vendredi 6 janvier 2023

Gramsci e Tillich

Gramsci e Tillich, mestres de fronteira
Jorge Pinheiro, PhD

 “A democracia não acredita na harmonia natural, mas crê possível submeter a natureza à razão. Ela crê numa harmonia metafísica, que se instaura necessariamente do processo histórico”. Paul Tillich, “Écrits contre les nazis”.

Quando pensamos no Brasil e, por extensão, na América Latina, nos vemos obrigados a pensar a teologia social como alavanca para transformações que confrontem as estruturas de classe que mantêm o status quo deste capitalismo neo-liberal, gerador de excluídos de bens e direitos. Dessa maneira, entendemos a teologia social como geradora de ações culturais, políticas e sociais, desencadeadas pela comunidade de fé consciente e crítica, com vistas à transformação radical, a fim de produzir mudanças estruturais no regime e construir uma nova ordem social tanto brasileira, como latino-americana. A teologia social tem, dessa maneira, como parceira organizações não-eclesiásticas, partidos e organismos de classe de trabalhadores e solidários. E tais ações fazem desta teologia social práxis que leva o cristianismo para além da comunidade de fé, que a faz confrontar desigualdades, exploração e miséria. Tal teologia social terá de confrontar e enfrentar, assim, a oposição dos inimigos da justiça, paz e alegria do povo. 

Por isso, este diálogo entre Antonio Gramsci (1891-1937, o mais importante pensador marxista italiano) e Paul Tillich (1886-1965, o mais importante teólogo alemão do século 20) ganha importância. E nos possibilita caminhar para a teologia social que, levando em conta as assimetrias, mas também as aproximações do pensar político dos dois pensadores, apresenta novas propostas de uma existência social e libertária.  

Gramsci e Tillich têm muito em comum. Ambos foram militantes políticos e fundamentaram parte de suas concepções em Karl Marx. Por isso, consideramos importante ver que aproximações e assimetrias existem em suas elaborações teóricas. Cristianismo, democracia e vida são temas que atravessam seus estudos, e que aqui vamos confrontar. Desejamos, dessa maneira, acrescentar elementos novos numa discussão cada vez mais acirrada: ainda é possível a construção de regimes que favoreçam a plenitude do sentido da vida?

Nos últimos anos, como fruto da crise da esquerda mundial, mas também como fruto da instalação de governos nacionalistas no continente, a partir dos anos 1980, renasceu a busca pela reflexão de pensadores marxianos. Assim, em várias universidades brasileiras e latino-americanas, Antonio Gramsci, por exemplo, passou a ser estudado como nunca fora antes.

Ora, a busca pelo pensamento de Gramsci situa-se nesse contexto de garimpagem do marxismo de fronteira, dito não-ortodoxo. Aqui, nos interessa pensar Gramsci em correlação com um filósofo, nada ortodoxo, Paul Tillich. Aliás, o pensamento social de Tillich foi durante muito tempo desconhecido no Brasil, apesar de ter trabalhado quase duas décadas sobre questões políticas analisadas a partir do que ele chamou de socialismo religioso.

Gostaríamos de começar essa discussão com uma idéia exposta por Tillich, de que a busca pelo sentido pleno de vida, que ele vai chamar de socialismo, traduz um anseio que brota da consciência crítica, transformadora, num mundo autônomo e racional. Assim, tal substância profética, ou seja, a consciência crítica e transformadora, se exprime na práxis e, por isso, a relação entre profecia e racionalidade é essencial. 

Como a linguagem tillichiana é teofilosófica, ao lê-lo nos vemos na obrigação de traduzi-lo. Assim, o que significariam as expressões profético e profecia? Tillich parte de uma compreensão peculiar do profetismo vétero-testamentário. Vê nele, tanto um clamor, como uma ação, um movimento em prol da justiça, da paz e da alegria, que dariam conteúdo, seriam a essência da religião de Israel e, por extensão, do cristianismo e da Reforma protestante. Por isso, movimento profético é práxis de crítica social, que na modernidade levou à racionalidade e à autonomia. Mas, para Tillich, justiça, paz e alegria, ou seja, socialismo, implica em correlação permanente e necessária entre consciência crítica e racionalidade na autonomia. Assim colocada a questão, vemos que Tillich se afasta das correntes socialistas que repousam exclusivamente no racionalismo, em especial do stalinismo, como daquelas correntes que veem a possibilidade de uma expansão crescente da autonomia, via democracia. É essa preocupação de Tillich em correlacionar razão e autonomia que possibilita esse diálogo crítico com Gramsci.  

