mardi 30 décembre 2014

O ministério Dilma - dez. 2014 (ultima parte)



[Este texto é bem maior e melhor desenvolvido no livro Teologia e Política, Fonte Editorial, 2006. Mas fiz questão de publicá-lo aqui, mesmo incompleto, para que possamos pensar melhor o texto de Ronaldo Almeida, sobre o gabinete da presidente Dilma para seu próximo mandato. As notas de rodapé e as fontes citadas você encontra no livro. É um bom presente de ano novo. Compre e leia. JP].

Assim, antigas bandeiras foram pousadas no chão. Uma delas a velha luta anti-imperialista, tão cara aos socialistas brasileiros. E outro intelectual, Arruda, escreveu ao próprio Lula traduzindo em carta toda sua frustração.

“Dirceu e Lula, eu percebo e concordo que o PT como partido neste momento precisa tornar viável a vitória eleitoral. É preciso negociar com todos os atores, e ter uma estratégia clara para lidar com cada um. (...) Mas não parece ser isto que estão fazendo, pelo menos a partir do que experimentamos na Plenária e do que nos chega pela imprensa. Francisco Campos afirmou na FSP, e não pela primeira vez, que o PT não é contra o livre comércio, mas contra a forma como a ALCA está sendo implementada. 

Coube ao candidato do PSTU, José Maria de Almeida, dizer, na mesma reportagem, o que o PT devia estar dizendo: Alcântara e ALCA "estão dentro do questionamento sobre a soberania nacional. São duas vertentes de um mesmo tema. Mas se o livre comércio e o mercado auto-regulado são a velha enganação do capitalismo clássico, o de colocar raposa e galinhas dentro do galinheiro continental e dar a todos os mesmos direitos!... (...) A ALCA, conforme dissemos na Declaração de Quito que lhe mandei, é uma das três pinças da estratégia de dominação dos EUA sobre o continente, e talvez seja hoje, no reino do G. W. Bush, o menos crucial para o projeto imperial”. 

E aqui vale a pena voltar ao mito. Garcia conta que quando Lula, numa de suas andanças pelo Brasil, foi perguntado se era comunista ou social-democrata, teria respondido que era um “torneiro-mecânico”. Tal colocação expressa a indefinição petista. Hoje, passados anos de história petista, talvez seja o momento de lhe propor uma réplica: qual torneiro-mecânico, o socialista ou o social-democrata? 

E Furtado, já se perguntava em 1996 sobre como as disputas ideológicas dentro do PT dificultavam a definição de sua identidade. Partido socialista ou social-democrata? Ou seja, era um partido para a classe trabalhadora, para a classe média, para ambas ou para quem? E concluía que ainda era cedo para afirmações categóricas. Mas apesar da indefinição, que em última instância traduzia uma práxis partidária, não podemos esquecer a crescente importância do Partido dos Trabalhadores para a sociedade brasileira. Em termos sociais, o PT surgiu enquanto organização ligada às classes trabalhadoras urbanas, polarizando a política nacional. Um exemplo disso é que depois, já com bases no campo e mesmo na classe média, atuou sobre setores sociais modificando padrões anteriormente estabelecidos. 

Assim, sua inserção nos grotões, através da presença cristã, modificou o perfil do voto conservador e de direita dessas áreas. Ora, essa importância social nos leva à questão política. Sem mistificar os limites da presença do PT no cenário nacional, podemos dizer que construiu lideranças e desenvolveu uma maneira de fazer política, de diálogo com os setores excluídos e marginalizados da sociedade, senão inédita, ao menos resgatada, já que estava esquecida desde os governos de Vargas e João Goulart. Mas essa constatação não é unânime. Segundo Guimarães, “o PT apresenta uma série de elementos ideológicos (diluição de sua feição socialista), políticos (incompletitude programática e estratégica), organizativos (uma certa adaptação naturalista de sua estrutura, combinada com pressões de institucionalização) que dificultam a construção de um projeto alternativo à ordem capitalista. 

