vendredi 25 septembre 2020

Pede-se ser levantado

A filosofia grega em Eclesiastes e 1 Coríntios 15
Prof. Dr. Jorge Pinheiro, cientista da Religião

Sobre o não-ser para viver o ser
1. CAMINHANDO COM QOHÉLET

“Compreendi que não há nada melhor do que a gente ter prazer naquilo que faz. Esta é a recompensa. Pois como é que podemos saber sobre o não-ser?” -- perguntou Qohélet.

Qoh procurou a felicidade e a paz. Foi objetivo e prático na avaliação de seu tempo e constatou que o evento humano está sujeito à lei da alternância, que vai além da explicação imediata: o humano não tem domínio sobre as dinâmicas que governam a morte e a vida. E procurou refúgio na sofia grega. O texto hebraico de Qohélet, com a presença de palavras aramaicas e persas, sugere autoria anônima, situada entre 450 e 200 antes de Cristo, e se apresentou com a apodadura de Salomão.

Qoh procurou entender o ser e o não-ser -- aquilo que está fora, além da existência -- no jogo de seus movimentos. Percebeu que não tinha controle sobre o movimento dos fenômenos do universo e viu que era preciso respeitar o espaço e o tempo para poder existir dentro do ritmo dos eventos.

Mas ele não foi o único a pensar nessas coisas. A pergunta pelo não-ser, presente na história do humano desde que ele é sapiens, levou à pergunta pelo sentido do ser. Qohélet -- em português Eclesiastes e, segundo Haroldo de Campos, O-que-sabe -- de forma magnífica, quase à maneira de Nietzsche, trabalhou o tema da morte e da vida e nos levou a pensar sobre a única realidade a que de fato temos acesso: a existência -- terreno afetivo e emocional que produz e repousa sobre a riqueza material das humanidades. Qoh numa abordagem existencial discute o ser, sua integralidade e potencialidades.

Mas ele não foi o único a pensar a não-existência e a existência. Górgias (480-375 a.C.) traduziu no pensamento pré-socrático a dúvida sobre o não-ser e, por extensão, sobre o ser. Disse que se existisse alguma coisa, seria ser ou não-ser, ou ser e não-ser juntos. E se o não-ser existe, ele é e não-é ao mesmo tempo. Mas é absurdo dizer que alguma coisa existe e não-existe ao mesmo tempo. Para Górgias, em formulação matemática (pv¬p)v(p^¬p), a proposição “pv-p” é verdadeira. Mas “v” é verdadeiro se e somente se “p” for verdadeiro. Na lógica proposicional do filósofo pré-socrático temos, então, a negação de “p”. Donde, o não-ser não existe. Górgias disse mais do que isso, mas essa constatação, o não-ser não existe, é o que nos interessa nesse momento.

É interessante que Qoh apresentou o não-ser, aquilo que está fora, além da existência, de uma maneira que nos lembra Górgias. Disse que ninguém se lembra do que aconteceu no passado e que até as coisas que acontecerão no futuro também vão ser esquecidas. Que ninguém se lembra dos sábios, assim como ninguém se lembra dos imbecis, pois no futuro todos seremos esquecidos. Há tempo para nascer e tempo de morrer, mas todos caminham para um mesmo lugar, pois tudo vem do pó e tudo volta ao pó.

Disse, ainda, que felicitava os que já morreram mais do que os que estavam vivos. E considerou que mais vale o dia da morte do que o dia do nascimento. Ou, mais vale ir a uma casa em luto do que ir a uma casa em festa. Que ninguém é senhor do dia da própria morte e que nessa guerra não há trégua. Por isso, um cão vivo vale mais que um leão morto, já que os vivos sabem que irão morrer; mas os mortos não sabem de nada e não tem recompensa nenhuma: sua memória já está no esquecimento. O amor, ódio e ciúmes pereceram com eles. E nunca mais participarão de qualquer coisa que se faz debaixo do sol.

