mercredi 30 mars 2016

Luiz Murá, que o Eterno lhe abençoe!


A bênção sacerdotal 

-- em hebraico birkat kohanim, ברכת כהנים --, também conhecida como Nesiat Kapayim, "estender as mãos", ou bênção aarônica, é uma oração judaica recitada durante certos serviços litúrgicos.

Ela é baseada nos versículos de Bamidbar 6.23-27:

“Fala a Arão e a seus filhos, dizendo: Assim abençoareis os filhos de Israel e dir-lhes-eis:

O Eterno te abençoe e te guarde


יְבָרֶכְךָ יְהוָה, וְיִשְׁמְרֶךָ

yevarechecha Adonai veyishmerecha

O Eterno faça resplandecer o rosto sobre ti e tenha misericórdia de ti


יָאֵר יְהוָה פָּנָיו אֵלֶיךָ, וִיחֻנֶּךָּ

ya'er Adonai panav eleicha vichunecha

O Eterno sobre ti levante o rosto e te dê a paz


יִשָּׂא יְהוָה פָּנָיו אֵלֶיךָ, וְיָשֵׂם לְךָ שָׁלוֹם

yissa Adonai panav eleicha veyasem lecha shalom

Assim, porão o meu nome sobre os filhos de Israel, e eu os abençoarei”.

Esta é a minha oração para meu querido Luiz Murá, genro, filho que o Eterno agregou à minha vida, por seu aniversário. Shalom, Luiz Murá!

hadam & hawa -- a condição humana

Metáforas de nossa existência
Jorge Pinheiro, PhD


Para os relatos das origens nos textos antigos da tradição judaica, o humano, construído à imagem e semelhança do eterno é síntese e projeção das forças da criação. E ao ter livre-arbítrio, um atributo da eternidade, tal imagem e semelhança se apresenta enquanto arquétipo conceitual e faz dele humano primordial.

hadam kadmon é uma expressão que traduz a idéia de humano primordial. Faz parte da compreensão de que aquele hadam era matrix, e nele estavam presentes os moveres originais da criação. Assim, hadam kadmon é diferente do hadam ha-rishon, o primeiro. Em hadam kadmon estava a consciência, a-vida, presente a partir daí na espécie. Estes moveres originais de hadam kadmon são os atributos ostensivos que a eternidade deu ao humano, ser coroa da criação, ter vontade específica e atuar no plano da criação a fim de construir seu destino.

A leitura dos textos antigos da tradição judaica não tem como função ou meta a compreensão científica do mundo físico, mas a construção da consciência. Dessa maneira, a revelação do Eterno ao ser humano, através dos textos antigos da tradição judaica, não é de como funciona o mundo e sua realidade, mas como devemos, enquanto pessoas e comunidades, colocar-nos sob missão do Eterno.

Os códigos culturais e de linguagem hoje são diferentes daqueles das épocas onde os relatos das origens surgiram. Assim, a melhor aproximação é analisarmos os relatos das origens nos textos antigos da tradição judaica em comparação com os relatos e tradições presentes nas culturas antigas das épocas referidas.

Existe uma leitura humana de seus relatos arquetípicos, onde se considera as metáforas das suas tradições religiosas como fatos. E como os relatos arquetípicos fundamentam a cultura e a linguagem, passamos a ter então culturas e linguagens que demonizam e segregam pessoas, grupos de pessoas, segundo a origem nacional, raça-etnia, religião e sexo, entre outros características. 

Uma dessas grandes metáforas é a de hawa. E a metáfora hawa traduz os encontros e desencontros de hebreus e povos palestinos nos séculos que antecederam à era comum. E mais tarde, os primeiros cristãos deram sequência a este movimento quando viveram, eles também, encontros e desencontros com as religiões de mistério do mundo greco-romana, com seus cultos à mãe-terra, à deusa-mãe. 

O primeiro cristianismo, que surgiu como facção do judaísmo, por questões de inserção e sobrevivência absorveu elementos da cultura e linguagem do mundo helênico. Estes cultos greco-romanos se inseriam em contextos religiosos e sociais muito antigos e, entre outros elementos, exprimiam a veneração da cor vermelha associada ao sangue menstrual. Na mitologia grega, a mãe dos deuses, Reia, Cibele para os romanos, traduzia a veneração ao próprio conceito de reia, que significa terra ou fluxo. Assim, dentro desta compreensão arquetípica, o humano fora formado a partir do barro vermelho.

