jeudi 27 décembre 2012

Olhar na contramão

Por Jorge Pinheiro


Gnocchi alla crema
Começou pela borda
Olhar fixo
Gorgonzola gratinati


Al forno con olio tartufato
Por onde o pé caminha
Olhava sem tirar o olho
Lasagne al ragù di carne

Alla Toscana, Chianti
Pelo chão da firmeza
Ela picniqueava na dele
Panne artesanal

Casa Sasso di Dante
As pernas abertas
Sem o amasso do peso
Fa caldo, Fiorenza augusta e bella

Tutto che circonda
O vestido não cobria
A calcinha de pois preto
Do barro que cola na sola
Lèvati, Aquilone, e vieni, o Austro!

Ele olhava fixo
Sem a lama que amola o lustro
Ela levantou-se na prontidão do passo
Soffiate sul mio giardino,

Sì che se ne spandano gli aromi!
Ar bravo e chegou-se
Na esteira da linha fixa da montagem
Sem besteira dita alhures

No vão da despreocupação
Por que o senhor não tira
Com respeito, ousadia, direção
Gli occhi del mio giardino?

De quem sabe que a sizânia não se espalha
Ele continuou a olhar o nada
O em cima está aqui na frente,
Ao alcance da mão operosa,

Desculpe senhorita, sou cego!
Coração sábio, o futuro se constrói
Então o senhor não viu nada?
Nada, nadinha? Pobre!



Com os movimentos de hoje
Venga l'amico mio nel suo giardino,
e ne mangi i frutti deliziosi!
E vissero felici e contenti!

mercredi 26 décembre 2012

Por um 2013 radical!


A festa da luz do Eterno entre nós

O povo que andava na escuridão viu uma forte luz: a luz brilhou sobre os que viviam nas trevas (Isaías 9.2).

É comum todos os anos ouvirmos estas palavras do profeta Isaías, nas comemorações do nascimento do menino Jesus. E a cada ano, elas têm um novo sabor e fazem reviver o clima de alegria e esperança, que é típico do Natal.

Foto by Naira Di Giuseppe

Ao povo oprimido e atribulado que andava nas trevas apareceu uma forte luz. Sim, esta luz forte, que irradia da humildade do presépio é a luz da salvação. Se a primeira luz foi a da criação, no início de todas as coisas, conforme nos conta o livro das Origens, muito mais luminosa e forte é a luz que traz a liberdade a todo humano de boa vontade, porque traduz o milagre do próprio Eterno feito gente!

O Natal é a festa da luz do Eterno entre nós. No menino de Belém, a luz primordial volta a resplandecer no céu da humanidade e dissipa as nuvens da alienação. O brilho do triunfo definitivo do Eterno aparece no horizonte da história para propor a homens e mulheres um caminho novo, um futuro de esperança.

Vamos construir, sob esta luz, um 2013 radical!

Do amigo,
Jorge Pinheiro

jeudi 20 décembre 2012

Compósitos universais da eclesiologia batista

Prof. Dr. Jorge Pinheiro

Introdução

Partimos neste trabalho da hipótese de que existem compósitos universais na eclesiologia batista, e que a partir da experiência neo-testamentária e da tradição anabatista temos elementos para explicar tais universalidades desta eclesiologia. Tal entendimento nos leva a traçar um caminhar entre a tradição neo-testamentária e anabatista, teológica e histórica, a fim de explicar essas universalidades.

No início da era cristã, o evangelho de Lucas e o livro de Atos formavam uma só obra em dois volumes, que poderíamos chamar de "História das Origens Cristãs". Esses dois volumes só foram separados por volta dos anos 150. O título "Atos dos Apóstolos" surgiu nessa época, já que a literatura helenística conhecia os "Atos de Aníbal" e os "Atos de Alexandre", entre outros.

Documentação e Linguaguem

A sinopse padrão que delineamos para Atos está intimamente ligada às correntes de informação recolhidas por Lucas. É certo que o valor excepcional do livro se funda no testemunho ocular do autor em relação a uma série de acontecimentos. No entanto, Lucas teve acesso a uma documentação variada, extensa e pormenorizada, conforme ele próprio afirma no prólogo de sua obra (1:1-4).

Segundo o helenista P. Benoit, da Escola Bíblica de Jerusalém, "a despeito de uma atividade literária sempre vigilante, que por toda parte deixou seus traços e assegura a unidade do livro, facilmente se reconhece a utilização de documentos diversos"[1]. Benoit afirma ainda que a própria linguagem de Atos varia de um grego excelente, quando Lucas depende de si mesmo e se inspira nas suas notas de viagem, a um texto semitizante, às vezes incorreto, quando fala sobre os primórdios da comunidade cristã na Palestina. Muito possivelmente porque respeita e corrige o menos possível as informações de textos aramaicos, apesar do livro de Atos e o evangelho de Lucas, (assim como o tratado aos Hebreus) conterem a redação grega mais culta de todo o Novo Testamento.

Assim, temos quatro blocos de informações diferentes, que podemos enumerar da seguinte forma: (a) aquele que se refere à primitiva comunidade de Jerusalém  (do capítulo 1 ao 5); (b) as atividades de personagens como Filipe (8:4-40) e Pedro (9:32-11:18 e 12), que podem ter sido fornecidas pelo próprio Filipe, já que ele se encontrou com Lucas em Cesaréia (21:8); (c) o da comunidade de Antioquia, fornecidos por judeus helenistas (6:1-8:3; 11:19-30; 13:1-3) e, sem dúvida, pelo próprio Paulo, que deve ter passado a Lucas informações sobre sua conversão e sobre suas viagens (9:1-30; 13:4-14; 15:36s; 28); (d) o período final das viagens de missão contou com as notas pessoais de Lucas e muito possivelmente foi daí que transcreveu as seções em que diz "nós". Esses são trechos do livro onde se concentram as particularidades do texto de Lucas (11:28; 16:10-17; 20:5-21; 18; 27:1-28).

Esse material foi organizado num todo, interligado por recursos de estilo, como em 6:7, 9:31, 12:24, entre outros. É interessante ver que as descobertas arqueológicas têm confirmado a exatidão histórica de Lucas. Por exemplo, sabe-se atualmente que o uso que Lucas fez dos títulos de vários escalões de oficiais locais e governamentais de províncias, procuradores, cônsules, pretores, politarcas, asiarcas e outros, mostra-se acuradamente correto, correspondentes às ocasiões e lugares acerca dos quais Lucas estava escrevendo. Assim, o arrazoado lucano forma um texto que pode ser subdividido em doze blocos de acontecimentos e eventos, que seguem uma não muito estrita sequência cronológica, conforme apresentamos abaixo: (1) A fé se implanta em Jerusalém, onde a comunidade cresce em graça e número. Capítulos: 1 a 5. (2) Tem início a expansão fora de Jerusalém, devido à tendência universalista dos convertidos do judaísmo helenista e pela fuga em consequência do martírio de Estevão. Capítulos: 6:1 a 8:3. (3) Atinge-se a Samaria. Capítulo: 8:4-25. (4) A região sul e oeste de Jerusalém até a costa de Cesaréia é evangelizada. Capítulos: 8:26-40; 9:32 a 11:28. (5) Damasco já tem comunidades cristãs e a evangelização segue em direção à Cilícia. Capítulo: 9:1-30. (6) Antioquia recebe a mensagem de Jesus. Capítulo: 11:19-26. (7) Antioquia e Jerusalém estabelecem acordos sobre os principais problemas missionários. Capítulos: 11:27-30; 15:1-35. (8) Pedro, depois da conversão de Cornélio e da prisão em Jerusalém, parte com destino desconhecido. Capítulo: 12:7. (9) Primeira viagem de Paulo a Chipre e a Ásia Menor, antes do Concílio de Jerusalém. Capítulos: 13 e 14. (10) Outras duas viagens de Paulo o levarão até a Macedônia e a Grécia. Capítulos: 15:36 a 18:22; 18:23 a 21:17. (11) Paulo retorna a Jerusalém, é preso e levado cativo a Cesaréia. Capítulos: 21:18 a 26:32. (12) É conduzido preso até Roma, onde acorrentado anuncia a Cristo. Capítulos: 27 e 28.

Uma Abordagem Histórica

Podemos dizer que o texto de Lucas, em seu segundo livro, parte da percepção de que a história tem importante significado teológico. Aliás, o escritor apresenta em seus trabalhos uma visão da continuação dos atos de Deus no testamento antigo: quer no evangelho, como atos de Jesus, quer em seu livro segundo, como atos do Espírito Santo.

Lucas mostra que Deus se revela através dos atos e eventos da história humana, definidos por sua presciência. É fundamental entender que se há negação da realidade dos eventos históricos não há base para a fé. Nesse sentido, o evangelho não é uma mensagem meramente existencial, sem conexão imediata com a história.

A compreensão de Lucas da historicidade do cristianismo parte da própria tradição judaica, que entendia o monoteísmo ético e a esperança escatológica como frutos da intervenção divina na vida do povo judeu. Lucas traz essa tradição teológica, singular em relação à religiosidade do mundo antigo, para a vida do que seria anos mais tarde chamado de novo testamento.

Assim, para o escritor, todos os eventos que se registraram em Atos foram levados a efeito por meio da vontade e do propósito de Deus. E esses fatos surgem na vida da igreja como cumprimento das Escrituras. Dessa maneira, a história que Lucas descreve foi dirigida por Deus. E o poder de Deus revela-se através da ação do Espírito Santo, em sinais e maravilhas operados em nome do Senhor Jeus.

Entendendo que o livro de Atos tem como finalidade transmitir a força da expansão espiritual do cristianismo e o ensinamento teológico vivido pelos cristãos, podemos dizer que há um plano sinóptico claro, traçado por Lucas, que num primeiro momento se nos apresenta como histórico. Mas a história de Lucas não é a história da igreja, e sim aquela que foi possível redigir com os documentos e informações de que dispunha. Não relata, por exemplo, a fundação da igreja de Alexandria, nem a de Roma. E nada fala do apostolado de Pedro fora da Palestina. Mas, esses silêncios e omissões só contam a favor. Estamos diante de um homem que foi profundamente fiel à documentação de que dispunha.

Da mesma maneira, não podemos entender a história de Lucas sem inserir nela toda a contribuição vivenciada pelos primeiros cristãos. A fé em Cristo, base do querigma apostólico, aí está exposta, primeiro pelo triunfo do homem Jesus como kyrios, em grego, pela ressurreição (2:22-36), e depois, pela boca de Paulo, como Filho de Deus (9:20). Vemos ainda, através dos discursos, a formulação da cristologia e a base para a argumentação com os judeus, notadamente os temas referentes ao Servo (3:13-26; 4:27-30; 8:32-33), e a Jesus, com o novo Moisés (3:22s; 7:20s). A ressurreição é comprovada através do salmo 16:8-11 (2:24-32; 13:34-37). Dessa maneira, a história do povo eleito deve colocar os judeus de sobre-aviso contra as resistências à graça (7:2-53; 13:16-41) e aos pagãos invocam-se argumentos de uma teodicéia mais geral (14:15-17; 17:22-31).

O problema crucial da igreja nascente era o do acesso dos gregos à salvação, e o segundo livro de Lucas mostra como os irmãos de Jerusalém, reunidos em torno de Tiago, continuam fiéis à lei judaica (15:1-5; 21:20s), enqunto os helenistas, cujo porta-voz é Estevão, sentem a necessidade de romper com o templo. Pedro e Paulo garantem o triunfo da doutrina da graça no Concílio de Jerusalém (15:1-29), que dispensa os pagãos da circuncisão e das observâncias mosaicas. A verdade, de que a salvação vem de Israel, leva Paulo a pregar sempre, inicialmente, aos judeus, para depois voltar-se aos gentios, quando seus irmãos de raça o rejeitam (13:5+).