De Gramsci podemos dizer que recriou a linguagem da tradição marxiana e codificou teoricamente seus conceitos, ao falar de estado regulado, filosofia da práxis, grupo social, hegemonia, sociedade civil, estado ampliado, intelectual orgânico e moderno Príncipe. Mas, neste texto, nos interessa analisar suas idéias sobre o cristianismo, o intelectual e a democracia.

Marx partiu do fato de que o 
Partindo de uma leitura do contexto europeu medieval, Gramsci estudou o papel dos intelectuais católicos: seu cosmopolitismo, incentivado pelo poder de Roma, em política à fragmentação do poder feudal e sua intolerância diante do pensamento divergente que ameaça a unidade da Igreja. Mas, na qualidade de orgânico, o catolicismo funcionaria como cimento cultural entre diferentes setores de uma sociedade hierárquica. Assim, o catolicismo integra o que se encontra separado por lutas de interesses e discordâncias doutrinárias. O catolicismo, no entanto, é parte de uma superestrutura mais ampla, a ideologia. É uma cosmovisão, tem valor cognitivo, interpreta o mundo ético, orienta a ação, e constrói uma moral que baliza a solidariedade dos fiéis. As ideologias possuem potencialidades diferentes destas, por isso Gramsci faz distinção entre filosofia e cristianismo católico, e entre cristianismo católico e senso comum, mas, ainda assim, todas as ideologias podem ser pensadas a partir dessa mesma matriz teórica.

Dessa maneira, as análises de Gramsci rompem com a tradição marxiana, já que a ideologia, mas do que falsa consciência é entendida como elemento cognitivo, concepção de mundo que brota da vida social. Para ele, como concepção de mundo, o cristianismo não seria alienante, mas deve ser entendido como ideologia presente na história. Exemplo disso foi o catolicismo, que possuía valor positivo, era orgânico, e construiu vínculo social entre as classes e os grupos sociais. Mas, no correr da Idade Média perdeu essa positividade, ao perder sua função de solidariedade, e passou a atuar como força reativa diante das mudanças.
 
E se Gramsci se mantém marxiano no que se refere à crítica da transcendência e, por extensão, da natureza humana, a conclusão que se impõe é que não há sociedade sem ideologia. Gramsci prepara, assim, o caminho para outros teóricos do pensamento marxiano, como Althusser e seu "animal ideológico", e Lévi-Strauss e seu "animal simbólico".

Mas Tillich teve uma compreensão diferente daquela de Gramsci, que entende a vanguarda enquanto intelectualidade orgânica, mas não vê o movimento de massas em processo dinâmico que pode levar ao surgimento de uma massa orgânica. Há uma divergência entre os dois pensadores: a crítica intelectual não se limita ao intelectual orgânico, é um processo maior que gera a massa orgânica, com dupla ação: de liderança da sociedade e de transformação da situação-limite. 

Na perspectiva tillichiana, a passagem da heteronomia à autonomia se deu através de ciclos que atravessaram épocas. Assim, os movimentos dinâmicos das massas estão presentes nos movimentos religiosos do jovem cristianismo, no movimento político da migração dos povos, no movimento religioso da Reforma, no movimento anabatista e no movimento solidário. Embora esses movimentos possam ser encontrados em diversas épocas, estão presentes em diferentes esferas da cultura, mas sempre como movimentos de liberdade: as massas dinâmicas são parteiras de escravos, de povos, de trabalhadores.

Por isso, segundo Tillich, não podemos ver o pensamento de Marx como algo que já se esgotou, se nos propomos a fazer a crítica consciente e transformadora, pois a justiça não é justificativa ideológica das democracias, nem idealismo progressivo ou sistema de harmonia autônoma. A busca incondicional da justiça dentro do espírito da crítica profética e com os métodos do marxismo transcende o mundo. Mas até que ponto a metodologia marxiana e uma conquista do poder político poderiam dar sentido à vida? Só se a busca incondicional da justiça levar em conta que a corrupção também está localizada nas profundezas do coração humano.

