Paul Ricoeur
Ideologia e utopia
Jorge Pinheiro, PhD
Sumário
Introdução
Por que estudar filosofia
Paul Ricoeur nos ensina filosofia
O mundo de hoje e seus desafios
Olhar, pensar, agir
O filósofo faz discípulos
O futuro existe?
É possível pensar o futuro
O desafio, construir o futuro
Introdução
São oito horas e cinquenta minutos da manhã de segunda-feira, dia dois de outubro de dois mil e dezoito. É importante marcar o dia e a hora, mas também o lugar. Moro em Montpellier, uma cidade que eu amo, no sul da França. Estou ao computador, com o terraço de minha casa à frente. Lá fora venta e a temperatura desse outono que se inicia é de dezesseis graus, embora a sensação térmica seja de quatorze graus. Ainda não está frio, mas este mistral, que hoje deve chegar a trinta e sete quilômetros por hora, faz toda a diferença e baixa a sensação térmica. Bem, convém dizer que o clima é mediterrâneo, com verões bem secos e as deliciosos brisas marinhas.
Dá para notar que eu gosto da cidade. Montpellier, como disse antes, está localizada no sul da França, na região de Languedoc-Roussillon, a dez quilômetros do Mar Mediterrâneo. Tem cerca de duzentos e cinquenta mil habitantes é o 8º município mais populoso da França. O que para mim é uma agradável cidade pequena para média em termos brasileiros. O seu clima mediterrânico é caracterizado por verões muito secos e pela presença de refrescantes brisas marinhas.
A espiritualidade – e por extensão a religiosidade – é conhecimento humano, particular, mas também universal, que traduz maneira de busca do transcendente. A distância entre a fé e a cultura, nessa leitura hermenêutica, é estreitada e possibilita a compreensão de que no ser humano não é apenas o físico e material o padrão maior de civilização. Os seres humanos criam seus próprios universos de significação. É em suas culturas que vamos encontrar o ato e a forma de suas expressividades humanas como seres históricos. O primeiro momento desta reflexão teológica sobre as culturas brasileiras, seus encontros e desencontros, consiste em ver que, seja no ato de surgimento, seja na forma de atuação, a unidade dessas culturas só pode ser pensada em oposição ao fluxo do tempo e à dispersão do espaço onde as experiências se situaram.
Por isso, as raízes do pensamento religioso não podem agir com uma força igual em todo momento e em toda comunidade. Um ou outro pode predominar, dependendo da situação social, das comunidades ou formas de dominação presentes, pois correlacionam as estruturas sociais e psicológicas de interação com a situação social objetiva.
A unidade ontológica da cultura reside na relação dialética que vigora entre a estrutura transcendental, que se manifesta no ato de suas criações culturais, e a idealização transcendental de suas obras de cultura, manifestadas nas formas transtemporal e transespacial que lhes asseguram perenidade simbólica. Donde a espiritualidade e, de novo, por extensão, a religiosidade, apresenta-se como paradigma da ontologia da cultura, pois tematiza a transcendência do ato como interrogação sobre o que é, tanto no que se refere à idealidade da forma, como na objetividade do ser brasileiro em toda sua diversidade.
Assim, podemos dizer que as culturas e os valores compartilhados são essenciais para se fazer a leitura das religiosidades. Em condições dinâmicas, em que as vivências e textos foram construídos por múltiplas e variadas possibilidades, leituras monolíticas, ainda que polares, falharão na geração da criatividade necessária para atravessar as possibilidades que se abrem a cada momento. Por isso, as diversidades são importantes. O pensamento que não comporta multiplicidade pode ser um fator para a crise de parte das leituras realizadas sobre as relações das diversidades brasileiras. É a partir, que vamos trabalhar aqui com uma teologia da cultura, que procura correlacionar as complexidades dos encontros brasileiros, num caminho aberto, mas nunca completado.
A amizade como pretexto
“Dizem-me: esse gênero de amor não é viável. Mas como avaliar a viabilidade? Por que o que é viável é um Bem? Por que durar é melhor que inflamar?”
Mais curioso que a pergunta -- o que é a filosofia? -- é a relação que os filósofos fazem da juventude com a ingenuidade e a imaturidade. Afirmam que na juventude filosofavam sem saber o que faziam, que não possuíam a fúria da velhice que tenta nominar os conceitos. Agora velhos quando se perguntam o que é a filosofia, apenas colocam de forma clara, simbólica, o que sempre fizeram. E, assim, a resposta é: filosofia é a arte de formar, de inventar, de fabricar conceitos.
A origem grega da palavra filosofia pode ser traduzida como amigo da sabedoria. Mas seria mesmo uma amizade?
Ortega é um dos pensadores contemporâneos que ressalta a importância da amizade como objeto de reflexão filosófica. Incluindo-se nas correntes de pensamento que reivindicam para a filosofia a descentralização do sujeito e a tarefa de criar uma nova política da imaginação, Ortega projeta a amizade no contexto de uma nova ordem subjetiva, além da metáfora familiar aonde estes temas são reconhecidos e despolitizados. Politizar a amizade, para Ortega, é uma tarefa a ser assumida pela filosofia, no sentido proposto por Foucault, com "o deslocamento e a transformação das molduras do pensamento, a modificação dos valores estabelecidos e todo o trabalho que se faz para pensar de uma maneira diferente, para fazer outra coisa, para tornar-se outro do que se é".
Analisando o conceito de amigo, percebemos que a amizade possibilita uma relação íntima do ser humano com os conceitos, e que a condição para o exercício do pensamento é que tanto humano quanto conceito sejam vitais um para o outro. Mas, quando uma relação se torna condição para a existência de duas pessoas, chamamos estas não de amigas mas de amantes. Eis a questão: amigos ou amantes?
Ora, o amor é esta tendência de um se unir com o outro, possuí-lo de modo contínuo, ou formar um todo com ele ("amor a Deus"). Em Platão é aspiração ao belo e ao bom, ao absoluto. Platão, em O Banquete, afirma que o amor é a principal motivação da filosofia, descobrindo assim o lugar central deste conceito. Mas convém distinguir o amor egoísta, possessivo, que persegue o outro como um objeto a ser devorado ("o amante ama o amado como o lobo ama o cordeiro", escreve Platão) e o amor que liberta do sofrimento e do desejo e conduz a alma ao banquete divino. O amor verdadeiro só pode ser satisfeito pela contemplação, para além do belo, do verdadeiro e do bem.
Uma amizade pode ser o final de um grande amor, mas nunca o início. As amizades transformadas em amor, sempre foram amor. E partindo dessa premissa poderíamos dizer o que é a filosofia.
Da reunião dessas duas idéias, amigo e amante, podemos inferir uma multiplicidade de conceitos. Podemos dizer que o filósofo é ele próprio conceito em potência e, a partir daí, que a filosofia deixa de ser apenas arte de fabricar conceitos, passando a ser a disciplina que consiste em criar conceitos. Mas quando falamos em criar conceitos estamos falando em definir idéias. Assim, definir um conceito é manifestar a sua compreensão. Deste modo, definir é delimitar as fronteiras. Geralmente a definição faz-se pelo gênero próximo e pela diferença específica.
Os conceitos não nos esperam feitos, como corpos celestes. Não há céu para os conceitos. Eles devem ser criados, e não seriam nada sem a assinatura daqueles que os criam. Nietzsche determinou a tarefa da filosofia quando escreveu: “os filósofos não devem mais contentar-se em aceitar os conceitos que lhes são dados, para somente limpá-los e fazê-los reluzir, mas é necessário que eles comecem por fabricá-los, criá-los, afirmá-los, persuadindo os homens a utilizá-los”.
Agora, já podemos tentar abordar, partindo do outro extremo, o que a filosofia não é. Não é contemplação, “pois as contemplações são as coisas elas mesmas enquanto vistas na criação de seus próprios conceitos”. Não é reflexão, “posto que ninguém precisa de filosofia para refletir sobre o que quer que seja, isto é, artistas, por exemplo podem pensar sua arte sem que sejam filósofos, já que a reflexão pertence à própria criação individual, respectiva”. Não trabalha opiniões, pois nunca visa o “consenso”, mas sim o “conceito”. O primeiro princípio da filosofia deve ser que os universais não explicam nada, eles próprios devem ser explicados.
Conhecer-se a si mesmo, fazer como se nada fosse evidente, espantar-se: estas determinações e outras compõem a filosofia. Mas não há garantias na manutenção dos conceitos criados, que podem ser revistos, fazendo com que a “exclusividade da criação de conceitos assegure à filosofia uma função, mas não lhe dê nenhuma proeminência, nenhum privilégio, pois há outras maneiras de pensar e criar, outros modos de ideação”.
Utilizando estes argumentos e retomando às denominações propostas do amigo e amante, a filosofia segue seu caminho de provação. Nesta via caminha despojando-se dos limites impostos pela obrigação dos benefícios sociais, que não são sua finalidade, mas um de seus usos finais.
A filosofia, encarnada na pele do filósofo, faz com que ele se delineie como um pretendente ao conhecimento, que no jogo da sedução se fantasie de amigo para obter sua conquista e assim tornar-se amante. Em sua fase apaixonada, intensa, criativa, o filósofo acaba por tornar-se um rival de seus próprios conceitos através da insaciabilidade por recriá-los. Por fim vem a maturidade e as criações da velhice, frutos de uma profunda amizade.
A natureza gosta de ocultar-se ..., por isso, remonta às origens da humanidade a busca por soluções para os problemas referentes à natureza, sua origem o modo como ela se comporta, as transformações que nela se verificam e seu caráter de continuidade. Estes questionamentos levaram, em uma primeira instância, ao surgimento de mitos, formas pictóricas para a explicação dos fenômenos – em geral, da natureza.
A passagem dos mitos para a razão aconteceu, primeiramente – até onde se tem notícia –, na Grécia Antiga, por volta de 600 a.C. Cem anos antes, Homero e Hesíodo haviam confeccionado um apanhado da mitologia grega. Os pioneiros da filosofia criticaram a semelhança dos deuses com os humanos, mencionando que talvez os mitos fossem pura imaginação dos homens. Estas críticas associadas à nova estruturação política e social da Grécia (Cidades-Estados, nas quais os cidadãos podiam dedicar-se livremente à discussão de temas sociais e filosóficos, pois todo o trabalho braçal era desempenhado por escravos), propiciaram o desenvolvimento de uma maneira de explicar o mundo, não mais através do mito, mas sim pelo principal bem de que dispõe o filósofo: a razão. Entretanto, apesar das críticas dos primeiros filósofos à concepção mítica do mundo, a filosofia não se caracteriza por uma ruptura radical com a mitologia, mas sim por um fluxo gradual a partir desta.
Como a nova ordem política permitiu aos cidadãos gregos esse encontro de idéias, que se defrontavam e provocavam nas pessoas a necessidade de um esforço intelectual mais intenso, seguiram-se, em sua esteira, as concepções referentes à natureza. Dos mitos restaram os rituais religiosos, os mistérios das seitas, e a enorme influência de toda uma história da qual permaneceram rastros. Olhando para a natureza, o homem viu que existia a necessidade de prolongar sua experiência intelectual até seus domínios. Era preciso buscar respostas na razão, no confronto de raciocínios, na formulação e refutação de teses. Existe, pois, um vínculo forte entre a sociedade e a natureza. Antes, ambas estavam reunidas sob o véu dos mitos. Ao separar-se uma da outra, os cidadãos gregos serviram-se do mesmo modelo de pensamento para ordená-las. Nem poderia ser diferente, não faria o menor sentido um povo adotar um regime democrático, onde a divulgação e o debate de idéias eram essenciais, se permanecessem agarrados aos mitos no que concernem as explicações cosmogônicas.
Como paradigma sagrado de compreensão, o mito era um saber que, interpretando a origem do universo, dos deuses, dos homens e suas instituições, enfim, de toda e qualquer realidade, fundamentavam e estruturavam a vida individual e coletiva da comunidade.
No caso da Grécia antiga, sabemos da riqueza, em número e formas, que apresentava o conjunto de seus mitos. É discutível se, na experiência grega, a filosofia apareceu como uma ruptura ou como uma continuação do pensamento mítico. Por um lado, ela rompeu com o mito no que diz respeito ao modo de investigar: se podemos descrever a experiência mítica como uma cosmogonia, uma criação ou recriação religiosa da origem do mundo, a filosofia aparece como uma cosmologia, uma apreensão do mundo através do logos.
Os mitos gregos tanto no mundo antigo como na modernidade foram amplamente utilizados por artistas. E a utilização histórica e artística de elementos pictóricos de mitos gregos não significa em nada uma volta à mitologia. Tal questão situa-se no campo da estética mais do que no campo da ética.
A cultura grega apresentou uma leitura mítica do destino, que traduzia a maneira de pensar e viver do helenismo. Na sua época, por razões apologéticas, o apóstolo Paulo apresentou um conceito de destino que resgatava e transcendia o conceito vétero-testamentário de aliança. Entre os gregos, a religião e o culto de mistérios traduziam uma luta contra o destino, numa tentativa de colocar-se acima dele. A origem dos cultos de mistério não pode ser entendida quando os separamos dos mitos.
Para o ser humano helênico a luta com o destino era inevitável porque o destino tinha qualidades demoníacas. Era um poder sagrado e destrutivo. Envolvia o ser humano numa culpa permanente. Os cultos de mistério, dessa forma, ofereciam uma purificação das mãos de deuses que manipulando o destino excluíam do ser humano qualquer possibilidade de liberdade.
Assim, também a filosofia helênica, através do conhecimento, procurava elevar o ser humano à transcendência, despojando-o dos objetivos e formas da vida imediata, para lançá-lo através da abstração em direção ao ser puro. O mundo helênico era um mundo de culpa e castigo trágico e um profundo pessimismo atravessava todo o conhecimento, desde Anaximandro, passando por Pitágoras, Demócrito, Sócrates, Platão e Aristóteles.
Diante desse destino trágico, o mundo helênico tinha necessidade da revelação. Ameaçado por um destino demoníaco, o mundo helênico ansiava por um destino salvador, necessitava não somente de liberdade, mas também de graça.
O cristianismo é a vitória sobre a idéia da força trágica da matéria eterna, traduz a idéia de que o mundo é uma criação divina. É a vitória da crença na perfeição do ser em todos seus aspectos sobre o medo trágico e a matéria que resiste hostil ao divino. É a negação radical do caráter demoníaco da existência em si. Dá à existência um valor essencialmente positivo e valoriza os acontecimentos da ordem temporal. Com o cristianismo, ao contrário do que pensava Anaximandro, a ordem do tempo não leva apenas ao transitório e perecível, mas também à possibilidade de algo totalmente novo, um propósito e um fim que dá pleno significado à vida humana.
No cristianismo o tempo triunfa sobre o espaço. O caráter irreversível do kairós substitui o tempo cíclico, transitório e perecível do pensamento helênico. A partir desse momento, destino outorga graça, que traz salvação no tempo e na história. O mundo helênico e sua interpretação da vida foram superados e com eles, a religião, os mitos e os cultos de mistério.
Antes, a filosofia buscava desesperadamente a revelação, agora a revelação apodera-se da filosofia dando origem à teologia. Assim, a teologia jogou fora o destino demoníaco e por extensão a metafísica helenística e se apropriou de suas formas lógicas e de seus conteúdos empíricos. O transitório e perecível da filosofia helenística não teve importância na formação do pensamento ocidental, mas sim a idéia da criação divina do mundo e a fé numa providência divina, através da salvação que se constrói historicamente e acontece no kairós. E isso já não é helenismo, mas teológica cristã.
Hoje a globalização excludente é mitologia que consome o mundo. E diante dela devemos fazer o mesmo que fizeram os cristãos dos primeiros séculos. Assumir o comissionamento que nos foi entregue. É necessário proferir um não ao tempo presente. E nessa crítica, o fundamental é envolver-se na situação histórica concreta, ter a coragem de decidir e colocar-se sob julgamento, ao nível do particular. O cristão deve olhar o mundo com atenção. E a luta dos povos em diáspora deve sensibilizar os intelectuais que fazem parte do corpo da igreja, pois estamos vivendo uma era de kairós, e as utopias dos povos em diáspora são partes do clamor contra a opressão globalizadora que caracteriza este início de século. Não é correto classificar as utopias dos povos em diáspora como simples conflito racial e religioso, ou como problema localizado em regiões distantes do globo. Ao contrário, hoje estamos vendo um clamor global do desterrado e excluído. As utopias de liberdade dos povos em diáspora não serão revoltas raciais e religiosas se estivermos interessados em praticar a fraternidade cristã. Porém, pregou-se, por muito tempo, um cristianismo vazio de fraternidade, que não significava mais que o desejo de que os povos aceitassem passivamente o seu destino colonial. As nações industriais do Ocidente subjugaram culturas, nações e povos por razões econômicas. Essas ações de saques internacionais golpearam os continentes e são os responsáveis pelo baixo padrão de vida que prevalece em todo o mundo chamado subdesenvolvido.
Nosso comissionamento, dentro da visão paulina, deve traduzir o pensamento cristão palestino de destino, ou seja, de estar proposto para algo sublime, no sentido de que os limites estão dados de antemão, da lei transcendente na qual está imbricada o conceito de liberdade. Assim, estar predestinado também implica numa trindade conceitual: (1) o estar predestinado está sujeito à liberdade; (2) estar predestinado significa que a liberdade também está sujeita à lei; (3) estar predestinado significa que liberdade e lei são interdependentes e complementares.
Analisando o conceito cristão palestino de destino ou estar predestinado, exposto por Paulo em sua carta aos romanos (8.31-39; e 9), podemos dizer que a liberdade humana está ligada às leis universais, de tal forma que liberdade e leis se encontram intrinsecamente entrelaçadas. Aqui Paulo trabalha com um conceito judaico, de que lei é imposição de limites, que faz parte da revelação, que se expressa pela primeira vez como criação de Deus. Mas para Paulo, se o mal é uma probabilidade que surge da correlação lei/graça, o julgamento era inerente a tudo na criação, mas também a liberdade.
Assim, a certeza de que o estar predestinado é divino e não demoníaco e tem um significado realizador e não destruidor é peça-chave do pensamento paulino, que coloca o logos acima do destino. Ao fazer isso, Paulo está dizendo que a compreensão do estar predestinado não está ao alcance do ser humano, nem pode ser submetido aos processos do pensamento humano. Mas esse logos eterno se reflete através de nossos pensamentos, embora não exista um ato do pensamento sem a secreta premissa de sua verdade incondicional. Mas a verdade incondicional não está ao nosso alcance. Em nós humanos há sempre um elemento de aventura e risco em cada enunciado da verdade. Mas, mesmo assim, devemos correr este risco, sabendo que este é o único modo que a verdade pode ser revelada a seres finitos e históricos.
Quando mantemos relação com o logos eterno e deixamos de temer a ameaça do destino demoníaco, aceitamos o lugar que cabe ao estar predestinado em nosso pensamento. Podemos reconhecer que desde o princípio esteve submetido ao estar predestinado e que o nosso pensamento sempre desejou livrar-se dele, mas nunca conseguiu. Tarefa teológica da maior importância, na análise cristã do estar predestinado é saber relacionar logos e kairós. O logos deve envolver e dominar as leis universais, a plenitude do tempo, a verdade e o estar predestinado da existência. A separação entre logos e existência chegou ao fim. O logos alcançou a existência, penetrou no tempo e no destino. E isso aconteceu não como algo extrínseco a ele próprio, mas porque é a expressão de seu próprio caráter intrínseco, sua liberdade.
É necessário, porém, entender que tanto a existência como o conhecimento humano estão submetidos ao destino e que o imutável e eterno reino da verdade só é acessível ao conhecimento liberto do destino: a revelação. Dessa maneira, ao contrário do que pensavam os gregos, todo ser humano possui uma potencialidade própria, enquanto ser, para realizar seu estar predestinado. Quanto maior a potencialidade do ser – que cresce à medida que é envolvido e dominado pelo logos – mais profundamente está implicado seu conhecimento no estar predestinado.
Nosso destino, que aqui deve ser entendido como missão, é servir ao logos, num novo kairós, que emerge das crises e desafios de nossos dias. Quanto mais profundamente entendermos nosso destino, no sentido de prokeimai (em grego estar colocado, ser proposto) e o de nossa sociedade, tanto mais livres seremos. Então, nosso trabalho será pleno de força e verdade.
Diante da mitologia da globalização excludente, nosso comissionamento permanece o mesmo dos primeiros cristãos: levar a graça de Cristo a um mundo em crise, imerso em culpa e destino trágico.
A mitologia é fenômeno sócio-cultural. Não é um erro ou uma farsa. Quem é que conhece ou define sua vida pelo Santo Graal? Esse assunto deve ser situado no campo da ficção.
O cristianismo é uma fé racional e objetiva que brota do caráter e das promessas de Deus. É uma confiança racional, porque nasce da reflexão e leva à constatação de que Deus é digno de crédito. Mas, de maneira nenhuma, lança fora a vontade, a afetividade, a personalidade, as ações, obras e experiências humanas enquanto componentes e realidades da fé.
Teologicamente, conhecimento é fé (Hb 11.1). Ela depende de uma opção da pessoa e é um estado do coração. Vejamos por que: tomando por base alguns textos (Rm 10.9-10; 1 Jo 5.1; Jo 5. 38-40, 42, 44; 2 Ts 2.10; At 8. 37) podemos dizer que a fé (1) é um dever e, portanto, a vontade está incluída; (2) que é uma graça entregue pelo Espírito Santo (1Co 13), e sendo graça não está limitada ao intelecto; (3) que dá glória a Deus e não se dá glória a Deus só com a razão, já que envolve toda a personalidade humana; (4) expressa-se em termos de afeto (2Ts 2.10). Ora receber inclui afeto, implica assim em engajamento de afetividades (Rm 10.9-10); (5) a falta de fé está ligada a uma disposição moral (Jo5; Jo 8.33+; Hb 3; Ef 4.17). A incredulidade é um estado do coração, não é um erro enquanto abordagem meramente racional.
