mardi 18 juin 2013

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Direito à cidade:
mobilidade urbana e tarifa zero
Diego Augusto Diehl, Greicy Rosa e Victor Alexander Mazura


Sob a bandeira do “Direito à Cidade”, diversos movimentos sociais se organizam para reivindicar direitos considerados fundamentais para o livre desenvolvimento das potencialidades humanas. Tais direitos, porém, são sistematicamente negados às classes subalternas, postas à margem da cidade, de seus serviços e dos bens sociais que esta produz, em nome dos interesses de pequenos grupos de uma elite privilegiada, historicamente detentora do poder político.

Exemplo deste embate ocorre na luta pela mobilidade urbana, entendida como essencial para se garantir o pleno acesso à cidade e à efetivação de outros direitos, como saúde, educação, cultura, etc. Para isso, considera-se essencial democratizar o transporte coletivo, considerado serviço público essencial pela Constituição Federal, o que vai de encontro aos interesses do capital privado, que obtém grandes lucros a partir da operação deste sistema.

A proposta da “tarifa zero”, que visa abolir o regime de remuneração do serviço público de transporte coletivo a partir de taxas (ou preços públicos) em favor de um novo modelo de tributação que onere as classes mais abastadas da cidade, torna este embate ainda mais dramático, recorrendo-se ao Direito de forma cada vez mais sistemática, ora para defender, ora para atacar esta proposta, que visa revolucionar a forma de organização da cidade e impulsionar a Reforma Urbana.

1) A cidade capitalista e o direito à cidade

Nas últimas décadas, antigas reivindicações da classe trabalhadora vêm ganhando relevo sob moldes de novas bandeiras e novas formas de luta social, mais complexas e ao mesmo tempo resultantes do processo histórico de luta política preconizada por movimentos populares das mais variadas espécies, porém basicamente identificadas enquanto carentes de um dado bem social. Assim, cidadãos sem terra, sem moradia, sem educação, sem renda, sem alimentação, sem reconhecimento, enfim, sem direitos, buscam, ainda que sob grandes dificuldades, organizar-se para que, coletivamente, concretizem materialmente o direito que lhes fora negado.

Nesse sentido, o direito à cidade também é considerado inacessível a uma parcela considerável da população que nela vive, que, marginalizada do acesso aos bens sociais produzidos no contexto urbano, passa a lutar pela democratização da cidade. Conforme Henry Lefevbre, “o direito à cidade se manifesta como forma superior dos direitos: direito à liberdade, à individualização na socialização, ao habitat e ao habitar. O direito à obra (à atividade participante) e o direito à apropriação (bem distinto do direito à propriedade) estão implicados no direito à cidade”[1].

Trata-se, portanto, de um direito de caráter amplo, que abrange o direito à moradia, mas não se restringe a ele. Significa, na verdade, a materialização de todas as necessidades humanas, desde as mais elementares até aquelas consideradas mais “sofisticadas”, no contexto de um sujeito que vive na cidade.

Não é a toa, portanto, que o direito à cidade é reivindicado por diversos movimentos sociais e organizações da sociedade civil, mobilizados pela concretização de direitos como moradia, saúde, educação, cultura, lazer, etc. Com isso, reivindicações que antes pareciam absolutamente segmentadas e isoladas na sociedade passam a ser vistas conectadas com outras demandas e outros direitos igualmente negados na (e pela) cidade, sob um mesmo “pano de fundo”.

É o fenômeno urbano, portanto, que tece os contextos das lutas por direitos por parte daqueles e daquelas que vivem na cidade. A rede de ligações entre estas diferentes realidades observadas dentro da cidade exige, por parte de cada sujeito, a compreensão acerca dos elementos que influenciam o modo de funcionamento das cidades contemporâneas, tornando mais consciente e organizada a atuação dos coletivos e organizações que lutam pela efetivação do direito à cidade.

Seria possível estabelecer uma espécie de “lógica geral” do “funcionamento” das cidades, independente de sua localização global? A resposta pode parecer contraditória, mas pode-se dizer que sim e que não, ao mesmo tempo. É que o processo de formação da cidade contém em si elementos em comum, mas que não podem ser acriticamente assimilados de forma que uma cidade européia seja tomada acriticamente como parâmetro de comparação com uma cidade latino-americana.