Aparentemente, o objetivo de Atos é descrever a missão definida em 1:8: "Sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia e Samaria, e até aos confins da terra". Acontece que o propósito da igreja é proclamar de Jesus.

Assim, a igreja se posiciona em relação ao reino, ao apresentar os elementos universais da nova aliança e entregar ao mundo as chaves do reino. Essas conclusões estão presentes numa abordagem que cruza o projeto redentivo e a realidade histórica. Ora, nenhuma menção à igreja é feita após as duas referências de Mateus (16 e 18) até depois do evento de Pentecoste em Atos. O Pentecoste foi iniciado com uma assembléia pessoas que perseveraram na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações  (2:42). A primeira referência à igreja é encontrada em 5:11, após o primeiro exercício da função bloqueadora das chaves do Reino, no caso de Ananias e Safira. Sobreveio, então, um grande temor sobre toda a igreja e sobre todos que ouviram a notícia daqueles acontecimentos. Inicialmente, os discípulos foram chamados de irmãos, de santos (9:32), de fiéis (10:45), depois de numerosa multidão (11:26) e de  muitas pessoas (12:12). Somente quando organizados e governados por pastores, eles são designados como igreja (cf. 13:1-3; 14:19-28; 15:1-41). E no final do livro de Atos encontramos referências a igrejas que tinham grupos de crentes batizados, que confessavam uma fé, eram ordenados por pastores, e que se reuniam para adoração, proclamação e missão. E tal igreja, a quem foi confiada as chaves do reino, deveria proclamar a mensagemdo reino, conforme Mt 24:14; 28:18-20.[2]

A missão só pode ser compreendida se inserida na mensagem, que é Jesus. Essa é a tarefa dos apóstolos, que conviveram com o Messias, participaram de seu ministério e estiveram com ele após a ressurreição. E que agora estavam equipados para a proclamação da boa nova oferecida por Deus.

É interessante notar que Lucas coloca o centro de sua mensagem teológica na ressurreição e exaltação de Jesus. Essa postura, no entanto, é uma particularidade do cristianismo nascente e vemos esse pensamento funcionar como pedra angular entre todos os escritores do Novo Testamento. As bençãos provenientes dessa boa nova é o perdão dos pecados e o nascer do Espírito.

A Mensagem é a Missão

O roteiro do trabalho de Lucas é a expansão da mensagem. Lucas produz um texto, cuja história vai num crescendo emocionante, com clímax e anticlímax, até cortar repentinamente a narrativa. Momentos de clímax são a morte de Estevão, a conversão e o naufrágio de Paulo, entre outros. Momentos de anticlímax, que levam à reflexão teológica, são os discursos, o concílio e as defesas de Paulo ante tribunais e governadores. Esse roteiro acontece não somente dentro de uma situação histórica singular, como é histórico em seu próprio desenrolar.

O batismo no Espírito Santo, já anunciado por João Batista (Mt 3:11) e prometido por Jesus (At 1:8), será inaugurado no Pentecostes (2:1-4). A seguir, segundo o mandato de Cristo (Mt 28:19), os discípulos e apóstolos continuarão a administrar o batismo 2:41; 8:12 e 38; 9:18; 10:48; 16:15 e 33; 18:8; 19:5) como ritual de iniciação ao reino messiânico (cf. Mt 3:6+), agora "em nome de Jesus" (2:38+). Pela fé na obra redentora de Cristo (cf. Rm.6:4+), o batismo será não apenas de arrependimento, mas simbolizará a concessão do Espírito Santo (2:38).

O Espírito Santo, tema especialmente caro a Lucas (Lc 4:1+), aparece antes de tudo como um poder (Lc 1:35; 24:49; At 1:8; 10:38), enviado de junto de Deus por Cristo (2:33) para a difusão da boa nova. O Espírito Santo outorga os dons, que autenticam a mensagem: dons de línguas (2:4+), dos milagres (10:38), de profecia (11:27+; 20:23; 21:11), de sabedoria (6:3, 5,10), dá força para anunciar a Jesus Cristo, apesar das perseguições (4:8 e 31; 5:32; 6:10; cf. Fl. 1:19) e dar testemunho dele. Intervém, enfim, nas decisões capitais: na admissão dos gentios na igreja (8:29 e 39; 10:19,44-47; 11:12-16; 15:8) e nas missões de Paulo no mundo gentio (13:2s; 16:6-7; 19:11).

Assim, todo o livro está impregnado, dirigido e impulsionado pela presença irresistível do Espírito Santo. Ele atua na expansão da igreja (1:8) com tal poder que muitos se sentem a vontade para chamar o livro de "Atos do Espírito Santo".

Para Lucas, a organização e a vida da igreja são uma questão teológica. E graças a isso, aprendemos que a presença do Espírito Santo é a base do funcionamento da igreja. Ele guia na escolha dos líderes, na atividade evangelizadora e, inclusive, na estrutura que a igreja vai construindo. Apóstolos, anciãos, profetas e mestres, residentes ou itinerantes, todos tem atividades definidas, e se colocam sob a direção do Espírito Santo.

O Espírito Santo é Deus pleno. Por isso, Lucas vê a igreja como comunidade levantada e dirigida por Deus. Ele acredita no triunfo final do evangelho. Mas essa teologia da glória está mediada pelo sofrimento e pelo martírio, pela teologia da cruz.

Os discípulos de Jesus Cristo que vieram a ser designados pelo nome batista se caracterizavam pela sua fidelidade às Escrituras e por isso só recebiam em suas comunidades, como membros atuantes, pessoas convertidas pelo Espírito Santo de Deus. Somente essas pessoas eram por eles batizadas e não reconheciam como válido o batismo administrado na infância por qualquer grupo cristão, pois, para eles, crianças recém-nascidas não podiam ter consciência de pecado, regeneração, fé e salvação. Para adotarem essas posições eles estavam bem fundamentados nos Evangelhos e nos demais livros do Novo Testamento. A mesma fundamentação tinham todas as outras doutrinas que professavam. Mas sua exigência de batismo só de convertidos é que mais chamou a atenção do povo e das autoridades, daí derivando a designação "batista" que muitos supõem ser uma forma simplificada de "anabatista", "aquele que batiza de novo".

A designação surgiu no século XVII, mas aqueles discípulos de Jesus Cristo estavam espiritualmente ligados a todos os que, através dos séculos, procuraram permanecer fiéis aos ensinamentos das Escrituras, repudiando, mesmo com risco da própria vida, os acréscimos e corrupções de origem humana. Através dos tempos, os batistas se têm notabilizado pela defesa destes princípios:

1º - A aceitação das Escrituras Sagradas como única regra de fé e conduta.
2º - O conceito de igreja como sendo uma comunidade local democrática e autônoma, formada de pessoas regeneradas e, biblicamente, batizadas.
3º - A separação entre igreja e Estado.
4º - A absoluta liberdade de consciência.
5º - A responsabilidade individual diante de Deus.
6º - A autenticidade e apostolicidade das igrejas. 

Caracterizam-se também os batistas pela intensa e ativa cooperação entre suas igrejas. Não havendo nenhum poder que possa constranger a igreja local, a não ser a vontade de Deus, manifestada através de seu Santo Espírito, os batistas, baseados nesse princípio da cooperação voluntária das igrejas, realizam uma obra geral de missões, em que foram pioneiros entre os evangélicos nos tempos modernos; de evangelização, de educação teológica, religiosa e secular; de ação social e de beneficência. Para a execução desses fins, organizam associações regionais e convenções estaduais e nacionais, não tendo estas, no entanto, autoridade sobre as igrejas; devendo suas resoluções ser entendidas como sugestões ou apelos.

Para os batistas, as Escrituras Sagradas, em particular o Novo Testamento, constituem a única regra de fé e conduta, mas, de quando e quando, as circunstâncias exigem que sejam feitas declarações doutrinárias que esclareçam os espíritos, dissipem dúvidas e reafirmem posições. Cremos estar vivendo um momento assim no Brasil, quando uma declaração desse tipo deve ser formulada, com a exigência insubstituível de ser rigorosamente fundamentada na palavra de Deus. 

CONCLUSÃO

Assim, Lucas mostra a diferença entre o cristianismo e a estrutura judaica oficial que entrava numa etapa de caducidade. Aqui, entre os cristãos, a organização não reflete poder pessoal, nem burocratismo. Não há como separar a vida e a estrutura da igreja nascente de sua mensagem e de sua missão. Estamos diante de uma totalidade viva, em expansão, cheia de glória e do poder de seu senhor e mestre: Jesus, juiz dos vivos e dos mortos (10:42).

As comunidades cristãs descritas em Atos fornecem elementos concretos e práticos sobre a ação e atuação ideais para a igreja de nossos dias. E essa é a conclusão que desejamos apresentar, conforme os parâmetros tão bem definidos por Scott Horrel em seu trabalho. Lucas fala de um cristianismo de adoração, de aprendizado, de comunhão e de evangelização. São as atividades primordiais de uma igreja habitada pelo Espírito Santo. Esse cristianismo pode ser descrito assim:

(a) Era uma igreja marcada pelo louvor. E o amor traduzia-se na criatividade das formas de adoração. Assim, ao invés de reduzir a adoração exclusivamente à música e à oração, os primeiros cristãos tinham a liberdade de experimentar formas que criavam condições para a igreja se deleitar no Senhor.

(b) O aprendizado, que pode ser traduzido em ensino, doutrina e teologia, era considerado fundamental para a vida cristã. Era a porta de entrada para conhecer a palavra de Deus.

(c) A comunhão era muito mais do que o mero bom relacionamento entre cristãos. A igreja, através da oração e do planejamento, desenvolveu formas de encorajar a comunhão genuína. Afinal, o relacionamento com Deus é medido mais pela comunhão com outros cristãos do que por qualquer outro fator.

(d) A evangelização era entendida como um ato corporal, não apenas como discurso. Isto porque, ao viverem num clima de adoração, de aprendizado e comunhão, os cristãos exerciam uma poderosa atração sobre aqueles que estavam procurando a verdade.

Dessa maneira, as comunidades cristãs de Atos romperam com a centralização nacional e geográfica de Israel e iniciaram a construção de uma igreja para todos os povos, em todo o lugar, em cada dia. Hoje, da mesma forma que o cristianismo nascente, a igreja local precisa ter claro sua essência, sua função, seu ponto de equilíbrio, sua forma e estilo. Isso significa que o propósito básico da igreja local é encarnar o corpo de Cristo na terra, fazendo a vontade Deus. Suas atividades primárias devem ser aquelas que caracterizavam a igreja no Novo Testamento e isso deve ser construído de forma equilibrada. Não desenvolvendo apenas uma função, mas todas as quatro. E por fim, deve adaptar sua organização ao povo e às novas gerações.

Existe ainda uma questão fundamental que é a responsabilidade diante da igreja como um todo. É necessário aprender a experimentar comunhão entre as denominações. Existem diferenças e muito possivelmente devem ser mantidas, mas as outras igrejas locais, as outras denominações não são inimigas. Representam grupos de pessoas, com experiências e tradições diferentes das nossas. Rejeitar a comunhão com um irmão é, de fato, rejeitar o corpo de Cristo.

E por fim, fica a pergunta: o que seria uma igreja sem templo, sem domingo, sem grande programa de culto e sem clero profissional? Aparentemente, poderia não ser o ideal, mas nem por isso deixaria de ser uma igreja local, se mantivesse a proclamação, o ensino e o serviço. Jesus Cristo instituiu a sua igreja (2), tornando-a real e efetiva (3), revestindo-a de condições para receber todos os povos, fazendo-os família de Deus (4), amando-a e dando-se a si mesmo por ela (5), a fim de torná-la o instrumento perfeito para o testemunho da sua graça e proclamação da sua salvação. 

