jeudi 3 décembre 2015

As imagens apagadas da história do PT

Imagens apagadas
Um depoimento histórico


"As fotos são conhecidas. Na primeira, Lenin discursa na Rússia soviética e, ao lado do palanque, Trotsky aguarda. Na segunda, divulgada após a morte de Lenin, Trotsky era apagado da foto pela burocracia stalinista. O Partido dos Trabalhadores também apagou uma foto. 

Na entrevista do presidente Luiz Inácio Lula da Silva publicada por ocasião dos 25 anos do Partido dos Trabalhadores pelo jornal O Estado de S. Paulo, dia 10 de fevereiro de 2005; personagens importantes de sua história foram suprimidos, restando apenas a corrente sindical da qual ele era um dos expoentes. 

A pesquisa do historiador Marcos Moutta de Faria, apresentada em sua dissertação de Mestrado recentemente defendida na Uuiversidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ajuda a reconstruir a foto apagada, revelando o papel desempenhado na constituição do PT por uma dessas tendências, a Convergência Socialista. 

Não são personagens quaisquer para essa história. Foi um militante dessa tendência, o metalúrgico José Maria de Almeida, o Zé Maria, quem apresentou uma tese no Congresso dos Metalúrgicos do Estado de São Paulo, realizado em janeiro de 1979 na cidade de Lins, propondo a criação de um ''partido de trabalhadores sem patrões''. A proposta era defendida, desde o final de 1978, pelo chamado Movimento Convergência Socialista (MCS). Lula, que até então havia se manifestado contrariamente à criação de um partido de trabalhadores, apoiou a proposta. Aprovada a proposta, uma primeira reunião para discutir a formação de um Movimento pró-PT foi realizada em 30 de janeiro no Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco. 

Após essa reunião, coube a uma Comissão Provisória, composta por Jacó Bittar, Paulo Skromov, Henos Amorina, Wagner Benevides e Robson Camargo, discutir a Carta de Princípios do movimento. Camargo era diretor do Sindicato dos Artistas de São Paulo e membro do MCS. Nenhum representante do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema participava dela, o que indica o papel secundário ocupado por Lula e seus companheiros neste primeiro momento. 

O texto da Carta incorporava muitas propostas do MCS, dentre elas a recusa ''a aceitar em seu interior representantes das classes exploradoras''. Lula declarou ter participado da elaboração do texto e conhecer sua versão final, sem fazer objeções a ele. Mas logo a seguir a distribuição da mesma Carta no 1º de maio de 1979 foi vetada pelo próprio Lula. Sua primeira participação de destaque no processo de construção do novo partido foi, assim, um veto autoritário. 

Segundo Moutta, Lula preferia estreitar laços com parlamentares do MDB como Almino Affonso e Fernando Henrique Cardoso. O líder metalúrgico teria passado a apoiar de modo decidido a construção do PT apenas após o fracasso das negociações com o MDB, em junho desse ano. A adesão de Lula ao Movimento pró-PT revelou-se fundamental para a construção do PT, mas o partido que surgiu desse processo tinha um perfil mais radical do que aquele desejado por Lula. Em tempos de moderação política, apagar qualquer traço de radicalismo de sua história parece ser o mais apropriado à burocracia petista. 

A supressão de Zé Maria e do MCS da história do PT permite, assim, ocultar o lugar ocupado pela esquerda socialista em sua fundação. Ao mesmo tempo, resolve uma questão constrangedora para um partido que levou ao extremo a personificação da política, alimentando um culto à personalidade de seu máximo dirigente: não foi ele o autor da proposta de criação de um partido de trabalhadores e sim um opositor. O que esse revisionismo histórico não consegue, entretanto, apagar é que, durante o ano de 1978, Lula deu inúmeras declarações contrárias à construção de um novo partido, que foi José Maria de Almeida quem apresentou a proposta no Congresso de Lins e que até julho de 1979 o atual presidente da República manteve uma posição dúbia perante a proposta de construção do PT, preferindo negociar com Fernando Henrique Cardoso e Almino Affonso. A foto pode ser apagada - não seria a primeira - mas a História não". 

Alvaro Bianchi, 25 Anos de PT, JB Online, 30.30.2005.



À sombra de León Trotski

À sombra de León Trotski
Jorge Pinheiro, PhD


Desde 1929, diversos grupos políticos reuniram-se como oposição de esquerda ao stalinismo. Esses grupos quase sempre traduziam os ensinamentos de León Trotski, comandante do Exército Vermelho durante a Revolução Russa, de 1917, e depois da morte de Lênin, principal opositor de Stálin.