O teólogo da vida deve entender que as forças demoníacas da injustiça e da vontade de poder jamais serão plenamente erradicadas da cena histórica. Precisa compreender que a corrupção da situação humana tem raízes mais profundas do que as estruturas históricas e sociológicas. Estão encravadas nas profundezas do coração humano. Por isso, explica Tillich, como Kierkegaard, Marx fala da situação alienada na estrutura social da sociedade burguesa. Empregava a palavra alienação (entfremdung) não do ponto de vista individual, mas social. Segundo Hegel essa alienação significa a incursão do espírito absoluto na natureza, distanciando-se de si mesmo. Para Kierkegaard era a queda do homem, a transição, por meio de um salto, da inocência para o conhecimento e para a tragédia. Para Marx era a estrutura da sociedade capitalista. 

Por isso, a regeneração da humanidade não é possível apenas mediante mudanças políticas, mas requer mudanças na atitude das pessoas em favor da vida. De todas as maneiras, para Tillich e para Gramsci há uma busca comum de respostas entre aquele que encarna o espírito crítico e a ação consciente do intelectual orgânico. Ou como diz Gramsci, se a política entre intelectuais e povo, dirigentes e dirigidos, governantes e governados, é dada por adesão orgânica, onde a paixão torna-se compreensão e saber, é então que a política se faz representação. E aí se produz o intercâmbio de elementos entre governados e governantes, entre dirigidos e dirigentes. E é aí onde se realiza a vida social. Cria-se então o bloco histórico.

Para Gramsci, o intelectual quando representa determinada comunidade têm função superestrutural, ou seja, cultural, mas, apesar de sua organicidade, precisa exercer autonomia em política às pressões sociais que sofre. É dessa postura que nasce a força crítica e a compreensão de que diante da realidade há alternativas diferentes daquelas expressas pelo poder. 

A partir de Tillich e Gramsci podemos dizer que o princípio da crítica intelectual é expressão humana e verbal do incondicionado, e resgata a tradição do profetismo bíblico, que possuía uma concepção unitária do fato e procurava a síntese entre política e ética. O profetismo era ao mesmo tempo revolucionário, mesmo quando voltado para o passado, e conservador, mesmo quando impulsionado pela paixão do porvir. Nada fazia sem invocar a tradição, no entanto, sua mensagem eram os novos tempos. Os profetas sabiam servir-se do passado para as necessidades do presente. Todos pareciam ter algo em comum: uma atitude realista. A pregação do futuro não constituía o essencial de seus clamores; era antes, o fruto e o resultado final de um conhecimento aprofundado no mundo adjacente, da atualidade e do passado. Ora, essa função profética está presente na compreensão crítica de Gramsci e de Tillich do intelectual orgânico.

Mas, não podemos esquecer que para Tillich há limites para a ação do intelectual, pois a razão não é global. Ao contrário, cada criação do espírito é necessariamente afetada pelos limites da situação que a viu nascer. O espírito está sempre ligado a uma classe. No espírito está implícita uma situação particular de luta, de dominação ou de opressão, que conforma a própria consciência. Entendido assim, o espírito não é universalmente o mesmo em cada pessoa, exprime um ser social particular. A passagem à cultura não se faz simplesmente pela transmissão de bens culturais universais, mas pela formação inculcada por uma sociedade e uma situação de lutas determinadas, em meio a obras que exprimem ou exprimiram no passado esta possibilidade humana particular.

Numa leitura cristã protestante, Tillich considerou a busca pelo sentido pleno de vida produto do desenvolvimento econômico e espiritual, que preparou e se impõe com a Renascença, a Reforma e o surgimento do capitalismo. Visão compartida por Gramsci. Assim, a busca pelo sentido pleno de vida surge em oposição à cultura autoritária e unitária da Idade Média, sedimenta suas bases nas criações culturais dos últimos séculos, e só pode ser compreendida a partir desta evolução: sua permanência está ligada a esse desenvolvimento. Mas não devemos esquecer, porém, que foi do interior do cristianismo que brotaram as idéias modernas de justiça. 

