vendredi 11 décembre 2015

A tradição democrática do PSB -- segunda parte

A tradição democrática do PSB -- segunda parte
Jorge Pinheiro, PhD


Fernando de Azevedo, professor paulista, expressou a posição da Esquerda Democrática, em março de 1945, ao criticar a aliança de Luís Carlos Prestes e dos comunistas com Getúlio Vargas. Ele e seus companheiros temiam que uma união ao redor de Vargas pudesse resultar no fortalecimento das forças conservadoras, que naquele momento desfraldavam a bandeira democrática, mas que, depois de conquistarem o poder, se lançariam na repressão às minorias. Assim, com a redemocratização, os campos políticos foram se definindo: democratas e socialistas por um lado, comunistas por outro. 

Dois anos depois, socialistas oriundos da Esquerda Democrática e da UDN fundaram o Partido Socialista Brasileiro, PSB. Seus dois líderes de maior expressão eram João Mangabeira e Hermes Lima, e a proposta central do PSB, o “socialismo democrático”, em oposição ao comunismo stalinista, visto como correia de transmissão da política internacional da União Soviética. Foi nesse ambiente, de fragilidade do consenso e da democratização, que a intelectualidade brasileira estreou suas lutas, aderindo às causas populares. Alguns à esquerda, abjuram o liberalismo da UDN para em seguida entrarem no Partido Socialista Brasileiro ao tempo em que outro segmento, comprometido com o stalinismo firmava posição dentro do Partido Comunista — declarado ilegal em 1947 e com os parlamentares cassados em 1948.[1] Pécaut em estudo sobre os intelectuais da geração 1954-1964, analisando esse contexto declara:

"... o ardor democrático dos intelectuais de 1945 tinha poucas chances de durar. Tendo admitido, por cálculo ou impotência, o aspecto corporativista do regime, pouco inclinados aos prazeres da política partidária e, além disso, pouco instrumentados para tomar parte nela, não tinham motivos para celebrar as virtudes da ‘democracia formal’ que de qualquer forma nunca exaltaram assim".[2]

Segundo Cabrera,[3] apesar das limitações impostas pela própria realidade da organização partidária, o PSB teve peso na intelectualidade de esquerda que se opunha ao stalinismo, ou seja, em dissidentes do PCB, socialistas-cristãos e trotskistas. Apesar de suas limitações, formulou propostas avançadas em termos sociais. Seu programa não lembra os dos partidos da social-democracia européia do pós-guerra, que, por exemplo, caminharam para um crescente alinhamento com os Estados Unidos, e tiveram condições de disputar a hegemonia das massas com os comunistas. 

O PSB reafirmou o socialismo e fez a defesa da socialização dos meios de produção. Seu programa, nos marcos do regime democrático, posicionou-se à esquerda, denunciando os males da sociedade capitalista brasileira, afirmando que a solução viria com a superação do regime de “exploração do homem pelo homem”. Mas, ao fazer a defesa de tal superação, afirmava os marcos da democracia e da pluralidade, embora dissesse que a democracia não podia ser vista de maneira estática. De certa, maneira, o PSB entendeu, assim como Tillich, que o socialismo não podia deixar de experimentar a exigência da justiça como necessidade permanente. E se o mundo deixava para trás os terrores da Segunda Guerra Mundial, onde a presença do nazifascismo na Europa e do Estado Novo, no Brasil, foram tão marcantes, naquele momento, em todo o mundo e também no Brasil, a democracia passava a ser defendida como instrumento de controle do poder político, como consentimento social representativo dos instrumentos de força do estado. 

Dessa maneira, os socialistas sabiam que por existir na política uma relação entre autoridade, justiça e poder,[4] a democracia tornava-se necessária na medida em que possibilitaria correções contra o uso errôneo da autoridade política.[5] Assim, para eles, como para Tillich, socialismo e democracia eram necessidades complementares.[6] Por isso, seu programa apontava para um conjunto de medidas que deveriam aprofundar a democracia e o controle popular do Estado.

Para entender a construção deste ideário, é importante ver que um de seus fundadores e também teórico, João Mangabeira, que mais tarde ficaria conhecido como “o apóstolo do socialismo democrático”, tinha sido preso em 1936 por fazer a defesa dos comunistas que realizaram o levante conhecido como a Intentona Comunista. Mas ao ser libertado em 1937 assim expôs suas idéias, que mais tarde seriam as da Esquerda Democrática:

"Não sou comunista nem integralista, porque sou contra todas as ditaduras (...) sou homem da esquerda. Declaradamente da esquerda. Assim, sou pela liberdade ampla do pensamento e da cátedra, pela exposição livre de todas as doutrinas, pelo livre exame sem restrições. Sou pela separação entre Igreja e Estado. Na ordem social, sou pelas reivindicações proletárias e pelos deveres maiores impostos à propriedade (...) Sou por todas as soluções tendentes a retirar o país do estado de colonização em que se encontra".[7]


Notas

[1] Roberto Ribeiro Corrêa, “Democracia e Populismo no Brasil”, Belém, 1999, in A priori. Site: www.apriori.com.br/cgi/for/viewtopic.php?p=345. (Acesso em 20.11.2003). 
[2] Daniel Pécaut, Os intelectuais e a política no Brasil. Entre o povo e a nação, São Paulo, Editora Ática, 1989, p. 99. 
[3] José Roberto Cabrera, Os caminhos da Rosa: um estudo sobre a social-democracia no Brasil, Campinas, Unicamp, 1995, pp. 37-39. 
[4] Paul Tillich, “Le problème du pouvoir. Essai de fondation philosophique” in Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), op. cit. pp. 486-488. 
[5] Paul Tillich, Teologia de la cultura y otros ensayos, op. cit., pp. 239-240. 
[6] Paul Tillich, “Le socialisme” in Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), op. cit. p. 346. 
[7] “A história do PSB e a atualidade do socialismo democrático”, in Partido Socialista Brasileiro. Site: www.psbnacional.org.br/principal. (Acesso em 18.11.2003).