conseguia contar. É um período completo, mas de extensão indeterminada. Estamos vivendo a era do Evangelho. Satanás está acorrentado pela verdade da proclamação do Evangelho (Mt 28.19), por isso, e graças a Deus por isso, podemos pregar o Evangelho e fazer discípulos de todas as nações.
É claro que ele pode operar ainda, fazer o mal, mas não pode enganar as nações a ponto de impedi-las de ouvir e aprender a verdade de Deus (Jo 12.31-32). Podemos explicar esta situação com duas constatações: (a) O acorrentamento de Satanás na era do Evangelho significa que ele não pode impedir o crescimento do Evangelho (Mt 13.24-30; 47-50); (b) e que ele não pode reunir todos os inimigos de Cristo para atacar a igreja.
A segunda parte do texto mantém o mesmo período de tempo, mas muda de perspectiva. Se nos versículos 1-3 a ação acontecia na terra, agora João vê o que está acontecendo nos céus. Vê os mártires e todos aqueles que resistiram aos poderes da impiedade e já morreram.
Só há uma ressurreição física (Jo 5.28-29; At 24.15). “Viveram e reinaram com Cristo durante mil anos” fala daqueles que estão com Cristo (Fp 1.23; 2 Co 5.8; Ap 3.21), hoje, sentados em tronos, na glória, participando do reinado de Cristo.
Não temos indicações de que João esteja falando de um reino de mil anos literais aqui na terra. Também não temos nenhuma indicação de que o centro desse reino será a Palestina ou a Jerusalém histórica.

Notas
(1) Hendriksen, William, More Than Conquerors, Grand Rapids, Michigan: Baker Books House, 1939.
(2) Hoekema, Anthony A., "A Interpretação do Livro de Apocalipse", in Milênio, Significado e Interpretações, editor Robert G. Clouse, Campinas, Luz para o Caminho, 1990, pp. 141-170.