Para a construção de seu pensamento, Gramsci foge das construções ontológicas, e analisa a sociedade como conjunto de forças, imersas na história e marcada por interesses diversos. Podemos ver isso quando em carta à sua cunhada Tatiana Schucht. de dezembro de 1931, expõe seu conceito de Estado ampliado: 

“Eu amplio muito a noção de intelectual e não me limito à noção corrente que se refere aos grandes intelectuais. Esse estudo leva também a certas determinações do conceito de Estado, que habitualmente é entendido como sociedade política (ou ditadura, ou aparelho coercitivo para adequar a massa popular a um tipo de produção e a economia a um dado momento); e não como equilíbrio entre a sociedade política e sociedade civil (ou hegemonia de um grupo social sobre a inteira sociedade nacional, exercidas através de organizações ditas privadas, como a igreja, os sindicatos, as escolas, etc.)”.

Ora, em geopolítica, hegemonia significa a supremacia de uma nação sobre outras, seja por sua presença militar, de coerção, seja pela presença política e cultural. Mas na política, o conceito formulado por Gramsci descreve a dominação ideológica de uma classe sobre outra, no caso da burguesia sobre os trabalhadores.

Em Gramsci não é possível o domínio bruto de uma classe sobre as demais, a não ser nas ditaduras, ou seja, no Estado-coerção. Mas uma classe dominante para ser dirigente deve articular um bloco de alianças e obter o consenso passivo das classes e camadas dirigidas. Nessa busca de alianças, necessárias, a classe dominante sacrifica parte dos seus interesses materiais imediatos, vai além do horizonte corporativo, com a finalidade de construir uma hegemonia ética e política.

Ao estudar os mecanismos de construção desta hegemonia, Gramsci chega a um conceito fundamental na sua teoria política, a saber, o conceito de Estado ampliado. O Estado moderno na Europa analisada por Gramsci não seria, para ele, apenas instrumento de força a serviço da classe dominante, mas força revestida de consenso, ou seja, combinaria coerção e hegemonia. O Estado ampliado pode, então, ser entendido como sociedade política mais sociedade civil. E, nas sociedades de tipo ocidental, a hegemonia, que se decide nas inúmeras instâncias e mediações da sociedade civil, não pode ser ignorada pelos grupos sociais subalternos que aspiram a modificar sua condição e a dirigir o conjunto da sociedade.

O sentido de progresso civilizatório que a teoria gramsciana implica, reside no fato de que todo o movimento deve acontecer no sentido de uma absorção do Estado político pela sociedade civil, com o predomínio crescente de elementos de autogoverno e autoconsciência. A partir dessa teorização, Gramsci formula nos Cadernos do cárcere uma crítica ao stalinismo, a partir dos traços de hipertrofia do Estado soviético, que chama de estatolatria, considerando que tal estado de ditadura sem hegemonia não subsistiria por muito tempo. 

Assim o Estado se compõe de dois segmentos distintos, porém atuando com o mesmo objetivo, que é o de manter e reproduzir a dominação da classe hegemônica: a sociedade política, estado-coerção, a qual é formada pelos mecanismos que garantam o monopólio da força pela classe dominante, burocracia executiva e policial-militar; e a sociedade civil, formada pelo conjunto das organizações responsáveis pela elaboração e difusão das ideologias, composta pelo sistema escolar, Igreja, sindicatos, partidos políticos, organizações profissionais, organizações culturais: meios de comunicação e de massa. 

E aqui merecem destaque os meios de comunicação, pois para sua época estavam ainda em sua fase embrionária, e a televisão nem sequer fazia parte dos projetos futuros. Isto só seria possível no início da década de 1950. É exatamente através dos meios de comunicação da alta modernidade, que se dá a canalização da direção intelectual e moral, difundindo as ideologias da classe hegemônica vigente. 

Assim, o Estado é a sociedade política gramsciana. E esta sociedade civil representa a nova determinação apresentada por Gramsci. Esta sociedade civil assume crescente dimensão no começo do século vinte, com os partidos de massa, sindicatos de trabalhadores e outras formas de organizações sociais. É após seu desenvolvimento histórico que a sociedade civil pôde ser capturada teoricamente. Antes disso, o estado-coerção era muito superior em sua base material para se permitir tal percepção. 

O que chama a atenção no modelo do Estado ampliado, desde o Leviatã de Hobbes até Marx, é o sentido unitário do Estado. Ou seja, até Marx, o Estado era entendido como algo diferente da sociedade civil, que seria extinto quando se extinguisse a divisão de classes dentro da sociedade, uma vez que era esta divisão que produzia a necessidade do Estado. 