A consciência do não-ser remete ao sentido do ser. E aqui há uma diferença básica com Górgias, porque para ele a negação do não-ser é também a negação do ser e, por isso, fez três afirmações que marcaram o pensamento lógico-matemático e balizaram o ceticismo: não dá para dizer que algo existe; se alguma coisa existe não temos como conhecer sua existência; caso o ser exista não temos como explicar sua existência aos outros.

Já o argumento de Qoh, a partir do não-ser, afirma o sentido do ser, único conhecido. A negação do não-ser de Qoh expressa o desejo de ser em abundância, enquanto está, porque tem por limites as bordas do tempo de ser. O ser existe, mas tem espaço e tempo – hoje diríamos é existencial e histórico. Por isso, é melhor o sentido do ser, a intensidade das ações do ser do que ficar na espera do não-ser. Assim, quando o não-ser sinalizar que está chegando e se aproximar, teremos o prazer de ter sido plenamente, com intensidade, de forma abundante.

E, por isso, Qoh nos aconselha a aproveitar a vida, a ir em frente. A comer com prazer e beber alegremente o nosso vinho, pois a eternidade já aceitou deliciada o nosso bem-fazer. Sejamos felizes, diz O-que-sabe. Enquanto vivermos na fumaça desse mundo, curtamos a vida com a pessoa amada, pois essa é a recompensa pelo nosso fazer debaixo do sol. E o que tivermos para fazer, façamos ótimo, porque o não-ser é nada e no nada nada se faz, e no não-ser não existe pensamento, nem conhecimento, nem sabedoria. E depois do ser, vamos repousar no nada.

O fazer da existência vale a pena. A eternidade aprecia esse bem-fazer humano, que tem seu próprio tempo, que integra a existência de cada ser na história dos fazeres humanos. É por isso que Bereshit, o primeiro texto na Torah, apresenta um ponto zero. O tempo zero vai do entardecer à meia-noite. É quando o sol desilumina o nosso espaço de forma gradual. O tempo do não-ser não é uma fratura do tempo, é tempo da história. Qoh não contempla a passagem do tempo, mas a vinda do tempo. O tempo significa nada ou pouco para o eterno, mas há um sentido de tempo para o humano. A conclusão de Qoh é que temos de ser no tempo para dar valor à eternidade que brota do nada do não-ser.

Nossa herança greco-judaica
Prof. Dr. Jorge Pinheiro, cientista da Religião

Pede-se ser levantado
2. DO NÃO-SER À ANÁSTASE

“Você está falando de bens materiais, de coisa frágil. Se você tem certeza de que esses bens ficarão sempre com você, fique com eles sem partilhar com ninguém. Mas se você não é o senhor absoluto deles, se tudo que você tem depende mais da sorte do que de você mesmo, por que este apego a eles?”. [Menandro, O Misantropo. Site: Oficina de teatro. WEB: www.oficinadeteatro.com].

Betty Fuks no seu livro Freud e a Judeidade, a vocação do exílio (Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2000 (pp. 127-133) conta que Freud, um dia depois do sepultamento do pai, sonhou com um cartaz onde estava escrito: “Pede-se fechar os olhos”. Mais tarde, em carta a Fliess, o pai da psicanálise falou dos sentidos subjetivos da frase: “era parte da minha auto-análise, minha reação diante da morte de meu pai, vale dizer, diante da perda mais terrível na vida de um homem”.

Não vou entrar nos detalhes das leituras que o próprio Freud fez da frase que apareceu em seu sonho. Diria ao leitor que vale a pena ler Freud e a Judeidade. Pretendo aqui levantar uma proposta de Fuks: “há que ler o desejo: sem terra, sem pátria e sem objeto, ele vaga por um deserto, cujas trilhas conduzem o leitor à experiência limite mais-além do que aparece na imagem”. É a partir dessa hermenêutica, que vamos ler trechos do final da primeira carta aos coríntios de Paulus, o pequeno, apóstolo temporão de Iesous.

“... Foi sepultado e foi despertado do sono no terceiro dia, de acordo com o escrito”.