A igreja é uma congregação local, formada por pessoas regeneradas e biblicamente batizadas, após pública profissão de fé, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ela cumpre os propósitos de Deus no mundo, sob o senhorio de Jesus Cristo, o qual deseja criar um novo homem, segundo a imagem e semelhança do Deus Triúno, e formar uma nova humanidade, um povo para louvor da glória de sua graça, no tempo presente e na eternidade. 

A igreja cumpre este propósito através do culto, da edificação dos salvos, da proclamação do evangelho, da ação social e da educação, vivendo em amor. No cumprimento destas funções, a igreja coopera com Deus para a consecução do plano divino de redenção. Baseada no princípio da cooperação voluntária entende a igreja que, juntando seus esforços aos de igrejas co-irmãs, pode realizar a obra comum de missões, educação, formação de ministros e de ação social, com mais eficiência e amplitude. A igreja é autônoma, tem governo democrático, pratica a disciplina e rege-se pela Palavra de Deus em todas as questões espirituais, doutrinárias e éticas, sob a orientação do Espírito Santo. Sem dúvida, a questão fundamental para nossas igrejas é saber, precisamente, qual a sua razão de ser e como está usando a liberdade que Cristo lhe deu.

BIBLIOGRAFIA

Baxter, J. Sidlow, Examinai as Escrituras, Período Interbíblico e os Evangelhos, São Paulo, Edições Vida Nova, 1988.
Cruz, Armando Bispo, Os Dons Espirituais, Despertando o Potencial Divino na Igreja Local, in Ultrapassando Barreiras vol 1, São Paulo, Edições Vida Nova, 1955, 91-108.
Getz, Gene A., Igreja: Forma e Essência, São Paulo, Ed. Vida Nova, 1994.
Gundry, Robert H., Panorama do Novo Testamento, São Paulo, Ed. Vida Nova, 1991.
Halley, Henry H., Manual Bíblico, São Paulo, Ed. Vida Nova, 1993.
Horrel, Scott J., A Essência da Igreja, Repensando a Eclesiologia à Luz do Novo Testamento, in Ultrapassando Barreiras vol 1, São Paulo, Edições Vida Nova,1994, pp. 7-28.
Horton, Stanley M., O Livro de Atos, Editora Vida, São Paulo, 1983.
Klooster, Fred H., Aliança, Igreja e Reino no Novo Testamento, in Vox Scripturae, vol V, número 1, São Paulo, 1995.
Marshall, I. Howard, Atos, Introdução e Comentário, São Paulo, Ed. Vida Nova, 1991.
Pollock, John, O Apóstolo, São Paulo, Ed. Vida, 1994.

Citações

[1] Benoit, P., A Bíblia de Jerusalém, Introdução a Atos dos Apóstolos, São Paulo, Ed. Paulinas, 1985, pp. 2041-2045.
[2] Klooster, Fred H., Aliança, Igreja e Reino no Novo Testamento, in Vox Scripturae, vol V, no. I, São Paulo, 1995, pp. 289-41.


mardi 18 décembre 2012

Por que o Cristo


Uma revelação radical
Por Jorge Pinheiro

A revelação de nosso Jesus, o Cristo, oferece à humanidade tudo o que é necessário para a salvação, não necessitando ser completada por qualquer outra ação ou processo, que não seja o arrependimento e a obediência. O evento Jesus, sem deixar de ser revelação universal da vontade de Deus, permanece particular em razão de sua historicidade. Significa que tal evento não diminui a potência salvífica de Deus, pois a ação universal do Cristo e do Espírito Santo não se circunscreve à humanidade de Jesus. Por isso não se pode reduzir Jesus a uma figura salvífica entre outras. A revelação operada em Jesus Cristo é definitiva e insuperável.




Seria um erro entender a ação do Espírito deslocada da economia salvífica universal do Cristo encarnado. Na historicidade da igreja, é fundamental insistir na conjunção da cristologia com a pneumatologia, a fim de preservar a centralidade do evento Cristo. Irineu, pai da igreja, utiliza uma metáfora para nos explicar essa conjunção – que logicamente como qualquer metáfora tem suas limitações. Ele fala das duas mãos de Deus que operam juntas a economia da salvação: a mão do Cristo e a mão do Espírito Santo. Mãos que atuam unidas, mas são distintas e complementares. A presença do Espírito na obra do Cristo encarnado não põe um fim na atuação do Espírito Santo depois do evento-Cristo. O Espírito Santo estava presente e operante antes da glorificação do Cristo e continua presente hoje.

A revelação universal do Cristo não pode nos levar a considerar as religiões do mundo como caminhos complementares ao do corpo do Cristo. Quando muito a universalidade da revelação presente nessas religiões assumem um papel de preparação evangélica para a compreensão do evento Cristo, não podendo ser consideradas caminhos de salvação. Ao longo da história cristã foram comuns injustiças e perseguições aos grupos, denominações e religiões que discordavam do cristianismo hegemônico naquele momento. Ações essas que violentam a imago Dei, o livre-arbítrio e a compreensão da ação salvífica do Cristo.

Grupos, denominações e mesmo religiões não-cristãs não se resumem à mera representação de uma busca humana de Deus, mas traduzem a revelação universal de Deus, através da qual Ele tem se automanifestado à humanidade. São parte do processo de envolvimento pessoal de Deus com a humanidade, que atravessa a história, tendo como centro salvífico o evento Cristo.

Jesus, o Cristo, é aquele que revela o Pai. Quando Deus dá-se a conhecer, de forma direta e especial, o faz através de seu Filho, em carne e osso. E é justamente essa verdade revelada em Cristo, que deve dirigir toda a nossa compreensão do ser humano e da igreja do Cristo.

Jesus Cristo é Deus e homem, consubstancialmente perfeito e pleno. Nesse sentido, entendemos que o Cristo encarnado possibilita uma compreensão do que é a humanidade, traduzindo numa linguagem cheia de vida os conteúdos fundamentais daquilo que está dito em Gênesis sobre o ser humano antes da alienação.

O Cristo revelado é a dimensão mais profunda do humano, a dimensão que traduz aquilo que o cristão é: filho adotado do amor e da graça de Deus, criado para o louvor, honra e glória do Deus eterno.

Neste Natal, adore o Cristo!

Fonte
Jorge Pinheiro, Teologia Bíblica e Sistemática, o ultimato da práxis protestante, Fonte Editorial.

jeudi 13 décembre 2012

Terra basca e liberdade

Texto de Jorge Pinheiro e fotos de Naira Di Giuseppe, de Hendaye, França 

A história do povo basco é coberta de mistério e alguns arriscam dizer que ocuparam uma única região da Europa por muito mais tempo que qualquer outro grupo étnico. 


Foto de Naira Di Giuseppe

A Europa é um espaco de conflito de ideias e projetos civilizatórios. É e sempre foi assim. Talvez, os motivos disso sejam a presenca de culturas e povos diferentes ai instalados, a plantação beligerante dos monoteismos, cujas mensagens de paz estão embainhadas na espada, e a dificuldade para se harmonizar tanta diversidade. E a gente é obrigado a pensar nisso quando chega a Hendaye, cidadezinha linda, com apenas quinze mil habitantes, um balneário para a alegria dos turistas que se bronzeiam na praia. Situada no meio do País Basco, às portas da Espanha, Hendaye é banhada por duas águas, aquelas do oceano Atlântico e as da baía de Txingudi. A cidade é point para os esportes náuticos. E para quem gosta de natureza preservada, há o complexo de Serge Blanco e o domínio d'Abbadia.

Como disse Naira, a partir de suas perambulações pela cidade, “Hendaye é diferente do que estamos acostumados a ver em nossas passagens pela Europa. As casas tem nomes, talvez até vejamos isso em algumas cidadezinhas brasileiras, mas aqui os nomes são de qualquer modo diferentes, estão numa língua estranha para mim, em basco. As placas e indicações da cidade também aparecem em basco, mas tambem em francês. Então tentei aprender esse novo idioma, deduzir pelo francês e pela repeticão dos termos, o que era, por exemplo, `karrika´, `rua´. Outra coisa interessante, além da arquitetura e das fachadas das casas, é que está próxima a cidades de praias famosas. Biarritz, por exemplo, me parece que não está muito longe daqui. Mas Hendaye nos leva à estaçao de esqui, pois está ao sopé da montanha, nos Pirineus. E vi gente com esquis nas mãos. É claro que nesta época do ano, verão, não há neve aqui em baixo, por isso achei meio estranho o pessoal com esquis – mas lá em cima é diferente. E você vai encontrar placas: Ongi etorri Euskal mendietarat! Bienvenue dans la montagne basque! Ou seja, bem-vindo à montanha basca. E as águas da baía de Txingudi formam um belo conjunto de paisagem com a montanha ao fundo”. 

Foto de Naira Di Giuseppe

Hendaye é uma comuna francesa. Comuna na França é uma unidade territorial grande, subdividida em arrondissement, departamento e região. No caso, Hendaye fica na região administrativa da Aquitânia, no departamento dos Pireneus Atlânticos. É uma cidade basca.

A história do povo basco é coberta de mistério e alguns arriscam dizer que ocuparam uma única região da Europa por muito mais tempo que qualquer outro grupo étnico. Estrabão, no século I, disse que a região onde hoje se localiza Navarra e Aragão, a leste da atual comunidade autônoma do País Basco, era habitada pelos vascones. Embora vascones lembre bascos, não se sabe se os vascones foram de fato os ancestrais dos bascos de hoje.

O movimento nacionalista basco nortista nasceu em 1963, teve uma atuação importante na região, mas nunca alcançou mais do que 15% dos votos. Conquistou, porém, uma vitória democrática importante quando, em 1997, a região basca na França foi reconhecida como “pais” e hoje recebe o nome de “Pays Basque", com direitos culturais, mas sem orçamento próprio. Atualmene, aqui na região, cerca de 22% da população é bilíngüe, 8% é francófona que entende basco, e o restante 70% só fala francês. 

Já no sul a situação foi bem diferente, por isso remonto à Guerra Civil Espanhola. Em 1937, na metade da guerra, as tropas do Governo Autônomo Basco, para nosso incômodo histórico, se renderam em Santoña às tropas italianas aliadas ao General Franco. Essa rendição partiu de um acordo: que a indústria pesada e a economia bascas não fossem atingidas. Para a esquerda isso foi uma traição, principalmente porque soldados bascos se uniram ao exército franquista no resto das batalhas no front norte.

Depois da guerra, Franco iniciou a consolidação da Espanha como estado-nação unificado. O regime introduziu leis contra as nacionalidades, e procurou acabar com a cultura e o idioma bascos. Considerou Biscaia e Guipúzcoa províncias traidoras, aboliu a autonomia, mas Navarra e Álava mantiveram pequenos privilégios.

A oposição a essas ações criou o movimento separatista basco e a Euskadi Ta Askatasuna/ ETA, que significa Terra Basca e Liberdade. A morte de Franco e a democratização espanhola levaram à criação da região autônoma, mas a luta separatista se manteve até 2005. Hoje, o País Basco no sul tem parlamento eleito, força policial, sistema educacional, e coleta de impostos. E mais que nada, cultura e idioma livres e reconhecidos.

Voltando à viagem. Saia de Coimbra de trem, cruze parte do norte de Espanha, que tem cidades lindas, e apeie em Hendaye. Fique aí uns dias. É uma maneira deliciosa de entrar na França. Bidai ona izan! Bon voyage! Boa viagem!