A identidade da religião com a mãe-terra, a fertilidade, a origem da vida, aparece enquanto santidade da terra, que é o corpo da deusa. Assim, ao formar o humano, nas leituras sincréticas cristãs a eternidade parte do vermelho da terra e sopra a vida no corpo formado. A eternidade não é corpo, não está presente na forma, mas a mãe-terra está dentro e, também, na totalidade do mundo existente. O corpo de cada um, de cada uma, então, seria feito do corpo dela. Nessas leituras arquetípicas dá-se o reconhecimento da identidade universal de todos humanos.

No capítulo um do livro das origens, macho e fêmea são criados à imagem do Eterno. Algumas interpretações rabínicas consideram esta primeira criação um andrógino, porque a eternidade criou o humano à sua imagem, macho e fêmea. Na maioria das traduções ocidentais lemos que "o Eterno criou o homem à sua imagem, à imagem do Eterno o criou; ele criou homem e mulher (Gênesis 1:27). De fato, no texto hebraico a passagem está no plural: o Eterno criou da-terra à sua imagem, no sentido genérico de humano. Em seguida, o texto diz macho e fêmea foram criados. Não temos aí os pronomes próprios Adão e Eva, mas macho e fêmea.

Só no texto seguinte, no segundo capítulo do livro das origens, outro relato da criação, é que hawa, que tem vida, aparece. E a metáfora se fez relato factual, histórico, que ganhou força no judaísmo e, posteriormente, entre cristãos e muçulmanos. Assim, a metáfora arquetípica, lida a partir de hermenêuticas patriarcais, no correr dos últimos dois mil anos transformou-se em fato fundante das culturas monoteistas. E hawa passou a ser um pedaço de hadam. 

“Então o Senhor Deus fez cair um sono pesado sobre hadam e este adormeceu; e tomou uma das suas costelas, e cerrou a carne em seu lugar; E da costela que o Senhor Deus tomou do homem, formou uma mulher, e trouxe-a a hadam. E disse hadam: Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne; esta será chamada mulher, porquanto do homem foi tomada. Portanto deixará o homem o seu pai e a sua mãe, e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma só carne”. (Gênesis 2: 21-24). 

Os estudos da psique, desenvolvidos a partir do século vinte, trabalham com a idéia de que a humanidade, em certa medida, guarda em seu psiquismo os arquétipos das origens enquanto espécie. E as metáforas das origens e de seus desdobramentos calam fundo nas emoções e percepções humanas de forma aparentemente instintiva. E todos entendemos o recado, o ser humano paga um preço ao optar por construir sua liberdade. 

Nesse sentido, hadam e hawa representam a condição humana, são arquétipos de nossa força e fraqueza enquanto humanos, seduzidos sempre por fatores aparentemente externos, como o desejo da conquista do mundo, do poder e do sexo, que nos seduzem de forma paradoxal, tanto para a expansão de limites, o que seria um bem, como para a limitação de nossas possibilidades, o que seria um mal.






samedi 26 mars 2016

Exodus, filme de Otto Preminger


A sinfonia do universo

A sinfonia do universo
Jorge Pinheiro dedica à Patricia, Marcela, Paloma


No universo existem dois modos de se viver – ter o coração quente e a cabeça fria ou fazer para ver no que vai dar. Ora, não fazer dá trabalho ao contrário do que a gente pensa, e é por isso que todos somos atraídos pelo fazer. Donde inativo, inativo, ninguém é e muito menos gosta de ser taxado assim. E esses modos de fazer, nós chamamos de funções do ser, que variam conforme cada um, e acabam virando meta da vida.

Mas, ainda ao contrário do se pensa, quem faz, quem faz acaba acorrentado e por estar acorrentado torna-se inativo, pois coração e cabeça giram ao redor do que faz, do que se faz.