A história da Humanidade demonstra que a formação das cidades está diretamente relacionada ao estágio do desenvolvimento das forças produtivas da sociedade. Foi apenas a partir do momento em que o homem descobriu as formas de manipular a terra e consumir alimentos plantados a partir de técnicas agrícolas que tornou-se possível a fixação em um território fixo [2].

A partir da fixação no território, inicia-se um processo mais complexo de divisão social do trabalho, e aquilo que antes eram pequenos clãs de caçadores se tornaram grandes aglomerados humanos cuja principal atividade era a agricultura [3]. Com o desenvolvimento da organização destas sociedades (também no seu sentido religioso, cultural, etc.), ocorre um rápido processo de crescimento do aglomerado, que ganha as feições de uma cidade.

A cidade, nos dizeres de Raquel Rolnik [4], passa a funcionar como um “ímã de gente”, sendo que, já neste momento, há uma mudança na relação do homem com a terra e o território. O surgimento da propriedade privada, nesse sentido, é essencial para compreender o processo de desenvolvimento da cidade, que passa a se organizar a partir do conflito entre as diferentes classes sociais, identificadas a partir das funções econômicas que cada qual desempenha na cidade.

Não é possível, porém, estabelecer um painel de “semelhanças” entre cidades sob diferentes formas de organização de seu modo de produção econômica e das diferentes classes sociais que nela se encerram. É por isto que a cidade antiga (composta por escravos e aristocratas) é distinta da cidade feudal (composta por servos e senhores feudais), que é distinta por sua vez da cidade capitalista (composta por proletários e burgueses). Tampouco é possível estabelecer paralelos mecanicistas entre cidades sob diferentes posicionamentos geopolíticos, ainda que sob um mesmo modo de produção (cidades capitalistas européias e cidades capitalistas latino-americanas, por exemplo).

Assim, diferentemente das cidades européias, nascidas em muitos casos sob a forma da cidade antiga ou medieval, as cidades latino-americanas nasceram já sob o contexto de organização da cidade capitalista, com uma posição radicalmente diferente daquela desempenhada pelas “metrópoles” européias. É nesse sentido que Milton Santos afirma que “todas as cidades latino-americanas nasceram a serviço das relações internacionais com os países mais evoluídos”, visto que “a cidade surgiu a serviço de uma colonização verdadeiramente arraigada” [5].

Assim, sob o jugo da colonização européia, que invadiu as Américas e impôs seus interesses econômicos aos nativos locais [6], as cidades latino-americanas passaram a se organizar em face das principais atividades econômicas desenvolvidas, como a expansão agrícola e a exploração mineira. Nesse sentido, as cidades mantiveram inicialmente apenas a função de abrigar a burocracia estabelecida pelas metrópoles européias, preocupadas a cobrança de tributos e com o escoamento da produção, o que explica o fato de as primeiras cidades se localizarem na faixa litorânea.

O fenômeno urbano apenas foi verificado de forma mais generalizada no Brasil a partir da terceira parte do século XX, reproduzindo com suas peculiaridades o processo ocorrido na Europa a partir do fim da Idade Média. O processo de expulsão dos trabalhadores do campo para as cidades, associado ao desenvolvimento do capitalismo industrial impulsionado pela burguesia enriquecida com a atividade mercantil, inaugurou uma fase mais acelerada da formação das cidades.

“O campo brasileiro moderno repele os pobres, e os trabalhadores da agricultura capitalizada vivem cada vez mais nos espaços urbanos. A indústria se desenvolve com a criação de pequeno número de empregos e o terciário associa formas modernas a formas primitivas que remuneram mal e não garantem a ocupação” [7]. Com estas palavras, Milton Santos identifica com precisão o processo que leva à formação das principais cidades brasileiras, o que não ocorre sem conseqüências drásticas, senão vejamos: “A cidade, onde tantas necessidades emergentes não podem ter resposta, está desse modo fadada a ser tanto o teatro de conflitos crescentes como o lugar geográfico e político da possibilidade de soluções” [8].

É sob esta unidade dialética da produção de conflitos e da geração de soluções que funciona o processo geral da luta de classes dentro da cidade capitalista, que, ao transformar a terra em mercadoria, promove um amplo processo de segregação espacial que esconde e ao mesmo tempo evidencia claramente os conflitos de classes instaurados na cidade.