A frase acima e a continuação do texto é uma das mais importantes sobre a egeiro e anástasis, duas expressões gregas não substancialmente diferentes, que sintetizam a teologia da anástase dos cristãos do primeiro século. As traduções posteriores, e creio que dificilmente poderiam ser diferentes, criaram um padrão de imagem que dificultam a experiência do ir além. Por isso, fomos obrigados antes da tradução transversa fazer a desconstrução histórico-filosófica da anástase.

As leituras da anástasis e egeiró remontam a Homero e ao grego antigo e com seus sentidos correlatos axanástasis, anhistémi e anazaó, que podem ser traduzidas por “ficar de pé”, “ser levantado” e “voltar à vida”, foram fundamentais para a construção do conceito anástase, amplamente utilizado pelas ciências do espírito. Mas é com Platão, na literatura filosófica, que vamos encontrar um debate fundamental para a teologia da anástase, quando apresenta a alma enquanto semelhança do divino e o corpo enquanto semelhança do que é físico e temporário.

Platão, em Fédon (Coleção Os Pensadores, São Paulo, Nova Cultural, 1987), num diálogo entre Sócrates e seus amigos defendeu a idéia da imortalidade da alma. Sócrates foi condenado à morte por envenenamento, mas não teve medo, por crer ser a alma imortal. Para Platão, as almas possuem semelhanças com as formas, que são realidades eternas por trás do mundo físico, natural. Nesse sentido, para Platão, o corpo morre, mas a alma não. Ele parte do padrão cíclico da natureza, frio/ quente/ frio, noite/ dia/ noite. Assim, os mortos despertam numa nova vida depois da morte: caso contrário, a vida desapareceria.

E dirá através de Sócrates em Fédon: “(...) perguntemos a nós mesmos se acreditamos que a morte seja alguma coisa? (...) Que não será senão a separação entre a alma e o corpo? Morrer, então, consistirá em apartar-se da alma o corpo, ficando este reduzido a si mesmo e, por outro lado, em libertar-se do corpo a alma e isolar-se em si mesma? Ou será a morte outra coisa? (...) Considera agora, meu caro, se pensas como eu. Estou certo de que desse modo ficaremos conhecendo melhor o que nos propomos investigar. És de opinião que seja próprio do filósofo esforçar-se para a aquisição dos pretensos prazeres, tal como comer e beber?”

Paulus conhecia a discussão filosófica grega acerca da anástase, já que isso se evidencia em seus escritos, principalmente no trecho que estamos analisando, mas é certo que construiu seu conceito também levando em conta a tradição judaica, acrescentando novidades ao debate teológico. Existem referências ao ser trazido de volta à vida nas escrituras hebraico-judaicas. Mas a preocupação judaica era existencial, como vimos em Qohélet. Mais do que remeter a um futuro distante, embora tais leituras estejam presentes na teologia de alguns profetas, as histórias de anástase relacionadas aos profetas Elias e Eliseu falam do aqui e agora. Aliás, este último, mesmo de depois de morto, trouxe à vida um defunto que foi jogado sobre sua ossada. Ao tocar os ossos de Eliseu, o morto ficou vivo de novo e se levantou. Esse caminho será a novidade da compreensão cristã/ helênica da anástase.

“Somos arautos de que o ungido foi levantado do meio dos mortos: como alguns podem dizer que não há o ser erguido dos mortos? E, se não há o despertar do sono da morte, também o ungido não foi levantado. E se o ungido não foi levantado, é inútil o que falamos e também inútil a nossa crença. Somos então testemunhas falsas, porque anunciamos que Deus ergueu o ungido. Mas se ele não foi levantado, os mortos também não são erguidos. E se os mortos não são erguidos, o ungido também não o foi. E, se o ungido não foi erguido, a nossa crença é inútil e vocês continuam a vagar sem destino. E os que foram colocados para dormir no ungido estão destruídos”.

