mardi 4 avril 2023

Explode coração

Explode coração! 
Pensando a Páscoa a partir de Gonzaguinha e do apóstolo João 

Jorge Pinheiro 

João, o discípulo amado, conta: 

“Estava ali uma vasilha cheia de vinagre. Então, embeberam uma esponja nela, colocaram na ponta de um caniço e ergueram até os lábios de Jesus. Tendo-o provado, Jesus disse -- ‘Está consumado’. Com isso, curvou a cabeça e entregou o espírito”. 

Eis a potência termonuclear, poderosa e sutil, difícil de imaginar quando olhamos na materialidade do cotidiano. Mas ao detonar, a passagem se faz. É a páscoa de cada um, de todos nós. É travessia com potência não antes imaginada, mas que os humanos através de suas estórias relatam de formas diferentes. 

É a passagem que o mestre de Nazaré relatou no seu último jantar com os amigos chegados. Ele sabia da explosão, da concentração que se expande em calor e luz, projetada no caminhar da existência, a iluminar os seus amigos e depois com energia todos que no correr da estória, e mais do que depois, se debruçassem sobre o eu sou o que sou, e num sussurro quase inaudível murmurassem quero a carne vicária, a aliança nova, que é eterna. 

E Gonzaguinha versou: “Eu quero mais é me abrir e que essa vida entre assim, como se fosse o sol desvirginando a madrugada”. 

A travessia é momento único porque é o derramar da existência na eternidade. É momento de glória, que parece triste porque os olhos da materialidade sentem a explosão, mas veem apenas o estar. Para isso somos potência termonuclear, para ir longe, mais além do que parece. É o ir destinado a todos, mas é ir especial para aqueles que atravessaram a existência com fome de eternidade. Por isso é pão e vinho. É alegria, é festa, porque rompe grilhões, escravidão, e abre o voo para o espaço prometido, para além do tempo, para o sem tempo sem fim. 

O que era fermento, o que inchava de ar, numa alquimia supérflua do ego, está fora. Temos concentração que se faz expansão, força e luz. E é isso que celebramos neste quatro de abril, para além das terras, sejam elas prometidas ou não, para além da busca de explicações com cores, dizeres e fazeres religiosos. 

O momento da explosão é banquete e o mestre de Nazaré ensinou isso. É momento vicário, onde carne é pão, onde sangue é vinho, onde existência é eternidade. O momento da explosão é aliança nova, não vivida antes, onde há comunhão entre o aqui e o mais além, entre o agora e o depois eterno. É chegada porque é encontro, porque se chega indo, ternamente, nesse abrir os braços que nasce da explosão termonuclear que somos, projetados em cores, energia e luz pelo eterno adentro. 

Esse é o momento da passagem, é minha, é sua, é páscoa humana. E diante dela, dizeres e fazeres religiosos repousam no passado, ficam fora do eterno. E nesse sentido somos libertos, projetados na eternidade, para a celebração eterna da vida. É a páscoa de cada um, é a páscoa de todos. É a explosão da vitrine, que aqui chamamos concentração termonuclear de cada um. 

E João conta o encontro de Maria, discípula querida, com o nazareno, diante da tumba vazia: “Jesus disse: ‘Maria’! Então, voltando-se para ele, Maria exclamou em aramaico: Meu senhor!”. 

Páscoa é morte, é travessia, é levantar-se para a vida. Para isso somos, para explodir em cores, energia e luz em direção ao espaço sem fim, ao eterno que se abre a partir do momento em que os olhos se fecham, para que todo o meu ser possa ver. 

E voltemos a Gonzaguinha, num verso brilhante: “Feito louca, alucinada e criança, eu quero o meu amor se derramando. Não dá mais pra segurar. Explode coração!”


Gonzaguinha canta Explode coração, Programa Ensaio, TV Cultura, 1990.