mercredi 29 août 2007

A Teologia do Diálogo de Deus: roteiro de estudo

“O homem deve tomar a melhor e a mais incontestável das teorias humanas e usá-las como a jangada sobre a qual ele possa navegar, ainda que não sem risco, se é que ele não pode achar alguma palavra de Deus que possa conduzi-lo com mais certeza e segurança”. Platão, Phaedo, 85b.
“A Palavra é um leão. Deixe-a solta!” Martin Lutero.
1.
O DIÁLOGO DE DEUS é o ato da conversa iniciada por Deus com o ser humano. É Deus se comunicando e ouvindo o ser humano, é a resposta do ser humano, em obediência, à palavra de Deus para sua vida. O diálogo de Deus apresenta-se como geral e particular.
Diálogo de Deus em sua universalidade é a automanifestação de Deus a todos os seres humanos, em todos os lugares e em todos os tempos: é a natureza (Sl 19.1-6; Rm 1.19-20), a providência (Mt 5.45; At 17.24-28; Rm 8.28), a preservação do universo (Cl 1.17), a personalidade humana e a consciência moral (Gn 1.26; Rm 1.32-2.16).
Diálogo de Deus em sua particularidade é a automanifestação de Deus para certas pessoas, em tempos e lugares definidos, a fim de que tais pessoas entrem num relacionamento de intimidade com ele. A Palavra registrada nas Escrituras e o Logos encarnado são dois momentos do diálogo especial de Deus com o ser humano.
Assim, para santo Agostinho, são Tomás de Aquino, Lutero e Calvino, teologicamente, o diálogo de Deus é ensino proposicional; para Pannenberg e Moltmann é a própria História; para Schleiermacher, Ritschl, Theilhard de Chardin é uma experiência interna; para Barth e Bultmann é encontro um existencial; e para Karl Rahner e Leonardo Boff é uma nova consciência.
Na Modernidade, o racionalismo definiu como critério de verdade a lógica dedutiva, em especial a matemática. Spinoza, assim como Descartes, Leibniz e Kant descartaram a possibilidade do um diálogo especial de Deus com os seres humanos, quer através das Escrituras, quer através da fidelidade da Palavra. Esses filósofos abriram o caminho para o deísmo, mas foram muito importantes na elaboração da metodologia científica da Modernidade. Na seqüência, Hume e dos deístas ingleses aprofundaram o racionalismo e descartaram a possibilidade dos milagres. Já a teologia protestante do século dezenove procurou relacionar diálogo de Deus, cultura e a leituras das ciências modernas, em especial a História.
DIÁLOGO DE DEUS E CONHECIMENTO
Muita gente considera o conhecimento como algo meramente racional. Teologicamente, conhecimento é fé (Hb 11.1), assim quem considera o conhecimento de Deus como processo puramente racional, também vê a fé como puramente racional. Exclui a vontade, o afeto, a personalidade, a ação humana, as obras e as experiências de sua compreensão de fé.
Tal abordagem nos leva a três perguntas
1. Qual é a natureza da fé?
2. A fé vem antes ou depois do arrependimento?
3. A fé vem antes ou depois da regeneração?