Se não houver arrependimento não há fé verdadeira. João, o batista, pregava o batismo do arrependimento. E sem regeneração também não há fé. Os textos que nos levam a pensar assim são 1Co 2.10-16, 1Co 12.3; a experiência de Nicodemos (Jo 3) e Rm 8.7.
Assim, a idéia de que o cristianismo tem base mítica nasce do desconhecimento do que significa a fé ou revelação, enquanto processo que inclui coração e mente, arrependimento e regeneração. O processo de conhecimento da revelação está ligado à obediência, que em última instância é disposição positiva do coração, enquanto totalidade da personalidade humana, arrependimento e regeneração de vida. E isto está longe da mitologia.
Entre 171 e 169 antes de Cristo, Antíoco IV Epífanes, rei selêucida, enviou tropas a Jerusalém, ordenou a abolição da lei judaica e iniciou uma violenta política repressiva. Mandou construir em Jerusalém uma cidadela para abrigar uma guarnição pagã, levantou no templo um altar com uma estátua de Zeus olímpico e em dezembro de 167 a.C. iniciou sacrifícios de acordo com o ritual grego. Os capítulos 6 e 7 de 2Macabeus relatam casos de judeus torturados pelo governo por se recusarem a comer carne de porco e a fazer sacrifícios a baal shamaim (Zeus). As perseguições do início da década de 170 a.C. falam dos primeiros mártires da história: homens e mulheres que preferiam a morte a violar os preceitos de sua fé. Dê uma olhada em 1Macabeus 1.59; 2Macabeus 10.5, 6.2 e Daniel 11.31+. O que tem o Eterno, criador dos céus e da terra, com baal shamaim, o Zeus olímpico? Nada.
A filosofia apreende a realidade através do questionamento teórico, trabalhando, a partir de uma visão geral da totalidade, do real, com separações e aproximações de idéias -- dinâmica própria da razão, que estrutura o modo de pensamento que se tornou mais comum e predominante no Ocidente. Por outro lado, a filosofia tem em comum com o mito a sua questão: ambos nascem como modos de interpretar a origem (arché) do real. É neste sentido que Aristóteles, um dos pais da filosofia, escreveu em sua Metafísica: “Por isso, também o amante de mitos (philomythos) é, de algum modo, filósofo: pois o mito é composto de extraordinário”.
A proposição de um problema dialético está relacionada à solução de um mistério ou enigma – forma de problematizar questões, muito empregada pelos gregos da Antiguidade –, visto que ambas são explicitadas enquanto opostos. Entende-se, pois, que o racionalismo é um ato contínuo ao misticismo, isto é, são etapas sucessivas de um processo. Não é sensato desprezar a visão mítica como ponto de partida para a ideação mais racional, no sentido de não-mítico. O mito foi o ponto de partida, o primeiro esforço da humanidade. A pergunta que se impõe é como o ser humano passou a pensar de forma não-mítica? Alguns autores consideram que houve um salto, chamado “milagre grego”. Esta é uma idéia ingênua, porque podemos perceber uma relação entre os mitos cosmogônicos, mitos que descreviam a formação do universo, e a cosmologia dos primeiros filósofos.
Em termos gerais, a razão é o exercício de procurar e avaliar argumentos antes de aceitar como bom o que penso saber. É a faculdade capaz de estabelecer ou captar as relações que fazem com que as coisas dependam umas das outras, e sejam constituídas de uma determinada forma e não de outra. Ao organizar as notícias, os estudos ou as experiências, aceitamos algumas à espera de melhores argumentos. E rejeitamos outras, tentando ligar as crenças entre si com alguma harmonia. Assim, podemos dizer que o ser humano atravessou o mito em direção à razão e ao pensamento científico: não há porque voltar a ele.
A Grécia era organizada em um sistema de cidades-estados, as polis, que possuíam, como características principais: autarquia, isto é, cada cidade grega possuía suas próprias leis e poderes para sua autogestão; democracia, sistema de governo que promovia igual participação dos cidadãos; a instituição de uma esfera pública, contraposta à privada.
Esta vida pública dava-se nas livres discussões em praça pública, a ágora, fazendo com que todo assunto relativo à comunidade - deliberações normativas e políticas, conhecimentos, bem como todo saber técnico ou artístico - estivesse sujeito à discussão ou ao plebiscito.
Este sistema levou a um apogeu do poder da palavra como elemento capaz de convencer, de criar realidade. A força da persuasão pela palavra era, na experiência da polis, o meio de exercer comando e domínio sobre os outros cidadãos. O âmbito de uma tal organização era o do debate, da discussão, da argumentação.
O chamado milagre do surgimento do pensamento científico entre os gregos foi fruto de uma organização social e política propícia, ocorrida em todos os planos do mundo grego, religiosa, política, social e intelectual. Com a queda dos regimes inspirados no Oriente – nos quais os reis-sacerdotes detinham o poder político e religioso, além de serem responsáveis pela manutenção da ordem cósmica através de rituais inspirados nas narrativas míticas –, houve um período de certa obscuridade do povo grego, onde lentamente foi sendo preparada essa nova ordenação. Além disso, perde-se paulatinamente, a intervenção dos deuses – o mundo passa a ser mais humano. A principal característica dessa ordem pode ser percebida no campo da política, onde desaparece a figura do rei-sacerdote para que surjam as cidades/ estado, muitas alicerçadas sobre regimes democráticos.
Como a nova ordem política permite aos cidadãos esse encontro de idéias, que se defrontam e provocam nos homens a necessidade de um esforço intelectual mais intenso, segue-se, em sua esteira, as concepções referentes à natureza. Dos mitos, restam os rituais religiosos, os mistérios das seitas, e a enorme influência de toda uma história da qual ninguém jamais poderia se esquivar. Olhando para a natureza, o homem vê que existe a necessidade de prolongar sua nova experiência intelectual até seus domínios. É preciso buscar respostas na razão, no confronto de raciocínios, na formulação e refutação de teses. Existe pois um vínculo forte entre a sociedade e a natureza. Antes, ambas estavam reunidas sob o véu dos mitos. Agora, separando uma da outra, os cidadãos gregos servem-se do mesmo modelo de pensamento para ordená-las. Nem poderia ser diferente, não faria o menor sentido um povo “adotar” um regime democrático, onde a divulgação e o debate de idéias são essenciais, se permanecesse agarrado ao mito no que concernem as explicações cosmogônicas.
Assim, podemos considerar a filosofia como criação da polis, no sentido de que é deste contexto social e político que a filosofia retira seu poder de argumentação, reflexão e, em síntese, de utilização da palavra como meio de alcançar a verdade. Assim, mito e polis contribuem essencialmente para o surgimento do pensar filosófico entre os gregos.
Dentre as inúmeras transformações que surgem com a polis, a mais importante é a extraordinária preeminência da palavra sobre todos os outros instrumentos de poder.
A palavra deixa de ser o termo ritual e passa a ser a fonte para o debate, discussão e reflexão, sendo ela, ou melhor, o seu uso de forma mais persuasiva, que irá definir o orador vencedor dos embates dialéticos (dialética é compreendida como a arte real da discussão: as normas para uma discussão correta). Todas as questões de interesse geral passam a ser submetidas à arte da oratória e as decisões são as conclusões dos debates. A política se torna a arte do domínio da linguagem. Com a popularidade dos debates e das discussões, a polis se fundamenta na publicidade das manifestações sociais; se distinguem os interesses comuns dos privados, consolidam-se as práticas abertas e o domínio público, a base social da estrutura.
Mas o que podemos aprender daí? Bem, nunca se falou tanto sobre cidadania como nos últimos anos. Mas afinal, o que é cidadania? Segundo o Dicionário Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, “cidadania é a qualidade ou estado do cidadão”, entende-se por cidadão “o indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um estado, ou no desempenho de seus deveres para com este”.
No sentido etimológico da palavra, cidadão deriva da palavra civita, que em latim significa cidade, e que tem seu correlato grego na palavra políticos – aquele que habita na cidade. No sentido ateniense do termo, cidadania é o direito da pessoa em participar das decisões nos destinos da Cidade através da ecclesia (reunião dos chamados de dentro para fora) na Ágora (praça pública, onde se deliberava sobre decisões de comum acordo). Dentro desta concepção surge a democracia grega, onde somente 10% da população determinavam os destinos de toda a Cidade (eram excluídos os escravos, mulheres e artesãos).
O ser humano
O indivíduo
A pessoa
O cidadão
A dimensão do convívio social.
A dimensão do mercado de trabalho e consumo.
A dimensão de encontrar-se no mundo.
A dimensão de intervir na realidade.
O homem tornar-se humano nas relações de convívio social.
O ser humano tornar-se indivíduo quando descobre seu papel e função social.
O indivíduo torna-se pessoa quanto toma consciência de si mesmo, do outro e do mundo.
A pessoa torna-se cidadão quando intervém na realidade em que vive.
Quem estuda o comportamento humano? A antropologia, a história, a sociologia.
Quem estuda o comportamento do indivíduo? A filosofia, a sociologia, a psicologia?
Quem estuda o comportamento da pessoa? A filosofia, a sociologia, a psicologia?
Quem estuda o comportamento do cidadão ? A sociologia, a filosofia, as ciências políticas?
Quem garante os direitos do ser Humano? A Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Quem garante os Direitos do Consumidor? O Código do Consumidor.
Quem garante os Direitos da pessoa? A própria pessoa (amor próprio ou auto-estima).
Quem garante os Direitos do cidadão? (A Constituição e suas leis regulamentares).
Existe uma natureza humana? Teologicamente, afirmamos que sim.
Que diferença existe entre o direito do consumidor e o direito do cidadão? Ao consumidor, o direito de propriedade e ao cidadão o direito de acesso à propriedade.
O que significa tornar-se pessoa no nível psicológico e social? A pessoa é o indivíduo que toma consciência de si mesmo.
Como podemos intervir na realidade, modificando estruturas injustas? Quando os direitos do cidadão lhe são oferecidos e o mesmo passa a exercê-lo.
Constituição da República Federativa do Brasil De 1988
Preâmbulo
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.
Título I
Dos Princípios Fundamentais
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
I - independência nacional;
II - prevalência dos direitos humanos;
III - autodeterminação dos povos;
IV - não-intervenção;
V - igualdade entre os Estados;
VI - defesa da paz;
VII - solução pacífica dos conflitos;
VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;
IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;
X - concessão de asilo político.
Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.
A cidadania traz uma profunda transformação, já que ao tornar comuns os elementos de uma cultura, levamos os mesmos à crítica e à controvérsia. Todos os elementos estão expostos a interpretações diversas e a debates apaixonados. Já não era possível se impor só por prestígio pessoal ou religioso... Deve haver o convencimento pela dialética.
A palavra constituiu-se, no caso grego, no instrumento da vida política. Sua vertente escrita trouxe em si a possibilidade de uma completa divulgação do conhecimento. Neste momento, a escrita tornara-se pública, não mais estando presente apenas no palácio – como no período micênico. Neste contexto, o saber pode tornar-se igualmente público, deixando de estar restrito aos magistrados ou sacerdotes. Após divulgadas, as idéias deverão ser submetidas ao debate político e à aceitação popular.
Com a consolidação da importância da palavra, o saber passa a ser um “bem” público. Neste âmbito, a sabedoria antiga – tão exaltada por filósofos como Platão, para o qual a sabedoria pertencia ao passado, resta a seus contemporâneos apenas o “amor à sabedoria (filosofia), que precisou percorrer as veredas da linguagem, da palavra, do discurso, do logos e da dialética – este consistiu em um dos fenômenos da cultura grega, possuindo o enigma como substrato para sua origem. Pode-se argumentar que a filosofia nasceu no momento em que tentou recuperar algo perdido – a sabedoria – esta última miscigenando-se ao discurso, a dialética.
Não foi sem resistência que esse percurso foi seguido. A popularização do saber, antes inacessível, foi questionada. Havia uma articulação para que os mitos chegassem à praça publica e fossem objeto de exame, mas não deixassem de ser um mistério. A sua reformulação produziu um salto no desenvolvimento humano, mantendo seus reflexos até hoje.
A filosofia ao nascer encontra-se em posição ambígua; flutuará entre a sua inspiração nos mistérios (sabedoria antiga) e a razão do debate político. Com isso, as discussões tornam-se cada vez mais importantes, afetando um maior número de pessoas – o que caracteriza o nascimento da filosofia como o momento no qual indivíduos livres, com disponibilidade para o estudo, passaram a refletir sobre as questões filosóficas, sem ter que recorrer as respostas míticas.
Uma antropologia existencial
Nosso primeiro referencial é a pessoa. Nesse sentido, ao analisar as relações entre os pensamentos da diversidade brasileira devemos partir de uma fenomenologia política que leve em conta questões como a origem do pensamento político e religioso dos brasis, dos povos africanos trazidos para cá e dos lusitanos. É a partir daí, dessas plasticidades em choque e construção, que devemos trazer à tona os elementos não reflexivos desses pensamentos e analisar como eles se relacionaram num momento novo, mas desconhecido.
E a questão da pessoa, aí imbricada, leva-nos a uma antropologia existencial. Ora, a questão existencial é traspassada aqui pela dimensão de profundidade da vida de brasis e afros, escravizados e mercadoria e, de outro, por elementos da cultura lusa, católica e contra reformadora, que eram, também, dimensão de profundidade. Ao resgatarmos a metáfora tillichiana, dimensão de profundidade, estamos dizendo que a fé católica contra reformadora e as religiosidades de brasis e afros apontavam na direção daquilo que era incondicional para lusos e para brasis e afros, respectivamente. Assim, num sentido amplo, a fé lusa era preocupação fundante que se manifestava em todas as funções criativas de vida e relacionamentos, mas também a cultura de brasis e depois de afros cumpriu papel idêntico em relação à vida e relacionamentos desses povos.
Pensar os choques e construções do Brasil nos leva à pergunta sobre um desencontro civilizatório. Nem sempre é necessário perguntar-se pelos rastros de um fenômeno histórico, mas, quando não temos respostas para uma realidade que se apresenta nova, então é necessário sair atrás desses rastros: é, então, necessário procurar por tais rastros do pensamento político-religioso nas pessoas e nas comunidades.
Sem uma utopia do humano, de suas forças e tensões, não se pode dizer nada sobre as fundações políticas do pensamento e do ser religioso. Sem uma teoria do humano não se pode construir uma teoria das orientações políticas e religiosas. Mas os brasis e afros, e aqui estamos falando das culturas brasis e africanas, são pessoas e, por isso, seres divididos. Não importa saber onde termina a mata e onde começa o brasilíndio, não importa que a passagem entre continente africano e afrobrasileiros se tenha feito através de transições ou por saltos. O importante é que, em determinado momento, a diferença ficou clara.
Os brasilíndios e os afrobrasileiros têm consciência de si mesmo, distinguem-se da mata e do continente africano enquanto seres que se desdobram, tornando-se pessoas da multicuturalidade brasileira, conscientes de si mesmos. A mata e também o continente africano ignora essa divisão, por isso os brasis e afros não são uma combinação de partes autônomas, tais como mata e continente africano e corpos escravizados, mas seres fendidos enquanto unidade. Essas determinações gerais levam a algumas considerações no que se refere aos brasilíndios e afrobrasileiros, negam qualquer dedução das culturas brasilíndias e afrobrasileiras enquanto puro movimento reflexo frente ao luso que escraviza, mercadeja e mata.
E porque os pensamentos políticos e religiosos vêm do ser humano enquanto unidade, a relação entre brasis, afros e lusos está enraizada no ser que são. É por isso que não se pode entender essas correlações entre pensamentos e culturas sem contextualizar seus enraizamentos no seres humanos enquanto seres imbricados a pulsões e interesses, constrangimentos e aspirações constituintes do humano. Mas também é impossível separar brasis, afros e lusos de suas consciências, ou ver cada um deles como simples subproduto de suas origens enquanto brasis, afros e lusos.
A consciência estrutura o ser enquanto ser social, em cada um de seus elementos, inclusive as sensações pulsantes mais simples. Mas, quando se tenta desfazer laços, passa-se ao largo da primeira e mais importante característica daquilo que é humano, de que há uma consciência inadequada ao ser, uma falsa consciência, que, no entanto, não invalida a unidade do ser e da consciência. Isso porque não é possível haver falsa consciência quando o que é designado não é conhecido.
A consciência ajustada é uma consciência que emerge da pessoa e ao mesmo tempo a determina. Não pode ser uma coisa sem ser a outra, porque o humano é uma unidade na divisão, e dessa unidade nascem as raízes do pensamento político e religioso. O ser humano, quer seja o brasil, afro ou luso, se encontra enquanto realidade dada, assim como seu ambiente.
O desafio para quem analisa símbolos, quer ideológicos, quer utópicos, é o próprio exercício da leitura. O desejo de conservar a linguagem, como ela se nos apresenta numa primeira leitura, pode levar a uma solução oposta àquela que se pretende. Considerar o simbólico como desprovido de relevância é, em última instância, separar ideologia e utopia.
Um exame da ideologia e da utopia, afirma Ricoeur, revela duas características comuns aos dois fenômenos. Em primeiro lugar, ambos estão no ponto mais alto dos fenômenos ambíguos. Cada um tem um lado negativo e um lado positivo, construtivo e um destrutivo, uma dimensão constitutiva e uma dimensão patológica. Em segundo lugar, têm em comum que em ambos o aspecto patológico vem em primeiro lugar, o que nos leva a proceder de forma regressiva, a partir da superfície das coisas. Assim, quando uma tradição passa a ser apenas um conjunto fechado costumamos dizer que compreendemos a referida tradição. Mas ao fazer isso, na verdade, eliminamos a possibilidade de ir além da superfície de tal tradição e restaurar seu emaranhado de intenções. Mas, logicamente, uma leitura tem como ponto de partida e exige como garantia a compreensão do primeiro discurso.
Sim, ao olhar brasis, afros e lusos nos vemos diante da pergunta sobre um desencontro civilizatório. Nem sempre é necessário perguntar-se pelos rastros de um fenômeno histórico, mas, quando não temos respostas para uma realidade que se apresenta nova, então é necessário sair atrás desses rastros: é, então, necessário procurar por tais rastros do pensamento político-religioso nas pessoas e nas comunidades. E é esse caminho, que parte da teologia da cultura, que nos direciona na análise dos tupinambás.
Edgar Morin se pergunta: o que é complexidade? E diz que, à primeira vista, é um fenômeno quantitativo, uma quantidade extrema de interações e interferências num grande número de unidades. Mas a complexidade não é apenas a quantidade de unidades e interações que desafiam nossa capacidade de cálculo: inclui incertezas, indeterminações, fenômenos aleatórios. Por isso, a complexidade tem sempre um sentido de acaso.
Nas leituras dos encontros e desencontros entre lusos, brasis e afros, os sentidos da palavra complexidade são fundantes, pois remetem à diversidade, elementos, conjuntos, fatos e circunstâncias que têm nexo entre si, mas também em que estão presentes o imprevisível, no sentido de que compreensões e resultados são incertos, pois aí estão sistemas ordenados e aleatórios, combinando ordem e desordem: donde a presença do acaso. E caos, conceito que sempre aparece quando se discute a complexidade, aqui deve ser entendido como vazio que propicia a geração do mundo. Mas, na construção dessa leitura, vemos que complexidade e caos são aqueles comportamentos não previsíveis que aparecem nas relações entre os franceses e os tupinambás. Dessa maneira, leituras sobre as relações entre lusos e brasis e afros, que partam da complexidade e do caos de tais encontros e desencontros, remetem às equações não lineares que regeram a plantação da colônia portuguesa em terra brasil, onde alterações no valor de parâmetros geraram mudanças significativas no projeto luso.
O fato é que lusos, brasis e afros eram adaptativos, suas regras de comportamento mudavam à medida que eram confrontados com realidades antes desconhecidas. Na verdade, esse novo mundo português não é aquele representado pela metáfora de uma máquina. As coisas são mais do que a soma de suas partes. Equilíbrio é morte. Causas são efeitos e efeitos são causas.
A partir de Tillich, entendemos que o estado da existência é o estado da alienação. Ou seja, o ser humano se encontra alienado do fundamento do seu ser, dos outros seres humanos e de si mesmo. E essa alienação é fruto da ruptura com o mundo ideal da criação, da natureza perfeita, o que dá origem à consciência. Mas é importante entender a relação entre alienação e a comunidade humana, tribal ou não. Para Tillich, uma comunidade é uma estrutura de poder, onde existe conflito potencial ou real, mesmo que exista ação solidária da comunidade como um todo. Na comunidade não necessariamente existe culpa coletiva, mas existe destino universal e todos participam desse destino. E o destino se acha inseparavelmente unido à escravidão e liberdade, e nele é experimentado fracasso e conquista.
Em acontecimentos caóticos não lineares, como é o caso da experiência vivida nas terras brasis, causas e efeitos desaparecem pela amplificação da retroalimentação que transforma variações em consequências trágicas. O que acontece não é passível de ser plenamente conhecido, de imediato. Donde a importância de uma leitura da complexidade para que se possa compreender a relação entre a simbologia do acontecimento e a interpretação de suas expressões.
Numa abordagem teológica da cultura, a questão da origem é fundamental para o estudo dos brasis, dos afros e dos lusos e suas leituras da alienação, pois posiciona o mal em condições e momentos diferentes. A relação origem versus mal sublinha a alienação humana como estado da existência, o que permite a leitura do que são as pessoas quando confrontadas com o desafio da escravidão e da liberdade existencial. Quando no uso da liberdade está contida a possibilidade de oposição ao definido e nomeado. A alienação, pois, consiste nisso, na decisão autônoma dos brasis, dos afros e mesmo dos lusos de distanciarem-se da ordem e do estabelecido. Esse deslocamento, de ruptura com suas origens, levou brasis, afros e lusos a buscarem novos centros de suas vontades e de seus fazeres, produzindo distanciamento das origens, mas consciências dependentes dessas existências em construção. Nesse sentido, tais rupturas, tais distanciamentos, geraram encontros, e aí se colocaram possibilidades de bem e mal.