Moses Pinheiro e Shabbetai Zevi

PINHEIRO, Moisés (século XVII), nascido em Izmir. Contemporâneo de Shabbetai Zevi, Pinheiro estudou literatura talmúdica e cabalística com ele em sua juventude (1640-1650). Não há indícios reais de que tenha apoiado as reivindicações messiânicas de Shabbetai Zevi, em 1648. Por volta de 1650, deixou Izmir e se estabeleceu em Livorno, onde se tornou um mestre respeitado. Foi um discípulo e divulgador do pensamento de Shabbetai na Itália. E mesmo quando este se declarou Messias, causando grande alvoroço nas comunidades judaicas, não o abandonou, embora aparentemente não tenha concordado com ele, nesta questão que foi considerada apostasia pelo judaísmo. 

Como delegado da comunidade de Livorno, foi visitar Shabbetai Zevi, no verão de 1666, no auge das discussões. Lá, conversou com Shabbetai e Nathan de Gaza, e afirmou sua convicção do erro de Shabbetai. Em março de 1667, retornou à Itália com uma delegação de três outras comunidades. Nathan ficou na casa dele, em 1668. Pinheiro, que liderou o centro shabbateano em Livorno, manteve uma correspondência com o amigo e mestre ao longo dos anos e também com Abraão Cardozo. Tal como demonstrado pelas notas de Abraão Rovigo, na discussão sobre as questões shabbateanas (Ben-Zvi Institute, Ms. 2265), até 1690 Pinheiro foi considerado um homem de fiel ao judaísmo. Alguns, porém, afirmam que posteriormente caminhou em direção à apostasia messiânica de Shabbetai, mas disso não há informações precisas. 

Seu neto, por parte da filha, Joseph Ergas foi um conhecido rabino cabalista, que se manteve em silêncio sobre as ligações shabbateanas do avô. O rabino Malaquias ha-Kohen de Livorno, disse que Ergas, seu aluno, apesar de ser um inimigo declarado do movimento shabbateano, elogia Pinheiro por sua piedade e vida ascética no seu prefácio do seu livro Ergas responsa, Divrei Yosef (1742). Várias das memórias de Pinheiro sobre Shabbetai Zevi estão preservadas. 

BIBLIOGRAFIA 
Scholem, Shabbetai Zevi, índice; J. Sasportas, Ẓiẓat Novel Zevi (1954), índice; I. Tishby, em: Zion, 22 (1957), 31-33; idem, em: Sefunot, 3-4 (1960), 93, 107; Freimann, Inyenei Shabbetai Zevi (1912), 45, 95. 
[Gershom Scholem] 

Fonte: Encyclopaedia Judaica . © 2008 Grupo Gale. Todos os direitos reservados. 


PINHEIRO, MOSES 
The unedited full-text of the 1906 Jewish Encyclopedia 

One of the most influential pupils and followers of Shabbethai Ẓebi; lived at Leghorn in the seventeenth century. He was held in high esteem on account of his acquirements; and, as the brother-in-law of Joseph Ergas, the well-known anti-Shabbethaian, he had great influence over the Jews of Leghorn, urging them to believe in Shabbethai. Even later (1667), when Shabbethai's apostasy was rumored, Pinheiro, in common with other adherents of the false Messiah, still clung to him through fear of being ridiculed as his dupes. Pinheiro was the teacher of Abraham Michael Cardoso, whom he initiated into the Cabala and into the mysteries of Shabbethaianism. 

Bibliography 
Grätz, Gesch. 3d ed., x. 190, 204, 225, 229, 312. 


mercredi 12 décembre 2012

Lições de existência

Por Jorge Pinheiro, de São Paulo


As pessoas são tocadas pelo amor. Nada sensibiliza mais o ser humano. O livro "Cantares de Salomão" compara a força do amor à força da morte, já que são dois estados definitivos. Caso você já tenha estado apaixonado ou apaixonada sabe como é.


No domingo de manhã (16/01/2011) fiz um sermão na igreja onde sou pastor, que chamei de Lições de amor. Foi um gesto de gratidão ao Eterno, um jeito de dizer eu te amo. Na introdução do sermão, lembrei um filme de 2001, Uma lição de amor, que conta a história de um pai com deficiência mental e uma filha, de sete anos, que começa a ultrapassá-lo intelectualmente. No filme, a assistente social quer levar a menina para um orfanato, alegando que ele não tem condições de criar a filha. Aí, então, parei a história e levei a congregação a ler dois textos, um de Cantares (8.6), que diz ser o amor mais forte que a morte, e outro também belíssimo, de um profeta mal compreendido e meio abandonado, Oséias (2.14-23).

Na segunda-feira, o sermão ainda permanecia na minha cabeça. E eu fiz uma ponte entre ele – as lições de amor do Eterno – e minha paixão por Ele. Tinha iniciado um texto, que pretendia transformar em prefácio do livro de um amigo, a ser lançado em breve. Nesse prefácio discorreria sobre as minhas provas da existência do Eterno, que divido em três: o “Noturno Opus 9, no. 2” de Chopin, a roda e a raiz quadrada de menos 1. Talvez, você leitor esteja achando que sou louco, o que não é mentira, mas se tiver curiosidade e paciência, vai entender o caminho que trilhei. Embora não saiba se isso vai lhe servir para alguma coisa. O que também não importa nesse momento. Enfim, as lições de amor e as minhas provas da existência do Eterno se correlacionaram, eu diria, docemente, e culminaram num texto teológico sobre a teoria da existência.

Eternidade e amor estão entrelaçados, e eu vejo isso quando sou obrigado a pensar uma teoria da existência. E, metodologicamente, como teólogo, a primeira coisa que devo me perguntar é se uma coisa existe ou não existe. E isso significa trabalhar com variáveis: uma coisa existe; uma coisa não existe; uma coisa não existe, mas já existiu, deixou de existir e não existe mais, porém poderia existir.

Devo pensar também, e essa questão é um pouco mais complexa, que a existência existe. E ainda que eu diga que existência é espaço/tempo, como não temos espaço apenas, ou tempo apenas, a existência existe, é um em-si. Não dá para dizer que a existência não existe, ela é realidade no cosmo, produz diferença no mundo. Caso não existisse a existência, então, nada existiria.

Mas, outra questão deve ser colocada: se posso falar numa teoria da existência, preciso entender que posso apreendê-la enquanto atos de conhecimento. E ato de conhecimento é uma ação consciente sobre algo que existe ou uma realidade. Por isso, os atos de conhecimento nos remetem a pessoas que são conscientes e podem conhecer a existência através de seus processos e modos.

As pessoas são tocadas pelo amor. Nada sensibiliza mais o ser humano do que o amor. Por isso, Cantares compara a força do amor à força da morte, já que são dois estados definitivos. Caso você já tenha estado apaixonado ou apaixonada sabe como é. E Oséias contou que o Eterno disse (2.14-18): “Vou seduzir a minha amada e levá-la de novo para o deserto, onde lhe falarei do meu amor. Ali, eu devolverei a ela as suas plantações de uvas e transformarei o vale da Desgraça em porta de esperança. Então ela falará comigo como fazia no tempo em que era moça, quando saiu do Egito. Mais uma vez ela me chamará de “meu marido”, em vez de me chamar “meu senhor” (meu baal). Nunca mais deixarei que ela diga o nome baal, nunca mais ela falará desse deus. Sou eu o Senhor quem está falando. Naquele dia, farei a favor dela uma aliança com os animais selvagens, com as aves, com as cobras, para que não ataquem a minha amada. Quebrarei as armas de guerra, os arcos e as espadas. Não haverá mais guerra e o meu povo viverá em paz e segurança. Israel, eu casarei com você, e para sempre você será minha legítima esposa. Eu tratarei você com amor e carinho, e serei um marido fiel. Então, você se dedicará a mim, o Senhor. Naquele dia, serei o Deus que atende: atenderei o pedido dos céus, os céus atenderão o pedido da terra, dando-lhe chuvas. E a terra responderá produzindo trigo, uvas e azeitonas. Assim, eu atenderei as orações do meu povo de Israel. Plantarei o meu povo na Terra Prometida para que eles sejam a minha própria plantação. E eu amarei aquela que se chama Não-Amada, e para aquele que se chama Não-Meu-Povo eu direi: “Você é meu povo” e ele responderá: “Tu és meu Deus”.

Agora, com calma, vamos desconstruir o texto de Oséias e relacioná-lo com a teoria da existência.

Deslumbrar, fascinar – Um desafio da existência

“Vou seduzir a minha amada e levá-la de novo para o deserto, onde lhe falarei do meu amor”, disse o Eterno. A travessia do deserto foi para os hebreus um tempo de intimidade com a eternidade, uma porta de esperança, diferente do vale da desgraça, onde o soldado Acã foi condenado à morte por traição. (Josué 7.24-26).

Assim, nessa correlação entre eternidade e amor, vou começar a discutir a existência a partir dos noturnos de Frederico Francisco Chopin. Esses noturnos eram cantos livres, que traduziam as experiências pessoais de Chopin e expressavam sua espiritualidade. Diria que os noturnos de Chopin são o deserto do profeta Oséias, espaço/tempo de intimidade com a eternidade.

Particularmente, sou apaixonado pelo Noturno Opus 9 no. 2, que tem a propriedade de ser uma obra de criação e pertença de um humano sensível. É peculiar, diria inédita e exclusiva. E ao dizer essas coisas, afirmo não apenas que existe, mas sou obrigado a falar de sua natureza, de sua essência. Ou seja, saber que o Noturno Opus 9 no. 2 de Chopin existe, significa dizer que não existem outros Noturnos Opus 9 no. 2. Só existe esse.

Baal, îche – Um segundo desafio da existência

Mas no sermão Lições de amor voltei a Oséias: “Ela me chamará de meu marido”, disse o Eterno. E Isaías (54:4-5), que também citei, conta que o Eterno disse: “Não temas, porque não serás envergonhada; não te envergonhes, porque não sofrerás humilhação; pois te esquecerás da vergonha da tua mocidade e não mais te lembrarás do opróbrio da tua viuvez. Porque o teu Criador é o teu marido; o Senhor dos Exércitos é o seu nome; e o Santo de Israel é o teu Redentor; ele é chamado o Deus de toda a terra”.

E mais uma vez a correlação entre amor e eternidade me remeteu a outro processo da existência, que vou analisar a partir de uma das mais simples máquinas que construímos: a roda. Todos conhecemos as suas aplicações e sabemos que crescem a cada dia: vão do uso nos transportes à utilização nas mais diferentes máquinas mecânicas. Mas é simples: caracteriza-se pelo movimento de rotação em seu interior. Em mecânica diz-se que o seu fato mais importante é determinado pela a transmissão de força, velocidade e distância, que se dá pela a relação entre o diâmetro da borda da roda e o diâmetro do eixo.

Ora, a roda nos remete ao trocadilho que Oséias fez com a palavra baal, que era o deus da fertilidade dos cananeus, mas cuja palavra significava também senhor e marido. Oséias não quer que sua amada o chame de baal, mas de îche, homem, que por extensão poderia significar também marido e herói.

Esse exemplo, o da roda, nos ajuda a entender a questão da existência, que não é uma propriedade que pertence, mas é o pertencimento a uma propriedade. Pense na roda, no conceito roda e em todas que existem ou podem existir. A existência da roda consiste em participar de relações de predicados. Assim, a existência da roda significa que pertence a propriedades ou é parte de propriedades. Nesse sentido, a existência é sempre participação na relação de predicados. Como baal ou îche.

Celebrar a imagem que transcende – O terceiro desafio da existência

“E para sempre você será minha legítima esposa”, disse o Eterno sobre sua amada. Oséias utiliza esse recurso para falar de uma aliança que transcende os predicados definidos pela existência.