Nesse sentido, a experiência brasileira foi de uma velocidade arrebatadora. De país eminentemente agrário no início do século XX, passou por um amplo processo de mecanização da agricultura que concentrou ainda mais a propriedade agrícola, expulsando grandes quantidades de trabalhadores rurais para as cidades, onde seriam utilizados no processo de produção industrial, acelerado pela política de substituição de importações e fortalecimento da indústria nacional verificado a partir da década de 1930, e impulsionado nas décadas seguintes. Já ao final do século, as cidades brasileiras são abaladas em suas estruturas de cidades industriais, sob o modelo de substituição de importações, para se tornarem cidades sob o império do capitalismo financeiro [9].

A chegada ao Brasil do capitalismo financeiro, entendido como a fusão do capital industrial com o capital bancário [10], gera novas contradições dentro da cidade capitalista, que passa a se organizar em favor das grandes firmas, conforme Milton Santos: “a urbanização corporativa, isto é, empreendida sob o comando dos interesses das grandes firmas, constitui um receptáculo das conseqüências de uma expansão capitalista devorante dos recursos públicos, uma vez que estes são orientados para os investimentos econômicos, em detrimento dos gastos sociais” [11].

Como se vê, as conseqüências desse processo são dramáticas. As cidades industriais brasileiras, organizadas com o intuito de segregar a classe trabalhadora através da mercantilização da terra e das atividades de especulação imobiliária, passam a disponibilizar ainda menos recursos para ampliar a prestação de serviços essenciais às populações da periferia. As convulsões sociais que este processo gera, como não poderia deixar de ser, são respondidas através de extrema violência por parte dos aparelhos repressivos do Estado, que busca manter a “lei e ordem” em favor da manutenção das relações de produção (capitalistas) desta cidade.

Mais do que nunca, os serviços públicos disponibilizados pelo Estado à classe trabalhadora têm como único intuito, na fase atual do capitalismo financeiro, a reprodução ampliada do capital. É nesse sentido que o transporte coletivo deve ser compreendido, não como um serviço prestado à coletividade em prol do direito de ir e vir, mas como um serviço essencial para promover o deslocamento da classe trabalhadora, que vive nas periferias da cidade, para o local de trabalho, onde ocorre o processo de produção e circulação de mercadorias, necessários à geração de capital e à apropriação de mais-valia por parte dos donos dos meios de produção.

Alijado de meios para intervir neste serviço público, em face da falta de recursos e à sua própria composição política, o Estado, controlado por sua classe dominante, se tornou nesta nova fase do capitalismo brasileiro um mero regulador da prestação de serviços, cujo acesso se torna cada vez mais dispendioso, o que acarreta, na prática, no desrespeito aos direitos mais fundamentais da classe trabalhadora, como é o caso do direito a saúde, educação e mesmo o direito à cidade.

Desta forma, o direito à cidade se torna um direito auferível apenas por aqueles que tenham condição econômica para tal. Para isso, cada vez mais pessoas são levadas a aderir ao transporte individual (através de mecanismos de endividamento que oneram grande parte do orçamento das famílias trabalhadoras) e cada vez menos pessoas utilizam o transporte coletivo, conforme veremos a seguir. 

2) Transporte coletivo: serviço público ou mercadoria?

Há no Brasil, hoje, 18 regiões metropolitanas com mais de 1 milhão de habitantes, segundo o IBGE [12]. O transporte coletivo é indispensável para o acesso à cidade nestes grandes centros, caracterizada principalmente pelo surgimento de grandes metrópoles, que, devido à segregação urbana, conseqüência típica da mercantilização do solo preconizada pelas cidades capitalistas, tornam longas as distâncias a serem percorridas dentro das cidades, para o acesso a direitos e serviços básicos por parte das classes subalternas.

Agrava esta situação a ocupação desordenada do solo, provocada pela especulação imobiliária, que cria grandes vazios urbanos em regiões com bom acesso a bens e serviços, e, por outro lado, obriga as populações mais carentes a habitar regiões afastadas do centro da cidade e de seus equipamentos, como escolas, hospitais e mesmo parques. Há de se considerar também que há equipamentos que, por sua natureza, não podem ser construídos em todos os bairros de uma cidade, como universidades e hospitais especializados. Desta forma, grandes parcelas da população são obrigadas a ocupar áreas sem qualquer infra-estrutura, dependentes de meios de transporte para chegar até ela. Neste quadro, torna-se imperiosa a necessidade de garantir o acesso de todos ao sistema de transporte coletivo da cidade.