Outras fontes de Paulus foram o profeta Daniel e outras literaturas intertestamentárias, que trabalham com a idéia de “despertar subitamente do sono”. Th.-G Chifflot e R. De Vaux, na versão francesa de La Sainte Bible (Les Editions Du Cerf, Paris, 1973. Tradução: A Bíblia de Jerusalém, Ed. Paulinas, São Paulo, 1985, p. 1347) situam o livro de Daniel no período helênico por entender que é uma edição de antigos fragmentos do período babilônico, compilados, organizados e contextualizados ao momento histórico descrito no capítulo onze. Nesse capítulo, as guerras entre lágidas e selêucidas, assim como as investidas de Antíoco IV Epífanes contra Jerusalém e o templo são narradas com riquezas de detalhes. Ao contrário do que acontece nos livros proféticos anteriores, aqui o autor cita fatos aparentemente insignificantes, querendo demonstrar que é uma testemunha ocular da história. Dessa maneira, a edição que conhecemos do livro de Daniel deve ser situada no período da grande perseguição de Antíoco IV Epífanes, possivelmente entre os anos de 167 e 164 a.C., segundo Th.-G. Chifflot e R. De Vaux, jã citados. A partir desse enquadramento, os capítulos 7 a 12 de Daniel, enquanto edição são chamados de “vaticinia ex eventu”, dado que o autor viveu depois e não antes dos fatos históricos que descreve. Esses capítulos são uma reação contra a declarada helenização da Judéia e das perseguições em curso, mas, paradoxalmente, uma forma de pensamento afetado pela civilização helenística.

A partir da segunda metade do livro, o autor trabalha sobre dois temas registrados na primeira metade: que o judeu deve ser fiel a Deus em meio à tentação e à provação; e que Deus defende o servo leal que prefere morrer a violar os mandamentos. Nos seis capítulos finais, o sábio (ou grupo de sábios, cujos escritos foram compilados por um redator) retoma o conteúdo das visões que teve em relação à profanação do templo, em 167 a.C., e o erguimento da “abominação desoladora”. Assim, durante o período dos macabeu muitas idéias novas afloraram em meio à vida judaica, entre elas a esperança da recompensa escatolõgica apresentada pelas profecias apocalípticas, como em 2Macabeus 7, Daniel 12:2-3 e Escrito de Damasco 4:4, que se traduzem concretamente na anástase.

Assim, os elementos novos da compreensão paulina da anástase já aparecem delineados no profeta Daniel: “Muitos dos que dormem no pó da terra despertarão, uns para a vida eterna, e outros para vergonha e horror eterno. Os que forem sábios, pois, resplandecerão como o fulgor do firmamento; e os que a muitos conduzirem à justiça, como as estrelas, sempre e eternamente”. Paulus, porém, acrescentará uma leitura existencial à compreensão de Daniel, dirá que a morte, o maior de todos os odiados pela espécie humana, será privada de força.

“Caso o ungido só sirva para esta vida, somos as pessoas mais dignas de lástima. Mas o ungido foi levantado dentre os mortos e foi o primeiro fruto dos que foram colocados para dormir. Porque se a morte chegou pela humanidade, também o ungido dará à luz nova vida. Como morre a espécie, no ungido ela recebe vida. E isso acontece numa ordem: o ungido é o primeiro fruto, depois os que pertencem ao ungido, quando ele aparecer. E veremos o limite, quando o ungido entregar o reino a Deus e Pai, e tornar inoperante o império, os poderes e os exércitos. Convém que seja rei até derrubar os odiados por terra. O último odiado a ser privado de força é a morte, porque o resto já foi colocado debaixo de seus pés”.

É interessante que Paulus em seu texto sobre a anástase cita o filósofo, dramaturgo e poeta grego Menandro (342-291 a.C.), que num verso disse: “as más companhias corrompem os bons costumes”. Paulus gostava de teatro e de comédias. E voltando ao Misantropo: “insisto que, enquanto você é dono deles, você deve usá-los como um homem de bem, ajudando os outros, fazendo felizes tantas pessoas quantas você puder! Isto é que não morre, e se um dia você for golpeado pela má sorte você receberá de volta o mesmo que tiver dado. Um amigo certo é muito melhor que riquezas incertas, que você mantém enterradas”.

