“O
errar o alvo está à porta, à sua espera.
Ele quer dominá-lo, mas você precisa
vencê-lo”
Conversa do Eterno
com Caim
Li
sobre a Sociedade para a Promoção do
Vício e sobre o Clube do Fogo do
Inferno, fundados por Sir Francis Dashwood. Li também sobre a Sociedade para a Supressão da Virtude.
Essas
associações existiram na Inglaterra do século XIX, mas, sem dúvida, a mais radical
delas era a Sociedade para o
Encorajamento do Assassinato, formada por aficionados em assassinatos e especialistas
em carnificinas.
Os
membros desta última sociedade faziam a apologia do assassinato e da
destruição. Consideravam o assassinar uma arte e viam muita utilidade nela. Bem,
não sei se você já parou para pensar no ato de assassinar. É quase certo que
não, mas um escritor inglês, Thomas De Quincey (1785-1859), um sujeito
estranho, que morava em lugares imundos, só saia à noite, e durante cinquenta
anos foi um “comedor de ópio”, parou para pensar no assunto e escreveu um livro
chamado “Do Assassinato como uma das Belas Artes”. Li e reli esse livro
muitas vezes e ainda o tenho na minha biblioteca.
De Quincey
tinha uma coluna diária na Westmorland
Gazette, onde só escrevia sobre crimes terríveis. E justificava sua preferência
dizendo que tais artigos levavam os leitores a uma profunda reflexão moral.
Não sei se ele
tinha razão, mas hoje vou conversar com você sobre o assassinato. “Portanto – como disse De Quincey -- que nos seja permitido tirar o melhor
partido de um mau assunto; que o tratemos esteticamente, e verifiquemos se o
podemos aproveitar dessa maneira. Secamos nossas lágrimas e gozamos a sensação
de descobrir que uma transação que, considerada moralmente chocante, se for
julgada pelos critérios do gosto, revela-se uma obra muito meritória”.
“Segundo este princípio, cavalheiros,
proponho-me a guiar-vos os estudos desde Caim ... Através desta grande galeria
do assassinato, que nos seja permitido vagar de mãos dadas, juntos, em
admiração deliciada. O primeiro assassinato é conhecido de todos. Como inventor
do assassinato e pai da arte, Caim deve ter sido um gênio de primeira grandeza.
Todos os Cains foram homens de gênio...”.
“Assassinei
um homem porque me feriu,
assassinei um moço porque me machucou.
Se sete
pessoas são mortas para pagar pela morte de Caim,
então se alguém me matar serão
mortas setenta e sete pessoas da família do assassino” Lameque conversa
com suas mulheres
Bem, se você
não está chocado, vamos seguir. De Quincey faz algumas propostas para a
realização de um assassinato. “Quanto à
pessoa, suponho evidente que deve tratar-se de um homem bom; porque, se não for
esse o caso, ele poderá estar, ao mesmo tempo, contemplando a possibilidade de
cometer assassinato”.
Ainda
quanto à pessoa, “a vítima escolhida deve
também possuir uma família de crianças inteiramente dependentes de seus
esforços, de modo a aprofundar o pathos”.
Quanto
à oportunidade e ao lugar, “o bom senso
do praticante o tem geralmente guiado para a escolha da noite e da intimidade.
Contudo, não tem havido falta de casos que esta regra foi abandonada com
excelentes efeitos”.
De
Quincey, segundo especialistas, escreveu trechos inteiros de seu livro sob o
efeito do ópio, mas paradoxalmente ele nos leva a pensar sobre que razões,
motivos ou deleites levariam um ser humano a assassinar outro.
Por
ser tal ato terrível, nossa vida é protegida por leis e é, por isso, que as
guerras são execradas. Mas, muita gente tenta justificar o injustificável. De
Quincey se baseia na beleza do ato e na possibilidade do prazer, mas outros
argumentam numa possível necessidade de prevenção contra um mal futuro. Mas,
cuidado, como canta Lameque, quando não há arrependimento, a alienação -–
pessoal ou social -- sempre se multiplica.
“Vocês
são filhos do Diabo, e querem fazer o que o pai de vocês quer.
Desde a criação
do mundo ele foi assassino e nunca esteve do lado da verdade”.
O homem de
Nazaré conversa com líderes religiosos
E
já no final deste texto, eu me lembrei da “Inscrição para uma lareira”
de Mário Quintana, quando o poeta afirma que “a vida é um incêndio: nela/ dançamos salamandras mágicas/ Que importa
restarem cinzas/ se a chama foi bela e alta?/ Em meio aos toros que desabam/
cantemos a canção das chamas! Cantemos a canção da vida,/ na própria luz
consumida”.
Não,
a vida não precisa ser um inferno. Que o poeta me perdoe, mas não necessitamos
cantar a vida na própria luz consumida! Por que cantar a destruição se o Eterno
se fez pessoa para que tenhamos vida plena?
Por
causa da alienação e da cultura da morte, João, o carinha do amor, disse
que o mundo está estirado sobre a malignidade. Mas podemos dizer não à apologia
do assassinato e da violência. Repousemos sobre o Nazareno,
ele é a canção da vida!
Fontes
Thomas
de Quincey, Do Assassinato como uma das Belas Artes, Porto Alegre,
L&PM, 1985.
Mário
Quintana, Melhores Poemas, seleção de Fausto Cunha, São Paulo, Global,
1983.