Entretanto, como mencionamos anteriormente, os sistemas de transporte coletivo não foram construídos visando a garantia da mobilidade urbana. Mas, se ele não foi pensado para tal fim, que outro fim estaria ele a assegurar? Para compreender melhor a situação, vamos traçar um panorama jurídico acerca do transporte coletivo de passageiros.

A Constituição Federal dispõe que os transportes coletivos são serviços públicos com caráter essencial, e que os Municípios devem prestá-lo direta ou indiretamente, sendo, neste último caso, sob o regime de concessão ou permissão [13].

Serviços públicos são como toda a atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade, mas fruível singularmente pelos administrados, prestada sob o regime de Direito Público. A doutrina administrativista clássica dá grande relevo à categoria dos serviços públicos, a ponto de doutrinadores afirmarem que a função primordial da Administração Pública é oferecer utilidades aos administrados, não se justificando a existência do Estado senão para tal desiderato [14]. O Estado pode prestar estes serviços direta ou indiretamente, ou seja, ou a Administração presta o serviço, ou ela delega para particulares sua execução, o que sempre depende de licitação. Importante frisar que, mesmo quando delegados a entes privados, os serviços públicos continuam a ser regidos pelo regime de Direito Público, que dá à atividade desenvolvida prerrogativas e restrições especiais.

A licitação deve ocorrer, obrigatoriamente, sempre que o Poder Público delegar a exploração de serviços públicos a terceiros, através de concessão ou permissão, nos termos do artigo 175, da CF. A licitação é um processo administrativo, por ser composta por diversos atos administrativos isolados, que tem por objetivo proporcionar igualdade de condições entre os fornecedores e desta forma fazer com que o Estado possa decidir pela melhor proposta. Ela é regida pela lei federal 8.666/1993, que também disciplina o contrato administrativo, editada pela União e válida para todas as esferas do Estado brasileiro, embora os demais entes federativos possam ter leis próprias, desde que compatíveis com a lei nacional.

Cabe diferenciar concessão e permissão, nos termos da legislação vigente. Permissão é conceituada pela doutrina como o ato administrativo unilateral, em que a Administração delega a execução de serviço público a particular, facultando ao permissionário a realização do serviço público. Diversos doutrinadores, como Bandeira de Mello [15] e Di Pietro [16] consideram que este instituto não se aplica a contratos celebrados por prazo certo, e com características negociais, muito comuns em serviços públicos como o transporte coletivo. Já a concessão é definida como a atribuição da prestação do serviço a terceiro feita de maneira negocial. Quem receber a concessão, exercerá o serviço por sua conta e risco, explorando-o diretamente, sob o regime de Direito Público.

O art. 175 da CF dispõe à lei o papel de estabelecer o regime das empresas concessionárias, os contratos, os direitos dos usuários, a chamada “política tarifária” e a qualidade do serviço. Na esfera nacional, a lei 8.987/1995 é diploma geral sobre concessões, que regulamenta as licitações da União, Estados, Municípios e Distrito Federal, embora neste caso os demais entes federativos também possam legislar sobre concessões, desde que suas normas sejam também compatíveis com a lei nacional. O supracitado art. 30 da CF atribui competência legislativa aos Municípios nos assuntos de interesse local, dentro dos quais se enquadra o transporte coletivo.

As concessões e permissões de serviço público não podem ser confundidas com simples contratos administrativos para a prestação de serviços, que, conforme se verá adiante, é outro recurso disponível à Administração Pública para efetivar a prestação de serviços e a realização de obras públicas.

A concessão de serviços públicos se opera, após a licitação, através dos termos estabelecidos no contrato administrativo, que é produto da manifestação da vontade de duas ou mais partes, neste caso a Administração, motivada pelo interesse público, e o concessionário, sobre a qual incidem os diversos institutos contratuais importados do direito privado. Bandeira de Mello conceitua contrato administrativo como aquele que é travado entre a “Administração e terceiros, que por força de lei, de cláusulas pactuadas ou do tipo do objeto, a permanência do vínculo e as condições preestabelecidas assujeitam-se a cambiáveis imposições de interesse público, ressalvados os interesses particulares do contratante privado” [17].