Estes elementos tendenciais, em sua projeção, se não alterados, poderão cristalizar uma cultura partidária que bloqueie o potencial transformador dos trabalhadores. O termo ´passivo´ que acompanha a caracterização vale exatamente para caracterizar a modalidade negativa da integração burguesa. Assim, afirmou que na cultura do PT, o enigma dos elos entre tradição e ruptura é conscientemente incorporado e sua resolução sempre projetada para o futuro. Ou seja, no confronto com as utopias socialistas, o PT é um enigma espelhado em outro enigma: refletido, mas não revelado. Souza, porém, considerou que o Partido dos Trabalhadores constituiu, de fato, algo novo no cenário social e político brasileiro, mas uma novidade permeada de tradições e permanências legadas pelo passado.

A nova esquerda traz em seu âmago – ora negando, ora afirmando – a velha esquerda, já que os agentes da renovação história têm como paradigma os agentes da conservação histórica, seja para negá-los abertamente ou para incorporá-los implicitamente. 

Talvez por isso, as palavras do presidente Lula soam como esse enigma não revelado e pareçam vir de um passado distante, de uma época em que lá na Vila Euclides os jovens, operários, estudantes e intelectuais, sonhavam com um Brasil socialista:

“Continuaremos a ter atuação decidida no sentido de unir as diversas forças políticas e sociais para construir uma nação que beneficie o conjunto do povo. Vamos promover um Pacto Nacional pelo Brasil, formalizar o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, e escolher os melhores quadros do Brasil para fazer parte de um governo amplo, que permita iniciar o resgate das dívidas sociais seculares. Isso não se fará sem a ativa participação de todas as forças vivas do Brasil, trabalhadores e empresários, homens e mulheres de bem. Meu coração bate forte. Sei que estou sintonizado com a esperança de milhões e milhões de outros corações. Estou otimista. Sinto que um novo Brasil está nascendo”. 

Desencantada a utopia socialista, a esperança foi-se esfumando e com ela também o programa da revolução democrática. Chegamos, então, a um momento onde cabe a pergunta: aonde leva este espectro do vermelho? Fantasma que, à época de Marx assombrava a Europa, agora no Brasil se degrada em tonalidades esmaecidas e traz de volta a questão colocada por utópicos desencantados nos anos 1970: o sonho acabou? Diante do questionamento, colocamos a discussão sob perspectiva teológica: a partir da relação política e religião e de suas implicações com o poder, com os conflitos da situação proletária e do papel que pode ser cumprido pelo cristianismo social.


dimanche 28 décembre 2014

O ministério Dilma -- Dez. 2014 (terceira parte)

Jorge Pinheiro

A dimensão social como foi entendida pelo Programa da Revolução Democrática deveria partir de mudanças na economia que enfrentassem o capital financeiro nacional e internacional, assim como as pressões internacionais e os mecanismos de intervenção externa na economia. Temia a possibilidade de confronto, mas garantia que tal opção política não levaria ao populismo.

As novas prioridades provocarão enfrentamentos com os interesses do capital financeiro nacional e internacional que condicionam hoje as grandes decisões econômicas nacionais. Inverter prioridades não significa opção populista. Uma política de distribuição de renda exige um ambicioso projeto de desenvolvimento e a definição de suas condições de financiamento. Um país como o Brasil permite (e exige) uma nova política econômica, mesmo levando em conta os graves constrangimentos internacionais atuais.[1]

Acontece que antes, ao fazer a crítica da economia capitalista, a utopia socialista ressaltava o potencial transformador das culturas e a importância da criação de espaços plurais de formas de propriedade social. Por isso, criticava as sociedades fundadas no socialismo real por não terem se comprometido com a liberdade, nem se preocupado em estabelecer pontes com o ser humano enquanto pessoa, por terem desvinculado participação política e regulação da vida econômica. Eram tempos em que a utopia socialista no PT aproximava-se do cristianismo social. Até aquele momento, podemos dizer que a utopia socialista tinha uma compreensão cristã da vida e norteara politicamente o PT, mas agora, no final dos anos 1990, a nova agenda democrática estava sendo convertida em liberalismo radical.