Assim, aqueles males eram a corrupção da liberdade de brasis, afros e lusos por eles próprios na diversidade das relações. Colocaram-se em estado servidão, deixaram-se dominar por suas próprias paixões. Assim, o entendimento do mal enquanto alienação e abertura à perda de liberdade forneceu elementos para a construção de novas espiritualidades, já que o mal remetia à própria liberdade.
Bem, tais leituras são complexas e amplas e têm como finalidade abrir horizontes, já que as interpretações calcadas num aparato de retroalimentação negativo levaram a leituras formais das dogmáticas cristãs e a acreditar que os lusos, expostos às novas realidades, caminharam na direção correta pela correção de seus desvios do plano traçado. À luz da complexidade hermenêutica o quadro é mais complicado: as interpretações de origem medieval estavam corretas para leituras ligadas às rotinas da formalidade isolada, mas no que tange à produção criativa de conhecimento, que respondesse às necessidades das relações sociais no Novo Mundo, como entre lusos, brasis e afros, elas se mostraram tragicamente limitadas. Os resultados não desejados de suas ações não podem ser plotados porque a estrutura do sistema religioso católico contra reformador, amaciado pela realidade da sexualidade do opressor, entre outras realidades, tornou o futuro impossível de ser controlado. O corolário é que o dogma viável não é algo que é o resultado de um intento prévio de um intérprete visionário. Ao invés disso, emerge das múltiplas possibilidades lançadas por várias dinâmicas em colisão entre a vida humana e a tradição. Assim, os estudiosos das origens das culturalidades brasileiras precisam se pensar jardineiros, que ao invés de intencionarem devem trabalhar possibilidades.
Isto porque, estamos diante da ausência de horizontes: não há razão autônoma. Assim, é o caso de se perguntar: é possível existir algum contato com a chamada realidade hermenêutica quando lusos, afros e brasis, conscientemente ou não, criaram possibilidades de mundo onde foram mais reais que o real, quando o encontro multicultural glosou a uniformidade?
A identidade da pesquisa dessas origens não pode ser encarada como uma forma de ser plena e apriorística, mas como realidade relacional. Ou seja, na pesquisa se entrecruzam questões de identidades culturais e comunitárias, o que acaba por revelar uma dimensão estrangeira, a manifestação de um, dois ou três outros. Na medida em que há constante busca identitária, o confronto com esses um, dois ou três outros supõe sempre uma comparação, explícita ou implícita, e se integra naquilo que serão as representações dos outros.
Mas queremos agora dar um mergulho num texto a partir de uma antiga hermenêutica, aquela do quadrívio e os desafios hermenêuticos que nos coloca.
“Ó Deus, oramos por tua Igreja, que está vivendo hoje em meio às perplexidades de constantes mudanças e se encontra diante de um novo e grande trabalho. Lembramo-nos com gratidão de como ela nos nutriu no começo de nossa vida espiritual, das tarefas que ela nos deu para que ficássemos mais fortes, da influência que recebemos das pessoas que ela reúne e do poder constante do bem que ela exerce. Quando a comparamos com todas as outras instituições, nós nos alegramos, porque não há nenhuma outra que se iguale a ela. Mas quando a julgamos com a mente de seu Mestre, nos curvamos com piedade e contrição. Batiza-a novamente no Espírito de Jesus! Permite que ela renasça, ainda que para isso tenha de passar pelas dores de parto do arrependimento e da humilhação. Dá-lhe sensibilidade maior para seus deveres, compaixão mais intensa pelo sofrimento e lealdade total para com a vontade de Deus. (...) Dá-lhe força para aceitar a causa do povo e para reconhecer nas suas mãos, que tateiam em busca da liberdade e da luz, as mãos feridas de Cristo. Ordena que ela pare de procurar sua própria vida, para que ela não a perca. Dá-lhe coragem para se dedicar à humanidade, e, como o Senhor crucificado, que ela possa andar pelo caminho da cruz em direção a uma glória mais alta”. Oração pela igreja, Walter Rauschenbusch.
Ao percorrer os caminhos da brasilidade, ao longo dos últimos cinco séculos, podemos encontrar as raízes que explicam a miséria da nação. As bandeiras da emancipação, da democracia e da justiça social continuam presentes hoje com tanta força como em épocas passadas. Essas bandeiras, sociais e políticas, traduzem a fragilidade do cristianismo no Brasil, que no correr das últimas décadas parece ter crescido muito, mas pouco tem feito em relação aos miseráveis e excluídos.
No entanto, essas bandeiras emancipatórias são indissociáveis do cristianismo e da ética do amor cristão. E precisam ser vividas, enquanto tradução do cristianismo que professamos.
Ética cristã e democracia não são excludentes. Ao contrário, se completam e precisam ser vividas na Igreja e na denominação, se desejamos fazer a diferença, fazer com que o significado histórico do projeto batista marque nossa presença no futuro da nação.
Jesus respondeu:
-- Um homem ia descendo de Jerusalém para Jericó. No caminho alguns ladrões o assaltaram, tiraram a sua roupa, bateram nele e o deixaram quase morto. Por acaso um sacerdote estava descendo por aquele mesmo caminho. Quando viu o homem, passou pelo outro lado da estrada. Também um levita passou por ali. Olhou e também foi embora pelo outro lado da estrada. Mas um samaritano estava viajando por aquele caminho e chegou até ali. Quando viu o homem, ficou com muita pena dele. Chegou perto e fez curativos, pondo azeite e vinho nas feridas. Depois disso, colocou o homem no seu próprio animal e o levou para uma pensão, onde cuidou dele. No dia seguinte, entregou duas moedas de prata ao dono da pensão, dizendo:
-- Tome conta dele. Na volta, quando eu passar por aqui, pagarei o que você gastar a mais com ele.
Então Jesus perguntou ao professor da Lei:
-- Na sua opinião, qual desses três foi o próximo do homem assaltado?
-- Aquele que o socorreu – respondeu o professor da Lei.
-- Pois vá e faça a mesma coisa – disse Jesus. Evangelho de Lucas 10.30-37.
Eis um pensar teórico produzido pela hermenêutica patrística, que chegou ao seu momento mais alto com a lectio scolastica e lectio divina da escolástica de Tomás de Aquino. Essa hermenêutica que ficou conhecida como quadrivium, parte da compreensão de que o texto ensina os fatos, a alegoria projeta em direção à teologia, o sentido ético mostra o que se deve fazer e o sentido anagógico aponta para o que tende a ser.
Quadrivium é uma palavra latina derivada da junção de duas outras: quattuor, que significa quatro, e via, que quer dizer caminho. Temos assim, quatro vias, quatro sentidos, quatro caminhos. Quadrívio/ quadrivium é então encruzilhada em forma de + e, por extensão, lugar frequentado, praça pública. Mas quadrívio é também hermenêutica.
O sentido primeiro ou sentido literal do quadrívio apresenta fatos e acontecimentos. O sentido simbólico traduz verdades teológicas do texto percebido primeiramente em seu sentido literal. O sentido ético diz respeito àquilo que o crente deve fazer. E por último, o sentido escatológico aponta para os fins últimos.
É claro que esses quatro sentidos formam um processo, que vão num crescendo, embora cada um dependa do outro. Assim, é preciso guardar-se da simplificação das categorias. Quando a exegese é fraca e desprezamos o sentido literal, o sentido simbólico que leva ao teológico, tende a descolar-se da realidade produzindo conclusões disparatadas. E se não entendermos o sentido teológico, da mesma maneira, o fazer ético deixa de ser objetivo e prático. Por fim, quando não vivemos o sentido ético, o escatológico passa a ser um sonho, ou um pesadelo, por não ter relação com a vida cristã.
A tomada de decisão na vida pessoal e social é uma exigência constante. Vivemos sob um bombardeio de encruzilhadas. Quando possuímos desejo de mudança, advindo dos erros cometidos, postura e atos mudam a vida até aqui levada. Invertem-se então os papéis. De qualquer maneira, é incontestável o defrontar-se com a necessidade de solucionar difíceis questões no correr de nossa vida.
Nossas perplexidades diante das circunstâncias e do mundo têm sempre solução na encruzilhada da cruz, que nos apresentam caminhos novos a percorrer. Mas o sentido desse caminhar é desafiador.
A encruzilhada surge quando precisamos percorrer os quatro caminhos que nos levam à mudança: a escolha de opções, a renúncia da indiferença, a renúncia do status quo e a escolha da pessoa.
O primeiro caminho é o da opção ou a via das opções. É preciso ter em mente que a partir do momento em que tomamos esse caminho, temos as opções práticas de escolha para a decisão. Quando estamos diante de um desafio, estamos também diante de alternativas de escolha, quer seja uma só ou várias. Toda opção exige liberdade de escolha, preferência, tomada de decisão. Por isso é tão difícil.
Mas, diante da indecisão, temos de escolher dentre as opções a que melhor soluciona o desafio que se levanta diante de nós. Quando entendemos isso, já demos o primeiro passo no caminho das opções. E esse primeiro passo é um progresso. Quando tomamos uma decisão é preciso refletir até que ponto ela é inquestionável. Quando descobrimos sua incontestabilidade as dificuldades tornam-se mais fáceis de serem resolvidas, porque temos a convicção de que a melhor opção já foi tomada. Mas ainda faltam caminhos a percorrer.
O segundo caminho é o da renúncia à indiferença. Renúncia a tomar posições é uma tentação presente em nossas vidas. É algo demoníaco e só se justifica em casos não vitais e passíveis de aprazamento. Muitas vezes, renunciamos à tomada de decisão quando ela nos parece traumática, não cabível ou impossível à primeira vista, assim protelamos porque nos traz um aparente conforto. Mas, na maioria dos casos, este é o pior caminho. Através dele ignoramos a decisão e optamos pela indiferença: fingimos que a decisão não se refere a nós e preferimos não enxergá-la. Normalmente, quando ignorarmos a decisão, a situação tende a se complicar ainda mais. Além, é claro, da possibilidade de sermos considerados covardes e irresponsáveis por aqueles que nos observam.
Ao escolhermos a via da renúncia à indiferença, procuramos mudar o cenário da decisão a fim de mudar paralelamente as opções de escolha. Ao percebermos que as opções disponíveis não bastam ou não nos atende de maneira satisfatória, procuramos uma mudança nas premissas que estabeleceram a decisão. E é esta situação que nos leva ao terceiro caminho.
O terceiro caminho é o da renúncia ao status quo. Quando trilhamos o caminho das opções e avançamos através da renúncia à indiferença somos, muitas vezes, desafiados a fazer um terceiro caminho: percorrer a via da resignação da dignidade de posições aparentemente inquestionáveis. Renúncia aos privilégios do status quo é isso... sacrifício para que possamos superar circunstâncias e tomar decisões.
O quarto caminho é a escolha da pessoa. Quando nos deparamos com circunstâncias adversas, é fundamental que a escolha de opções e nossas renúncias nos levem à pessoa. É claro que os fatores externos precisam ser levados em conta, a mudança dos paradigmas pessoais é prioritária, mas se permanecermos neles como únicas bases para nossa escolha, o futuro será implacável. A criatura humana, imagem de Deus, ser consciente de si mesmo, senhor dos seus atos e, por isso, responsável por eles, é o quarto momento do quadrívio. Mas, esta pessoa é também unidade social que se expressa no agrupamento humano organizado. No caminhar, o caminhante faz o caminho. E esta é uma questão radical.
É isso que Jesus nos ensina nesta belíssima parábola do Bom Samaritano. E é por isso que ele finaliza a história dizendo:
-- Vá e faça a mesma coisa.
O cristianismo é em sua essência uma experiência transcendente ao nível da materialidade humana, uma experiência que acontece em todos os tempos e em todas as situações e é em si mesma independente de formas sociais e econômicas. Nesse sentido, o cristianismo não pode ser identificado com um tipo determinado de organização social, em detrimento de seu caráter transcendente e universal.
Mas, ao mesmo tempo, o cristianismo é portador de poder e oferece à humanidade uma mensagem de vida, de conhecimento e de verdade, tanto para a pessoa como particularidade, como para a sociedade como um todo. Exatamente por isso, apresenta-se como capenga toda forma de cristianismo que se fecha na pura interioridade.
Também não se pode dizer que o cristianismo é um movimento que mecanicamente parte da interioridade em direção à exterioridade, apropriando-se de formas culturais ou simplesmente passando ao largo delas. Na verdade, dá forma às expressões culturais e, concomitantemente, toma novas formas a partir delas.
A ética do amor, translúcida no texto de Lucas 10.30-37, leva o cristianismo a ter uma postura crítica diante da ordem social que se apoia na opressão e na exclusão social.
A ética do amor cristão faz a crítica da ordem social que está erigida sobre o egoísmo político e econômico, e proclama a necessidade de uma nova postura, na qual o sentido de comunidade seja o fundamento da organização social.
Essa ética denuncia o egoísmo pessoal e social, assim como as estruturas que mantêm e favorecem esse egoísmo, e que, em última instância, levam à exclusão de grandes parcelas de pessoas em nosso estado e em nosso País. A ética do amor, ao contrário, propõe uma parceria solidária onde a alegria não seja fruto do lucro, mas do próprio trabalho.
Da mesma maneira, a ética do amor cristão condena o egoísmo de grupo, quando fechamos nossa igreja entre quatro paredes, para não ver, sentir e sofrer com a miséria e a exclusão de homens e mulheres, que para nós são apenas paisagens dos cenários urbano e rural.
A ética do amor cristão condena o egoísmo que justifica a violência e o abandono. E, ao contrário, prega a submissão à idéia do direito à cidadania, à vida e à construção de uma consciência comunitária.
Não somos os primeiros cristãos a viver os tempos difíceis. A igreja no correr de sua história viveu tempos terríveis. Mas agora, no terceiro milênio da história cristã, somos mais uma vez desafiados. E tendemos a oscilar entre dois perigos: a desesperança, ou seja, viver como se Cristo nunca fosse voltar, ou esperar o clímax iminente da história humana. Em ambos os casos, caímos numa cilada, que é virar às costas para a realidade social.
É impressionante notar, que o Brasil ocupa um lugar de destaque em população cristã evangélica em todo o mundo. O que pode ter um significado estratégico para a causa da justiça social. Mas para que isso aconteça é necessário uma compreensão da ética cristã em relação próximo.
Omissão e indiferença, esses dois inimigos ameaçam o evangelho de Cristo. O primeiro deixa o amor ao próximo para depois, e o segundo está tão ausente que nem o próximo consegue enxergar. Por isso, precisamos desenvolver uma teologia que mostre às nossas igrejas que não existe cristianismo pleno sem compromisso social.
O amor cristão parte da compreensão de Deus. Ele é o Deus da justiça, é o Deus da misericórdia. Os cristãos em comunidade formam a igreja e ela é o corpo de Cristo na terra. É através da comunidade cristã que se dá o exercício terreno da graça de Deus.
Definida a necessidade de uma teologia e ética do amor, somos levados a estudar a viabilidade da prática dessa atividade cristã.
É importante ficar claro que nossa responsabilidade social deve levar em conta dois princípios: a justiça e a paz. Está claro que toda decisão a favor da justiça exige não somente uma decisiva postura cristã, mas coragem para renunciarmos ao status quo.
Posicionar-se no Brasil de hoje, a partir de uma ética do amor, implica em entender uma contradição essencial, que muito possivelmente só poderá ser resolvida no longo prazo: vivemos num país onde imperam a herança do autoritarismo colonial escravista (a ética da casa grande & senzala) e uma moral da sensualidade absoluta (a moral do “não existe pecado do lado de baixo do Equador / vamos fazer um pecado rasgado, suado, a todo vapor”).
Do lado oposto, entendemos que o uso ególatra de bens e posses, a corrupção, a discriminação social e a depravação só produzem miséria e sofrimentos. Não dizemos que a pessoa brasileira está impossibilitada de criar e produzir coisas boas e belas, mas que esta ação é efêmera. Assim, temos um ser ambíguo (como o resto da humanidade), que produz uma cultura também ambígua, por vezes plena de beleza e criatividade, mas também maligna e destruidora.
Nossa atuação no campo social implica em entendermos a realidade cultural e optarmos por trilhar a via dolorosa das opções, das renúncias e do encontro com nosso próximo.
Só assim, a construção de uma ética do amor produzirá frutos eternos, que florescerão através dos anos para a honra e a glória do nosso Senhor. Por isso, não falamos de um momento, mas de um processo, que crescerá conforme cresça também a consciência ética dos batistas, de que fomos chamados pelo Cristo para desenvolver uma tarefa histórica, juntos com os setores éticos da sociedade, que é o de transformar o Brasil num país onde todos tenham acesso a cidadania, à justiça e às condições dignas de vida.
A cultura brasileira, fruto direto da escravidão, tem um caráter mágico, fortemente empapado no maravilhoso. Isto se dá porque o dia-a-dia da pessoa brasileira está ligado à busca da transcendência. Nesse sentido, o elemento que vai além e ultrapassa o concreto do dia-a-dia do brasileiro é o transcendente.
Essa presença do maravilhoso caldeia toda a malha relacional, indo do brasileiro simples e pobre ao sofisticado e rico. No entanto, é preciso entender que o maravilhoso relacional da cultura brasileira não nasceu de um processo pacífico, mas violento, do choque entre o universo transcendental de brancos e a matriz sacralizadora da natureza, de índios e negros. A contra-reforma católica produziu genocídio indígena e escravidão negra, macerando o universo religioso de povos e nacionalidades. Mas nós batistas não ficamos longe disso, já que assimilamos e aceitamos como paisagem cultural a exclusão resultante da escravidão.
A recuperação da história dos povos indígenas e do povo negro realizada enquanto tradição e cultura ligam-se à necessidade de conscientização da identidade brasileira. Aquele que esquece nega o esquecido, reprimindo ou suprimindo. A identidade está imbricada à memória. Evocar a memória é convocar e provocar, é transformar.
Dessa maneira, conhecendo e reconhecendo o negativo da cultura relacional brasileira, que se traduz na tentativa de esconder as injustiças sociais, podemos resgatar o que ela construiu de positivo. Afirmar a cultura à qual pertencemos é o primeiro passo para construir uma teologia batista que responda às necessidades da pessoa brasileira, compreender a identidade desse povo e a sua busca de felicidade e transcendência.
Fruto dessa cultura relacional e da presença evangélica estamos presenciando em nosso País a descoberta da realidade da vida espiritual e da dimensão religiosa.
Diante disso, sugerimos a formulação de uma prática que deve partir de duas tarefas: uma de negação e outra de afirmação.
1. A negação consiste em realizar a crítica da tendência à privatização da igreja. O Iluminismo rompeu a unidade entre existência religiosa e existência social. Por isso, a igreja acabou por refugiar-se na esfera do privado. Privatizou a mensagem da salvação e reduziu o exercício da fé à pessoa separada da vida social e do mundo em que vive. Para a consciência batista, determinada por essa teologia, as realidades social e política têm apenas uma existência efêmera. As categorias que essa teologia utiliza para explicar a mensagem cristã são as categorias do íntimo, do privado, do não social, do não político.
2. A afirmação consiste em desenvolver as implicações sociais da mensagem cristã. Não se trata de dar as costas ao problema levantado pelo Iluminismo, mas em responder teologicamente aos desafios, assumindo a tarefa de desenvolver uma nova relação entre teoria e prática. A Igreja pode e deve fazê-lo, pois as promessas escatológicas da tradição bíblica, de liberdade, de paz, de justiça e de reconciliação, não constituem um horizonte vazio na expectativa cristã, mas têm uma dimensão política, que é preciso fazer valer na sua função crítica do processo histórico-social.
Assim, na elaboração de uma prática protestante, à comunidade cristã cabe a tarefa de proclamar o evangelho da salvação, exercendo função crítica diante da sociedade. A igreja pode e deve assumir essa tarefa. Esta tarefa deve ser exercida na defesa da pessoa e de sua pessoalidade -- que não podem ser vistas como paisagens de um cenário -- e na mobilização do poder crítico do amor que está no centro da tradição cristã.
A função crítica dos protestantes frente à miséria e exclusão produzirá repercussões na própria igreja: promoverá uma nova consciência no interior da igreja e criará uma transformação das relações da igreja com a sociedade.
Mas, se deve haver uma ação para fora, deve também haver uma ação para dentro. Isto porque, herdamos em nossas relações sociais, religiosas e comunitárias o padrão autoritário. Tal padrão nos leva a transformar, conscientes ou não, a democracia em discurso ideológico, sem tradução prática com o conjunto da denominação, que não tem como eleger democraticamente, por voto direto e universal, os executivos de nossas empresas, definir mandatos, propor programas e apresentar candidaturas, chapas e programas para essas empresas e suas gestões. Reproduzimos assim o padrão autoritário, impossibilitando que jovens participem dele, que a criatividade e gente melhor capacitada participem do processo democrático da gestão e governo da denominação e suas empresas.
Por isso, podemos dizer que a ética do amor, democracia e transparência não são excludentes. Ao contrário, se complementam e precisam ser vividas também nas empresas da denominação, se desejamos fazer a diferença, fazer com que o significado histórico do projeto batista marque presença no futuro da nação.
Afinal, quando nos deparamos com circunstâncias adversas, é fundamental que a escolha de opções e nossas renúncias nos levem à pessoa. É claro que os fatores externos precisam ser levados em conta, a mudança dos paradigmas pessoais é prioritária, mas se permanecermos neles como únicas bases para nossa escolha, o futuro será implacável. A criatura humana, imagem de Deus, ser consciente de si mesmo, senhor dos seus atos e, por isso, responsável por eles, é o momento especial do quadrívio. Mas, esta pessoa é também unidade social que se expressa no agrupamento humano, protestante ou não. No caminhar, o caminhante faz o caminho. E esta é uma questão radical.