Em Gramsci, porém, quando agrega a sociedade civil ao Estado-coerção, nada fica de fora do Estado. Este todo, entretanto, não é homogêneo, é rico em contradições e é mantido pelo tecido hegemônico que a cada momento histórico é recriado em processo permanente de renovação. 

Assim, a luta pela construção de uma sociedade plena de sentido de vida, torna-se mais complexa e difícil do que imaginava Marx. Não basta ser classe dominante, tem que ser também classe hegemônica, dirigente. Desta forma, o campo da luta entre as classes se amplia. E a democracia necessária ao sentido pleno de vida será construída pelo bloco histórico hegemônico. Neste momento, a sociedade civil terá atingido uma base material superior a base material do Estado-coerção, atingindo o que Gramsci chama de sociedade regulada. 

Com a gradativa absorção da sociedade política pela sociedade civil, que atua através dos seus aparelhos de hegemonia, o estado-coerção será substituído pelo estado-ético. E esta figura remanescente do estado-coerção, torna mais factível o modelo social voltado para a democracia de bens e direitos e menos utópico em política ao que planejara Marx.
 
Nesta concepção de Estado, as democracias ocidentais possibilitariam o sentido pleno de vida. Mas fica uma questão: se a supremacia da sociedade civil se dará pelo consenso contra a coerção, onde fica o conceito de luta de classes, momento celular do pensamento marxiano? 

Na verdade, para Gramsci a extinção da coerção do estado se dará pela absorção deste pelo estado-ético, ou seja, pela sociedade civil. Esta sociedade civil está inserida no estado ampliado e, por isso, não se pode falar de extinção do estado, mas de uma reorganização do estado onde um de seus componentes, está atrofiado por disfunção ou necessidade, já que os conflitos passaram a ser administrados pela base material do consenso.

Há, porém, dois níveis superestruturais nas sociedades democráticas: o estado ampliado, que é a sociedade civil, ou o conjunto dos aparelhos privados de hegemonia; e a sociedade política, ou o estado no sentido restrito do termo, composto pelos organismos de coerção do aparelho burocrático-militar de dominação política. 
correção, ou seja, da democracia. 

Tal compreensão da realidade ocidental no pós-guerra levou Tillich a se debruçar sobre projetos que tiveram início ainda na sua fase alemã, como a sua reflexão sobre a cultura. Mas a maioria de seus companheiros, que esperavam a realização da vida social plena de sentido, diante do visível abandono dos direitos civis e humanos, assim como a descoberta da existência de Gulags nos países comunistas, se desiludiu. Ou como publicou mais tarde – veja, Paul Tillich, Teologia protestante nos séculos dezenove e vinte:

“O movimento marxista não foi capaz de se criticar por causa da estrutura em que caiu, transformando-se no que chamamos agora de stalinismo. Dessa maneira, todas as coisas em favor das quais os grupos originais tanto lutaram acabaram sendo reprimidas e esquecidas. Em nosso século vinte temos tido a ocasião de melhor perceber a trágica realidade da alienação humana no campo social”.

Tal política comunista fez com que Tillich, que não se considerava um utópico, constatasse que o amanhecer de uma nova era criativa se distanciava da humanidade. Assim, alertou para o perigo, a partir da experiência stalinista de que, em nome da busca pelo sentido pleno de vida, sociedades mergulhassem no totalitarismo, já que não aceitavam a pluralidade de partidos políticos e as liberdades civis, que ele e os socialistas-religiosos defendiam. Mas é interessante ver que descartava qualquer possibilidade de hegemonia permanente, quer por parte do bloco soviético, quer por parte do bloco ocidental, ao dizer que novos centros de poder podem aparecer levando à separação ou à transformação radical do todo. Isto porque o poder inicia sempre uma nova luta, e o período de determinado império mundial será tão limitado quanto foi o período de paz”. 

E afirmou que um mundo sem as dinâmicas do poder, sem a tragédia da vida e da história não é o Reino, nem a finalidade do ser humano, pois o fim está limitado à eternidade e nenhuma imaginação pode atingir o eterno. Mas as antecipações fragmentárias são possíveis. Assim, falar de teologia da existência significa entender que a busca pela incondicionalidade da justiça e, por extensão, da paz e alegria, traduz a defesa do sentido último do significado profundo das raízes do humano e que, no mundo contemporâneo, diante do trovejar dos canhões e da ameaça à existência, deve levantar-se como voz profética de um mundo novo.