É importante dizer, que muitas das bandeiras levantadas pelo Programa da Revolução Democrática sempre fizeram parte do ideário petista e que eram entendidas por suas bases como necessárias. Dessa maneira, o programa afirmava a necessidade de um modelo econômico estruturado em torno da construção de um mercado interno de bens de consumo de massa, capaz de “alimentar, vestir, dar moradia e transporte, aos milhões de brasileiros marginalizados ou empobrecidos”.[2] O que exigiria uma reforma agrária, que garantisse terra, emprego e financiamento para os trabalhadores rurais, cobrando assim significado social e político e importância econômica, já que a agricultura familiar era entendida como componente de um projeto de desenvolvimento sustentado. A bandeira da reforma agrária é cara à esquerda brasileira. Mobilizou a intelectualidade progressista no fim do Império, camponeses no início da década de 1960 e nos anos 1980 levou à criação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST. Donde a questão não é deixar de levantar a necessidade da reforma agrária, mas o fato de que, com o passar dos anos, o PT foi afunilando sua política partidária no caminho da democracia representativa. 

Assim, a utopia tornou-se “informulada”.[3] E, porque os desafios da prática distanciaram-se da espera/esperança do socialismo, o PT não conseguiu formular como sua utopia deveria transformar o Brasil. E ao fixar os olhos na questão nacional, viu um gigante difícil de ser vencido: um Estado vergado sob uma crescente dívida financeira, um Congresso de tradição coronelista e reacionária, os meios de comunicação concentrados e controlados por poucas famílias, os estados nas mãos de partidos mantidos por acordos com grupos econômicos e financeiros, e a conjuntura internacional sob domínio do poder militar, apoiado pelos grandes organismos financeiros, econômicos e culturais. Tal situação congelou a utopia e levou o partido a defender a necessidade de uma longa transição democrática, porque o discurso socialista carecia de fundamentos. 


[1] “O programa da revolução democrática”, op. cit., p. 39.
[2] “O programa da revolução democrática”, op. cit., p. 39.
[3] Juarez Guimarães, “A sólida necessidade da utopia”, artigo citado.

samedi 27 décembre 2014

O ministério Dilma -- Dezembro 2014 (segunda parte)

Jorge Pinheiro, PhD

O Programa da Revolução Democrática foi aprovado no II Congresso Nacional do Partido dos Trabalhadores, realizado em Belo Horizonte, entre os dias 24 e 28 de novembro de 1999, e apresentou propostas para transformar a sociedade brasileira a partir de três eixos: o social, o democrático e o nacional. O II Congresso do Partido dos Trabalhadores aconteceu em um momento especial da história, que coincidiu com a proximidade do quinto centenário do processo colonizador português em terras brasileiras e a entrada do novo milênio. Diante das discussões dos problemas estruturais da sociedade, que remetem às propostas das reformas de base do governo João Goulart, já naquela época com raízes históricas decorrentes da ação de uma elite predatória, o PT considerou que só sua presença enquanto partido poderia viabilizar transformações reais. 

No final do segundo milênio, a conjuntura internacional mostrava-se incerta, e a partir da hegemonia político-militar dos Estados Unidos, que “fere a soberania de nações e povos e tende a cristalizar uma ordem internacional desigual, injusta e autoritária”,[1] o PT considerava que tal situação internacional ameaçava a economia global, em particular os países da periferia, como o Brasil. Afirmava que as experiências neoliberais e a mundialização econômica e financeira chegavam a seus limites, que o anunciado “fim da História” não havia chegado, e que o “pensamento único” revelara-se enganoso. Fazia a crítica do Fundo Monetário Internacional, ao afirmar que suas políticas e ajustes liberais contribuíram para aumentar a miséria pelo mundo afora. Afirmava ainda que a terceira via de Tony Blair e Bill Clinton eram operações de maquiagem do neoliberalismo na qual o governo de Fernando Henrique Cardoso “tentará pegar carona”.

Essa postura conformista e conservadora parte da falsa premissa de que não é mais possível impulsionar políticas de crescimento com inclusão social e pleno emprego. Seus partidários no mundo desenvolvido, a partir do colapso da URSS e dos regimes do leste, pretendem justificar o abandono das políticas de bem-estar que a social-democracia adotou no pós-guerra. As esquerdas, inclusive setores da social-democracia, hoje denunciam e rejeitam essas teses. No Brasil, onde a exclusão social foi e é a regra, a Terceira Via aparece em sua face mais grotesca. O novo quadro mundial cria condições para a construção de novos projetos nacionais e internacionais. Para tanto, são necessárias transformações radicais que somente grandes maiorias poderão realizar. Essas transformações requerem visão e propostas de caráter estratégico.[2]