É isso que Jesus nos ensina na parábola do Bom Samaritano. E é isso que ele enfatiza ao dizer:
-- Vá e faça a mesma coisa.
Mas ideologia e utopia são passíveis de transformação civilizadora, em que, no caso que estudamos, o relacionamento de lusos, afros e brasis traduziu um momento de complexidade sem precedentes, em que as coisas mudaram mais rapidamente que suas habilidades de compreender. Para Ricoeur, a ideologia traduz sempre um processo de distorção através do qual a pessoa ou comunidade define sua situação, mas sem conhecer ou reconhecer, de fato, tal situação. Assim, por exemplo, a ideologia pode refletir a situação social de uma pessoa, sem que ela tenha plena consciência dela. Mas esse processo de ocultamento também produz conforto. Da mesma forma, o conceito de utopia é considerado como representando uma espécie de sonho social que não apresenta os passos necessários para a sua realização. Mas, nesse processo de construção do imaginário social, ambos conceitos apresentam lados positivos e negativos, e a polaridade ou a tensão entre eles são características estruturais fundantes para a compreensão da cultura e suas leituras.
Devemos resistir à tentação de procurar respostas simples para esses relacionamentos, pois o que parece ser força interpretativa pode transformar-se em fraqueza que nos deixa abandonados à mercê da sorte. Diante disso, será possível distinguir entre ideologia e fé na relação das comunidades analisadas, se a utopia do imaginário construiu a nova realidade? Bem, como lusos, afros e brasis viveram num mundo em processo de equilíbrio instável, para entendê-lo devemos ir às margens daquele sistema.
A partir da complexidade vemos o fenômeno da interpretação como marginal e emergente. Não está fixo, porque a complexidade é móvel, momentânea e o momento marginal de seu aparecimento é inevitavelmente complexo. E aqui devemos nos lembrar que uma situação de complexidade sempre aparece como confusão e dificuldade. Longe de ser um estado, esse momento emergente deve reconstituir o fluxo de tempo, enquanto impulso que mantém o texto em movimento. É interessante que a palavra momento derive da ideia de impulso em latim, mostrando movimento como sendo também impulso. Embora represente um ponto simples, o momento é inerentemente complexo. Seus limites não podem ser firmemente estabelecidos, porque sempre estão trocando de modos, que dão fluidez ao momento. Nessa leitura estamos sob o domínio do intermediário.
O Novo Mundo de lusos, afros e brasis não é transparente porque não temos a informação adequada e necessária para estabelecer leis. Assim, a completude da operação desse encontro de mundos é inacessível. A partir dessa compreensão de caos e complexidade, duas razões podem ser destacadas na abordagem.
Primeiro, devemos entender que as tradições culturais e religiosas são sistemas abertos. E, segundo, que as estruturas e os sistemas das tradições envolvem relações que não podem ser entendidas apenas em termos de modelos lineares de causalidade. É impossível medir as condições iniciais com precisão para determinar as relações causais desse período colonial. Então, a imprevisibilidade é inevitável. Ao contrário dos sistemas lineares, nos quais causas e efeitos são proporcionais, aqui a avaliação é complexa, porque o período se auto-alimentou da vida de seus partícipes nos últimos quatro séculos e meio e tal recorrência gerou causas que tiveram efeitos desproporcionados.
Uma leitura da complexidade está menos interessada em estabelecer a fuga ou o caos determinado, pois oscila entre ordem e caos. O momento de complexidade é o ponto no qual sistemas organizados emergem para criar novos padrões de coerência e estruturas de relação. Assim, a percepção da complexidade pode ser utilizada para iluminar as questões da correlação entre lusos, afros e brasis, isso porque a possibilidade da vida, que faz a travessia de um regime equilibrado de ordem e caos, é o que há de comum entre os processos complexos.
A situação dentro de uma rede que envolve trocas de diferentes tipos, econômicas, religiosas, simbólicas, constitui relações de particularidade: se torna o que é em virtude de sua situação dentro de redes complexas. Mas as redes não estão fechadas e estáveis, mas abertas. Então, a subjetividade nunca é um produto acabado, está em mudança porque as redes dentro das quais se inscreve estão em permanente mudança.
E os rastros que deixamos e seguimos podem se apresentar de diferentes modos. Um dos problemas como percebemos a utopia da colônia portuguesa é que não está separada da maneira como percebemos as revelações chegadas a nós. Assim, podemos ressaltar um aspecto da dogmática católica dos lusos: Deus é onisciente e o que está acontecendo é porque ele nos escolheu para isso. Temos então a economia da representação católica que faz as leituras das revelações brasis e afros a partir de operações dentro de estruturas de referência que reivindicam para si o referir-se ao outro e são estruturas de ego-referência que usam o outro para a conformação de uma leitura de dominação.
No esforço para afiançar a identidade entre intérprete e texto e estabelecer sua presença, o hermeneuta descobre diferença e ausência. Embora lute para negar isso, essa é a realidade. A procura pela presença em autoconsciência conduz à descoberta da ausência. A autoafirmação e a negação provam estar ligadas indivisivelmente. E, assim, o intérprete se faz caminhante e o texto, viagem. Por isso, a viagem de volta ao ato de interpretar é uma viagem perigosa, pois na representação o texto é quebrado e aberto. A quebra do texto é registrada pela travessia. A travessia é, em geral, a abertura do texto à exterioridade, à relação enigmática de um interior atravessado pela externalidade. A ausência sempre está presente e o exterior é sempre isto: morte. O presente vivo sempre é marcado pela morte. E essa morte é a não conservação que assombra a presença e dentro do caminho da travessia se inscreve uma cruz que marca o local do desaparecimento do texto.
Os caminhantes necessitam compreender o que é a ideologia da imagem, e como pode ser usada para prover uma interface mais íntima entre o que é humano e a relatividade hermenêutica, e como dados sensoriais se transformam em experiência real. No entanto, o fundamental é analisar a representação que se coloca por trás da ideologia e dentro da estrutura. Pode-se dizer que tudo que o intérprete faz é simulação. Assim, a realidade da ideologia, que poderia ser um novo paradigma, se torna uma metáfora. É um conceito estranho e provocante, com certo senso de aventura. Essa compreensão da hermenêutica leva a uma totalidade estrutural na qual tudo está dentro e tem seu próprio outro. Assim, alteridade e diferença são componentes essenciais do ato de caminhar, e a relação entre alteridade e diferença é, em última instância, ato de fazer a travessia do texto.
Por isso, a leitura das origens tem valor na construção do caminhante. Quando tais leituras resistem a esse papel, quando se recusam a serem usadas ou consumidas, tais territorialidades são invadidas e suas alteridades colonizadas. Dessa maneira, a ideologia que as leituras das origens nos oferecem terminam sendo reaos. Prometem a realidade, que deixa de ser metáfora, e se transforma em criação verdadeira. Nesse sentido, a ideologia deixa de ser metáfora e se faz metafísica.
A leitura mundializada dos textos de origens criou uma perspectiva do que são os textos lusos e católicos sobre a colonização portuguesa e sobre os brasis e afros. Ou seja, estamos diante da recorrência da teoria da complexidade. Se a perspectiva anterior era a divisão, a perspectiva da leitura mundializada é a integração forçada. Esses processos de mundialização criaram uma cultura de leitura cuja lógica complexa e dinâmica só agora começamos a entender. O contraste entre grades e teias clarifica a transição do sistema anterior para o da cultura em rede. O sistema anterior nasceu para manter a estabilidade através de relações complexas e situações que deveriam ser simplificadas em termos de grades com oposições precisas. Essas eram leituras em que as paredes pareciam prover segurança. Paredes e grades, porém, não oferecem nenhuma proteção diante da possibilidade de se criar teias. Assim, as paredes se desmoronam. Novas estruturas deslocam o velho, embora isso não signifique a aparição imediata do novo. Nessa situação, as oposições estruturais que tinham formado o pensamento hermenêutico se desfazem e o equilíbrio de forças desaparece. Considerando que as paredes dividiam e traduziam um esforço para impor ordem e controlar, teias relacionam o emaranhado dos mundos, transformando conexões nas quais nenhum caminhante está no controle. Como proliferam conexões, a mudança se acelera, trazendo tudo à extremidade do caos.
Intérpretes oscilaram entre enfatizar ideologia e utopia. Alguns tentaram afirmar a ideologia diante da degradação da realização humana, e outros procuraram estabelecer a utopia como afirmação dos valores humanos. E nós nos perguntamos: o que a alternativa ideologia versus utopia omite? Na verdade, ideologia e utopia nos falam do imaginário social, que é formador da realidade social. Assim, a imaginação cultural, ao operar como força construtiva, mas também destruidora, confirma a situação vivida. Então, surge a pergunta: como gerar um desenvolvimento do pensamento crítico. Temos hoje um instrumental fabuloso, mas ao mesmo tempo há uma paralisia ao nível prático do pensamento crítico. Estamos mais desmobilizados hoje do que no passado, disse Ricoeur. Por que? Depende da educação e das condições sociais. Os efeitos negativos do desenvolvimento do pensamento critico tiveram origem em nichos em grande parte oriundos da Europa e Estados Unidos, que fragmentaram o pensamento, dividindo-o em áreas menores. Por isso, é necessário aumentar a coragem pratica e partir para a coragem de fazer. Ousar agir. Romper todo o tipo de passividade. A crítica mexe com nossas emoções, sentimentos e nos obriga a uma nova imaginação. Essa imaginação acontece dentro das diferentes culturas, mas tem como motor nossas emoções. Partir das imagens, ou seja, da própria imaginação. Mas prefiro dizer, partir dos símbolos. O que me permite fazer a crítica da política e da religião. E isso nos leva a compreender o status da imaginação, hoje. Por exemplo, no passado histórico e remoto tivemos a imaginação profética, que criou as bases do monoteísmo. Modernamente tivemos a imaginação do racionalismo e depois outras, como a imaginação marxista. E foram e são essas imaginações que possibilitaram as críticas radicais da modernidade e do século vinte. A força do pensamento critico é essa capacidade da imaginação de sistematizar a emancipação daquilo que está dado e formalizado pela tradição. Ou seja, temos sempre que enfrentar resistências de todos os tipos, nas indiferentes áreas. A imaginação crítica está sempre aberta, mas necessita de coragem para se construir como pensamento, e também enquanto ação transformadora.
O sistema capitalista, o marketing, a mídia, mas também a maneira de gerar riquezas e possuir são o grande entrave para a imaginação crítica. É importante pensar este capitalismo dependente brasileiro, que tem marketing e as fake news como projeto de controle do pensamento. Ou seja, de controle do imaginário. Tal imaginação escravizada não tem poder crítico, é a razão que destransforma. E mesmo a razão simbólica, daí gerada, não é imaginação crítica.
A tarefa do intérprete, para Paul Ricoeur, na crítica das ideologias é desmascarar os interesses que impedem a realização da pessoa e pautar a construção da linguagem sem limite e coação. Jürgen Habermas, filósofo fundador da hermenêutica crítica das ideologias, e citado por Ricoeur, apresenta três interesses como constitutivos das ciências: o interesse técnico, baseado nas ciências empírico-analíticas; o interesse prático, que constrói a esfera da comunicação a partir das ciências histórico-hermenêuticas; e o interesse pela emancipação, constituído pelas ciências sociais críticas. A partir daí deve partir a hermenêutica histórico-crítica, mas, sem dúvida, é o interesse pela liberdade que funciona nela como mola propulsora. Assim, a crítica das ideologias situa-se na base de atuação das ciências histórico-hermenêuticas, ou seja, a comunicação. É no reconhecimento desse espaço que se constitui a idéia reguladora da conversa livre da dominação. Ora, a comunicação é uma herança cultural da humanidade, uma tradição, que é criada e recriada pela interpretação. O ideal da comunicação nada mais é do que uma antecipação, que depende da hermenêutica mesmo para ser anunciada como tal. Ou como disse Habermas: “Não podemos antecipar simplesmente no vazio, um dos lugares da exemplificação do ideal da comunicação é justamente nossa capacidade de vencer a distância cultural na interpretação das obras recebidas do passado. É bem provável que quem não é capaz de reinterpretar seu passado, também não seja capaz de projetar concretamente seu interesse pela emancipação”.
Parafraseando Martin Heidegger, quando fala dos poetas, podemos dizer que os intérpretes são os vigias da casa do ser, daquilo que somos, são os vigias da linguagem. Por isso, as interpretações são as ações de vigiar a casa do ser, mas não são o ser. Interpretar não é explicar nem analisar, é conduzir à conversa poética, onde o real se manifesta na sua verdade dialógica. A interpretação não substitui a obra da ancestralidade, possibilita a conversa. O intérprete não salvaguarda o mundo que a obra da ancestralidade abre, mas salvaguarda a abertura de mundo. Salvaguardar a abertura de mundo manifesta a obra da ancestralidade como vigor de ter sido no vir-a-ser do porvir. A interpretação da ancestralidade é acontecer, que não se propõe, criticamente, como a única verdadeira.
Nesse sentido, podemos dizer que a hermenêutica é um olhar que aborda a dificuldade de compreender. Classicamente, o texto, que foi escolhido para sua primeira abordagem. Mas daí vem a pergunta: precisamos de profissionais da interpretação, alguém que nos apresenta uma elevação como fio condutor? Ou é melhor falar de aproximação epistemológica, diante do espaço que se apresenta problemático. O texto não, sem dúvida, não é o melhor condutor para se estudar a problemática do espaço. A problemática do espaço se dá em regimes diferentes, espacialidade cultura, religiosa, social. Isto porque o espaço tem uma caráter familiar. Todos partimos da familiaridade do espaço, sem dificuldade, sem problema. Temos sempre uma compreensão imediata, mas é necessário encarar de frente o espaço, pois ele se faz problemático a partir de experiências diferentes, pois a espacialidade do próprio corpo e a espacialidade das coisas são coisas correlatas e têm efeitos sobre a especialidade das coisas. Leva a uma confrontação do próprio corpo. Especialidade, espacialidade, as coisas estão próximas, segundo suas originalidades primeiras. E o caráter da familiaridade é surpreendente, é homologia entre o corpo e as coisas. Donde: quando o espaço das coisas exige interpretação? Vivemos a espacialidade das coisas como algo além de nós. Donde a imaginação dos espaços íntimos, por exemplo, da casa, da família. São espaços poetizados: centro quente e periferia fria. Donde a problemática da especialidade nos leva às emoções, porque a pessoa deixa de ser centro de referência. O que exige uma pesquisa dessa problemática do eu que perdeu a orientação. Donde é necessária reorientar a interpretação, para trazer à tona o caráter problemático das coisas.
É verdade, somos pessoa e ambiente a partir das situações. Donde cognição é isso, é construir o caminho dessa relação pessoa e ambiente. E imaginação significa ampliar, guardar as coisas, mas construir analogias, criar conceitos que traduzem toda a riqueza que apresenta um novo horizonte, transformação estética da espacialidade. É uma nova forma de sentir. Posso citar como exemplo, o parque Güell de Gaudí em Barcelona, ou Deus e o Diabo na terra do Sol, de Glauber Rocha. Temos aí a dimensão social do espaço. Nesse caso podemos dizer que habitar o espaço é construir uma correlação entre viver e construir, gera uma arquitetura, um pensar antes, que circula a coisa para possibilitar o habitar.
Assim, a referência normatiza e normaliza o espaço anteriormente criativo, o que nos leva à necessidade de deixar o espaço habilitado e conhecer a natureza selvagem. Mas somos sempre atraídos a voltar ao espaço habitado em detrimento do espaço natural. É o que leva a uma hermenêutica da natureza, e aqui estamos pensando na floresta amazônica e a imensidão ecológica do Brasil, que se faz necessária pois o desafio é presente quando estamos diante da natureza ou mesmo pensamos nela. Há uma essência evanescente na natureza. Ela parece permanente, mas ela é fugaz. Ela muda, se transforma, quando nos aproximamos, quando tentamos pegá-la.
Esses fenômenos explicam a polaridade entre ideologia e utopia e como se relacionam com os diferentes descompassos do imaginário social, sinalizando que os aspectos positivos e negativos dos dois conceitos devem ser entendidos como em permanente relação mútua. Como vimos, Ricoeur considera ideologia e utopia fenômenos que correlacionam termos ambíguos. Ambos têm aspectos negativos e aspectos positivos, um papel negativo e um papel positivo, uma dimensão constitutiva e uma dimensão patológica. E a segunda questão em comum, tanto na ideologia como na utopia, é que o aspecto patológico aparece primeiro, o que faz com que, ao partir da superfície do fenômeno, se proceda de forma regressiva. Mas é o caso de perguntar: além do aspecto patológico, há um elemento correlacional que vaga entre a dialética de cada um e de ambos? Esse elemento poderia não ser nem ideologia, nem utopia? Esse elemento abre o espaço-tempo das culturas hegemônicas dos brasis e africanos diante do catolicismo em expansão, diferenças diferentes e dois outros outros, que subvertem as reflexões de polaridades. Tal espaço-tempo nos leva a um modo de pensar que nos mantém abertos a uma diferença que não se pode controlar. Isso significa falar dos limites, uma parapráxis que resiste ao fechamento da leitura ideológica, que simplifica o mundo, e da leitura utópica, que santifica o mundo. Nem a não declaração da leitura ideológica, nem a declaração positiva da leitura utópica criam espaços através dos quais tal espaço-tempo pode ser olhado como afirmação de alteridade e diferença sem fim. Tais questões mostram as falhas das leituras totalizantes. Ou, como disse Nietzsche, a crença dos metafísicos é a crença nas oposições de valores. Nem aos mais cuidadosos entre eles ocorreu duvidar aqui, no limiar, onde mais era necessário: mesmo quando tinham jurado duvidar de tudo. Pois é possível duvidar, primeiro, que existam absolutamente opostos. E, segundo, que as oposições sejam mais que avaliações de fachada, perspectivas provisórias, vistas de um ângulo, de baixo para cima, talvez. Assim, as leituras totalizantes se expõem enquanto relações amarradas às presenças possíveis de uma ideologia real e estruturas culturais de dominação.
Os textos lusos de origem e as revelações de brasis e afros precisam ser desenredados e nada decifrado. A estrutura pode ser percebida, desenrolada como a linha das meias em todos os pontos e níveis, mas nada haverá debaixo disso: o espaço da escrita é para ser percorrido, não violado. Dessa maneira, os textos de origem, ao recusarem aceitar determinado segredo, transformam-se em atividade última, atividade essa revolucionária posto que a recusa de fixar sentidos é, afinal, a recusa da hipótese de razão, ciência e lei. Assim, o fim do fundamento hermenêutico é seguido pela morte do tema autônomo. O desaparecimento de um requer o desaparecimento do outro. Mas o fundamento não desapareceu simplesmente, ele foi lançado fora. Esta é a questão: o fundamento não morreu, tornou-se humano. Pois uma das coisas que precisam ser pensadas nesse contexto é a leitura mundializada dos textos. É o caso de perguntar qual será o impacto das novas hermenêuticas na noção tradicional do textos? Outra questão é a relação entre espaço e identidade, entre viagem e viajante, já que a geografia e a cultura são fundamentais para o caminhante, enquanto mediação simbólica. Parte do processo de leitura mundializada é seguramente a mundialização dos textos e o fluxo livre deles através de redes no mundo inteiro, pois já não estão restritos aos limites luso-brasileiros.
Infelizmente não se fala do ato hermenêutico propriamente, quando caminhantes livres, usuários dessa viagem, rompem com a geografia produzindo uma desterritorialização, que coloca de lado a relação entre lugar físico e identidade entre viagem e viajante e de outro a noção de espaço simbólico. Da mesma maneira, por serem usuários, ao esquecerem o lugar primário das comunidades, a identidade entre viagem e viajante pode ser trocada do lugar físico para um espaço ideológico, criando um tipo diferente de configuração hermenêutica. E esse espaço ideológico mediado pelas tecnologias cresce em importância. Os processos de desterritorialização não são totalmente negativos. Se o caminhante livre olha a partir da leitura mundializada e compreende as lutas hermenêuticas presentes no mundo da leitura do texto, o esforço para retificar o choque territorial pode ser positivo, pois uma das oportunidades é criar um espaço para a troca de informações. E isso é muito importante para caminhantes livres que podem entrar nesse espaço para apresentar modos construtivos e criativos.
O desafio é repensar ideologia e utopia de tal modo que possamos imaginar estruturas hermenêuticas não totalizantes, que possam criar possibilidades para conexão e cooperação, que reconhecem a necessidade e a inevitabilidade de interconexões sem ter estruturas repressivas. Uma análise que procura explorar a natureza da mudança histórica pode ter problemas para avançar quando perde a possibilidade de desenvolver uma visão abrangente. A incompatibilidade entre a ideologia e a utopia não pode ser entendida como extremos radicais. Quando se procede assim, perdemos a compreensão da possibilidade das mudanças históricas. A ideologia é, em última análise, um sistema de ideias que se torna obsoleto, porque não supera a realidade presente. Já as utopias são benéficas na medida em que contribuem para a internalização das mudanças. Por isso, diz Ricoeur, nessa relação falamos de “juízo de conveniência”, ou seja, maneira de resolver o problema de incompatibilidade entre ideologia e utopia: uma espécie de acordo, fruto da capacidade de avaliar o que é apropriado em uma determinada situação. Se é impossível romper o círculo ideologia/utopia, o conceito de conveniência pode nos remeter à ideia de um círculo em espiral. A metáfora teias traduz outra compreensão do círculo ideologia/utopia, processo em que os espaços vazios são tempos de utopia que atravessam os espaços ideológicos. Pensar teias cria a possibilidade para superar o impasse no qual nos achamos na relação entre hermenêuticas e as leituras mundializadas, produtos do pensamento luso católico contra reformador sobre a colônia portuguesa em terras brasis e os relacionamentos entre lusos, afros e brasis. Esse é o terreno que precisa ser explorado.