Ou como o eterno disse ao profeta Jeremias (31.33-34): “Quando esse tempo chegar, farei com o povo de Israel esta aliança: eu porei a minha lei na mente deles e no coração deles a escreverei; eu serei o Deus deles, e eles serão o meu povo. Sou eu, o Senhor, quem está falando. 34 Ninguém vai precisar ensinar o seu patrício nem o seu parente, dizendo: “Procure conhecer a Deus, o Senhor.” Porque todos me conhecerão, tanto as pessoas mais importantes como as mais humildes. Pois eu perdoarei os seus pecados e nunca mais lembrarei das suas maldades. Eu, o Senhor, estou falando”.

Aqui entra o meu terceiro exemplo dessa correlação entre eternidade e amor e os desafios de uma teoria da existência: a raiz quadrada de menos 1 (-1). Como vimos, as coisas que existem tem suas propriedades. Quando alguma coisa não tem condições de ter existência comprovada ou não tem pertença/predicados, ela fica fora das leis fundamentais da lógica e da existência dos atos de conhecimento. Por isso, em matemática falamos em unidade imaginária i, enquanto solução da equação quadrática: x2+1=0, da qual decorre x2=−1.

Ou, dessa séria questão existencial x=-1, onde a unidade imaginária é i=-1. Dentro da lógica matemática não posso dizer que este número exista, ele é imaginário porque é um recurso da minha imaginação, pois não há número real cujo quadrado seja negativo. É isso é um fato. Imagina-se, então, que haja números especiais, dotados de propriedades que satisfaçam essa exigência da imaginação. E assim a matemática criou uma classe de números: os imaginários, que não são reais.

E no final do sermão voltei ao filme. O que os amigos do pai deficiente mental entendiam, e a assistente social não, era que havia entre o pai e a filha uma aliança maior, que transcendia em muito suas deficiências intelectuais, uma aliança de amor.

Dessa maneira, nessa correlação tresloucada entre amor e eternidade digo que uma teoria da existência parte de três fundamentos: (1) diferença entre existir e não existir, e que essa diferença não é um atributo, não é uma propriedade; (2) a existência não faz parte da essência de cada coisa, mas cada coisa, todas as coisas mostram diferenças entre essência/natureza e existência; (3) a mente transcende, produz representações que agregam conhecimento e constroem sentido para a existência.

Por isso, na correlação eternidade/amor, a existência deslumbra e fascina; é baal e îche; transcende e cria a imagem que alucina. Quod erat demonstrandum.

22/1/2011

Fonte: ViaPolítica/O autor

mardi 11 décembre 2012

Reforma reformanda

"Ai dos que querem que venha o Dia do Senhor ! Por que é que vocês querem esse dia? Pois será um dia de escuridão e não de luz" (Amós 5:18).


O Brasil é um país capitalista economicamente dependente e com características peculiares neste seu capitalismo, que é ter parte de sua economia estatizada, uma industrialização desigual, mas importante para um país dependente, baseado principalmente em bens de consumo duráveis e com um crescimento relativo da indústria de base e transformação. Ao mesmo tempo, mantém uma agricultura de corte tradicional, em grande parte dirigida à exportação.

No plano social essas tendências estruturais ao nível da economia tendem a criar particularidades sui generis. Algumas delas são clássicas dentro de uma economia dependente, tais como uma burguesia nacional frágil, e sem grande expressão, tanto no cenário interno, como internacional. Participação importante e crescente das indústrias transnacionais na vida do país, e uma força de trabalho assalariada que aumenta de forma desequilibrada em relação ao próprio poder burguês (incluídos aí os setores nacional e transnacional). Outro fato social, que surge como fenômeno de estrutura, é a fuga das massas assalariadas rurais em direção aos grandes centros urbanos, em busca de trabalho. Na década de 80, no Brasil, a relação cidade/campo era de 3/1 habitantes, respectivamente. Hoje esta relação passou a ser de 4 para 1. Transformando isto em número de habitantes temos 150 milhões nas cidades e 50 milhões no campo.


"Será como um homem que foge de um leão e dá de cara com um urso; ou como alguém que entra em casa e encosta a mão na parede e é picado por uma cobra" (Amós 5:19).

Ao nível político, a análise de estrutura nos dá fenômenos bem definidos, que surgem da relação das características estruturais entre fator social e fator econômico. Assim temos uma tendência estrutural a governos de tipo bonapartista que equilibram a instabilidade gerada pela crescente mão-de-obra assalariada em descompasso com a burguesia proporcionalmente frágil.




A análise de estrutura nos dá a essência, ou tipo de sociedade em que vivemos, mostrando tendências que em termos sociais são históricas, já que permanecem por décadas.


"O Dia do Senhor não será um dia de luz; pelo contrário, será um dia de trevas, de escuridão total" (Amós 5:20).

A estrela oculta do sertão


A Estrela Oculta do Sertão é um documentário de 2005, dirigido pela fotógrafa Elaine Eiger e pela jornalista Luize Valente. O tema central é a prática judaica mantida por algumas famílias do sertão nordestino,[1] juntamente com a busca de sua identidade religiosa por vários marranos[2] a partir do momento que tomam consciência de sua condição.

O documentário conta com consultoria e depoimentos da historiadora da USP Anita Novinsky, uma das maiores autoridades em inquisição no Brasil, o genealogista Paulo Valadares, e o antropólogo do Collège de France, Nathan Wachtel.

A idéia das diretoras em realizar o documentário surgiu em 2000, após ler uma matéria de jornal sobre uma vila, com menos de 800 habitantes, no extremo oeste do Rio Grande do Norte, chamada Venha-Ver. Segundo a reportagem, um rabino americano que havia estado na vila, constatou que a população mantinha costumes nem um pouco cristãos. Muitos desses hábitos já eram tão antigos que caíram em desuso há séculos dentro do judaísmo. Mantêm costumes notadamente judaicos, que acabam por denunciar sua verdadeira origem: são descendentes dos chamados cristãos-novos (marranos), judeus forçados a se converterem ao cristianismo durante o período da inquisição em Portugal, graças a um decreto do rei D. Manuel, estabelecido em 1497.

Durante a invasão holandesa ao Brasil, no século XVII, a Coroa holandesa que atuava na vanguarda do movimento de reforma do catolicismo, adota a política de acolher perseguidos religiosos de várias partes da Europa. A maioria dos judeus emigrantes que se estabelece no país vive na penúria. Com a tomada do Recife pela Holanda, esses grupos são atraídos pela oportunidade de progredir na mais rica capitania portuguesa da época, e navios fretados por judeus passam a chegar quase todo mês no Recife, evadindo-se posteriormente para o interior, após a retomada dos portugueses.

"A partir daí, começamos uma longa jornada que nos levou aos colonizadores do Brasil", afirmam as diretoras. Com 85 minutos,[3] o documentário se divide em duas partes: a primeira mostra diversos personagens como especialistas em cultura judaica, famílias que voltaram a praticar o judaísmo e famílias católicas com costumes judaicos, em diversas cidades principalmente da Paraíba e do Rio Grande do Norte.

mercredi 5 décembre 2012

Diálogo entre Carl Rogers e Paul Tillich

Revista da Abordagem Gestáltica / versão impressa ISSN 1809-6867
Rev. abordagem gestalt. v.14 n.1 Goiânia jun. 2008


Carl Rogers Dialogues1

Diálogo entre Carl Rogers e Paul Tillich2

(1965)


Introdução: Paul Tillich3


Paul Johannes Tillich nasceu na Prússia em 1886. Logo cedo, foi forçado a conciliar o Protestantismo tradicional de seu pai, que era ministro Luterano, com o treinamento em humanismo clássico que recebeu no gymnasia. Intrigado com essas questões, estudou teologia e filosofia nas Universidades de Berlim, Tübingen e Halle, entre 1904 e 1912. Tillich recebeu seu PhD em 1911 e foi ordenado ministro Luterano em 1912.


Depois de servir como capelão no exército alemão de 1914 a 1918 e receber a Cruz de Ferro por sua bravura, participou ativamente do movimento de criação de uma república alemã. Esse movimento desabou, no entanto, quando Hitler chegou ao poder. Como socialista religioso ativo, Tillich tentou conciliar o Cristianismo com um senso dialético de história e com questões sociais e políticas. Foi membro do corpo docente desde 1919 e professor de teologia a partir de 1924 em diversas universidades alemãs. Quando as atividades e escritos de Tillich ignoraram o regime nazista, foi despedido, em 1933, de sua cadeira de Filosofia na Universidade de Frankfurt. Ele disse posteriormente: Tive a honra de ser o primeiro professor não judeu a ser despedido de uma universidade alemã.


Seu amigo Reinhold Niebuhr estava na Alemanha neste período e convidou Tillich a juntar-se ao Union Theological Seminary, convite que Tillich aceitou prontamente, tornando-se cidadão americano em 1940. Ele permaneceu nesse seminário até a idade de se aposentar, em 1955. Em seguida, fez parte do corpo docente da Harvard University até 1963, e depois foi para a University of Chicago Divinity School, onde permaneceu até seu falecimento. Ao longo dos anos, Tillich escreveu aproximadamente 30 volumes de teologia, em alemão e inglês, incluindo diversas compilações dos seus sermões. Suas obras mais notáveis incluem: The Religious Situation (A situação religiosa, 1926; publicada em inglês em 1932); The Interpretation of History (A interpretação da História, 1936); The Protestant Era (A Era Protestante, 1948); sua magnum opus: Systematic Theology (Teologia Sistemática) em três volumes (1952, 1959, 1963), e The Courage to Be (A Coragem de Ser, 1952), que um crítico define como provavelmente sua obra-prima mais representativa e duradoura.


Ao analisar a sociedade ou o indivíduo, Tillich veio a acreditar que o conflito entre o autoritarismo religioso e a autonomia secular é, em última análise, transcendido por uma liberdade genuína fundamentada na profundidade religiosa. Ele disse em certa ocasião: As pessoas que me ouvem declaram que não entendem os símbolos cristãos que foram dados pela Igreja e sentem a necessidade de serem traduzidos para a linguagem moderna. Sua teologia buscou reconciliar as questões abstratas da religião com a experiência religiosa direta, isto é, a filosofia com a revelação. Também associou questões teológicas com disciplinas tão diversificadas como filosofia, arte contemporânea, teoria política, negócios e literatura. Um interesse antigo que se originava de sua carreira na Alemanha, e que foi mantido por toda sua vida, foi a relação entre psicanálise, existencialismo e religião. Um autor disse: Erich Fromm, Rollo May e Abraham Maslow são devedores a Tillich por alguns conceitos analíticos chave tais como a ansiedade existencial e o demônico.


Um filósofo gentil, baixo e de cabelo branco, Paul Tillich tem sido descrito como o teólogo contemporâneo mais expressivo, uma figura seminal do pensamento Protestante desse século, talvez o principal modelador do pensamento cristão moderno. Tem sido dito que o que Whitehead foi para a filosofia americana, Tillich foi para a teologia americana. Outros têm ressaltado que as filosofias de Tillich dizem respeito a todos os grupos religiosos, por que não estava apenas interpretando o Protestantismo, mas a existência humana e os inter-relacionamentos de amor, poder e justiça.


O diálogo entre Paul Tillich e Carl Rogers ocorreu em 7 de março de 1965, no estúdio de rádio e televisão da Faculdade Estadual de São Diego na Califórnia. Foi a última aparição pública de Tillich. Ele morreu em 22 de outubro de 1965.