Em 1953, apesar da presença trotskista no PSB, surge o Partido Operário Revolucionário dos Trabalhadores, PORT, que seguia as diretrizes de Homero Cristali, mais conhecido pelo pseudônimo político de J. Posadas, então responsável pelo Bureau Latino-Americano da Quarta Internacional, fundada por Trotski, no México, em 1938. Durante anos seguintes, o PORT publicou o jornal Frente Operária. Na década de 1960, o PORT ficou conhecido por sua postura à esquerda do PCB. Estava presente em três estados, São Paulo, Rio Grande do Sul e Pernambuco, mas neste estado ligou-se às lutas das Ligas Camponesas e teve vários militantes presos ainda no governo Goulart. 

Depois do golpe militar, sofreu uma dura repressão política, mas conseguiu reorganizar sua estrutura principalmente nos meios estudantis de São Paulo, Brasília e Rio Grande do Sul.[1] Militantes foram deslocados para trabalhar como operários na indústria, como foi o caso de Olavo Hansen, morto em 1970 no DOPS de São Paulo, após ter sido preso distribuindo panfletos em uma manifestação de 1º de Maio. Entre 1970 e 1972, o PORT de novo foi atingido por ondas de prisões, ocorrendo o mesmo com sua dissidência, a Fração Bolchevique Trotskista (FBT). O que caracterizou a linha política do PORT no período foi a defesa do papel desempenhado pela União Soviética no contexto internacional; a condenação da luta armada, sustentada por grupos de esquerda; e o chamado para que militares nacionalistas se opusessem à ditadura e liderassem a redemocratização do país. 

Em 1968, constituiu-se a Fração Bolchevique Trotskista, dentro do PORT, principalmente no Rio Grande do Sul, enquanto em São Paulo formava-se outra dissidência denominada Primeiro de Maio. Em 1976, essas duas organizações iriam se unificar sob a sigla de Organização Socialista Internacionalista, OSI, mais conhecida no meio estudantil como Liberdade e Luta.

Em 1971, militantes da FBT exilados no Chile reuniram-se a ex-militantes de organizações armadas e criaram o grupo Ponto de Partida, que publicamente fez a crítica da estratégia de guerrilha em curso no Brasil. O grupo exortou à esquerda a ligar-se ao movimento operário e sindical e a preparar-se para o processo de redemocratização do país. Apoiado pelo PST argentino, liderado por Nahuel Moreno, e pelo Socialist Workers Party norte-americano, em dezembro de 1973, remanescentes do grupo Ponto de Partida e socialistas independentes fundaram a Liga Operária. 

Em abril de 1974, o primeiro grupo de militantes da Liga Operária entrou clandestinamente no Brasil e fundou suas primeiras células em São Paulo e no ABC paulista. Alinhada à minoria da Quarta Internacional, que reunia os partidos argentino, boliviano, peruano, norte-americano e dissidência em Portugal, a Liga Operária opunha-se à política do Partido Operário Comunista, POC, que, a partir de 1972, no exílio, assumiu as concepções do Secretariado Unificado da Quarta Internacional, que tinha como expoente o economista belga Ernest Mandel.[2]

Apesar de seu fracionamento organizativo, segundo Voigt, o monoclassismo operário do trotskismo defendido pelas organizações da Quarta Internacional possibilitou uma aproximação com o trabalho de base da Igreja e com o corporativismo dos sindicalistas combativos.

As correntes trotskistas deram uma contribuição histórica ao movimento social no Brasil ao formular teoricamente a proposta de autonomia política dos trabalhadores, além de realizarem um acerto tático ao se recusarem a ingressar na resistência armada ao regime. Passado o confronto, estes grupos puderam sair do isolamento político em que se encontravam e participar como segmentos da esquerda organizada na articulação do PT”. [3]

Também Gorender considerou importante esta posição do trotskismo em rejeitar a estratégia cubana da guerra de guerrilhas e a estratégica chinesa da guerra popular.

Sob o enfoque da revolução permanente, continuaram a se inspirar no modelo insurrecional soviético, seja no aspecto tático, seja no objetivo estratégico da ditadura do proletariado. Em conseqüência, atribuíram prioridade às lutas da classe operária nas cidades sob a direção do partido de vanguarda. Os trotskistas defendiam o caminho armado para a conquista do poder, porém recusavam o terrorismo e a luta armada isolada das massas”.[4]


Notas

[1] Brasil Nunca Mais, op. cit., p. 107. 
[2] Brasil Nunca Mais, op. cit., p. 109. 
[3] Leo Voigt, A formação do PT, esboço de reconstrução histórica, Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1990, p. 69. 
[4] Jacob Gorender, Combate nas trevas: a esquerda brasileira, das ilusões perdidas à luta armada, São Paulo, Ática, 1987, p. 83.