Na leitura transversa dos relacionamentos entre lusos, afros e brasis, suas ideologias e utopias, utilizamos o caminho da correlação tillichiana, como forma de aproximação de nosso objeto. O método da correlação relaciona polos, o discurso e a interpretação desse discurso, que deve levar em conta a situação daqueles a quem ela se destina. Situação, aqui, são as formas culturais, éticas e políticas através das quais as pessoas e grupos exprimem as suas interpretações da existência. Nesse sentido, o método da correlação possibilita que perguntas venham à tona, que haja individuação das respostas, permitindo travessias correlatas às perguntas colocadas pela própria existência.
Ler pressupõe algum grau de entendimento não contido no que se lê. E decifrar não é função meramente visual. É necessário recorrer a algo mais, acionar uma rede de neurônios para dar sentido ao conjunto de letras e espaços em branco. Assim, cabe ao escritor fornecer o nível de informação necessário para que o leitor possa atravessar a mensagem.
Atravessar o texto, arrancar dele significações, é um desafio que não se resume a ato pessoal, nem se restringe a um curto período de anos. É nosso pressuposto que o texto de origem apresenta mais conteúdos do que é perceptível numa primeira leitura. Aqui há uma dialeticidade que permanece no equilíbrio de seus contrários, sem solução ou síntese. A necessidade histórica de atravessar nasce daí, desse processo construtivo entre ideologia e utopia. Em relação ao texto, a tarefa do viajante consiste na explicitação da mensagem através de um raciocínio dirigido e sistematizado. As conclusões nada acrescentam às ideologias e utopias presentes no texto, pois estavam contidas ali: embora sejam novas para o viajante. Em si não são diferentes, porque estavam gravadas no subsolo do texto, que foi atravessado. Mas por ser obra antiga, de época de transição, as interpretações não se esgotam. Cada novo corte no texto aprofunda travessias, mas sempre é possível avançar. As interpretações se sucedem no tempo, mas se situam no mesmo locus.
Cabe ao viajante reconstruir a realidade sociocultural em que o texto foi construído, caminhando por um labirinto de indagações e respostas até um porto seguro. Exatamente por isso, partimos do pressuposto de que os textos de origem possibilitam um rico diálogo, que permitem reconstruções das ideologias e utopias de lusos, afros e brasis. Por essa razão, tais estudos devem partir dos próprios textos, sabendo que quando falamos de textos nos referimos apenas a um lado da questão, a manifestação de lusos definidos, e nos esquecemos de que estamos diante de um diálogo, pois todo texto implica em interação, na existência de um outro personagem, o viajante, que não somente escuta e lê, mas vive.
A questão antropoteológica no processo de travessia é determinante, nos leva a um processo desigual e combinado da leitura, em que elementos se sobrepõem e se complementam. Dentre eles, os mais fascinantes são as imbricações entre ideologia e utopia. A travessia do texto exige adequação histórica e linguística. Entretanto, esse conhecimento não demanda unicamente a apreensão de uma determinada realidade. Faz-se necessário que a realidade seja apreendida de determinada maneira, consoante a uma construção de análise e síntese. Como premissa fundante temos que reconhecer uma justaposição entre conhecimento intuitivo e conhecimento discursivo. O conhecimento intuitivo faz-se a partir das condições necessárias para que ele se processe, imediatamente, frente a uma determinada realidade, ao passo que o discursivo requer passar de algo conhecido, através de uma série de juízos, à apreensão do ainda não apreendido. Ao primeiro processo chamamos juízo sintético e ao segundo juízo analítico.
A travessia não se dá simplesmente como processo de adequação da mente do viajante ao novo que lhe é apresentado. Impõe-se que o novo, inerente ao processo cognoscitivo, tenha um sentido. Uma relação em que o viajante abre trilhas na mata da utopia e o novo se lhe apresenta como realidade ideológica. Dessa forma, a travessia não se processa entre realidades ahistóricas, mas em relação espacial e temporal, exigindo, para que a interação viajante/realidade se estabeleça, que haja algo maior, alguma coisa além, não causal, mas essencial. No processo da travessia, o viajante se encontra em construção, não é pleno senhor do processo. É um viajante colocado no tempo da medievalidade que finda e num espaço de experiências novas, que estabelece relação com a realidade que cerca o texto dentro do processo cognoscitivo enquanto dimensões históricas dos três agentes referidos.
Dizemos que o viajante do texto necessita de qualidades sem as quais os símbolos serão mortos, e o viajante morto para eles. Langer fala da simbolização como um ato essencial ao pensamento, anterior a ele, uma necessidade básica da mente. As sensações captadas pelos sentidos são transformadas em símbolos, ideias que servem para acumular informações de um jeito pré-raciocinativo, mas não pré-racional. Langer coloca o cérebro como transformador e a simbolização como o ponto de partida da intelecção. Os atos são, segundo ela, governados por representações, símbolos de várias espécies. Somente uma parte do comportamento do viajante é prática. O restante surge de uma necessidade interna de expressar essas representações sem a preocupação de satisfazer outras necessidades, exceto a própria ação do simbólico no cérebro.
Sendo, então, tal capacidade, o simbolizar, fundamental para o pensar e o agir, quais seriam as qualidades essenciais do viajante para que construa trilhas sobre o papel de um símbolo? Podemos partir de uma constatação empírica, a de que a viagem se apresenta através do simbólico, em níveis de complexidades crescentes, em que aquilo que é evidente só será visto no caminhar, com densidade na definição dos símbolos e no entendimento deles. Ou seja, qualquer viagem deve ser feita pelo viajante por inteiro e não utilizando apenas partes do que é, já que o símbolo faz-se ponte entre as partes visando a construção de uma totalidade maior.
Na correlação, ato de rodear o texto, a viagem acontece ao redor dos símbolos e as travessias subjetivas atravessam o caminhar em todo o tempo.
Torna-se quase impossível a viagem sem entender a travessia através da empatia com o que se lê, enquanto atração pelas significações presentes no texto. Essa travessia empática traduz a atração que o viajante deve ter pelo texto, uma cumplicidade, um amor pelo diálogo a que foi chamado. Essa correlação empática no diálogo está na atitude de colocar o texto como momento de uma viagem que extrapola limites, indo além do momento, atravessando a História. Esse choque empático diante da significação deslumbra o viajante, criando curiosidade e deslumbramento. Compreendemos tal postura e acreditamos que nenhum viajante deixará de levar tal fenômeno em conta, mas a tarefa da travessia está desafiada a equilibrar-se entre a compreensão desse deslumbramento e a análise dos componentes simbólicos do texto, responsáveis pela construção do destino, lá atrás, de huguenotes e tupinambás, já que tal simbolismo visa manter a ligação com a totalidade de processos históricos e transistóricos.
Compreendemos, assim, que os signos presentes são representações construídas pelas religiosidades de lusos, afros e brasis, que expuseram os estados mentais de suas comunidades presentes na colônia portuguesa em terras brasis. A viagem traduz a totalidade da leitura. Esse processo se perpetua através da manutenção dos signos por operações mentais e materiais, conectando os viajantes às culturas de fé e apontando sempre em direção a um processo histórico e transistórico. Essa terra do Brasil, no processo, se realiza no tempo presente enquanto expressão ideológica, que possibilita a construção da consciência do viajante. Permite que o viajante, ao participar daquela comunidade, ultrapasse a si mesmo, quando pensa, quando age no caminhar da viagem, quando desfruta das sensações de integração. É um ato através do qual a comunidade huguenote toma forma e existe, por meio de movimentos exteriores, de significações, pois o caminhar domina o viajante e a comunidade de fé huguenote é sua fonte. Há nesse processo um imbricamento de forças, concepções pessoais e ideologias. Essa é a forma pela qual se abre ao viajante, através de bases conceituais e da vida das comunidades. Assim, para que apareça a consciência de tais comunidades é preciso que se produza uma síntese das consciências particulares, que desencadeia uma multiplicidade de ideias, sentimentos e significações.
Todo esse processo está localizado num tempo, com dias e momentos religiosos definidos, e num espaço, numa geografia delimitada à colônia portuguesa em terras brasis. Tais definições permitem que a viagem produza um acúmulo de imagens, por uma associação de ideias e sentimentos, o que subordina o viajante às ações religiosas das referidas comunidades. De todas as maneiras, permanece o ato pessoal do viajante. Essa experiência tão intensa traduz um ponto de vista positivo, de poder subjetivo. É a travessia empática presente no processo.
Mas se falamos de empatia, há uma segunda travessia nessa construção, é a espiritualidade do viajante, compreendida como entendimento que o leva a sentir o que está além do símbolo. E aqui relacionamos símbolo e estrutura, construindo uma estrutura simbólica, por funcionar como reorganização estrutural ao nível do psiquismo. Essa reorganização estrutural possibilita a edificação de processos orgânicos, do psiquismo e do pensamento, atuando sobre o inconsciente. Ou seja, atua sobre a função simbólica, e por extensão sobre a fonte da história de lusos, afros e brasis e suas ideologias.
E as travessias da empatia e da espiritualidade nos levam a falar da razão, que analisa, ordena e reconstrói, noutro nível, o símbolo, mas o faz a partir da empatia e da fé. A travessia da razão cumpre a tarefa de examinar os símbolos num processo de correlação daquilo que está em cima e daquilo que está embaixo. Mas não pode fazer isso se a empatia não tiver lembrado tal relação, se a espiritualidade não tiver chamado à cena o que estava oculto. Só então a razão, indo além do discurso, se tornará analógica e o símbolo poderá ser interpretado.
Ao entrarmos na semiologia descobrimos trilhas que procuram romper com a força das comunidades presentes nos textos, favorecendo os processos simbólicos, entendidos como visões que interpretam o mundo. Mas um dos problemas é a definição de símbolo. Poderíamos dizer que o símbolo permite a fusão de ideias e imagens, e que por isso poderia ser interpretado de muitos modos, por ser uma forma dinâmica de pensamento, que coloca as ideias em movimento e as mantém nesse movimento. Se for assim, o símbolo é passível de interpretação, mas não de solução. Ou seja, o símbolo é uma representação expressiva de algo que em si mesmo está além da esfera da expressão e comunicação, uma realidade escondida e inexpressível.
Essa definição de símbolo nos remete ao signo, sinal ou marca, categoria que pode ser subdividida em uma complexa série de associações, em geral de caráter emocional. Nessas definições podemos ver a ideia de polivalência dos símbolos, que funcionariam como tijolos numa construção, como conjunto de classificações cognoscitivas que estabeleceriam a ordem no universo, mas também dispositivos capazes de despertar e canalizar emoções.
Apesar da importância dos símbolos, as culturas lusas, afros e brasis ocuparam seus espaços como fator emergente que possibilita a centralidade do ser luso, do ser afro, do ser brasil, que têm a oportunidade de se expressarem no diálogo. O ser luso, o ser afro e o ser brasil são as matrizes simbólicas de suas comunidades. Essa compreensão nos leva da ideia de diálogo à ideia de conversa, em que não temos apenas luso e católico, afro e culturas africanas, brasil e culturas brasis, mas a novidade que foi aberta com a conversa. Nesse contexto, os símbolos passam a ser estudados a partir daquele que chama à conversa, quer pessoa, quer comunidade. Temos então a ideia de símbolos multivocais, ou seja, passíveis de significações, mas ancorados numa nova estrutura, a partir de canais de comunicação expressos na relação entre luso/catolicismo, afro/culturas africanas, brasil/culturas brasis, representações que traduzem a ordem temporal da estrutura.
Essa nova compreensão da estrutura como trindade simbólica nos remete àquele que abre a conversa a partir de sua manifestação. Nesse sentido, a palavra civilizatória, agora texto de origem, sintetiza essa manifestação e, por isso, deve ser entendida como elemento que possibilita as travessias da empatia, da espiritualidade, da razão e da cultura.
Essas travessias subjetivas fundamentam a natureza genética da viagem, que se encontra em constante devir. Dessa maneira, ideologia e utopia estão intimamente ligadas à viagem, enquanto palavra civilizatória e construção histórica e social. Assim, compreendemos que, dependendo da utilização de determinado objeto ou realidade, o brasil conhece de determinada forma e no processo pode construir conceitos diferentes a partir de um objeto ou realidade anteriores. Podemos inferir ao que isso conduz. As ancestralidades civilizadoras de lusos, afros e brasis estão ligadas à vida dos lusos, afros e brasis, já que será tal experiência que agregará valor ao objeto ou realidade conhecidos e vividos. Dessa maneira, as universalidades transcendem a partir da própria experiência de vida.
Mas ainda não definimos a importância da ideologia e da utopia dentro do processo do mundo mágico das ancestralidades. Se a ancestralidade é histórica, é importante notar que a própria ancestralidade age sobre a vida, sobre a historicidade. E mais do que isso, ao se definir a historicidade mudamos o próprio meio onde vivemos e atuamos. Dessa forma, a ancestralidade cria processos de idealizações, escalas de valores, normas e condicionamentos. E é aí que reside a problemática da ancestralidade enquanto conhecimento: como a partir da ancestralidade civilizadora podemos conhecer seu propósito e dar um sentido ao mundo que nos cerca?
A verdade da ancestralidade civilizadora é a ideologia que uma determinada realidade tem para a comunidade. Há uma construção ideológica, quando a experiência civilizadora produz uma interação entre a pessoa e a ancestralidade, sem que essa experiência necessariamente influa no processo discursivo de conhecimento. Mas mesmo nesse caso a pessoa não abandona ou perde sua formação. Não deixa de ser aquilo que é: pessoa inserida na cultura. Mesmo quando esse processo dá-se em um nível superior, instantaneamente, sem elaboração discursiva, ele ou ela está condicionado pela historicidade ideológica. E dentro dessa condicionante sempre se processa a interação pessoa/realidade. Aqui, sentimentos e afetividades, que geralmente passam despercebidos, são realçados. Isso porque, nesse momento específico, determinada realidade passa a ter ideologia. E nesse caso o conhecimento da ancestralidade civilizadora faz da pessoa ser utópico. Assim, a ancestralidade civilizadora dá a ele ou ela uma ideologia. O luso, afro ou brasil, enquanto pessoa e comunidade, através da ancestralidade civilizadora, passa a estar dotado de ideologia, mas ao mesmo tempo esse conhecimento, essa ideologia dada, não se dá sem história, mas dentro das limitações de sua própria obediência. Podemos, então, concluir que a partir da ancestralidade civilizadora a pessoa é significante ideológico na construção da comunidade, pois através do conhecimento da ancestralidade civilizadora é ele ou ela quem historicamente pode modificar causas e efeitos, imprimindo ao processo nova direção.
Mas como se processa a relação entre ideologia e utopia, quer no caso isolado da interação entre luso e realidade, quer no caso de todo o processo simbólico da ancestralidade civilizadora? Se dentro do conhecimento da ancestralidade o luso é significante ideológico, podemos, então, ver que a escala de valores do sistema ético, oferecido pela ancestralidade à comunidade, é parte integrante de conteúdos utópicos dados ao mundo luso pela própria ancestralidade civilizadora. Donde, dentro de uma correlação ideologia-utopia existem elementos dinâmicos de transformação.
Um outro exemplo: a mata é o mundo do brasil. Nesse sentido, aí ele constrói seu habitat. Dessa forma, através da ideologia dada pelo brasil à natureza, enquanto domínio e expansão, dentro de uma ideologia de utilização que lhe empresta, atua sobre ela, produzindo cultura e transformação. Partimos da compreensão de que a cultura integra aptidões, costumes, crenças, hábitos, instituições, e como a ancestralidade, se faz presente na comunidade.
Existem e entendimento duas ordens de fatos ligados à teologia da cultura: uma que diz respeito ao que construímos a partir de ideologias e utopias, e outra que diz respeito ao universo onde vivemos enquanto membros de uma comunidade. O viajante, armado de um caminhar teológico, procura fazer na ordem da cultura trilhas através das necessidades fundamentais e das necessidades cujas origens estão nas ideologias e nas utopias e, por isso, idênticas no seio da espécie homo sapiens. Ao viajante que se faz teólogo da cultura, interessa o geral, mas não pode esquecer as modulações, diferentes segundo as comunidades e as épocas, que se impuseram a uma matéria-prima, por definição, sempre idêntica e presente em todos os lugares.
Para o viajante, um dos centros de discussão é a linguagem, pois ela faz a ponte entre as características e necessidades estruturais do homo sapiens e o fato cultural. É uma característica, uma aptidão que vem da tradição externa, mas ao mesmo tempo é instrumento essencial, o meio privilegiado que dá possibilidade à realização do homo sapiens. Mas, ao mesmo tempo em que é manifestação da ordem cultural e, nesse sentido, manifestação histórica, permite o estabelecimento de um relacionamento entre a pessoa e sua historicidade.
No entanto, o uso da linguagem é mais complexo quando se trata da espiritualidade do que em relação a outras formas estéticas, já que usa e combina não somente elementos fornecidos pela linguagem propriamente dita, mas também elementos brutos, que estariam no plano da natureza, mas não culturalizados.
A ancestralidade civilizadora não pode ser identificada apenas como expressão daquilo que é ancestral, nem somente com os estados que provoca. Cada estado de consciência subjetiva tem algo de pessoal e momentâneo que o torna inapreensível e incomunicável em seu conjunto, mas a ancestralidade está destinada a servir de intermediária entre a pessoa e sua cultura.
A linguagem enquanto representação da ancestralidade civilizadora no mundo sensível, sem nenhuma restrição, é acessível à percepção. Mas, ainda assim, não podemos reduzir a ancestralidade civilizadora à linguagem, pois acontece que a ancestralidade civilizadora, deslocando-se no espaço e no tempo, muda de aspecto e reformata conteúdos. A linguagem da ancestralidade traduz na maioria das vezes apenas a utopia, que na consciência da cultura corresponde a uma significação, dada pelo que tem de comum os estados subjetivos provocados pela linguagem nos membros da comunidade.
Além desse núcleo central, pertencente à consciência, há em todo ato de percepção da ancestralidade elementos psíquicos subjetivos, que podem ser entendidos como fatores associativos de percepção emocional e estética. Tais elementos subjetivos podem, por sua vez, ser objetivados, mas somente na medida em que sua qualidade geral ou sua quantidade são determinadas pelo núcleo central, situado na consciência da comunidade. Quanto às diferenças qualitativas, é evidente que a quantidade de representações e emoções subjetivas é mais considerável numa ancestralidade em construção do que naquela que já foi conscientizada coletivamente. O primeiro momento da construção da ancestralidade deixa a cargo o imaginar quase toda a contextura do tema, enquanto que a ancestralidade conscientizada pela comunidade suprime quase por completo a liberdade de suas associações subjetivas pela enunciação concisa.
É dessa maneira que, indiretamente, através do núcleo pertencente à consciência, que os conteúdos subjetivos do estado psíquico perceptor adquirem um caráter objetivamente semiológico, similar ao que têm as significações acessórias de uma palavra. Ao negarmos a relação existente entre a ancestralidade civilizadora e um estado psíquico subjetivo rejeitamos a realidade estética da ancestralidade. Sem esses conteúdos, emocional e estético, a ancestralidade pode no máximo atingir uma objetivação indireta na qualidade de significação acessória potencial. Porém, não podemos dizer que esses conteúdos, emocional e estético, fazem necessariamente parte da percepção da ancestralidade, mas, sem dúvida, no processo progressivo da ancestralidade há épocas em que esses conteúdos tendem a reforçá-la, assim com há outras épocas em que perdem força ou mesmo, aparentemente, desaparecem.
Para início de conversa
Quando o fenômeno evangélico explodiu no Brasil, a partir dos anos 1950, a academia encontrava-se desarmada para analisar e entender o que estava a acontecer. Isto porque suas bases situavam-se no século dezenove e primeiras décadas do século vinte É verdade que grandes processos de revolução religiosa já tinham acontecido no mundo moderno, a começar pela Reforma na Europa, com seus desdobramentos continentais nos Estados Unidos.
Conhecemos as dificuldades e limitações de Marx para entender o fenômeno religioso como criador e fundante de contextos e novas relações dentro de determinada sociedade. Durkheim embora tenha caminhado no sentido de entender estruturalmente o fenômeno religioso, construindo conceitos e parâmetros a partir das religiões antigas, ditas primitivas, e não monoteístas, formatou leituras que até hoje são recitadas como compreensões definitivas sobre o fenômeno religioso, as estruturas dessas instituições e a relação entre líderes e fiéis.
Depois que o marxismo congelado pela burocracia estalinista entrou em crise, fato notório nas universidades europeias, Weber foi tirado do ostracismo e passou a ser reconhecido, assim como todo o historicismo alemão. Ora, se partimos daqueles que influenciaram o historicismo de Weber, em especial Ritschl e Troeltsch, vemos que eles consideravam o fenômeno religioso que estudavam como típico ao Ocidente e, mais ainda, europeu. Dessa maneira, Weber entendeu o calvinismo como base para a expansão do capitalismo nos Estados Unidos, principalmente.
Assim, o que poderia fazer a academia brasileira diante da explosão do fenômeno evangélico no Brasil a partir dos anos 1950? Ora, voltar aos pais da sociologia. E assim foi. E a explosão d a religiosidade evangélica passou a ser analisada como efeito de causas como a migração, a urbanização e a ruptura com a estrutura agrária e patriarcal.
Mas, com a débâcle daquele marxismo que desabou com o muro de Berlim, nos anos 1980, e com o boom neoliberal que varreu o mundo, a academia trouxe o neoliberalismo travestido de espírito crítico para dentro da casa e passou a ver o fenômeno evangélico no Brasil apenas como um subproduto do mercado capitalista.