Que Paulus recorreu à tradição hebraico-judaica fica claro quando cita o profeta Oséias literalmente: “eu os remirei do poder do inferno e os resgatarei da morte? Onde estão ó morte as tuas pragas? Onde está ó morte a tua destruição?”. Mas há uma correlação entre Platão e a tradição hebraico-judaica, que pode ser lida nesta carta de Paulus. Isto porque, como afirma Fuks, o leitor desconstrói, pois ler não é repetir o texto: é um modo de transformação e de criação. Por isso, digo que ler é um ato de anástase. E Paulus trabalhou de forma brilhante o termo, tanto nas suas leituras e estudos, como na reconstrução do próprio conceito.

“Que farão os que se batizam pelos mortos, se os mortos não são chamados de volta à vida? Por que se batizam então pelos mortos? Por que estamos a cada hora em perigo? Protesto contra a morte de cada dia. Eu me glorio por vocês, no ungido Iesous a quem pertencemos. Combati em Éfeso contra animais ferozes, mas o que significa isso, se os mortos não podem ressurgir? Comamos e bebamos, porque amanhã morreremos. Mas não vamos nos enganar: as más companhias corrompem os bons costumes”.

Na sequência da tradição hebraico-judaica, ou como diz Fuks, “os antigos hebreus não estavam trabalhados, como nós, pela necessidade de abstração, de síntese e de precisão na análise conceitual do real, herança dos gregos”, Paulus está preocupado com o corpo, com a vida.

“Mas alguém pode perguntar: como os mortos são trazidos à vida? E com que corpo? Estúpido! O que se semeia não tem vida, está morto. E, quando se semeia, não é semeado o corpo que há de nascer, mas o grão, como de trigo ou qualquer outra semente. Deus dá o corpo como quiser, e a cada semente o corpo que deve ter. Nem toda a carne é uma mesma carne, há carne humana, de animais terrestres, de peixes, de aves. E há corpos celestes e corpos terrestres, uma é a dignidade dos celestes e outra a dos terrestres. Diferente é o esplendor do sol do esplendor da lua e das estrelas. Porque uma estrela difere em brilho de outra estrela. Assim também o ser levantado dentre os mortos. Semeia-se o corpo perecível; levantará sem corrupção. Semeia-se na desgraça, será levantado em excelência. Semeia-se em debilidade, será erguido vigoroso. Semeia-se corpo controlado pela psique, ressuscitará corpo espiritual. Se há corpo controlado pela psique, também há corpo espiritual”.

Para Paulus, anástase leva à uma teologia da vida que nasce do corpo. Mas, não é simplesmente ter de volta a vida do corpo material, tanto que em certo momento Paulus diz que “deveremos ser a imagem do homem do céu”.

“Assim também está escrito: o primeiro ser humano, terrestre, foi feito ser-que-deseja, o futuro humano será um espírito-cheio-de-vida. Mas o que não é espiritual vem primeiro, é o natural, depois vem o espiritual. O primeiro ser humano, da terra, é terreno; o segundo humano, a quem pertencemos, é celestial. Como é o da terra, assim são os terrestres. E como é o celeste, assim são os celestiais. E, como somos a imagem do terreno, assim seremos também a imagem do celestial”.

Mas o pensamento grego, platônico, está presente na anástase paulina, já que a eternidade não é construída em cima da carne e do sangue. Vemos aqui a dualidade entre a realidade física e o mundo das formas. O dualismo metafísico de Paulus admite aqui duas substâncias que regem o ser humano, no mundo natural, a psique, e no mundo pós-anástase, o pneuma. E dois princípios, nesse sentido bem próximo a Platão, o bem e o mal.

“E agora digo que a carne e o sangue não podem herdar o reino de Deus, nem a corrupção herdar a eternidade. Digo um mistério: nem todos vamos adormecer, mas seremos transformados. Num momento, num abrir e fechar de olhos, ante a última trombeta, porque a trombeta soará, os mortos serão levantados incorruptíveis, e seremos transformados. Convém que o corrompido seja tornado eterno, e o que é mortal seja tornado imortal. E, quando o que é corruptível se vestir de eternidade, e o que é mortal for transformado em imortal, então será cumprida a palavra que está escrita: a morte foi conquistada definitivamente. Onde está, ó morte, a tua picada? Onde está, ó inferno, a tua vitória? Ora, a picada da morte é o desviar-se do caminho da honra e da justiça, e a força do erro é a lei. Mas a alegria que Deus dá é a vitória por Iesous, o ungido, a quem pertencemos. Sejam firmes e persistentes, abundantes no serviço daquele a quem pertencemos, conscientes de que o trabalho árduo e duro não é desprezado por aquele a quem pertencemos”.