Um dos princípios mais importantes do contrato administrativo é o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, que visa estabelecer a igualdade entre as obrigações assumidas pelo contratante, na hora do ajuste, e a contraprestação econômica obtida, como forma de proteção do lucro do particular. Para que isto ocorra, o Estado é quem assume os riscos e ônus de restabelecer a cláusula de lucro do ente particular, abalada tanto em face de situações geradas pela própria Administração (teoria do fato do príncipe) quanto por variações econômicas às quais nenhum dos contratantes tenha influenciado (teoria da imprevisão).

A garantia do equilíbrio econômico-financeiro do contrato por parte da Administração faz com que haja uma situação de “capitalismo sem risco” por parte das empresas concessionárias, visto que a estas cabe apenas vencer a competição instituída pelo processo licitatório (suscetível, por sinal, a fraudes ou mesmo à sua dispensa indevida, como é o caso do município de Curitiba), sendo que as eventuais perdas que deveriam ser assimiladas pelasempresas privadas são assumidas pela coletividade, o que, no caso do transporte coletivo, se restringe aos seus próprios usuários, tendo em vista que a tarifa é considerada a principal fonte de remuneração do serviço.

Aqui começamos a responder a pergunta: quais objetivos que o atual modelo de transporte urbano persegue? Ou melhor, quais interesses estão representados e qual a função do transporte público na atual conjuntura urbana do país? Veremos.

Em praticamente todas as cidades brasileiras o serviço de transporte coletivo urbano é operado pela iniciativa privada, que busca não o atendimento das necessidades da população, mas o lucro. Além disso, pululam pelo país contratos administrativos precários ou vencidos, feitos sem licitação, claramente ilegais. Estes contratos, mesmo ilegais, protegem apenas os interesses dos capitalistas, em detrimento da maioria da população.

A proteção ao lucro dos empresários de ônibus resulta em tarifas de ônibus cada vez mais inacessíveis, devido ao seu custo. Dados do DENATRAN informam que 40% da população brasileira não tem acesso ao transporte público, devido ao preço das tarifas. Em 2005, a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda avaliou que a tarifa de ônibus urbano foi, dentre o grupo dos preços administrados, um dos itens que mais pressionou a inflação medida pelo IPCA nos 6 anos anteriores, atrás apenas da energia elétrica, outro serviço público submetido às “regras de mercado”, através da privatização de companhias estatais em muitos Estados da Federação.

Pode-se também indicar como indício da exclusão causada pelas tarifas a irrisória evolução do número de passageiros pagantes nos últimos anos. Em Curitiba, que é considerada modelo em gestão do sistema de transporte coletivo (em grande parte devido à criação de uma imagem ilusória pelo chamado “city marketing” [18]), o número de passageiros pagantes em 1988 era de 301.454.151, enquanto em 2006 registrou-se 303.506.299, sendo que em 2004 chegou-se a 284.013.188, menor índice de passageiros pagantes registrados durante este período. No país, dados do Governo Federal apontam para uma redução de 40% na demanda pelos ônibus urbanos, responsáveis por 90% do atendimento ao transporte coletivo de passageiros, em São Paulo, Rio de janeiro, Belo Horizonte, Recife, Porto Alegre, Salvador, Fortaleza e Goiânia.

Os números apresentados demonstram que, não obstante tenha ocorrido um crescimento populacional significativo das cidades nos últimos 20 anos [19] , a mesma variação não ocorreu quanto ao número de passageiros pagantes do sistema de transporte coletivo, o que se explica devido aos constantes aumentos tarifários, que, associados à deterioração deste serviço público, levou uma parcela da população a aderir ao transporte individual (ainda que para isso tenha assumido grandes ônus decorrentes do endividamento) e outra parcela ainda mais significativa a andar a pé.

Devemos ainda lembrar que a maior parte das pessoas que passaram a habitar Curitiba neste período, provenientes em sua maior parte de movimentos migratórios internos, foi forçada a habitar regiões desprovidas de equipamentos urbanos e distantes dos locais onde se concentram os empregos, ou seja, dependentes do transporte urbano de passageiros para conseguir a efetivação de direitos e o acesso aos serviços que a cidade oferece. Este processo que empurra a miséria para longe dos olhos da burguesia, para a periferia das cidades, tem outro efeito, que é aumentar a distância dos deslocamentos, pressionando ainda mais o custo da tarifa.