Respondendo ao primeiro questionamento, consideramos que a fé depende de uma opção da pessoa e que é um estado do coração. Vejamos: tomando por base alguns textos (Rm 10.9-10; 1 Jo 5.1; Jo 5. 38-40, 42, 44; 2 Ts 2.10; At 8. 37) podemos dizer que a fé (1) é um dever e, portanto, a vontade está incluída; (2) é uma graça entregue pelo Espírito Santo (1 Co 13), e sendo graça não está limitada ao intelecto; (3) dá glória a Deus e não se dá glória a Deus só com a razão, pois envolve toda a personalidade humana; (4) expressa-se em termos de afeto (2Ts 2.10). Ora, receber inclui afeto, implica assim em engajamento de afetividades (Rm 10.9-10); (5) a falta de fé está ligada a uma disposição moral (Jo5; Jo 8.33+; Hb 3; Ef 4.17). A incredulidade é um estado do coração, não é um erro de abordagem meramente racional.
Em relação à segunda questão, consideramos que se não houver arrependimento não há fé verdadeira. João, pregava o banho do arrependimento. Ver o chamado de Jesus (Mc 1.15; Lc 24) e a experiência da jovem igreja cristã em At 2.37-38; 3.19; 5.31; 20 e 26.18.
Quanto ao terceiro questionamento consideramos que sem regeneração não há fé. Ver: 1Co 2.10-16, 1Co 12.3; a experiência de Nicodemos (Jo 3), e a firmação de Paulo (Rm 8.7).
Assim, a compreensão da fé e da realidade do diálogo de Deus com opção do coração, arrependimento e regeneração elimina idéia de que podemos conhecer exclusivamente através de processos racionais. Por isso, dizemos que o processo do diálogo de Deus está ligado à obediência que, em última instância, é disposição positiva do coração, enquanto totalidade da personalidade humana, arrependimento e regeneração de vida.
2. O registro do diálogo de Deus é a capacitação divina para que pessoas registrassem os diferentes momentos de sua conversa com os seres humanos. É uma capacitação (Pv 30.5,6; Mt 15.4; At 28.25; Hb 3.7) de pessoas (Lc 1.1-4; 1Co 7.25,26; 2Tm 4.9-13), que ouvem ou sensibilizam de diferentes maneiras o oráculo divino (Ex 17.14; Jr. 30.2; Mt 24.35; Ap 22.6,7, 18, 19).
Nesse sentido, o diálogo especial de Deus abrange toda a Escritura (2 Tm 3.16), e Deus é a fonte do processo (2 Tm 3.16), ou como afirma Pedro: “nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana, entretanto homens santos falaram da parte de Deus movidos pelo Espírito Santo”. 2Pe 1.19-21. E os apóstolos deram testemunho disso: 1Co 14.37; 1Ts 4.2; 2Pe 3.2; Ap 22.6-10, 18-20.
Para discutir: 1Co 7. 6, 10, 12, 25 e 40 apresentam opiniões pessoais de Paulo. Como você explica?
3. As Escrituras são fiéis e verdadeiras
A doutrina que apresenta as Escrituras como fiéis e verdadeiras foi reconhecida pelos pais da Igreja e pelos mais importantes teólogos da cristandade.
Santo Anselmo disse: “Além disso, este próprio Deus-homem estabeleceu o Novo Testamento e confirmou o Antigo. Por isso, assim como é necessário afirmar que Ele mesmo era verdadeiro, também ninguém pode negar a verdade de qualquer coisa incluída nestes Testamentos”. (Anselmo, Cur Deus Homo, bk2, ch22).
Santo Agostinho: “As conseqüências mais calamitosas devem seguir o acreditar que qualquer coisa falsa é achada nos livros sagrados, isto quer dizer, que os homens através de quem a Escritura foi dada em forma escrita colocaram nestes livros qualquer coisa falsa. Se, uma vez, tu permites nesse templo alto da autoridade uma declaração falsa, nenhuma sentença será deixada nesses livros”. (Epistulae, ep.28).
São Tomás de Aquino: “As Sagradas Escrituras, porém, devem manifestar a verdade de modo eficaz, sem erro de qualquer espécie”. (Suma Teológica, 1.1.10 ad. 1).
Martinho Lutero: “Tenho aprendido a dar esta honra, isto é, infabilidade, somente aos livros que são chamados de Cânon, a fim de que eu creia com confiança que nenhum dos seus autores errou”. (em M. Reu, Luther and the Scriptures, p. 24).
John Wesley: “Pois, se houvesse qualquer erro na Bíblia, poderia haver mil. Se houver um engano nesse livro, ele não veio do Deus da Verdade”. (Journal, VI:117).
Vaticano I; “Devemos dizer desta revelação divina que estas verdades (...) não têm qualquer mistura de erro”. (Dogmatic decress of the Vatican Council, p. 137).
Acordo de evangélicos e católicos romanos (1986) – “Todos nós concordamos que o que os autores humanos escreveram é o que Deus queria que fosse revelado, portanto, a Escritura existe sem erro”. (A Near Miracle, Time, 127:5, [fev.6, 1986]:42).
A evidência de veracidade e fidelidade
1. A natureza de Deus: Jo 17.3; Tg 1.17; Rm 3.4
2. O testemunho do texto: Mt 5.17,18 (cf. 24.25).
3. O testemunho do uso do texto: Mt 22.29-32 (Ex 3.36).
Não temos nenhum manuscrito original das Escrituras, mas, o que importa é o códice. Uma cópia perfeita tem o mesmo valor do original. A Bíblia fala de e usa cópias anteriores (Dt 10.2,4; 17.18; Jr 36.8; etc.). Os autores do NT não tinham os originais do AT, mas o próprio Jesus destacou a validade do códice do AT (Jo 10.35).
Atualmente, há mais de 5.000 manuscritos do NT, com 350 códices (Sinaiticus, Vaticanus, Alexandrinus), e 2.000 lecionários com mais de 86 mil citações bíblicas. O códice original não está perdido, está dentro dos manuscritos que temos.
Com respeito à fidelidade das Bíblias atuais, embora tenham algumas palavras discutíveis com respeito ao autógrafo original, são a palavra de Deus, inspirada, fiéis e verdadeiras.
Atenção, dificuldades não são erros!
1. Nem sempre as citações são exatas, às vezes são paráfrases.
2. Nem tudo que está escrito na Bíblia é aprovado pela Bíblia.
3. Um relatório parcial não é necessariamente um relatório falso.
4. Relatórios diferentes não são necessariamente contraditórios.
5. Palavras diferentes podem ter um significado igual e vice-versa.
6. Muitas vezes, a linguagem bíblica é fenomenológica (aparente).
7. Descrições inexatas não são necessariamente falsas.
8. Alguns problemas podem ser erros de copistas.

Um resumo em três versículos: Jo 17.3; 2Tm 3.16; Jo 17.17.
Se o diálogo de Deus é uma conversa entre Deus e o homem, é a partir desse diálogo que temos os elementos fundamentais para conhecer o ser humano. Nesse sentido, por mais decaído que esteja, ao ser humano ainda lhe resta a liberdade de consciência necessária para aceitar ou não esse diálogo proposto pelo Criador.
O pressuposto fundamental dessa reflexão é a imago Dei, que traduz a verdade de que a compreensão de Deus leva à compreensão do homem e sua razão de existir. Não se trata de conhecer o ser humano para conhecer a Deus, porque o ser humano não é Deus, mas o contrário.
A antropologia, enquanto instrumento hermenêutico, parte do diálogo de Deus. Não utilizamos o conceito tomista de analogia em seus dois sentidos, como se fosse possível ao ser humano conhecer a Deus a partir de si próprio, mas acreditamos que as necessidades e anseios do espírito humano apontam para aquilo que ele perdeu.
BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA
1. Paul R. Sponheim, "O conhecimento de Deus", in Carl E. Braaten e Robert W. Jenson, Dogmática Cristã, São Leopoldo, Sinodal, 1987, pp. 207-272.
2. Paul Tillich, Teologia Sistemática, São Paulo, Paulinas, 1984, pp. 67-137.
3. Jorge Pinheiro, História e religião de Israel, origens e crise do pensamento judaico, São Paulo, Editora Vida, 2007.