Assim, se voltarmos à análise do conceito anástase no capítulo 15 da primeira carta aos coríntios, tomando como ponto de partida o desafio de Fuks: “há que ler o desejo: sem terra, sem pátria e sem objeto, ele vaga por um deserto, cujas trilhas conduzem o leitor à experiência limite mais-além do que aparece na imagem”, vemos que Paulus traduziu para as novas gerações o desejo grego/judaico, humano, da anástase: “Pede-se ser levantado”. 



Primeira carta do apóstolo Paulo aos coríntios capítulo 15

Γνωρίζω δὲ ὑμῖν ἀδελφοί τὸ εὐαγγέλιον  εὐηγγελισάμην ὑμῖν  καὶ παρελάβετε ἐν  καὶἑστήκατε δι’ οὗ καὶ σῴζεσθε τίνι λόγῳ εὐηγγελισάμην ὑμῖν εἰ κατέχετε ἐκτὸς εἰ μὴ εἰκῇἐπιστεύσατε

Παρέδωκα γὰρ ὑμῖν ἐν πρώτοις  καὶ παρέλαβον ὅτι Χριστὸς ἀπέθανεν ὑπὲρ τῶν ἁμαρτιῶνἡμῶν κατὰ τὰς γραφάς καὶ ὅτι ἐτάφη καὶ ὅτι ἐγήγερται τῇ ἡμέρᾳ τῇ τρίτῃ κατὰ τὰς γραφάς καὶὅτι ὤφθη Κηφᾷ εἶτα τοῖς δώδεκα ἔπειτα ὤφθη ἐπάνω πεντακοσίοις ἀδελφοῖς ἐφάπαξ ἐξ ὧν οἱπλείονες μένουσιν ἕως ἄρτι τινὲς δὲ ἐκοιμήθησαν ἔπειτα ὤφθη Ἰακώβῳ εἶτα τοῖς ἀποστόλοιςπᾶσιν ἔσχατον δὲ πάντων ὡσπερεὶ τῷ ἐκτρώματι ὤφθη κἀμοί Ἐγὼ γάρ εἰμι  ἐλάχιστος τῶνἀποστόλων ὃς οὐκ εἰμὶ ἱκανὸς καλεῖσθαι ἀπόστολος διότι ἐδίωξα τὴν ἐκκλησίαν τοῦ Θεοῦ10 χάριτι δὲ Θεοῦ εἰμι  εἰμι καὶ  χάρις αὐτοῦ  εἰς ἐμὲ οὐ κενὴ ἐγενήθη ἀλλὰ περισσότεροναὐτῶν πάντων ἐκοπίασα οὐκ ἐγὼ δὲ ἀλλὰ  χάρις τοῦ Θεοῦ ‹ἡ› σὺν ἐμοί 11 εἴτε οὖν ἐγὼ εἴτεἐκεῖνοι οὕτως κηρύσσομεν καὶ οὕτως ἐπιστεύσατε