Diálogo entre Carl Rogers e Paul Tillich



Rogers: A importância da auto-afirmação: acredito que essa é uma área onde temos a mesma opinião. Tenho ficado impressionado com o seu pensamento acerca da coragem do ser, porque encontro isso na psicoterapia; a coragem de ser alguma coisa, o risco que está envolvido no conhecer... Também gostei de sua frase a respeito do ato antimoral, discordando da auto-realização do indivíduo, e parece que ambos estamos buscando ir além de algumas tendências que são muito proeminentes no mundo moderno; a lógica positivista, a abordagem ultracientífica, a ênfase no ponto de vista mecanicista e altamente determinista que, como o vejo, torna o homem apenas um objeto tentando achar uma postura alternativa em relação à vida. Tenho curiosidade em saber se concorda que temos certa concordância quanto a questões desse tipo?4 *


Tillich: Sim, é claro. Concordo plenamente com todos esses pontos, e estou muito feliz que os enumerou para mim.


Rogers: Bem, talvez pudéssemos abordar algumas áreas em relação às quais não estou tão certo. Gostaria de saber qual é a sua opinião acerca da natureza do homem. Quando tenho sido perguntado acerca disso – acredito que alguns existencialistas entendem que o homem realmente não tem nenhuma natureza, mas para mim parece que ele tem – entendo que o homem pertence a uma espécie particular. Ele tem características da espécie. Acredito que uma dessas características é o fato de ser irremediavelmente social; entendo que ele tem uma profunda necessidade de relacionamentos. Penso que simplesmente pelo fato do homem ser um organismo, tende a ser direcional. Ele está se movendo na direção de atualizar-se5 a si mesmo. Pessoalmente, realmente sinto que o homem tem uma natureza descritível. Tenho me interessado, por exemplo, na sua discussão dos aspectos demônicos6 do homem. Não sei se você vê isso como parte de sua natureza – em qualquer nível eu estaria interessado em conhecer seu ponto de vista a respeito da natureza do homem.


Tillich: Sua pergunta é bastante ampla e requer uma resposta um pouco mais abrangente. O primeiro ponto que quero ressaltar é que o homem, definitivamente, tem uma natureza, e acredito que a melhor forma de provar isso é negativamente, ao mostrar que é impossível alguém sustentar que o homem não possui uma natureza. Penso no famoso existencialista francês, Sartre, que tem negado que o homem tenha uma natureza, e tem ressaltado que o homem é tudo que faz de si mesmo e isso é a sua liberdade. Mas, se ele diz que isso é a liberdade do homem de fazer a si mesmo, então isso, claramente, significa que ele tem a natureza da liberdade, que outras espécies não possuem. Fazer esse tipo de afirmação é – de algum modo – contraditório. Mesmo se atribuirmos ao homem o que a teologia medieval atribuía a Deus, isto é, de ser em si mesmo, e não estar condicionado a qualquer outra coisa, mesmo assim você não pode escapar da afirmação de que o homem tem uma natureza. Essa é a minha resposta para o primeiro elemento de sua pergunta, mas há mais duas e gostaria de abordá-las.


O segundo ponto é que distingo, por assim dizer, duas naturezas no homem, ou seja, uma que corretamente chamamos de sua natureza, e a outra que é uma mistura de aceitação e distorção de sua verdadeira natureza. A primeira chamaria, com um termo bem vago, sua verdadeira natureza, mas para torná-lo menos vago, geralmente a chamo de sua natureza essencial. Se eu me expressar num vocabulário teológico, a chamo de natureza criada do homem, e você lembra que esse foi um dos pontos principais sobre o qual a igreja primitiva enfrentou grandes discórdias – a saber, que a natureza essencial ou criada do homem é boa. De acordo com a palavra da Bíblia: E Deus viu tudo o que tinha criado...7 . Há uma afirmação ainda mais filosófica, reformulada desse aspecto por Agostinho, que é: Esse qua esse bonum est, que quer dizer em inglês: being as being is good 8 . Agora, isso é o que chamaria de natureza essencial do homem e então, a partir disso, devemos diferenciar a natureza existencial do homem da qual, eu diria, que ela tem uma característica de ser alienada de sua verdadeira natureza. O homem, tal como é no tempo e espaço, na biografia e na história, esse homem não é simplesmente o oposto da natureza essencial do homem, porque então não seria mais homem. Mas sua natureza temporal, histórica, é uma distorção de sua natureza essencial, e ao tentar alcançá-la, pode estar contradizendo sua verdadeira natureza. É uma tremenda mistura, e para entender a verdadeira dificuldade humana, devemos diferenciar esses dois elementos. Acredito que em Freud, ele próprio, e em grande parte do freudismo e na psicoterapia em geral, não há uma clara distinção entre esses dois pontos. Esse foi seu segundo elemento. Agora devo também responder seu terceiro elemento...?


Rogers: Primeiro... deixe-me fazer um comentário a esse respeito. Descobri no meu trabalho como terapeuta, que quando consigo criar um clima de máxima liberdade ao outro indivíduo, posso realmente confiar nas direções que ele vai seguir. Ou seja, as pessoas às vezes dizem para mim: E se você criar um clima de liberdade? Um homem pode usar tal liberdade para se tornar completamente mau ou anti-social. Não acredito que isso seja verdade, e essa é uma das coisas que me fazem sentir que – não sei se essencialmente ou existencialmente – em relação à verdadeira liberdade, o indivíduo tende a ir em direção a, não somente uma auto-compreensão mais profunda, mas a um comportamento mais social.


Tillich: Sim, aqui eu colocaria um ponto de interrogação, e perguntaria em primeiro lugar: quem é livre o suficiente para criar essa situação de liberdade para os outros? E visto que chamo essa mistura de natureza essencial do homem e sua alienada natureza ambígua – o domínio da ambigüidade da vida – eu diria sob essa condição de ambigüidade, que ninguém é capaz de criar essa esfera de liberdade. Mas agora vamos supor que ela exista de alguma forma diferente. Posso abordar esse assunto mais tarde quando falarmos a respeito do demônico. Então continuaria dizendo que o indivíduo que vive em tal grupo social no qual a liberdade lhe é dada, permanece uma mistura ambígua entre ser essencial e existencial. Ele está, como a linguagem inglesa expressa de forma tão bela, in a predicament9 , e esse problema é uma alienação universal e trágica do verdadeiro ser de alguém. Portanto, não acredito que está no poder do indivíduo usar sua liberdade na forma como deveria – a saber, cumprindo suas próprias potencialidades essenciais, ou essencialidades; essas duas palavras aqui têm o mesmo significado. Então sou mais cético, tanto acerca da criação de tal situação quanto dos indivíduos que se encontram nessa situação.


Rogers: Eu concordo quanto à dificuldade de criar uma liberdade completa. Estou certo que nenhum de nós poderá criar isso para outra pessoa na sua integralidade... No entanto, o que me impressiona é que mesmo tentativas imperfeitas de criar um clima de liberdade e aceitação e entendimento parecem liberar a pessoa para mover-se em direção a alvos sociais. Não sei se é o seu pensamento acerca do aspecto demônico que faz com que coloque um ponto de interrogação aqui.


Tillich: Agora, deixe-me primeiro responder acerca do que você acabou de dizer, e aqui concordo plenamente. Eu diria que há atualizações fragmentárias na história e concordo especialmente com o profundo insight que obtivemos, em grande parte pela psicoterapia, acerca da tremenda importância do amor nas primeiras fases do desenvolvimento infantil. Então perguntaria: Onde estão as forças que criam uma situação na qual a criança recebe esse amor que dá a ela, posteriormente, a liberdade de encarar a vida e não de escapar dela por meio de neuroses e psicoses? Deixo essa questão em aberto.


Mas agora você está interessado acerca do demônico, e você não é o único. Eu mesmo estive interessado, e todos de certa forma, então me deixe relatar como cheguei a esse conceito. Escrevi no ano de 1926, quando ainda era professor na Universidade de Dresden, na Alemanha, um pequeno artigo, um pequeno panfleto, chamado O Demônico, e o motivo para não falar do homem caído ou do homem pecaminoso ou qualquer uma dessas frases era que via de dois pontos de vista estruturas que são mais fortes do que a boa vontade do indivíduo, e uma dessas estruturas era a estrutura neurótico-psicótica. Tive contato, depois da Primeira Guerra Mundial, desde 1920, com o movimento psicanalítico, vindo de Freud naquela época, mudando o clima do século inteiro – já na Europa daquele tempo. O segundo foi a análise dos conflitos da sociedade pelo movimento socialista e especialmente pelos escritos iniciais de Karl Marx, e em ambos os casos, encontrei um fenômeno para o qual esses termos tradicionais, como homem caído e homem pecaminoso, não são suficientes. O único termo adequado que encontrei foi o uso pelo Novo Testamento do termo demônico, que se encontra nas histórias acerca de Jesus: similar ao estar possesso. Isso significa uma força, debaixo de uma força, que é mais forte do que a boa vontade do indivíduo. Por esse motivo usei esse termo. Quero deixar bem claro que não me refiro a um sentido mitológico – como pequenos demônios ou o próprio Satanás correndo pelo mundo – mas me refiro a estruturas que são ambíguas, ambas, até certo ponto, criativas, mas, em sentido último, destrutivas. Essa é a razão por ter introduzido esse termo. Assim, em vez de falar apenas de uma humanidade alienada, e não usando a terminologia antiga casualmente, tive de achar um termo que abrangesse o poder interpessoal que se apodera dos homens e da sociedade; dos homens em estágios, por assim dizer, da embriaguez, ser um embriagado e não ser capaz de superá-la, ou produzindo uma sociedade na qual ocorrem conflitos entre classes ou, como ocorre hoje no mundo inteiro, conflitos de grandes ideologias, de grandes formas de crenças políticas que se debatem umas com as outras – e cada passo para superá-las geralmente tem como conseqüência, empurrar as pessoas cada vez mais para dentro delas. É isso que quero dizer com o demônico. Assim, espero que tenha deixado uma coisa clara: que não tinha em mente o antigo sentido mitológico que, é claro, precisa ser desmistificado.


Rogers: [...] E, certamente quando olho para algumas coisas que estão acontecendo no mundo do ponto de vista do poder e assim por diante, posso ver por que você poderia pensar em termos de estruturas demoníacas.


Gostaria de falar um pouco acerca da forma como vejo essa questão da alienação e do distanciamento. Parece-me que o infante não é alienado por si só. Parece-me que a criança é um organismo completo e integrado, gradualmente individual, e que a alienação que ocorre é algo que ela aprende – que para preservar o amor dos outros, dos pais geralmente, ela toma para si algo que experimentou por si próprio, o julgamento de seus pais: semelhante ao pequeno garoto que foi repreendido por ter puxado o cabelo da irmã e sai por aí dizendo: menino mau, menino mau. Enquanto isso, ele volta a puxar o cabelo dela novamente. Em outras palavras, ele fez uma introjeção da noção de que ele é mau, quando na verdade está gostando da experiência, e é essa alienação entre o que está experimentando e os conceitos aos quais está ligado com o que ele está experimentando que, me parece, constituem a alienação básica. Não sei se você quer comentar a esse respeito [...]