Donde, as idéias de mercado e seus componentes se transformaram em conceitos da sociologia e instrumentos de análise para o fenômeno religioso. Vendo dessa maneira o fenômeno evangélico, a academia reduziu o fenômeno, jogou fora todas as experiências anteriores que ajudaram a construir o Ocidente protestante e criou outro conceito, o de trânsito religioso. E tudo que passou a acontecer no Brasil virou trânsito religioso. Mas, e antes em outras regiões do planeta? Foi o trânsito religioso que mudou a cara da Alemanha, dos países nórdicos ou mesmo da Inglaterra e Estados Unidos?
Por que lá podemos utilizar o conceito de conversão trabalhado por Weber e por que não aqui? Sabemos, claro que sabemos, que as condições são diferentes. Mas, em relação ao fenômeno evangélico brasileiro duas componentes dificultam a análise: o preconceito diante de algo que impacta e desnorteia o mundo acadêmico e a limitação de suas bases teóricas.
Definidos assim os limites necessários, afirmamos a importância de Marx, Durkheim e Weber para todos aqueles que se dedicam ao estudo da religião. Mas, nessa conversa queremos utilizar como referencial dois escritos, um de Giacomo Marramao, Potere e secolarizzazione, e outro de Mark C. Taylor, The Moment of Complexity, Emerging Network Culture. Desejamos, dessa maneira, conversar sobre a religiosidade evangélica a partir da virtualidade dos seus fundamentos, e do tempo e presença deste pensamento hoje no Brasil.
Uma das questões que nos perguntamos quando relacionamos cidade e a crescente força da religiosidade evangélica é se, de fato, esta religiosidade outorga sentido às massas urbanas. Na verdade, expoentes da teologia protestante como Paul Tillich, consideram que o ser humano é um ser potencialmente espiritual, e que essa espiritualidade tende a se expressar de diferentes formas de religiosidades. E essas religiosidades nos grandes centros brasileiros ocupam um espaço privilegiado. Ora, se a espiritualidade é a dimensão da profundidade do espírito humano, na urbanidade brasileira essa busca, por várias razões, é incrementada e direcionada ao evangelicalismo. Basta ver que no Brasil urbano a comunidade evangélica cresceu 61,45% em dez anos (IBGE, 2012). Assim, se a população brasileira urbana é religiosa, essa religiosidade foi catalisada pelo permanente processo de evangelização protestante dos últimos cento e cinquenta anos.
A espiritualidade traduzida nas religiosidades das cidades da alta modernidade está presente em todas as ações do espírito humano, na cultura, na educação, na ética e na política. Por isso, cada vez mais expoentes das comunidades se pronunciam publicamente sobre questões que antes pertenciam estritamente a esfera civil não-religiosa.
De forma geral, numa leitura antropológica judaico-cristã, podemos dizer que espiritualidade é aquela relação da pessoa com a transcendência. Nesse sentido, a espiritualidade é a totalidade da vida. A religião, por sua vez, traduz a dimensão dessa espiritualidade. As experiências humanas com o que é sagrado envolvem escolha, disciplina e prática e levam o ser humano às experiências religiosas, porque a religião traduz o que é sagrado para a vida da pessoa. Dessa forma, a espiritualidade tende a ser traduzida na religiosidade, mas na globalidade de forma mais contundente enquanto fenômeno urbano.
Em relação à realidade brasileira percebemos no cristianismo mais diversidade confessional do que religiosa. Oitenta e nove por cento dos brasileiros confessam ser cristãos, e esta espiritualidade está presente no desejo de justiça social e solidariedade. Diante dessa espiritualidade cristã invisível, podemos dizer que quase todos os brasileiros são cristãos em alguma medida. Tomemos como exemplo a igreja católica, que não pode ser analisada como uma, pois abriga diferentes manifestações de religiosidade. Além dessa pluralidade católica, há centenas de igrejas protestantes e evangélicas que incluem as históricas de migração e missão, as pentecostais históricas e as neopentecostais.
Em razão disso podemos dizer que enquanto fenômeno urbano a religiosidade evangélica é fator de agregação e desagregação. Podemos, até explicitar essa dualidade com um exemplo recente. Durante a redemocratização brasileira, nos anos pós-ditadura militar, evangélicos e suas comunidades se dividiram enquanto forças reformistas de apoio aos governos dos Partidos dos Trabalhadores e forças reativas que ligaram ao governo de Michel Temer. Assim, as religiosidades evangélicas são desagregadoras quando se ligam à corrupção, ao clientelismo e às benesses. Mas agregam quando defendem a vida como valor incondicional humano. Com isso, constatamos que as religiosidades evangélicas podem ser uma coisa ou outra ou mesmo, enquanto comunidades, dialeticamente ambas. Essas são marcas da história protestante/evangélica recente. Mas, é claro que seria um erro uniformizar a atuação dos protestantes e evangélicos. O certo é que evangélicos, em nome dos fundamentos e virtualidades das doutrinas de suas comunidades, confrontam a laicidade no Brasil.
Vejamos como o cristianismo católico e protestante responderam às revoluções que se abriram a partir da Revolução francesa. E Vidler nos ajuda, pois suas pesquisas cobrem o período que vai do final do século dezoito até as primeiras décadas do século vinte. Focaliza o impacto da revolução social, que deu origem ao Estado moderno na Europa e Inglaterra, sobre as igrejas católica e protestante.
Para o pensamento conservador católico romano, a revolução francesa significou uma profunda derrota. Na verdade, durante seu pontificado o papa Pio VI fez tudo para impedir o surgimento de uma nova ordem social na Europa. Mas, com a vitória da revolução, em 1789, tropas francesas ocuparam Roma, proclamaram a República, que vai ter vida curta, e prenderam Pio VI.
Napoleão Bonaparte, porém, direciona a revolução para seu período de expansão e procura abrir o diálogo com Roma. O papado é restaurado e, em 1804, Napoleão convida o papa Pio VII para coroá-lo. O papa aceita, mas durante a cerimônia, como demonstração de força, o próprio Napoleão coloca a coroa sobre sua cabeça.
Posteriormente, Napoleão e seu exército atacam Roma. Ele é excomungado, assim como seu exército. Somente, em 1814, o papado mais uma vez é restaurado. Napoleão tinha sido derrotado pela marinha britânica e seus inimigos levantam-se contra ele em toda a Europa. Pio VII perdoa Napoleão e intercede por ele junto aos governos europeus. Napoleão é desterrado para a ilha de Santa Helena.
Em oposição ao pensamento absolutista, levanta-se o teólogo Félicité Robert de Lamennais, que alerta o papado para a necessidade de reivindicar em toda a Europa liberdade política e liberdade de imprensa. Lamennais torna-se um grande amigo do papa Gregório XVI e a igreja católica parece convencida de que deve romper seu conservadorismo e sua aliança com os governos absolutistas europeus. Mas, Lamennais aproxima-se dos liberais, produzindo um endurecimento político por parte de Gregório XVI.
No ano de 1846, Pio IX torna-se papa. Fará o mais longo pontificado da história de igreja (1846-1878). Em 1849, é proclamada a República Romana. Em 1970, a igreja católica perde suas terras na Itália, na Alemanha e outros países da Europa. É interessante notar que durante o pontificado de Pio IX a igreja católica encontra-se profundamente debilitada. E é exatamente durante esse período que alguns dogmas tornam-se doutrina católica. Em 1854, a igreja aprova o dogma da imaculada conceição de Maria. E, em 19 de julho de 1870, no I Concílio Vaticano, que tinha tido início no ano anterior, é promulgado o dogma da infabilidade papal (ex cathedra).
Durante o pontificado de Leão XIII (1878-1903), que sucedeu a Pio IX, os católicos são proibidos de votar nas eleições da República italiana. A Europa vive momentos de conflitos trabalhistas, com fortalecimento dos sindicatos anarquistas (IWW) e socialistas (II Internacional dos Trabalhadores). Diante da polarização de classes, Leão XIII produz a encíclica Rerum Novarum, que vem à luz no dia 15 de maio de 1891. O documento discute o relacionamento entre patrões e empregados e é a primeira tentativa da igreja, desde a revolução francesa, de adaptar-se aos novos tempos. Rerum Novarum, em latim, significa “sobre as coisas novas” e representa exatamente isso: uma reflexão católica sobre a questão social. Propõe que os ricos pratiquem a caridade, que os pobres não devem se deixar levar pelo ódio aos ricos, e que se criem sindicatos católicos. É interessante notar que, ao mesmo tempo, em que faz uma reflexão social, Leão XIII continua o combate contra as idéias liberais, que se traduzirá na publicação da encíclica Providentissimus Deus, defendendo a inerrância bíblica.
Pio X substitui Leão XIII e governará até o início da I Guerra Mundial. Seu pontificado será conservador. Excomungará teólogos católicos, que basearam seus estudos na crítica bíblica, como A. F. Loisy, George Tyrrel e Hermann Schell. Esses teólogos foram classificados de modernistas, por utilizarem métodos novos, com base na análise histórica e metodologia crítica.
Dessa maneira, da Revolução francesa até a Primeira Guerra Mundial, o catolicismo teve que enfrentar novas realidades econômicas, políticas e sociais. Durante esses anos, o catolicismo reafirmou seu conservadorismo. Assim, ao chegar ao século vinte, as diferenças entre católicos e protestantes tinham se aprofundado.
A revolução é um movimento social de transformação, mas pode gerar uma nova estabilidade oriunda dessa situação. Aliás, a era da revolução ainda continua e não mostra sinais de abrandamento. Tal situação levou muitos pensadores, revolucionários e homens de fé a considerarem que os dias da igreja estavam contados.
Assim, os principais elementos que caracterizaram esta época da história do cristianismo foram o surgimento de novas correntes de pensamento, a teologia de Schleiermacher, o sistema hegeliano, a obra de Kierkegaard e o cristianismo diante da história.
A industrialização e a urbanização causaram profundas mudanças na sociedade ocidental, tais como a ruptura da família expandida, o desprezo em relação aos valores do passado, confiança no progresso e grande esperança no futuro. Na verdade, Augusto Comte com sua teologia da religião positiva e Charles Darwin, com a teoria do evolucionismo ajudaram e alavancaram essa maneira de pensar.
George Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) foi teólogo, professor e funcionário público do governo prussiano. Luterano conservador, desenvolveu um sistema de pensamento que acreditava englobar toda a realidade. Na verdade, razão para Hegel (e aqui ele entra em choque com o pensamento kantiano) é a própria realidade. “O que é racional existe, e o que existe é racional” (Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Compêndio, editada em 1817). Hegel, a partir dessa visão de racional enquanto realidade cria um sistema onde procura chegar a essência do próprio conhecimento. E essa essência, para Hegel, será o método. Antepondo-se a Aristóteles, que desenvolvera o conceito de lógica formal (“uma coisa é aquilo que ela é e não outra”), Hegel mostra que “uma coisa é seu próprio movimento”. Assim, uma flor não é aquilo que nós vemos, mas o seu movimento, que a faz flor. Conhecer a flor é conhecer a sua história, que se dá através de choques e oposições, que se realizam enquanto superação do momento anterior. É importante entender que para Hegel, oposição ou contradição (tese/antítese) não são polos que se negam ou se destroem, mas elementos que formam uma realidade nova (síntese). Apesar da importância do pensamento hegeliano para a construção de uma metodologia da história e da ciência, que será posteriormente desenvolvida pelos construtivistas do século VINTE, Hegel erra em congelar a história. Declara que o cristianismo é a religião absoluta, porque é síntese, cujo tema central, para ele, é a relação entre Deus e o homem, que tem como ponto culminante a encarnação. Considera a Trindade a culminação da idéia de Deus e separa o reino do Pai, enquanto Deus em-si, do reino do Filho, que é a criação, o mundo, enquanto espaço-tempo; e do reino do Espírito, que é Deus e a humanidade juntas, ou seja, a própria História.
O socialismo utópico, herdeiro do movimento camponês europeu e do cristianismo revolucionário do séculos dezesseis e dezessete, com Karl Marx, discípulo Hegel, dá lugar a uma corrente socialista materialista que seu criador chamará de comunismo científico. Essa corrente de pensamento, atua junto aos sindicatos europeus e forma, aliada aos anarco-sindicalistas, a I Internacional dos Trabalhadores. Em 1848, Marx elabora o seu Manifesto do Partido Comunista, que será utilizado como programa da I Internacional. Marx desenvolve seu comunismo a partir do hegelianismo, propondo que a história seja analisada desde um ponto de vista da luta entre as classes. Para isso, baseia-se numa metodologia que chamará materialismo dialético, que é a dialética hegeliana isenta de seu conteúdo cristão, e materialismo histórico, que é a visão de que a história se desenvolve como luta permanente entre as classes sociais.
Friedrich Schleiermacher (1768-1834), que será conhecido como o pai da teologia liberal, tentará responder ao postulado kantiano de que a base da religião não pode ser a razão, mas a ética. Assim, a partir do romantismo, Schleiermacher em seu “Discurso sobre a Religião Dirigido às Pessoas Cultas que a Desprezam” (1799), agrega que se a religião não tem por base a razão, também não se alicerça numa moral, mas no afeto. Chega a esta conclusão a partir de um desenvolvimento da doutrina da fé, já que afeto para ele era um sentimento que nos permite tomar consciência daquele que é a base de toda a existência. Este afeto levaria ao sentimento de dependência absoluta. O problema dessa visão é que Schleiermacher nega a importância dos fatos, e logicamente da própria história. Para ele, “os dados específicos não são artigos de fé”.
O lado sombrio da fé cristã, no século dezenove, será representado por Soren Aabye Kierkegaard (1813-1855). O cavaleiro solitário da fé cristã, como ele próprio se definiu. Pessimista em termos filosóficos, parte de Schopenhauer e do pietismo, direcionando seu sofrimento existencial para uma superação na fé cristã. Torna-se um crítico da cristandade burguesa e acomodada do século dezenove. Defende a fé cristã como um risco, uma aventura, que necessariamente levará o homem à negação de si próprio. “Querem ter todos os bens e as vantagens do mundo e, ao mesmo tempo, ser testemunhas da verdade (...) isso não é apenas monstruoso, mas até impossível”. Declara ser sua missão “tornar difícil ser cristão”, e apresenta o cristianismo como questionamento da existência, donde a dor, a angústia, o desespero. Fundador do existencialismo cristão, vê a vida humana como luta permanente, luta por vir-a-ser.
Quatro outros teólogos vão refletir os grandes debates do século dezenove em suas teologias. Todos estão preocupados em situar o cristianismo diante do desafio da verdade histórica.
F. C. Baur (1792-1860) parte do sistema hegeliano, e procura definir a partir dele questões de autoria e datação dos livros do Novo Testamento, influenciando o movimento da crítica bíblica e alta crítica.
Adolph von Harnack (1851-1930) apresenta Jesus como teólogo humanista, preocupado em ensinar sobre a paternidade de Deus, a fraternidade universal, o valor infinito da alma humana e o mandamento do amor. Para Harnack, tudo o mais é fruto da ossificação do cristianismo enquanto construtor de dogmas.
Albrecht Ritschel (1822-1889) considerava que o cristianismo é uma questão de vida prática e moral, por isso é uma religião da comunidade cristã e não do individualismo. Sua teologia foi um dos pontos de partida para a teologia do Evangelho Social.
Walter Rauschenbush (1861-1918), pastor batista, originário da Alemanha, atuou nos Estados Unidos, e levantou a questão do evangelho social, a partir de uma leitura que combina responsabilidade social e socialismo utópico. Defendeu uma democracia econômica e política e propôs uma atuação através dos sindicatos.
Um missionário e médico na África, Albert Schweitzer, fará uma interessante crítica da teologia do século dezenove. Para Schweitzer, na maioria das vezes, ao abandonar o Jesus histórico dos Evangelhos, essa teologia fica apenas com um Jesus pálido, anêmico, que retrata mais que nada os anseios do homem desse próprio século.
A urbanização, fruto direto da industrialização, aliada ao movimento migratório e às novas correntes de pensamento, mudou a cara do mundo. Na Inglaterra e, principalmente, na América do Norte, esse fenômeno global, conhecido por secularização destruiu a família ampla, fortaleceu o individualismo e a miséria.
Na Inglaterra, tivemos homens como Samuel Taylor Coleridge (1772-1834) e Frederick Denison Maurice (1805-1872), que reorganizaram a Igreja Anglicana, depois de quase um século de rachaduras e cismas de todos os tipos. Reconhecendo o direito à liberdade religiosa, esses teólogos conseguiram reconstruir a igreja nacional na Inglaterra. No campo social, cristãos fortemente influenciados pelo pensamento socialista, que tiveram em Herbert Spencer, seu modelo maior, fizeram oposição ao cartismo, e construíram o movimento social cristão inglês. Saídos de dentro do anglicanismo, crentes como John Malcolm Ludlow (1821-1991), Charles Kingsley (1819-1875), F. D. Maurice e Thomas Hughes (1822-1896) lutaram pelo fim do escravidão, contra o trabalho infantil nas fábricas e pela jornada de 10 horas. Na verdade, reivindicaram uma ampla reforma social, que acabou por conquistar e transformar a Inglaterra.
Nos Estados Unidos, a reação cristã à mudança dos valores tradicionais traduziu-se em forma de missões de salvamento, como a Water Street Mission (1872), Chicago’s Pacific Garden (1877), NY Protestant Episcopal City Mission (1864) e outras, e através da pregação de um Evangelho Social, preocupado em recuperar os marginalizados pelo sistema e transformar com a ajuda do Estado os aspectos mais aviltantes do capitalismo selvagem da época. Expoentes desse pensamento foram Washington Gladden, ministro congregacional de Ohio, o escritor Charles Sheldon (“Em Seus Passos Que Faria Jesus?”) e o pastor batista Rauschenbusch.
A cooperação entre igrejas, assim como as associações religiosas, foram outra conquista desse século de novidades ao nível do pensamento. As ACMs (1851), a Christian Endeavor Society (1881), a Epworth Society e outras procuraram dar a juventude uma formação ética, social e religiosa. Sob a coordenação de Moody, surgiu em 1886 o Student Volunteer Movement, que tinha como finalidade recrutar jovens para o trabalho missionário, e que estava ligado a um organismo interdenominacional dirigido pelo John R. Mott (1865-1955). Nessa mesma época, começa a surgir um movimento ecumênico entre as igrejas históricas norte-americanas. Samuel S. Schmucker (1799-1873) escreve “Apelo Fraternal às Igrejas Americanas” e, anos mais tarde, é fundado o Federal Council of the Churches of Christ in America.
O século vinte vai trazer um novo problema para as igrejas cristãs norte-americanas, as duas guerras mundiais. Em 1914, as igrejas consideraram que a guerra contra a Alemanha era justa e que deviam fortalecer a moral nacional. A igreja norte-americana apoiou a declaração de guerra em 1917 e muitas delas transformaram-se em agências do governo. Com o final da guerra, o crescimento do nacionalismo, e as revelações da política beligerante implementada pelo governo dos EUA (denunciadas pelo Comitê Nye), a igreja tomou conhecimento do erro cometido. A partir daí haverá uma volta à defesa de políticas pacifistas por parte da igreja. Com a Segunda Guerra Mundial, a igreja norte-americana forneceu capelães para as forças armadas, esteve junto à Cruz Vermelha e, no pós-guerra, apoiou a reconstrução das igrejas irmãs na Europa.
Diante da revolução social e do pensamento científico, muitos foram os intelectuais que acreditaram estar assistindo a morte da igreja. Mas não foi isso que aconteceu. A igreja adaptou-se à nova época aberta pelas revoluções, a tal ponto que os cristãos do século vinte pouco se lembram do que foi pensado e realizado pelos cristãos do século dezenove.
Apesar do secularismo e da tendência a uma postura social anti-religiosa, o século vinte produziu grandes teólogos e novas teologias. Entre os teólogos podemos citar o alemão Dietrich Bonhoeffer (1906-1945) e o suíço-alemão Karl Barth (1886-1968). Bonhoeffer foi assassinado pelos nazistas. Karl Barth, aliado a Martin Niemoller, e a outros líderes da Igreja Confissional Alemã, em 1934, produziram a “Declaração de Barmem”, reafirmando a autoridade de Cristo na igreja, as Escrituras como autoridade para a fé a vida, e recusando-se a aceitar as reivindicações do Estado e sua supremacia sobre a vida religiosa das pessoas. Mais tarde, Barth seria o iniciador da neo-ortodoxia, que poderíamos traduzir como uma leitura kiekegaardiana do calvinismo. Apesar de sua crítica ao liberalismo, a neo-ortodoxia manteve a descontinuidade entre a história sagrada e a secular. Além de Barth, devemos citar Emil Brunner (1889-1966), Paul Tillich (1886-1965), Rudolf Bultmann (1884-1976), entre os grandes teólogos protestantes do século. E, entre os católicos, Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955), que parte do vitalismo de Henri Bergson para uma teologia altamente influenciada pelo evolucionismo de Darwin.
De fato, a igreja soube adaptar-se à era de revoluções, mas não abandonou suas doutrinas fundadoras ou sofreu uma descaracterização de seus conteúdos. Na verdade, isso não aconteceu. E exatamente porque não aconteceu, soube enfrentar as economias e políticas que surgiram no século vinte e que se colocaram como suas principais oponentes: o comunismo e o nazismo.
O processo que se abriu a partir da Segunda Guerra Mundial deu continuidade à revolução permanente que teve início com a Revolução francesa, levando à fragmentação que traduz o atual momento histórico da igreja.
Com o final da Segunda Guerra Mundial, uma grande parte do mundo tornou-se comunista. Nesses países, que incluíam praticamente mais da metade da Europa (o chamado bloco soviético), a maior parte da Ásia (China e países limítrofes) e um país latino-americano (Cuba), durante quase 40 anos, a igreja enfrentou a perseguição. Milhares de cristãos foram presos, internados em campos de trabalhos forçados e mortos.