20 Νυνὶ δὲ Χριστὸς ἐγήγερται ἐκ νεκρῶν ἀπαρχὴ τῶν κεκοιμημένων 21 ἐπειδὴ γὰρ δι’ ἀνθρώπουθάνατος καὶ δι’ ἀνθρώπου ἀνάστασις νεκρῶν 22 ὥσπερ γὰρ ἐν τῷ Ἀδὰμ πάντεςἀποθνήσκουσιν οὕτως καὶ ἐν τῷ Χριστῷ πάντες ζωοποιηθήσονται 23 Ἕκαστος δὲ ἐν τῷ ἰδίῳτάγματι ἀπαρχὴ Χριστός ἔπειτα οἱ τοῦ Χριστοῦ ἐν τῇ παρουσίᾳ αὐτοῦ 24 εἶτα τὸ τέλος ὅτανπαραδιδῷ* τὴν βασιλείαν τῷ Θεῷ καὶ Πατρί ὅταν καταργήσῃ πᾶσαν ἀρχὴν καὶ πᾶσανἐξουσίαν καὶ δύναμιν 25 δεῖ γὰρ αὐτὸν βασιλεύειν ἄχρι οὗ θῇ πάντας τοὺς ἐχθροὺς ὑπὸ τοὺςπόδας αὐτοῦ 26 ἔσχατος ἐχθρὸς καταργεῖται  θάνατος 27 Πάντα γὰρ Ὑπέταξεν ὑπὸ τοὺς πόδαςαὐτοῦ ὅταν δὲ εἴπῃ ὅτι πάντα ὑποτέτακται δῆλον ὅτι ἐκτὸς τοῦ ὑποτάξαντος αὐτῷ τὰ πάντα28 ὅταν δὲ ὑποταγῇ αὐτῷ τὰ πάντα τότε καὶ αὐτὸς  Υἱὸς ὑποταγήσεται τῷ ὑποτάξαντι αὐτῷ τὰπάντα ἵνα   Θεὸς [τὰ] πάντα ἐν πᾶσιν

29 Ἐπεὶ τί ποιήσουσιν οἱ βαπτιζόμενοι ὑπὲρ τῶν νεκρῶν εἰ ὅλως νεκροὶ οὐκ ἐγείρονται τί καὶβαπτίζονται ὑπὲρ αὐτῶν 30 τί καὶ ἡμεῖς κινδυνεύομεν πᾶσαν ὥραν 31 καθ’ ἡμέραν ἀποθνῄσκωνὴ τὴν ὑμετέραν καύχησιν ἀδελφοί ἣν ἔχω ἐν Χριστῷ Ἰησοῦ τῷ Κυρίῳ ἡμῶν 32 εἰ κατὰἄνθρωπον ἐθηριομάχησα ἐν Ἐφέσῳ τί μοι τὸ ὄφελος εἰ νεκροὶ οὐκ ἐγείρονται Φάγωμεν καὶπίωμεν αὔριον γὰρ ἀποθνήσκομεν 33 Μὴ πλανᾶσθε Φθείρουσιν ἤθη χρηστὰ ὁμιλίαι κακαί34 ἐκνήψατε δικαίως καὶ μὴ ἁμαρτάνετε ἀγνωσίαν γὰρ Θεοῦ τινες ἔχουσιν πρὸς ἐντροπὴν ὑμῖνλαλῶ

35 Ἀλλὰ ἐρεῖ τις Πῶς ἐγείρονται οἱ νεκροί ποίῳ δὲ σώματι ἔρχονται 36 ἄφρων σὺ  σπείρεις οὐζωοποιεῖται ἐὰν μὴ ἀποθάνῃ 37 καὶ  σπείρεις οὐ τὸ σῶμα τὸ γενησόμενον σπείρεις ἀλλὰγυμνὸν κόκκον εἰ τύχοι σίτου  τινος τῶν λοιπῶν 38  δὲ Θεὸς δίδωσιν αὐτῷ σῶμα καθὼςἠθέλησεν καὶ ἑκάστῳ τῶν σπερμάτων ἴδιον σῶμα 39 Οὐ πᾶσα σὰρξ  αὐτὴ σάρξ ἀλλὰ ἄλλημὲν ἀνθρώπων ἄλλη δὲ σὰρξ κτηνῶν ἄλλη δὲ σὰρξ πτηνῶν ἄλλη δὲ ἰχθύων 40 καὶ σώματαἐπουράνια καὶ σώματα ἐπίγεια ἀλλὰ ἑτέρα μὲν  τῶν ἐπουρανίων δόξα ἑτέρα δὲ  τῶνἐπιγείων 41 ἄλλη δόξα ἡλίου καὶ ἄλλη δόξα σελήνης καὶ ἄλλη δόξα ἀστέρων ἀστὴρ γὰρ ἀστέροςδιαφέρει ἐν δόξῃ