Para a elaboração de seu Programa da Revolução Democrática, o PT partiu de sua própria história: havia nascido em meio à crise dos paradigmas da esquerda e do colapso do modelo nacional-desenvolvimentista no país. E, por isso, se definiu como “um partido pós-comunista e pós-socialdemocrata”, que não buscava o “assalto ao poder” por meio de uma revolução, nem tinha como objetivo conquistar o governo para amenizar o capitalismo. Mas via a necessidade de uma revolução democrática, capaz de construir um Brasil livre, igual e solidário, que socializasse a riqueza, o poder e o conhecimento. E agregava: “a revolução democrática é um longo processo. Ela não será resultado de teorias pré-elaboradas, nem de vanguardas auto-proclamadas, mas da ação de amplas maiorias conscientes de seus objetivos”.[3] E por isso, considerou, baseando em considerações do 5o. Encontro Nacional,[4] de 1987, que havia a necessidade de desenvolver uma política de acumulação de forças, pois seria através desse processo que se alterariam as relações de poder e o partido poderia construir uma nova hegemonia, criando as condições para a transformação da sociedade brasileira. 

Tal acumulação de forças se daria através de movimentos que articulariam as lutas sociais com as transformações institucionais. E explicitava essa política: “sabemos que é importante combinar as ocupações de terra, as lutas no chão de fábrica, as greves e as mobilizações da sociedade em busca de novos direitos sociais e políticos com a ação nos parlamentos e nos governos municipais e estaduais”.[5] Dessa maneira, o PT propôs-se formular um programa alternativo das esquerdas para o Brasil, construído a partir dos eixos social, democrático e nacional, que deviam ser traduzidos em reformas econômicas e políticas e apoiados por uma coalizão de forças sociais e políticas. Essas reformas teriam um efeito “desestabilizador sobre o capitalismo[6] e desencadeariam uma ofensiva reformuladora que necessitaria de uma nova correlação de forças na sociedade, condição para que as esquerdas chegassem ao governo e enfrentassem o problema do poder.

Anteriormente, quando elaborou o documento “O socialismo petista”, o campo da relação do PT com a utopia estabelecia um diálogo entre o socialismo que desejava alcançar e a experiência de transformar o mundo. Era uma novidade no campo da esquerda brasileira, que remetia aos primeiros tempos do Partido Socialista Brasileiro, já que fazia a defesa do pluralismo como princípio da democracia socialista e defendia a idéia de que o PT era uma síntese aberta de culturas libertárias, entre elas, o cristianismo. Ou seja, a utopia não estava dada, mas poderia “ser formulada através de ordenações capazes de indicar um princípio civilizatório alternativo ao mundo do liberalismo”,[7] e se constituir em princípio de orientação da prática partidária: esse seria o caminho da utopia socialista. 

E, como conseqüência, embora os trabalhadores continuassem a ser a base referencial do partido, a construção da utopia não estaria concebida como expressão do desenvolvimento da consciência dessa classe. Donde, a identidade socialista não seria auto-referida. Mas aqui surgiu um problema: se a utopia socialista não fosse vivida através do diálogo com a experiência das classes trabalhadores e dos excluídos, sobre que bases se haveria de construir o campo da experiência partidária? Ao não responder a essa questão e diluir o campo da experiência partidária na construção de um hipotético bloco hegemônico, acabou por incluir todos os setores sociais e econômicos descontentes com o governo Fernando Henrique Cardoso nesse bloco. Assim, a utopia foi desencantada e o PT abriu caminho para alianças com setores adversários do socialismo.