Nos países democráticos construiu-se um muro de separação entre o Estado e as igrejas nacionais. As leituras não conservadoras e liberais aceitaram a secularização da sociedade e a construção daquele novo mundo ocidental.
No Terceiro Mundo, a repercussão da revolução cubana, assistiremos ao surgimento da Teologia da Libertação, que terá como pais o teólogo católico peruano Gustavo Gutierrez e brasileiros Rubem Alves e Leonardo Boff – uma teologia profundamente voltada para a práxis da ação social. No Brasil teve muita importância nos anos 1970 e 1980, quando criou e desenvolveu as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que serviram como elemento dinamizador, ao lado dos sindicatos, para a formação do Partido dos Trabalhadores (PT).
Mas aqui convém que eu dê um pequeno testemunho. Como no caso de milhões de brasileiros, as últimas cinco décadas do século vinte fazem parte da minha vida. Fazem parte da minha memória as tentativas de golpes militares contra Juscelino Kubitschek, em 1955, e as manifestações contra o vice-presidente João Goulart em 1961. A tentativa de golpe contra Kubitschek foi impedida pelo marechal Henrique Batista Duffles Teixeira Lott, que criou as condições para a realização das eleições e para a posse de Juscelino Kubitschek.
Da mesma maneira, me lembro quando eu ainda estudante secundarista do Colégio Estadual José Pedro Varela no Rio de Janeiro, assisti boquiaberto ao noticiário da renúncia de Jânio Quadros. O presidente alegou ter sido pressionado por forças ocultas, mas o mal estar se aprofundou quando o vice-presidente João Goulart foi visto como aquele que naturalmente deveria ocupar a presidência. Goulart era o sucessor político de Getúlio Vargas, odiado pelos militares e, pior ainda, cunhado do governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, que defendia reformas estruturais no país, entre as quais a reforma agrária.
Goulart estava na China quando soube da renúncia de Jânio e de que os militares tinham se manifestado contra sua posse como presidente. Ranieri Mazilli, nesse momento, foi empossado presidente em exercício.
No Rio de Janeiro, um jornalista eleito governador do estado da Guanabara, Carlos Lacerda, iniciara uma campanha contra Jânio Quadros, por este estar se aproximando dos países socialistas. Lacerda disse na TV que Jânio queria dar um golpe para governar com poderes absolutos. O discurso de Lacerda desestabilizou o governo de Jânio, que se mostrara desde o início instável e populista.
E foi assim que eu entrei na política, apoiando a Campanha da Legalidade lançada no Rio Grande do Sul por Leonel Brizola para que seu cunhado assumisse a presidência da República. E em frente ao Colégio Estadual José Pedro Varela, em cima de uma caixote de feira, chamei os colegas e professores à greve. E como estávamos bem articulados e interpretávamos o sentimento das massas trabalhadoras naquele momento, a greve saiu e foi um sucesso.
Mas os liberais, ao redor de Raul Pilla, defensor do parlamentarismo, apresentaram uma solução de negociação: Goulart seria presidente, mas não governaria. O governo ficaria nas mãos do Presidente do Conselho de Ministros.
Jango, assim era chamado João Goulart, passou a exercer a função de chefe de estado, mas o governo passou pelas mãos de três Primeiros-Ministros: Tancredo Neves, Francisco de Paula Brochado da Rocha e Hermes Lima.
O certo é que os movimentos de trabalhadores e sindicatos, em 1962, descontentes com o parlamentarismo, que acabou por não agradar a ninguém, pressionam por um plebiscito que definisse a forma de governo no Brasil: parlamentarismo ou presidencialismo. Esse plebiscito estava previsto para dentro de três anos, quando se dariam as novas eleições presidenciais, mas o descontentamento generalizado apressou a sua realização. E os eleitores escolheram o presidencialismo. Goulart, então, começou a governar de fato.
O Partido Comunista e os sindicatos, junto com o Partido Trabalhista Brasileiro, que formavam a base de sustentação do governo, pressionaram para que as reformas fossem realizadas. E eu tive a sorte de viver esse impressionante momento de nossa história, como jovem que frequentava o restaurante do Calabouço, onde comia a vanguarda estudantil do proletariado naqueles dias de luta e sonhos.
O país estava sendo corroído por uma inflação que só fazia crescer e que levou o governo a medidas de austeridade, ou seja, antipopulares. A esquerda, então, liderada pelo Comando Geral dos Trabalhadores, em busca da ruptura da indecisão de Goulart de iniciar as reformas, lançou o país num clima de greves até aquele momento jamais visto.
O presidente estadunidense John Kennedy, intervindo diretamente na política brasileira, ordenou o financiamento das campanhas dos governos estaduais que fossem contrários a João Goulart.
Segundo Philip Agee, ex-agente da CIA, os fundos vindos de fontes estrangeiras foram utilizados na campanha de oito candidatos estaduais, de 15 candidatos ao Senado, de 250 candidatos à Câmara e a mais de 500 candidatos às Assembleias Legislativas. O dinheiro era entregue ao Instituto Brasileiro de Ação Democrática/ IBAD, para a viabilização do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais/ IPES, com a finalidade de desestabilizar o governo. Tal situação gerou uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que apurou que as doações eram originárias de três bancos, Royal Bank of Canada, Bank of Boston e First National City Bank.
Dando início às reformas, Leonel Brizola estatizou a companhia telefônica, assim como a de energia elétrica do Rio Grande do Sul, afirmando que estas empresas promoviam dumpping, levando à quebra as pequenas empresas de geração elétrica e telecomunicações gaúchas. As empresas estatizadas pertenciam a grupos norte-americanos. Os dados estavam lançados. A partir daquele momento inicia-se uma queda de braço entre direita e esquerda no Brasil.
E, assim, os sargentos e marinheiros ligados a Brizola, que pleiteavam direito à democracia nas Forças Armadas, deram início as suas manifestações. E na sequência vieram os estudantes. A classe média aterrorizada começou a marchar para a direita, bombardeada pelos meios de comunicações que diziam estar o Brasil prestes a um golpe de estado para a implantação do comunismo.
E sob a batuta dos Estados Unidos que, desde 1961, fomentavam o golpe, apoiando-se nos militares descontentes desde 1954, e com o apoio da União Democrática Nacional, partido de Carlos Lacerda, organizou-se o golpe. Assunto de tal importância que desembocou na Comissão da Verdade, implementada pela ex-presidenta Dilma Rousseff.
No campo protestante, conservadores e evangélicos são a maioria nos Estados Unidos e a vanguarda da ação social. E no Brasil, onde também predominam, dividem-se em dois grupos, os históricos e os pentecostais, incluídos nesse último grupo os neopentecostais. No campo católico, a igreja enfrenta um refluxo de vocações, fortes pressões a favor do sincretismo, mas, ao mesmo tempo, crescimento do movimento carismático, que já contou com cerca de quatro milhões de fiéis.
Fenômenos como as teologias radicais e o ecumenismo estão em pleno declínio. As igrejas que levantaram essas bandeiras perderam um número expressivo de membros. Da mesma maneira, o liberalismo e as correntes neo-ortodoxas estão em franco esgotamento. Há uma busca crescente pelo dinamismo religioso da cruz.
De conjunto, a igreja de Cristo continua a crescer. A metade da população da África é cristã, cerca de 200 milhões de pessoas. Na China, estima-se a população cristã em 30 milhões de pessoas. No Brasil, cerca de 20% da população é evangélica. Um quarto da população mundial diz-se cristã (católicos e protestantes). Ou seja, a comunidade do Cristo teve uma impressionante expansão.
Mas em relação ao humanismo cientificista, ateu e materialista, que tem caracterizado toda essa nova era, as respostas da Igreja não se mostraram muito convincentes para o conjunto da sociedade cristã ocidental. A Igreja tem sobrevivido, mas parte de seu impacto e frescor se perdeu. Por outro lado, houve uma restauração da “devoção corporizada como atividade comunal”para despertar na compreensão popular a grandeza eterna encarnada na passagem do fato temporal e uma redescoberta da Bíblia, como revelação da verdade sobre a origem e destino do homem.
Vidler considera que na Igreja da era da revolução a ação social e a volta às Escrituras equilibram-se com a tendência ao fracionamento e ao surgimento de seitas. Assim, infelizmente, a era da revolução é, em relação à Igreja, a era do cisma. E nada indica, até agora, que esta tendência caminha para o seu fim.
“Os homens hoje estão divididos entre aqueles que conservaram as suas raízes e perderam o contato com a ordem da sociedade existente, e aqueles que têm observado os seus contatos sociais e perdido suas raízes espirituais”. Ao menos em relação à Europa e à Inglaterra essas palavras são verdadeiras. Assim, desde a Revolução Francesa a Igreja enfrenta esse tipo especial de cisma, que fraciona não apenas sua estrutura, mas a alma do homem moderno e até mesmo a alma de homens e mulheres cristãos.
No Brasil de hoje podemos falar de uma multidimensionalidade do tempo na cultura. Ora, antes, sem dúvida, o tempo deveria ser distintamente diferente para cristãos e não-cristãos, mas agora com a criação e combinação dos tempos artificiais produzidos pela tecnologia, os ritmos e tempos se interpenetram.
Em 1983, o cientista político italiano Giacomo Marramao lançou Potere e secolarizzazione, em que trabalha a controvérsia sobre tempo pagão e tempo cristão e, como consequência, a questão das imagens do mundo e as representações do tempo.
O conceito secularização não é apenas uma metáfora, que expressa o distanciamento progressivo da esfera religiosa enquanto poder, já que seu significado semântico continua em permanente construção. Para Marramao (1997), "a impossibilidade de reconduzir essa noção a uma concepção unitária não depende meramente, como no caso de outros termos característicos da modernidade, da sua polissemia ou polivalência semântica", mas necessita de uma "estrutural ambivalência de significado, a qual dá lugar a premissas antitéticas ou diametralmente inversas". Assim, o paradoxo maior da secularização mostra-se enquanto conflito igreja versus secularidade, já que a igreja assume um caráter burocrático e a secularidade, cada vez mais, discute, opina e legisla sobre questões religiosas. Ou seja, há ou não uma interseccionalidade de valores? Vemos, então, que a religiosidade evangélica busca institucionalidade e a secularidade cria características religiosas.
É de se entender que a secularização, enquanto fenômeno interseccional, possui significado de afirmação e de oposição entre o espiritual e o secular. Dessa maneira, a secularização se apresenta hoje, na alta modernidade sob três formas, o princípio da ação eletiva, o princípio da diferenciação/ especialização progressiva, e o princípio da legitimação. E se falamos do princípio da ação eletiva, estamos a falar da emersão progressiva da pessoa na busca do significado do seu "eu" e da "consciência de si mesmo". Por isso, para Marramao (1995), "este aspecto comporta um modo cultural particular de estabelecer a linha de demarcação entre subjetividade e objetividade e, portanto, de construir a realidade social."
Já o princípio da diferenciação/especialização progressiva nos mostra que quando o princípio eletivo se torna afirmativo, a adoção do critério de escolha fica em aberto. Esse critério de escolha está no âmbito da racionalidade instrumental, assim, Marramao (1995) nos dirá que "a consequência disto é a relação estreitamente biunívoca que se instaura entre secularização e aumento de complexidade do mundo social."
Ao analisar o pensamento político da religiosidade evangélica no Brasil, dois autores traçam linhas demarcadas, sobre como se lançaram contra os direitos civis, democráticos, seculares. Para Cowan, “a direita política evangélica no Brasil tornou-se presuntiva, mas foram prefiguradas durante os processos simultâneos de redemocratização nacional e de politização evangélica na década de 1970. Nesta encruzilhada, os líderes de várias denominações religiosas adotaram a linguagem de uma crise moral aguda, lançando as bases para uma direita evangélica. A própria crise moral tornou-se “nosso terreno”, o ponto de inserção dos evangélicos de direita na esfera política, e uma das várias questões-chave que dividem evangélicos reacionários e seus correligionários progressistas. Até o momento da Constituinte, a posição dos Batistas e Assembleianos, como vozes dos conservadores que apoiaram amplamente o regime militar e se opuseram às iniciativas de justiça social do ecumenismo de esquerda e ao comunismo, tinha sido estabelecida após anos de pronunciamentos que ligavam essas questões à crise moral.”
E para Carneiro, “no Brasil, o evangelicalismo evoluiu cada vez mais para a direita ao longo do período ditatorial e pós-ditatorial, constituindo o que já foi chamado de uma “nova direita” baseada na reação moral e cultural. Na ditadura houve uma distinção clara entre setores protestantes e evangélicos democráticos que se opuseram ao regime, como o pastor presbiteriano James Wright, fundador do Brasil Nunca Mais, e os grupos mais conservadores e anti-ecumênicos que apoiaram os governos militares.
“Esta ala direita se aproveitou de benesses do regime, cresceu e predominou. Sua atuação política mais destacada se deu em torno ao combate à pornografia, o alcoolismo, o tabagismo, o jogo, o divórcio, e a emancipação feminina. Defensores de que o lugar da mulher é no lar, se juntaram à Igreja Católica para se opor ao controle populacional e aos anticonceptivos.”
A Reforma protestante desde os seus primeiros momentos buscou fundações. Conhecemos os princípios basilares apresentados por Lutero: a justificação pela fé, a sola scriptura, o livre exame dos textos sagrados cristãos e o sacerdócio universal dos fiéis. A partir desses conceitos de liberdade surgiu um conjunto de princípios em cima do qual se levantou a teologia reformada. Tal construção foi vista como base que legitimou e autorizou a expansão de uma das maiores revoluções religiosas da história humana. E, assim, surgiu a teologia reformada como fundamento de todos os protestantismos e também dos evangelicalismos, com seus diferentes matizes e leituras.
Assim, a academia quando se debruçou sobre o fundamentalismo do movimento evangélico, viu principalmente o seu lado integrista. É certo que a religiosidade evangélica é fundamentalista. Mas Mendonça explica o que isso significa:
“Seu apego à letra da Bíblia, ao mesmo tempo em que a interpreta dogmaticamente, tem engessado o protestantismo no cipoal da ortodoxia mais fria que pode existir. O fundamentalismo, além de violar o sagrado princípio da Reforma, que é livre exame – por ter-se especializado em publicar Bíblias com notas e referências, verdadeiros tratados teológicos --, voltou a submeter o protestantismo a um simples sistema de crenças ao qual o fiel se submete intelectualmente".
Na verdade, a utilização da expressão fundamentalista para a religiosidade evangélica brasileira ou setores dela não está errada, mas se torna reducionista ao prender-se aos aspectos negativos do termo -- conservação, integrismo, retroação – e deixa de ver aspectos relacionais positivos que a busca por fundação implica.
O Brasil desde 1940 vem numa acelerada marcha de urbanização. Em 1940, 30% da população do país, 40 milhões de pessoas viviam em cidades. Em 2006, 56,3 milhões de brasileiros viviam nas nove maiores regiões metropolitanas do país. Segundo dados do IBGE (2007), hoje 83% da população moram em cidades, 140 milhões de habitantes. Portanto, 8 em cada 10 brasileiros vivem em núcleos urbanos. Parte da população urbana concentra-se no Sudeste do país, em especial em grandes áreas metropolitanas como São Paulo, 17 milhões na Grande São Paulo, e Rio de Janeiro, mais de 10 milhões na Grande Rio.
Além do aumento da população urbana ocorre no país uma urbanização do território: há crescimento da população urbana, do número de cidades, e os núcleos urbanos passam a se espalhar por todos os estados e regiões do país. Surge, então, uma rede urbana ampla, interligada e complexa. Expande-se, assim, o modo de vida urbano, apoiando-se nos sistemas de transportes, telecomunicações e informações. O processo de modernização do país, na segunda metade do século vinte, gerou duas megalópoles, São Paulo e Rio de Janeiro, que foram constituídas coração cultural e econômico do país, concentrando recursos e articulando em seu entorno uma constelação de aglomerações urbanas e cidades médias. Por outro lado, ocorreu nos últimos anos uma tendência à desconcentração de atividades - sobretudo industriais -, com o deslocamento de unidades produtivas do núcleo central de metrópoles como São Paulo para outras cidades e aglomerações urbanas de diferentes portes e localizadas em diferentes estados e regiões. E a redução no ritmo de crescimento populacional de São Paulo e do Rio de Janeiro é fato marcante, embora não signifique a redução do poder e influência nacional e internacional de ambas.
Crescem também outras aglomerações urbanas metropolitanas e não-metropolitanas e também o número de cidades médias por todo o país. Temos, então, uma situação em que permanece o peso acentuado das metrópoles, ao mesmo tempo em que há a desconcentração ou repartição de atividades entre as metrópoles e outros núcleos.
E a religiosidade evangélica montou a cavalo no processo de urbanização. A procura evangélica por fundamentos é uma mostra de que o fenômeno não traduz um movimento espontâneo, mas procura construir raízes que lhe deem estabilidade e permanência. As antigas construções institucionais e religiosas brasileiras, primeiramente calcadas no catolicismo rural e depois no protestantismo de migração e de missão, estão presentes nessa procura evangélica por fundamentos e são um fenômeno urbano. E tal processo nesta alta modernidade não ter definições precisas e sólidas, as religiosidades evangélicas urbanas necessitam de um permanente olhar a frente. Assim, as necessidades estruturais da sociedade brasileira e o descontentamento nem sempre definido e claro das populações urbanas fornecem elementos para a compreensão da busca de fundamentos por parte dos novos movimentos evangélicos presentes no espaço urbano.
Ao acrescentarmos a variável urbanização à alta modernidade, entendemos que a procura por fundamentos é também produto da globalidade e que, embora possa assumir formas antiglobais, sua tendência é partilhar as características da globalidade. Ou seja, a alta modernidade surge como desequilíbrio e traz insegurança para as massas, e o movimento evangélico, calcado em fundamentos, apresenta-se como opção de sentido, esperança e vida para essas mesmas massas. Por isso, não podemos dizer que o fenômeno evangélico urbano brasileiro seja mero produto da correlação entre urbanização e alta modernidade.
Os estudos publicados pelo IBGE mostram que em 1970 a população protestante / evangélica tinha 4,8 milhões de fiéis, e que em 1980 passou a 7,9 milhões. Constatou que na década de 90, a velocidade de crescimento das comunidades protestantes e evangélicas foi quatro vezes maior que a da população brasileira. Assim, em 1991 chegou a 13,7 milhões; em 2000 a 26 milhões. E em 2010, a 42,3 milhões, ou seja 22,2% dos brasileiros. Atualmente, o movimento como um todo caminha para ser um quarto da população.
Devemos reconhecer, porém, que a multiculturalidade brasileira tem suas correlações com a globalidade, e que não há cidades de refúgio na temporalidade globalizada. As culturas brasileiras estão integradas na ordem de um conjunto maior que é a própria brasilidade na alta modernidade, coladas cultural e economicamente à globalidade da produção e do consumo capitalistas. Assim, dentro desse panorama, o protestantismo evangélico, em seus diferentes matizes, leva a uma viagem da tradição em direção à alta modernidade.
Como vimos, uma das características do fenômeno religioso urbano, e aí se enquadra a religiosidade evangélica em seus diversos matizes, é a procura por fundamentos. Tal tendência pode ser ilustrada nas propostas de volta às tradições históricas da Reforma, o que aparentemente entra em choque com a globalidade. Mas essa volta às tradições históricas faz parte da própria globalidade. E é expressão profunda de sua virtualidade.
No protestantismo clássico, os teólogos magisteriais controlaram suas produções a partir de estruturas e procedimentos ordenados. Isso é tudo o que podemos fazer em um mundo complexo? Se for, a institucionalidade das confissões judaico-cristãs estão destinadas a seguir o caminho do Tyrannosaurus rex. A tentativa de estabilizar o sistema leva a torná-lo incapaz de interagir com o mundo e possibilitar a criação de alternativas futuras. Os intérpretes modernos enfatizaram que as culturas e os valores compartilhados são essenciais para fazer a leitura da religiosidade judaico-cristã. Em condições dinâmicas, onde fé e linguagem religiosas são formados por múltiplas e variadas possibilidades, onde hermenêuticas monolíticas falharão na geração da criatividade religiosa necessária para dotar as confissões de compreensões adequadas. Por isso, as diversidades de opiniões e abordagens são importantes. O pensamento único, que não comporta diferentes visões, pode ter sido um dos fatores cruciais para a crise de parte das confissões judaico-cristãs no mundo moderno e, em especial, nas últimas décadas do século vinte. Os hermeneutas modernos acreditaram que o sucesso da fé e linguagem religiosas poderia repousar exclusivamente na manutenção do equilíbrio interno da origem fundante, mas se isso fosse possível, a própria fundação teria deixado de apresentar novidade e a liberdade da religiosidade no século vinte deveria ter sido reduzida à escolha da adaptação certa ou errada.
Mas no mundo da complexidade hermenêutica os riscos são muito maiores. Primeiro porque equilíbrio exclusivo e permanente da internalidade religiosa significa morte, exatamente o contrário do que pensava a velha hermenêutica. Segundo porque em condições não-estáveis o ambiente humano também se fez presente na religiosidade, tanto quanto ele no ambiente humano. As implicações disto significam que as compreensões hermenêuticas não podem culpar o mundo por suas falhas: elas devem ser vertiginosamente livres para criar o próprio futuro religioso.
Há um verso de Nietzsche que pode nos servir de guia para uma hermenêutica da religiosidade evangélica na alta-modernidade:
“Agora celebramos, seguros da vitória comum, a festa das festas: O amigo Zaratustra chegou, o hóspede dos hóspedes! Agora o mundo ri, rasgou-se a horrível cortina, É hora do casamento entre a Luz e as Trevas...”