42 Οὕτως καὶ  ἀνάστασις τῶν νεκρῶν σπείρεται ἐν φθορᾷ ἐγείρεται ἐν ἀφθαρσίᾳ 43 σπείρεταιἐν ἀτιμίᾳ ἐγείρεται ἐν δόξῃ σπείρεται ἐν ἀσθενείᾳ ἐγείρεται ἐν δυνάμει 44 σπείρεται σῶμαψυχικόν ἐγείρεται σῶμα πνευματικόν Εἰ ἔστιν σῶμα ψυχικόν ἔστιν καὶ πνευματικόν 45 οὕτως καὶγέγραπται Ἐγένετο  πρῶτος ἄνθρωπος Ἀδὰμ εἰς ψυχὴν ζῶσαν  ἔσχατος Ἀδὰμ εἰς πνεῦμαζωοποιοῦν 46 Ἀλλ’ οὐ πρῶτον τὸ πνευματικὸν ἀλλὰ τὸ ψυχικόν ἔπειτα τὸ πνευματικόν 47 πρῶτος ἄνθρωπος ἐκ γῆς χοϊκός  δεύτερος ἄνθρωπος ἐξ οὐρανοῦ 48 οἷος  χοϊκός τοιοῦτοικαὶ οἱ χοϊκοί καὶ οἷος  ἐπουράνιος τοιοῦτοι καὶ οἱ ἐπουράνιοι 49 καὶ καθὼς ἐφορέσαμεν τὴνεἰκόνα τοῦ χοϊκοῦ φορέσομεν καὶ τὴν εἰκόνα τοῦ ἐπουρανίου

50 Τοῦτο δέ φημι ἀδελφοί ὅτι σὰρξ καὶ αἷμα βασιλείαν Θεοῦ κληρονομῆσαι οὐ δύναται οὐδὲ φθορὰ τὴν ἀφθαρσίαν κληρονομεῖ 51 Ἰδοὺ μυστήριον ὑμῖν λέγω πάντες οὐ κοιμηθησόμεθαπάντες δὲ ἀλλαγησόμεθα 52 ἐν ἀτόμῳ ἐν ῥιπῇ ὀφθαλμοῦ ἐν τῇ ἐσχάτῃ σάλπιγγι σαλπίσει γάρκαὶ οἱ νεκροὶ ἐγερθήσονται ἄφθαρτοι καὶ ἡμεῖς ἀλλαγησόμεθα 53 δεῖ γὰρ τὸ φθαρτὸν τοῦτοἐνδύσασθαι ἀφθαρσίαν καὶ τὸ θνητὸν τοῦτο ἐνδύσασθαι ἀθανασίαν 54 Ὅταν δὲ τὸ φθαρτὸντοῦτο ἐνδύσηται (τὴν) ἀφθαρσίαν καὶ τὸ θνητὸν τοῦτο ἐνδύσηται ἀθανασίαν τότε γενήσεται λόγος  γεγραμμένος Κατεπόθη  θάνατος εἰς νῖκος 55 Ποῦ σου θάνατε τὸ νῖκος ποῦ σουθάνατε τὸ κέντρον 56 Τὸ δὲ κέντρον τοῦ θανάτου  ἁμαρτία  δὲ δύναμις τῆς ἁμαρτίας  νόμος57 τῷ δὲ Θεῷ χάρις τῷ διδόντι ἡμῖν τὸ νῖκος διὰ τοῦ Κυρίου ἡμῶν Ἰησοῦ Χριστοῦ

58 Ὥστε ἀδελφοί μου ἀγαπητοί ἑδραῖοι γίνεσθε ἀμετακίνητοι περισσεύοντες ἐν τῷ ἔργῳ τοῦΚυρίου πάντοτε εἰδότες ὅτι  κόπος ὑμῶν οὐκ ἔστιν κενὸς ἐν Κυρίῳ