Tillich: Sim, eu gostaria. A criança é uma questão muito importante. Chamo isso em termos filosóficos, ou, melhor, psicológicos, o estado mitológico de Adão e Eva antes da Queda: a inocência sonhadora. Ainda não alcançou a realidade; ainda está sonhando. É claro, isso também é um símbolo, mas é um símbolo que está mais próximo da nossa linguagem psicológica do que a Queda de Adão e Eva, mas significa a mesma coisa, e significa que Adão, a saber, o homem – o hebraico Adão significa homens – esses homens, cada homem, está no processo de transição da inocência sonhadora para a auto-atualização consciente, e nesse processo, a alienação também toma parte, bem como a realização; esse é o motivo do meu conceito de ambigüidade. Concordo com você que há também naquilo que os pais costumavam chamar de menino mau ou menina má, um ato de auto-realização necessário, mas também há algo de anti-social nisso, porque isso machuca sua irmã e, por isso, precisa ser reprimido, e quer digamos menino mau, ou o impedimos de qualquer outra forma, isso é igualmente necessário, e essas experiências significam para mim o lento processo de transição da inocência sonhadora para a realização própria de um lado e auto-alienação do outro, e esses dois atos são ambiguamente mesclados. Essa seria a minha interpretação da situação das crianças.


Rogers: Bem, concordo com boa parte do que você disse. Gostaria de dizer um pouco a respeito do tipo de relacionamento em que, acredito, a alienação humana pode ser curada, de acordo com a minha própria experiência. Por exemplo, quando conversamos a respeito de – quando um de nós fala a respeito da coragem de ser ou da tendência de se tornar si mesmo, sinto que, talvez, isso só possa ser completamente alcançado em um relacionamento. Talvez o melhor exemplo do que estou falando é que acredito que uma pessoa somente pode aceitar o inaceitável em si mesma quando está em um relacionamento íntimo no qual experimenta aceitação. Isso, eu penso, é em grande parte o que constitui a psicoterapia – que o indivíduo percebe que os sentimentos dos quais tinha vergonha ou que não era capaz de admitir em sua consciência, são sentimentos que podem ser aceitos por uma outra pessoa; então ele se torna capaz de aceitá-los como parte de si mesmo. Não conheço muito bem a sua opinião acerca de relacionamentos interpessoais, mas gostaria de saber como isso soa para você.


Tillich: Acredito que você está absolutamente certo ao dizer que a experiência mútua de perdão, ou melhor, de aceitação do inaceitável, é uma precondição necessária para a auto-afirmação. E você não consegue perdoar a si mesmo, você não pode aceitar a si mesmo. Se olhar no espelho espiritual, então você está muito mais propenso a odiar a si mesmo e a estar aborrecido consigo mesmo. Assim, acredito que todas as formas de confissão nas igrejas, e as confissões entre amigos e pessoas casadas – e igualmente a confissão sacro-analítica dos níveis mais profundos de uma pessoa que se tornam acessíveis ao analista – que sem essas coisas, não há possibilidade de experimentar algo que pertence em última instância a uma outra dimensão: a dimensão do fim último, se me permite chamá-la preliminarmente assim. Mas eu diria, com você, que somente a aceitação correta é o ambiente pelo qual o homem necessariamente tem de passar – do homem para o homem – antes que a dimensão do fim último seja possível. Posso acrescentar aqui que tenho evitado usar a palavra perdão, porque ela, com freqüência produz uma superioridade nociva naquele que perdoa e a humilhação daquele que é perdoado. Por isso, prefiro o conceito da aceitação. Se você aceitar essa aceitação, então acredito que posso confessar que a tenho aprendido da psicanálise. Tenho aprendido a traduzir um conceito ideológico que já não mais comunica e o tenho substituído pela forma pela qual o psicanalista aceita seus pacientes: não julgando-os, não dizendo em primeiro lugar que deveriam ser bons, diferentemente não posso aceitá-lo, mas aceitando-o exatamente porque não é bom, mas ele tem alguma coisa dentro dele que quer ser bom.


Rogers: Certamente em minha própria experiência, o potencial de aceitação da outra pessoa tem sido demonstrado repetidas vezes, quando um indivíduo sente que ele é tanto plenamente aceito em tudo que é capaz de expressar como ainda é estimado como pessoa. Isso tem uma influência muito grande sobre a sua própria vida e seu comportamento.


Tillich: Sim, acredito que esse aspecto é realmente o centro do que chamamos de boas novas na mensagem cristã.


[Pausa]


Tillich: O ministro, que representa o sentido supremo da vida, pode ter muita habilidade inconscientemente, embora seja não seja especialista, e mesmo assim não deve considerar-se um psicoterapeuta de segunda linha. Isso me parece ser uma regra muito importante. Caso contrário, a cooperação redundaria em pequenas catástrofes e chegaria a um fim.


Rogers: Bem, isso provoca em mim uma questão mais profunda. Compreendo muito bem que eu e muitos outros terapeutas estamos interessados em questões que envolvem o trabalhador religioso e o teólogo, e mesmo assim, para mim, prefiro pensar nessas questões em termos humanísticos ou abordar essas questões através dos canais da investigação científica. Acho que tenho uma verdadeira afinidade com o ponto de vista moderno que é simbolizado de certa forma na frase que diz Deus está morto; ou seja, que a religião já não mais fala às pessoas no mundo moderno, e estaria interessado em saber por que você tende a fundamentar seu pensamento – que é certamente apropriado a um bom número de psicólogos hoje em dia – em uma terminologia religiosa e uma linguagem teológica.


Tillich: Acredito que essa é uma questão muito complexa [...]


Rogers: Sim, certamente [...]


Tillich: [...] e poderia tomar todo o nosso tempo, por isso gostaria de me ater a apenas alguns pontos. Em primeiro lugar: aqui o ponto fundamental é que eu acredito, falando de maneira metafórica, que o homem não vive apenas na dimensão horizontal, isto é, o relacionamento dele mesmo como ser finito com outros seres finitos, observando-os e lidando com eles, mas ele também tem algo em si mesmo que chamo, metaforicamente, de linha vertical; uma linha não para um céu com Deus e outros seres nele; mas o que quero dizer com a linha vertical está relacionado com algo que não é transitório e finito; algo que é infinito, incondicional, último – geralmente digo isso. O homem tem uma experiência em si mesmo que é mais do que um pedaço de objetos finitos que vêm e vão. Ele experimenta algo que vai além de espaço e tempo. Não falo aqui – preciso ressaltar isso em palestras repetidas vezes – em termos de vida após a morte, ou em outros símbolos que não podem mais ser usados dessa forma, mas falo da experiência imediata do temporal, do eterno no temporal, ou do temporal invadido pelo eterno em alguns momentos de nossa vida e da vida junto com outras pessoas e da vida em grupo. Essa é para mim a razão pela qual procuro continuar interpretando os grandes símbolos religiosos tradicionais como relevantes para nós: porque eu sei, e esse foi o outro ponto que você mencionou, que eles se tornaram em grande parte irrelevantes, e que já não podemos mais usá-los como são usados, em larga escala, nas pregações, no ensino religioso e nas liturgias, por pessoas que conseguem viver de acordo com esses símbolos, que não são alienados deles por uma análise crítica, mas para o grande número de pessoas, que você chama de humanistas, precisamos de uma tradução e interpretação desses símbolos, mas não, como você parece indicar, uma substituição. Não acredito que a linguagem científica seja capaz de expressar a dimensão vertical de maneira adequada, porque está presa ao relacionamento de coisas finitas entre si, mesmo na psicologia e certamente em todas as ciências físicas. Essa é a razão porque penso que precisamos de outra linguagem e essa linguagem é a linguagem dos símbolos e mitos; é uma linguagem religiosa. Mas nós pobres teólogos, em contraste com vocês, psicólogos venturosos, estamos diante da desagradável situação, de sabermos que os símbolos com os quais lidamos precisam ser reinterpretados e até mesmo radicalmente reinterpretados. Mas tenho tomado esse pesado jugo sobre mim e decidi há muito tempo continuar com ele até o fim.


Rogers: Bem, percebi que, enquanto você falava, eu possuo uma sorte de fantasia dessa dimensão vertical, em que não vou subindo, mas descendo. O que quero dizer é o seguinte: eu sinto, por vezes, que quando estou realmente ajudando um cliente meu, em um daqueles raros momentos quando existe uma aproximação da relação Eu-Tu entre nós, e quando sinto que algo significante está acontecendo, então sinto que estou de alguma forma, afinado com as forças do universo ou que as forças estão operando através de mim nesse relacionamento de ajuda que – bem, acho que sinto um pouco daquilo que o cientista sente quando é capaz de dividir o átomo. Ele não o criou com suas pequenas mãos, mas ele, não obstante, colocou-se na fila com as forças significantes do universo e, dessa forma, foi capaz de precipitar um acontecimento significativo. Acredito que meus sentimentos, muitas vezes, são semelhantes, ao lidar com um cliente, quando realmente estou sendo útil.


Tillich: Estou muito grato com o que acabou de dizer. Agora, as primeiras palavras foram especialmente interessantes para mim, quando disse que uma linha vertical sempre tem um movimento para cima e para baixo. E talvez se surpreenda em ouvir de mim que sou acusado com freqüência, por meus colegas teólogos, que falo demais acerca do movimento para baixo, em vez do movimento para cima; e isso é verdade. Quando quero dar um nome a algo com o qual estou, em última instância, preocupado, então o chamo de o fundamento do ser e fundamento é, claro, para baixo, e não para cima – assim, vou com você para baixo. Agora a pergunta é: Para onde vamos? Aqui novamente senti que poderia ir longe com você quando usa o termo universo, forças do universo, mas quando falo de fundamento do ser, não entendo essa profundidade do universo em termos de um acréscimo de todos os elementos no universo, de todas as coisas singulares, mas, como muitos filósofos e teólogos fizeram, o fundamento criativo do universo, de onde todas essas formas e elementos surgem: chamo isso de fundamento criativo. E esse foi o segundo ponto que me deixou feliz. Esse fundamento criativo pode ser experimentado em tudo que é enraizado no fundamento criativo. Por exemplo, em um encontro pessoa-a-pessoa – e eu tive sem ser um analista, mas em muitas formas de encontro com seres humanos, experiências muito similares com aquelas que você teve – existe algo presente que transcende a realidade limitada do Tu e do Ego do outro e do meu, e eu, às vezes, o chamei, em momentos especiais, de a presença do sagrado, em uma conversa não-religiosa. Isso eu posso experimentar e, de fato, experimentei, e eu concordo com você.


Finalmente, havia um terceiro ponto acerca dos cientistas e, com freqüência, digo a meus amigos cientistas que eles seguem piamente o princípio formulado por Tomás de Aquino, o grande teólogo medieval: se você sabe alguma coisa, então sabe algo acerca de Deus. E eu concordo com essa afirmação – e, portanto, esses homens também têm uma experiência do que gosto de chamar de linha vertical, para baixo e talvez para cima, embora o que eles fazem ao dividir átomos é descobrir e lidar com relações finitas entre si.


Rogers: Gostaria de mudar para outro tópico que tem sido de meu interesse e suspeito também possa ser do seu interesse. É a questão do que constitui uma pessoa ótima10. Em outras palavras, qual é o nosso objetivo quando estamos trabalhando, quer na terapia ou na religião? Pessoalmente, tenho uma definição bastante simples, mas que acredito ter diversas implicações positivas. Sinto que estou satisfeito em meu trabalho de terapeuta quando descubro que meu cliente e eu, também, estamos – se ambos estamos nos dirigindo para o que penso ser uma maior abertura à experiência. Se o indivíduo se torna mais capaz de ouvir o que está acontecendo dentro dele, mais sensível às reações que está tendo em determinada situação, se tem uma percepção mais aguçada do mundo ao seu redor – tanto do mundo da realidade quanto do mundo dos relacionamentos – então acredito que meu sentimento será de satisfação. Essa é a direção que gostaria de estar indo, porque então ele estará no processo – em primeiro lugar, estará no processo o tempo todo. Isso não é um alvo do tipo estático para um indivíduo, e ele estará no processo de se tornar mais completo a si mesmo. Ele também se tornará realista, no melhor sentido do termo, quando for realista em relação àquilo que está acontecendo dentro dele mesmo, bem como realista acerca do mundo, e acredito que ele também estará em processo de se tornar mais social simplesmente porque um dos elementos que certamente ocorrerá nele mesmo é a necessidade e o desejo por relacionamentos humanos mais próximos; assim, para mim, esse conceito de abertura para a experiência descreve em boa parte o que gostaria de ver na pessoa ótima, quer estejamos falando da pessoa que emerge da terapia, ou do desenvolvimento de um bom cidadão, ou um outro cenário qualquer. Gostaria de saber se você teria algum comentário a esse respeito, ou seu próprio ponto de vista nessa área.