Nietzsche pensava a ausência de horizontes. Em Além do Bem e do Mal, ele pensa contra a modernidade: faz um libelo contra os valores da modernidade, como o sentido histórico, a objetividade científica e, logicamente, a fé numa razão autônoma. Assim, é o caso de perguntar: é possível continuar existindo algum contato com a chamada realidade hermenêutica, quando a virtualidade, por exemplo, fica indistinguível e até mesmo mais autêntica que o original, quando podemos criar mundos sintéticos que são mais reais que o real, quando a tecnologia glosa a natureza? Quando a hermenêutica livre das dogmáticas confessionais faz caminhos como o filme Matrix?
Mark C. Taylor, hermeneuta estadunidense, percorre sob outras condições questionamentos idênticos aos levantados por Nietzsche. Ao trabalhar a questão da virtualidade na comunidade religiosa da alta-modernidade, utiliza um conceito que já vinha sendo usado na crítica literária, a idéia de imagologia. Antes, na teoria literária, e agora na hermenêutica de Taylor, a identidade do texto não pode ser encarada como uma forma de ser plena e apriorística, mas como realidade dinâmica ou relacional, onde se cruzam questões de identidade textual e comunitária, o que também se dá na virtualidade, que acaba sempre por revelar uma dimensão estrangeira, que é manifestação de um outro. Na medida em que há constante busca identitária, o confronto com este outro supõe sempre uma comparação, explícita ou implícita, e se integra naquilo que na terminologia de Taylor será a imagologia, estudo das representações do outro, que também pode ser entendido como virtualidade.
Nos últimos anos essa questão tem sido tema da simbologia da revelação dos textos sagrados, como da própria teologia. As mídias têm demonstrado a força das realidades artificiais. Essa questão, realidade e imagem na comunidade imagológica, já tinha sido analisada por psicólogos da escola piagetiana. Segundo eles, é difícil ensinar a pensar de modo lógico a um menino que está sob o bombardeio de imagens distantes da lógica, como acontece nos programas infantis. E onde até mesmo as entrevistas ao vivo fazem parte da criação de algum gênio da publicidade. A moda e os shows de rock, por exemplo, fazem parte desta realidade onde o que é apresentado pelo entrevistador não tem nada a ver com a realidade da audiência ou com o próprio intérprete/produto, já que suas imagens sofrem uma transformação mágica para poder ser popular, ou pelo menos este é o objetivo.
Para Taylor, a comunidade imagológica leva à ansiedade que circula acima e debaixo do chão, que tem crescido e emaranhou-se num complexo tecnológico e financeiro.
“Com a informação e o dinheiro que correm ao redor do mundo à velocidade da luz, nenhum de nós está seguro, porque qualquer um está no controle. As redes de terroristas assombram a estrutura e através da Web atuam nas comunicações e sistemas financeiros globais. Eles foram mais efetivos utilizando as tecnologias contra nós do que nós em nossa capacidade de usar essas tecnologias contra eles. Nós não seremos capazes de enfrentar redes de terroristas até que melhoremos a compreensão da lógica e operação de nossas próprias redes. Nestas teias emaranhadas e nas redes, está o limite entre nós e eles, dentro e fora, para quem nada é fixo e imóvel, mas restos fluidos e móveis”.
E essa é uma discussão sobre o sentido da hermenêutica, porque vivemos um momento de complexidade sem precedentes, onde as coisas mudam mais rapidamente que nossa habilidade de compreender. Por isso devemos resistir à tentação de procurar respostas simples, pois o que antes era força interpretativa da hermenêutica moderna agora é fraqueza que nos deixa abandonados à mercê da sorte. Diante disso, será possível distinguir entre realidade e virtualidade na comunidade imagológica evangélica, se a tecnologia constrói a nova realidade? Bem, vivemos um mundo colocado em processo de equilíbrio instável, e para entendê-lo devemos ir às margens do sistema.
A complexidade hermenêutica, na alta modernidade, é vista como marginal e fenômeno emergente. Não está fixa, porque a complexidade é móvel, momentânea e o momento marginal de seu aparecimento é inevitavelmente complexo. Longe de ser um estado, esse momento emergente da hermenêutica reconstitui o fluxo de tempo, enquanto impulso que mantém a religiosidade em movimento. É significante que a palavra momento derive da idéia de impulso em latim, mostrando movimento como sendo também impulso. Embora frequentemente representasse um ponto simples, o momento hermenêutico é inerentemente complexo. Seus limites não podem ser firmemente estabelecidos, porque sempre estão trocando de modos, que dão fluidez ao momento. Na hermenêutica da alta modernidade vivemos o domínio do intermediário, que a teoria da complexidade procura entender.
A dinâmica do caos e da complexidade da hermenêutica parte de certas características que diferem em importância e modos. Um sistema complexo é um sistema único composto de partes compatíveis, que interagem entre si e que contribuem para sua função básica, sendo que a remoção de uma das partes faria com que o sistema deixasse de funcionar de forma eficiente. Um sistema de tal complexidade não pode ser produzido diretamente, isto é, pelo melhoramento contínuo da função inicial, que continua a atuar através do mesmo mecanismo, mediante modificações leves, sucessivas, de um sistema precursor. O exemplo mais popular de complexidade irredutível foi apresentado por Michael Behe (A caixa preta de Darwin): é a ratoeira. Ela tem uma função simples, pegar ratos, e possui várias partes: uma plataforma, uma trava, um martelo, uma mola e uma barra de retenção. Se qualquer uma dessas partes for removida, o aparelho não funciona. Portanto, é irredutivelmente complexo. Um automóvel, em contrapartida, pode funcionar com os faróis queimados, sem as portas, sem pára-choques, etc, embora chegará um momento em que haverá um mínimo de peças essenciais para seu funcionamento. Originariamente, a teoria do caos foi desenvolvida como um corretivo para os sistemas fechados e lineares de físicas de Newton, pois diante da ausência de ordem, caos é uma condição na qual a ordem não pode ser averiguada por causa da insuficiência de informação. Enquanto a física de Newton imagina um mundo abstrato governado por leis definidas, que determinavam completamente as coisas reais, a globalidade não é transparente porque não temos a informação adequada e necessária para estabelecer leis, assim toda operação é sempre inacessível. A partir dessa compreensão da teoria do caos e da complexidade, duas razões hermenêuticas podem ser destacadas na abordagem das religiosidades evangélicas.
Primeiro que os sistemas finitos, como é o caso dessas religiosidades, não estão fechados, mas são sistemas abertos. E segundo que os sistemas ou estruturas das religiosidades evangélicas envolvem relações que não podem ser entendidas apenas em termos de modelos lineares de causalidade. Nos sistemas religiosos evangélicos recorrentes é impossível medir as condições iniciais com precisão para determinar as relações causais num período limitado de tempo. Então, a imprevisibilidade é inevitável. Ao contrário dos sistemas lineares, nos quais causas e efeitos são proporcionais, nos sistemas das religiosidades evangélicas recorrentes, a avaliação é complexa, porque esses sistemas se auto-alimentam da vida de seus fiéis e na recorrência geram causas que podem ter efeitos desproporcionados. Em contraste com a teoria do caos, a teoria da complexidade está menos interessada em estabelecer a fuga ou o caos determinado, pois oscila entre ordem e caos. Assim, o momento de complexidade é o ponto no qual ecossistemas organizados emergem para criar novos padrões de coerência e estruturas de relação.
Embora tenha se desenvolvido fora das investigações hermenêuticas das religiosidades evangélicas, a percepção de teoria da complexidade pode ser usada para iluminar as questões da interpretação desta religiosidade hoje no Brasil. Aliás, poderíamos até nos perguntar o que há de comum entre as moléculas que se apressam em auto-reproduzir metabolismos, as células que coordenam esses comportamentos para formar organismos multicelulares e os sistemas das religiosidades evangélicas? E a resposta, complexa, é óbvia: a possibilidade da vida, que faz a travessia de um regime equilibrado de ordem e caos, é o que há de comum entre esses processos. Donde a hipótese hermenêutica maior é esta: a vida existe enquanto extremidade do caos. Partindo da metáfora da física, a vida existe ao lado de um tipo de transição de fase. A água existe em três estados, gelo sólido, água líquida e vapor gasoso. Começamos a ver que idéias semelhantes podem ser aplicadas aos sistemas hermenêuticos complexos. Sabemos que as redes de genomas que controlam o desenvolvimento do zigoto podem existir em três regimes: ordenado congelado, caótico gasoso e líquido aquoso, localizados na região entre ordem e caos. É uma hipótese impressionante que sistemas de genomas ordenem regimes de transição entre uma ordem e o caos. Em tais sistemas, o regime ordenado congelado também coordena as sucessões complexas das atividades genéticas necessárias. Mas, nessas redes, também o regime gasoso caótico, perto da extremidade de caos, pode coordenar atividades complexas e evoluir. A partir das redes, a análise pode ser estendida às comunidades e às dimensões culturais, ou seja, por extensão às leituras interpretativas. Assim, equilibrado entre uma pequena ou grande ordem, o momento de complexidade da hermenêutica na alta modernidade é o meio no qual emerge a cultura de rede.
Taylor projeta a discussão da teoria da complexidade para a hermenêutica ao afirmar que a noção de que as fundações tenham desaparecido é ameaçadora para muitas pessoas, mas que esse assunto é um tema recorrente nas ciências da religião. Pensadores importantes na história de filosofia ocidental, como Nietzsche, colocaram tal discussão na ordem do dia e influenciaram pensadores da alta modernidade como Derrida. Uma das coisas que golpeia o pensamento moderno é a ênfase desses filósofos na importância de entender que a idéia de fim de fundamentos é uma metáfora, assim como a teoria da complexidade também é uma metáfora. Ou como afirma Derrida, a metáfora é determinada pela filosofia como perda provisória de sentido, economia sem prejuízo irreparável de propriedade, desvio inevitável, mas história com vista e no horizonte da reapropriação circular do sentido. É por isso que a avaliação filosófica foi sempre ambígua: a metáfora é estranha ao olhar da intuição, do conceito e da consciência. E por isso Derrida dirá que a metafísica é a superação da metáfora, donde ao discutir a hermenêutica devemos levar em conta que há rastros da metafísica nas palavras que usamos: entender é um exemplo disso. Entender algo é não agarrar alguma coisa superficialmente.
O ato cognitivo envolve apreensão dentro de condições de superfície e relativos à profundidade. A distinção entre informação e entendimento é muito complexa. No domínio onde as pessoas pensam em informação devemos falar de sobrecarga de informação. Somos bombardeados com informação de todos os tipos. Entender é um modo de organizar e estruturar a informação. Na revolução da informação, dispositivos filtrantes estão começando a emergir. É crucial entender o poder das hermenêuticas que criam estas grades culturais. Este é um dos temas de Imagologies. E essas grades culturais, por sua vez, desenvolvem-se e mudam para prover vigamentos interpretativos que criam possibilidades de construção da compreensão de informação na qual estamos imersos. Temos, então, dois mundos, um é o mundo tradicional, o mundo da religiosidade protestante histórica tal como o recebemos. É um mundo platônico, no qual o assunto percebido é colocado num nível agradável de fundação. Este mundo está presente, mas também está acima, é a transcendência. Esse modelo se torna um modo de saber. Quando começamos a conceber algo, concebemos figurando em termos de modelo. Através do contraste descrevemos um mundo no qual um modelo diferente predomina. Temos interações de planos, modelos e processos.
As religiosidades evangélicas, assim entendidas, podem ser chamadas de locais de consumo, e apontam para a utopia de uma República evangélica. Mas uma estrutura não é aquilo que alguém busca, pois as religiosidades enfatizam movimento e troca, troca de informação, etc. Os modelos hermenêuticos de que estamos falamos não são apenas conceituais, pois o conhecimento simbólico das religiosidades evangélicas emerge de uma interação entre entendimento e as formas de fé, que são filtros através dos quais foram processadas a informação. Se alguém pensa tais categorias como um vigamento historicamente emergente de interpretação, em constante processo de formação, deformação e reforma, estamos diante de um salto como o das tecnologias de produção e reprodução em uma comunidade determinada. Começamos então a ver os modos em que processamos a experiência, onde o conhecimento é constituído em fluxo constante. Não é apenas uma questão de como pensamos, é uma questão de como vemos, ouvimos e tememos. E aí entram cultura e política, e questões como aborto, feminismo e movimentos gays, entre outros. E neste ver, ouvir e temer, as mídias abrem uma percepção nova e capacidades de apercebimento. O ponto em que se faz a troca também é uma questão importante. Uma das coisas que o estruturalismo nos ensinou é que em lugar de ser um local de origem, a religiosidade deve ser entendida como constituída dentro e pelas redes de troca na qual está imbricada. É um tipo complexo de reversão. Pensando nessas estruturas como criadas por um tema original, temos que pensar no assunto como uma função das redes estruturais nas quais está situada. Essas redes estruturais levam a todos os tipos de formas. São culturais, políticas, sociais. Entender as religiosidades evangélicas como constituídas por redes de troca é muito importante.
Assim, há uma procura pelas tradições históricas do protestantismo, o que implica em ressignificar o estudo da literatura sagrada, a liturgia nas comunidades e até mesmo os currículos dos seminários de teologia. A caminhada em direção às tradições históricas, à nacionalização do culto e à compreensão da teologia parte dessa luta na alta modernidade pela busca da autonomia e da expressão local, mas traduz também o desejo, e aí entra a globalidade, de que a comunidade local contribua para a espiritualidade mundial. O estímulo da alta modernidade às expressões das religiosidades locais implica numa combinação sincrética de práticas ditas locais com adaptações às práticas alheias às circunstâncias locais. Assim, expressões do fenômeno evangélico urbano são ressignificadas. São produções sintetizadas e sincretizadas de diferentes tradições cristãs e, até mesmo, não-cristãs. São formas particulares de adaptação à urbanização e uma resposta aos efeitos da tribalização da alta modernidade.
A maioria do movimento evangélico contemporâneo aparentemente parte das necessidades religiosas dos diferentes estratos urbanos. Mas é, também, multinacional e mantém alianças com instituições forâneas. Nos últimos vinte anos desenvolveu uma solidariedade entre estratos urbanos marcados pelos contatos e pela crescente participação com os Estados Unidos da América. Esses setores do movimento evangélico são conduzidos como opinião mundial, e capitalizam a preocupação geral com uma identidade protestante genérica e dela se alimentam. Tal fenômeno não é negativo, se entendermos que estimula, ao participar da globalidade, o reconhecimento de que a religiosidade evangélica local só é possível numa base cada vez mais global. Ou seja, para os as religiosidades evangélicas urbanas pensar globalmente é cada vez mais necessário a fim de tornar a própria noção de religiosidade urbana viável. O evangelicalismo urbano está globalmente institucionalizado, embora apresente complicações dispersas. A urbanização produz variedade e a diversidade é, em muitos sentidos, um aspecto básico da globalidade. Mas, e esta é uma complicação, a diversidade pressupõe na globalização a preservação de enclaves da particularidade em meio à crescente homogeneidade e uniformidade. Ou seja, dentro do conjunto movimento evangélico vamos encontrar singularidades que rompem as uniformidades e também as não-uniformidades. Podemos definir essa idéia dizendo que a urbanização do evangelicalismo envolve simultaneamente globalidade e localidade.
É por isso que, quando falamos em religiosidade evangélica urbana, apontamos para a comunicação entre grupos, comunidades locais e confissões. Tal fenômeno é uma reação ao aumento da compressão do espaço e do tempo urbanos. Essa comunicação, que chamo de interdenominacional, se faz em todos os níveis, está presente nas salas de aula, na mídia, e já chegou aos cultos e às liturgias. Mas na mídia traduz a utopia da diferença e funciona como o espaço aberto dos símbolos. Nesse sentido, não apresenta a diferença autêntica, mas faz uma descrição simbólica ao adequar religiosidade evangélica e religiosidades não-cristãs às características contemporâneas da urbanização das religiões.
Michael Löwy trabalha o desafio do pensamento das religiosidades evangélicas a partir de uma leitura weberiana, o que matiza os contornos aparentemente demoníacos da presença evangélica na política brasileira. Para ele, “os evangélicos são, no fundo, uma religião mágica. Eles acreditam que, fazendo certos rituais, orações ou mesmo dando dinheiro para a igreja, terão seus problemas resolvidos. Isso, para parte da população, sempre foi assim. Mas devemos reconhecer que os evangélicos, pela ética protestante, calvinista, impõem uma série de proibições aos fiéis: não podem consumir álcool, drogas, ir a prostíbulos, jogar cartas. E isso melhora a situação da família, é fato. Por outro lado, essas igrejas são conservadoras, intolerantes, fundamentalistas e, na maioria das questões sociais, regressivas. Além do quê, desenvolvem uma pretensa teologia da prosperidade que faz elogios ao capitalismo, ao neoliberalismo, ao mercado e ao consumo, que é bastante negativo.”
Podemos, caso utilizemos critérios modernos de análise, falar em tempo da mentalidade conservadora versus tempo da mentalidade progressista. Mas tais critérios de análise, embora sejam aparentemente agradáveis e facilitadores, já não cabem na multidimensionalidade do tempo na cultura, que nos leva, a partir de Marramao, a falar de conflitualidade endêmica do mundo e, como consequência, dos dilemas que traz para a política e para a religião. Assim, faz a crítica da sociedade contemporânea, onde o presente é dominado pelo movimento incessante, onde ninguém consegue saborear o presente. E reconstrói a etimologia do tempo latino, onde são colocados o sentido interno de tempo, a síndrome temporal da pressa e a busca insana para se recuperar a posse da existência.
Temos que ver, a partir de Marramao, que a realidade se expressa de forma imagológica na política das religiosidades evangélicas, fazendo com que as propostas evangélicas interseccionadas enquanto governamentais, quer no que se relaciona à pessoa, à família ou às comunidades, se entrelacem e produzam, como diz Giner, “mutações na vivencia e qualidade desses tempos”. Assim, a bancada evangélica presente no Congresso, ou os ministros de Estado do governo Temer expressem produções imagológicas de tempos, que apesar de suas volatilidades, acumulam de forma caleidoscópica mudanças no momento presente.
Em seu livro Passagem ao Ocidente, filosofia e globalização, de 2003, Marramao faz uma análise do pensamento contemporâneo e como este se debruçou sobre a investigação da globalização. Mas procura evitar a ocidentalização da abordagem, delineando uma política global. Assim fez leituras de F. Fukuyama e Kojève e, consequentemente, do fim da História e à universalidade do individualismo competitivo. Atravessa, então, o conflito de civilizações que, após o colapso do muro de Berlim, viu o globo mergulhado num conflito intercultural mundial. E, chegou com S. Latouche, à concepção da expansão planetária de dominação da tecnologia sob o controle da razão instrumental.
Mas, para Marramao, a globalização deve ser vista como pressuposto típico da modernidade, na transição de um mundo fechado a um universo circum-navegável, que possibilita o encontro, mas também o choque de culturas, levando a sociedade a ser transformada por esse encontro diário, que se espraia a partir das megalópolis, mas que permanentemente desafia a nossa identidade.
No percurso dessa compreensão da globalidade, vai além da crise do Estado-nação, agora personificada pelo Leviatã democratizado de John Rawls. Aqui temos a reconstrução do princípio de universalidade da diferença, que se dá em esfera global, onde o mundo aparece como presença-imagem da racionalidade técnica e econômica, que influencia tudo e todos através da criação de um modelo único de sociedade e pensamento. E que, ao mesmo tempo, tira proveito da riqueza das diferenças para construir uma globalidade cosmopolita, onde todos podemos cultivar nosso politeísmo de valores. Globalidade e temporalidade, para Marramao, estão imbricadas. E para chegar à sua construção da temporalidade da globalização, fez a reconstrução das concepções de tempo nascidas na reflexão ocidental a partir da análise de Timeu de Platão, até chegar às discussões sobre a flecha do tempo na física. Mas, construindo uma reflexão sobre temporalidade / identidade, onde busca os pontos de contato entre as abordagens focadas na pessoa e as sociais.
A síndrome da pressa, do tempo que falta, tornou-se parte do projeto moderno, numa racionalização da escatologia judaico-cristã, onde se busca o fim último do domínio da razão instrumental. Essa homogeneização, que se procura planetária, responde à síndrome da pressa repetindo, eternizando, a mesma cena neurótica, por não ser capaz de parar, considerando normal chegar sempre fora do tempo certo, tarde demais, vivendo a angústia e o trauma permanente da perda da oportunidade certa. Mas este projeto moderno, afirma Marramao, está em crise, e devemos olhá-lo com distanciamento, superando Weber, já que a racionalidade instrumental é um fenômeno típico do Ocidente, que não surgiu em nenhuma outra cultura, nem mesmo na China. É com este distanciamento que devemos analisar o capitalismo, debruçando sobre outras culturas, humildes na certeza de que têm algo a dizer e que podem nos ensinar a escapar da sociedade contemporânea e aprender a viver no presente, renunciando à idéia de que lá na frente algo bom e definitivo deve acontecer.
Donde, o kairós, o tempo bom, tão caro à escatologia judaico-cristã, se apresenta como interseção entre a realidade divergente de tempo privado e tempo público. Ou seja, as religiosidades evangélicas por sua virtualidade colocam desafios culturais – éticos e políticos – à laicidade brasileira, isto porque o tempo privado deixou de ser humano e passou a depender de condições e variáveis que incluem desde a situação mundial às situações físicas e psíquicas, plasmando tempos que esmagam pessoas e comunidades.
E vale a pena lembrar ao deixar esta conversa que não estamos diante de uma teoria do colapso do protestantismo histórico, porém daquilo que ainda não foi examinado com suficiente atenção. Donde estamos desafiados à recolocação de diferentes e novas expressões teóricas. E o caráter desorientador que estudiosos e pesquisadores veem nas religiosidades evangélicas não devem se traduzir em demonização, mas buscar compreensões culturais e históricas que nos levem a uma atualização do pensar a religião no Brasil, reconhecendo que não estamos diante de nuvem passageira, mas de realidades que interagem profundamente com os problemas do estar brasileiro hoje.
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