Mas o coração quente e a cabeça fria colocam as coisas nos seus devidos lugares. Não basta o coração quente, não basta a cabeça fria, mas juntas colocam desejos e fazeres no caminho da alegria, da justiça e da paz. Repare bem, fazer é necessário, afinal todos temos que comer, mas fazer também faz das gentes, gente. E ao fazer assim, juntos, com o coração quente, o desejo do coração solitário fica de lado, e nasce a alegria do trabalho comum. E é assim que nasce a abundância certa. É assim que nós multiplicamos e produzimos para os pequenos, os grandes, os experientes e para a própria natureza, que sempre nos chama à permuta.

E quem nos alimenta? São os deuses? Não. É o acordo solidário entre gentes e natureza, que sempre quer trocar, permutar com todos. Afinal é assim que ela vive. Ou, como diziam os antigos, animais e vegetais vivem na terra, vivem das terras, os frutos dos animais e dos vegetais são geradas pelo hálito quente da terra, mãe e útero, e pela água fria do céu, mas também pelo suor de todos nós, que é fazer e alegria.

E quem com o coração quente e a cabeça fria participa do ciclo da vida, curte os segundos deliciado e cheio de prazer, vive. Encontrou a alegria, é feliz em seu coração, e não despreza o trabalho, mas o faz com todas as forças do seu ser.

Repare, aqui há a experiência de um velho que atravessou décadas, em todo trabalho há um segredo escondido, mas este só se revela quando chega ao coração e às mãos das gentes. Pode parecer, aparecer como de um só, individual, mas quando todos sentam e juntos participam da ceia com alegria, o que era individual, na aparência, realizou a obra do fazer, atingiu o objetivo maior e o segredo se revela a todos. Assim nasce o com panus, o companheirismo solidário que faz de um, todos, do fraco, forte, e do forte de coração quente, amigo e irmão.

É verdade, não queremos estar sozinhos, sempre, existência a fora, por isso se você entendeu estas primeiras palavras, você tem que agir. E quem age assim, com o coração quente e a cabeça fria, vai ter outras gentes que desejarão segui-lo. Por isso, deixe de lado, o pensar bobo, que esquenta a cabeça e esfria o coração, que é pensar não tenho nada para fazer, não tenho nada a conquistar ... e ainda estou no trabalho.

Porque se eu for incansavelmente ativo, sem alegria e prazer, todas as gentes que olham o meu caminho, derrotadas, vão perecer. Transformei meu fazer em caos, sou um destruidor de gerações.  Os que não são sábios estão unidos entre si por seus fazeres, mas o sábio, mesmo quando aparentemente solitário, constrói o universo.

O universo é solidário e seu fundamento é o amor que liga natureza, gentes e mundos numa sinfonia em construção. E todos os fazeres possíveis estão cheios de atributos, que faz de cada um e todos, autores. Por isso, a verdade é saber que eu sou o autor, e que o bailar da sinfonia, a dança dos atributos com os atributos é o compartilhar.

E esta não é uma lei do outro, que vem de fora. Ela está dentro porque a sinfonia do universo toca no coração aquecido. E de dentro se espraia. Por isso, cuidado com a lei do outro, porque ela leva a errar o alvo. É ferrugem que corrói o ferro, força estrangeira, fumaça que cobre o fogo, fúria que guerreia no mundo, paixão que nasce do instinto. A lei do outro, estrangeira, é chama insaciável, sempre muda de forma. Os sentidos, a mente, a razão quando colocados sob a lei do outro, estrangeira, geram desordem e ignorância.

Conecta os seus sentidos, porque se os sentidos são poderosos, se a mente é mais forte do que os sentidos, se a razão é mais forte do que a mente, há algo mais forte do que a razão. É a sinfonia do universo.

Quem não entende, quem não faz assim, não faz uma boa viagem, navega triste para um porto sem esperança. Por isso, na sinfonia do universo falta uma nota ...

As gentes, eu e você precisamos bailar ao som dos instrumentos que temos e tocamos nesta sinfonia do universo. Se eu murmuro, não consigo ouvir a nota que sou, perco a harmonia. A sabedoria para ouvir e participar da sinfonia do universo é essa, não deixar que o coração esfrie, nem que em chamas mergulhe no desejo de destruição, da ira e ódio. O coração do sábio não está sob o império dos sentidos.