samedi 27 mai 2017

A moça na vitrine


A moça na vitrina

Texto de Jorge Pinheiro e fotos de Naira Di Giuseppe, de Amsterdam, Holanda -- O Red Light District, área livre de Amsterdam para o consumo de drogas e sexualidades várias, fica entre Warmoesstraat, Oudezijds Voorburgwal e Oudezijds Achterburwal e suas ruas perpendiculares. É aqui que, por trás de cada vitrina de néon vermelho, moças se colocam, corpos à mostra, a espera de clientes. 

O Red Light District é, na verdade, um parque temático sexual, onde são desovados diariamente milhares de turistas e adolescentes que chegam em ônibus pulmann. Note-se que é proibido tirar fotos das moças que estão nas vitrinas. É um bairro que faz o tipo boêmio, embora aqui tudo seja milimetricamente planejado. Está cheio de bares, sexshops e tabacarias onde você pode comprar sementes de maconha das mais diferentes qualidades. A atmosfera é surrealista. 

As moças nas vitrinas me lembraram a boneca Barbie, que já passou dos 50, mas continua a ser a plastificação da sexualidade de consumo. Aquelas moças estão barbificadas sob as luzes de néon, numa espécie de jogo virtual, onde personalidades e imagens sexuais são criadas para transmitir uma idéia de liberdade que não existe no mundo real. Falo de jogo virtual porque as vitrinas transmitem a sensação de interação on-line, de plataforma virtual, presente no imaginário da garotada que se pluga ali. A moça não existe, mas sim a personagem, ou avatar, que recebe a missão de seduzir. A noção de jogo é sutil, mas está presente e é desafiante.

As moças estão de roupas íntimas, ou nuas, com um olhar maroto para os passantes. Caso haja interesse, negociarão serviços e preços. O serviço padrão é 15 minutos de sexo oral e coito por 50 euros. O que acontece nas vitrines não é domínio do real, mas o virtual usado como plataforma de jogos da imaginação. O comportamento sexual acaba sendo irrelevante ou responsável por emoções de vida real. Num jogo desse tipo, a função do olhar e os possíveis mergulhos no imaginário é o que conta. Por isso, vemos grupos de jovens, tirando sarro, desafiando uns aos outros, como se estivessem num parque de diversões. Não basta olhar, é necessário ser olhado e as moças sabem disso, e provocam com piscadelas ou um sorriso mais provocante e dirigido. E a garotada vem abaixo, como se tivesse realizado uma conquista de verdade. Sexo com a moça da vitrina é de simples execução. Afinal, com a personagem não se dialoga, se pergunta quanto custa. Por isso, apesar da expressão grotesca, é um fast food para jovens em bando. 

Após um século de lutas femininas por direitos e sentido de vida, é difícil, mesmo sob o argumento econômico de que elas fazem assim porque querem, olhar sem constrangimento mulheres enjauladas. 

Aqueles que defendem a permanência da prostituição de vitrina em Amsterdam dizem que tem vantagens, porque as moças são seus próprios patrões, não têm que pagar percentagem dos rendimentos para o proprietário de um bordel -- a não ser o aluguel razoavelmente alto do quarto – e pode escolher seu próprio horário de trabalho. Além do que, dizem, como há um fluxo interminável de clientes, podem faturar algumas centenas de euros por dia de trabalho. E porque trabalhar aqui pode ser mais seguro, pois com um gesto de mão podem acionar um botão para chamar o proprietário ou a polícia. 

Mas a verdade é que tal exposição humilha. Elas estão expostas lá na vitrina para que todos possam ver e, por isso, a maioria delas não vive em Amsterdam. Não querem ser reconhecidas por amigos, parentes e vizinhos. Outro fato importante é que a maioria delas não é natural dos Países Baixos, mas moças que vieram da Europa Oriental ou da América do Sul. 

O Red Light District é o mais antigo bairro de Amesterdam. Tem fachadas do século XIV, canais e becos encantadores. Aqui está a mais antiga igreja da cidade, a igreja de São Nicolau, construída entre 1366 e 1566. E como o bairro era point da marujada, aqui na igreja você encontra as tumbas de almirantes, pinturas e esculturas de barcos. A torre octogonal é de estilo gótico-renascentista, era uma referência para os barcos que atracavam no porto.