Tillich: Sim, gostaria de salientar dois aspectos. O primeiro é o caminho – isto é, abertura – e o outro é o propósito. Esse, é claro, não é um propósito estático, nem um propósito dinâmico, mas é um objetivo. Permita-me falar acerca desses dois aspectos: a abertura é uma palavra muito familiar para mim porque há muitas questões feitas a um teólogo e que somente podem ser respondidas através do conceito de abertura, ou de um abrir-se. Vou dar dois exemplos. Um primeiro exemplo é a função de símbolos clássicos e dos símbolos em geral. Eu sempre costumo dizer: Símbolos abrem, eles abrem uma realidade e abrem algo em nós. Se essa palavra não fosse proibida na universidade dos nossos dias, eu a chamaria de algo em nossa alma, mas você sabe como psicólogo, como alguém que lida com a alma, que a palavra alma é proibida nos contextos acadêmicos. Mas é isso que os símbolos fazem, e eles não o fazem somente a indivíduos, mas também a grupos e geralmente somente por meio de grupos aos indivíduos – então essa é uma das maneiras que eu uso a palavra abrir. Essa parece ser para mim uma das principais funções, talvez a principal função dos símbolos – ou seja, abrir. O outro uso da palavra abrir é quando me perguntam: O que eu posso fazer para experimentar Deus ou receber o Espírito Divino? ou perguntas desse gênero. Minha resposta é: A única coisa que vocês podem fazer é manter-se a si mesmos abertos. Vocês não podem forçar Deus a descer, nem podem produzir o Divino Espírito em vocês mesmos, mas o que vocês podem fazer é abrir-se, manter-se abertos para Isso. Isso é, na sua terminologia, uma experiência particular, mas devemos nos manter abertos a todas as experiências. Assim, eu concordaria plenamente com a sua forma de descrever esse aspecto. Eu até acreditaria que em todas as experiências, existe a possibilidade de se ter uma experiência última.


Então, o propósito: o propósito são os múltiplos desdobramentos que discutimos. Talvez pudéssemos concordar acerca da compreensão do nosso verdadeiro eu, trazendo para a realidade o que é essencialmente dado a nós; ou, quando falo em simbolismo religioso, poderia dizer: Tornar-se da forma como Deus nos vê, em todas as nossas potencialidades. E agora, de forma prática, vem a próxima e muito importante questão. Você também indicou algo a esse respeito: a saber, de se tornar social. Acredito que isso é parte de um conceito mais amplo. Eu o chamaria de amor, no sentido da palavra grega ágape, que é uma palavra singular no Novo Testamento e que significa o amor descrito por Paulo na Primeira Epístola aos Coríntios 13, e que aceita o outro como uma pessoa e então busca reconciliar-se com ela e a vencer as barreiras da separação, da separação existencial, que existe entre as pessoas. Com esse propósito, eu certamente concordaria; mas acrescentaria, é claro, visto que falo também em termos de dimensão vertical, que é o ater-se a essa dimensão de manter na fé voltada para um sentido último de vida, e a absoluta e incondicional seriedade quanto à direção desse objetivo de vida último. Então, se eu puder agora falar em termos populares, o que é sempre muito perigoso, eu diria: fé e amor são os dois conceitos que são necessários, mas fé não no sentido de crenças, mas no sentido de estar relacionado à dimensão do último, e amor não no sentido de qualquer sentimentalismo, mas no sentido de afirmar a outra pessoa e mesmo a nossa própria pessoa, porque eu concordo com Agostinho, Erich Fromm e outros, que há uma justificada auto-afirmação e auto-aceitação. Pessoalmente, não usaria o termo amor próprio – isso é muito difícil – mas auto-afirmação e auto-aceitação, um das coisas mais difíceis de alcançar.


Rogers: Bem, percebo que gosto mais quando você se torna concreto; isto é, quando o coloca em termos de fé e amor. Esses podem ser conceitos muito abstratos, que podem ter diversos significados, mas colocar isso de forma concreta – sim, realmente sinto que a pessoa de fato poderá obter uma verdadeira apreciação de si mesmo, caso venha a afirmar-se de uma forma saudável e útil. Há mais um corolário para essa noção de ser aberto à experiência que podemos explorar brevemente. Para mim, o indivíduo que é razoavelmente aberto à sua experiência está envolvido em um processo contínuo de avaliação; isso é, penso que – percebo que deixei de lado a noção de valores no sentido convencional de existirem certos valores que você poderia enumerar, e esse tipo de coisa – mas, me parece que o indivíduo que está aberto para sua experiência está continuamente avaliando cada momento e avaliando seu comportamento a cada momento, percebendo se está relacionado com sua própria auto-satisfação, sua própria atualização, e que é esse tipo de processo de avaliação que para mim faz sentido em uma pessoa madura. Isso também faz sentido em um mundo onde toda situação está mudando tão rapidamente que sinto que listas comuns de valores estão provavelmente não mais tão apropriadas ou significativas como eram em períodos passados.


Tillich: Sim. Agora sou um crítico sincero da filosofia dos valores, assim, certamente concordo com você. Substituo essa coisa pelo meu conceito de ágape, ou amor – ou seja, o tipo de amor que escuta. Eu chamo-o de amor ouvinte, que não segue avaliações abstratas, mas está relacionado com a situação concreta e no escutar desse mesmo instante, ele ganha decisão para ação e seu sentimento interior de satisfação e até mesmo alegria ou descontentamento e má consciência.


Rogers: Gosto daquela frase porque acho que poderia ser uma escuta interior, uma escuta a si mesmo, bem como um amor que escuta o outro indivíduo...


Tillich: Sim, quando eu disse sobre escutar a situação, quero dizer que a situação é constituída de tudo ao meu redor e de mim mesmo; então, o amor ouvinte está sempre ouvindo as duas posições.


Rogers: Sinto que não estamos muito distantes em nossos pensamentos acerca dessa abordagem do valor; eu achei que poderíamos estar mais distantes do que parecemos estar. Mas, uma outra questão: eu sinto que a pequena criança é um bom exemplo do processo de avaliação que está acontecendo continuamente. Ela não está perturbada pelos conceitos e padrões que têm sido criados para adultos, e ela está continuamente avaliando sua experiência seja para seu melhoramento ou estando oposto a essa atualização.


Tillich: Agora, essa avaliação, claro, não seria uma avaliação intelectual, mas uma avaliação com todo seu ser.


Rogers: Eu penso nisso como um processo de avaliação organísmica.


Tillich: Isso significa uma reação de todo seu ser, e certamente acredito que isso é uma descrição adequada.



Tradução: Marcos Ricardo Janzen

Revisão Técnica: Gustavo Vieira da Silva e Adriano Holanda


1 Nossos mais sinceros agradecimentos aos editores Howard Kirschenbaum e Valerie Land Henderson, bem como a Natalie Rogers, pela gentileza de autorizar a tradução do presente diálogo.
2 Originalmente publicado em Carl Rogers: Dialogues, Edited by Howard Kirschenbaum & Valerie Land Henderson, Houghton Mifflin Company, Boston, 1989 (pp. 64-78).
3 Introdução dos editores na publicação original (Nota de Tradução).
4 Paul Tillich and Carl Rogers: A Dialogue, Pamphlet. San Diego, California: San Diego State College, 1966. O panfleto aparenta ter sido levemente revisado, uma vez que os começos e os términos são um tanto abruptos (Nota no original em inglês).
5 Tanto Paul Tillich quanto Carl Rogers fazem uso do verbo inglês actualize em suas construções teóricas. Nas traduções de Rogers feitas no Brasil convencionou-se traduzir tal termo por atualizar, o que na tradição humanista vai desembocar em atualização ou auto-atualização. Já no caso das traduções de Paul Tillich são encontradas duas possibilidades de tradução: atualizar ou efetivar. Esta última opção é encontrada, por exemplo, na última tradução de sua Teologia Sistemática (2005, São Leopoldo: Sinodal) (Nota de tradução).
6 A tradução do termo demonic por demônico é uma convenção empregada nas traduções das obras de Paul Tillich para o português. Este termo é utilizado com um significado bastante próprio na teologia de Tillich e será melhor explicado na continuidade deste diálogo (Nota de tradução).
7 Gênesis, 1:31 (Nota de tradução).
8 Ser como ser é bom (Nota de tradução).
9 Em apuros (Nota de tradução).
10 Aqui Rogers utiliza a expressão optimal person, que designa o que chama de funcionamento pleno ou pessoa em funcionamento pleno. Refere-se a um funcionamento ótimo da pessoa, sendo que o qualitativo ótimo, aqui, não representa uma idealidade, mas uma possibilidade objetiva da terapia (Nota de tradução).


Nota Biográfica


Paul Tillich (1886-1965) era teólogo de origem alemã, contemporâneo de Karl Barth e um dos mais influentes teólogos protestantes do século XX. Em 1933 emigra para os Estados Unidos, onde leciona em diversas instituições, como o Union Theological Seminary e a Columbia University. Dentre sua vasta obra, alguns títulos estão traduzidos para o português, como seus textos mais conhecidos A Coragem de Ser (São Paulo: Paz e Terra) e Teologia Sistemática (São Leopoldo: Sinodal). Outras traduções: Paul Tillich. Textos Selecionados (São Paulo: Fonte Editorial); Dinâmica da fé (São Leopoldo, RS: Editora Sinodal); História do pensamento cristão (São Paulo: ASTE); Perspectivas da Teologia Protestante nos séculos XIX e XX (São Paulo: ASTE); A Era Protestante (São Bernardo do Campo: Traço a Traço Editorial); e Amor, poder e justiça (São Paulo: Novo Século).


Carl Ramson Rogers (1902-1987) era psicólogo, humanista e cientista brilhante. Criador da terapia centrada no cliente, fez com que seu pensamento transcendesse as fronteiras da clínica psicoterapêutica, constituindo-se nos mais diversos campos de aplicação. Com isto, criou os Grupos de Encontro, o Ensino Centrado no Estudante, até sua abordagem ser conhecida por Abordagem Centrada na Pessoa. Seu interesse por Teologia se deve ao fato de haver seguido cursos no Union Theological Seminary, onde Tillich lecionou, entre 1924 e 1926, de onde migra para o Teachers College da Columbia University. Grande parte de sua obra está traduzida para o português, com destaque para seu livro mais conhecido Tornar-se Pessoa (São Paulo: Martins Fontes). Temos ainda as seguintes traduções: Grupos de Encontro; Psicoterapia e Consulta Psicológica; Sobre o Poder Pessoal; O Tratamento Clínico da Criança-Problema e Carl Rogers. O Homem e suas Idéias (pela editora Martins Fontes, São Paulo); Um Jeito de Ser e A Pessoa como Centro (pela E.P.U.); além de Em Busca de Vida (Summus); Quando Fala o Coração (Vetor); Novas Formas de Amor (José Olympio); Abordagem Centrada na Pessoa (Editora da UFES); O Homem e a Ciência do Homem; Psicoterapia e Relações Humanas e Liberdade para Aprender (Interlivros) e Liberdade para Aprender em Nossa Década (Artes Médicas).


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