[1] “O programa da revolução democrática”, II Congresso Nacional, Belo Horizonte, 24-28.11.1999, in O PT faz história, São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 2001, p. 37.
[2] “O programa da revolução democrática”, op. cit., p. 37.
[3] “O programa da revolução democrática”, op. cit., p. 38.
[4] “Uma política de acúmulo de forças”, 5o. Encontro Nacional, 4-6.12.1987, Brasília-DF, in Resoluções de Encontros e Congressos, 1979-1998, Partido dos Trabalhadores, São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 1999, p. 321.
[5] “O programa da revolução democrática”, op. cit., p. 38.
[6] “O programa da revolução democrática”, op. cit., p. 39.
[7] Juarez Guimarães, “A sólida necessidade da utopia”, São Paulo, Periscópio, no. 42, dez 2004/jan 2005, Fundação Perseu Abramo. Site: www.fpa.org.br/periscopio/. (Acesso em 02.12.2005).

vendredi 26 décembre 2014

O ministério Dilma / dez 2014

Ou, as bases do favorecimento do discurso democrático no PT


Na primeira fase de sua história, o PT afirmou que a democracia tinha valor substantivo, que ela não era um objetivo provisório, instrumental, embora muitas vezes em seu discurso, abandonava a legalidade democrática representativa para preservar o socialismo proclamado. Assim, se num primeiro momento, o PT favoreceu o discurso socialista, sua tendência seria movimentar-se em sentido contrário. Favorecer o discurso democrático e o socialismo seria visto como qualidade das reformas a serem feitas. Dessa maneira, desde 1986, o PT balançou entre duas estratégias, utilizar os slogans socialistas de 1982 ou o tom moderado de 1985. Caminhou para a segunda opção e elegeu dezesseis deputados federais e quarenta estaduais.

No ano seguinte, o 5º Encontro Nacional definiu a estratégia de um “governo democrático-popular” e propôs uma política de alianças com outros partidos. E na Constituinte defendeu um programa democrático radical, manifestando-se a favor da estatização dos bancos, reforma agrária, nacionalização das reservas minerais, benefícios às empresas de capital nacional e formas de democracia direta. Como suas propostas ficaram à margem, em 1988, os deputados do partido não assinaram a nova Constituição. Mas, em novembro, o PT elegeu os prefeitos de São Paulo, Porto Alegre, Vitória e de 35 outras cidades. Então optou pelo caminho das reformas, deixando o socialismo como bandeira para os dias de festas. Assim, em 1989, o 6º Encontro Nacional lançou Lula à Presidência, mas a partir desse encontro o PT deixou de definir-se como partido sem patrões, embora declarasse serem seus adversários os banqueiros, latifundiários, multinacionais e monopólios privados. Também deixou de propor a estatização de setores da economia, preferindo permanecer na defesa da manutenção das estatais existentes. No primeiro turno das eleições presidenciais, em novembro, Lula ficou em segundo lugar, com 17,1% dos votos válidos. No segundo turno, Fernando Collor venceu Lula, que obteve 47% dos votos válidos. 

O documento “O Socialismo petista”, aprovado em 1990, época em que o Partido dos Trabalhadores ainda procurava definir os caminhos do seu socialismo, sintetizou um momento especial da utopia socialista no PT. Naquele início de década, o socialismo dentro do PT começava a se descolar das concepções trotskistas, e os petistas tentaram fazer novas leituras da utopia. Se antes era expressão de um movimento operário imaturo, de falsa consciência, passava a designar a necessidade de alargar a imaginação dos movimentos sociais para além dos limites do imediatamente possível. Na resolução reafirmou-se o juízo sobre o sistema capitalista, mas, ao mesmo tempo, se falou das dificuldades de construção do socialismo, embora seja importante notar que o PT fazia essa sistematização de sua utopia, iniciando pela afirmação da necessidade da democracia:

“A democracia tem, para o PT, um valor estratégico. Para nós, ela é, a um só tempo, meio e fim, instrumento de transformação e meta a ser alcançada. Aprendemos na própria carne que a burguesia não tem verdadeiro compromisso histórico com a democracia. (...) Será decisiva, no futuro, a instituição de uma democracia qualitativamente superior, para assegurar que as maiorias sociais de fato governem a sociedade socialista pela qual lutamos”. 

A partir desse conceito de democracia enquanto necessidade, definiu, por extensão, o conceito de necessidade da democracia interna ao partido, já que o PT era visto como a continuação da história dos partidos que construíram sua utopia a partir da experiência de transformar o mundo. Apesar de que muitas dessas experiências tivessem ganho dimensões sectárias e até mesmo catástroficas, como no socialismo real soviético, o PT considerou que deveria caminhar além da dimensão dogmática e buscar razões instrumentais em relação às necessidades práticas. Ou seja, superar a concepção de um programa formado à margem da experiência de transformar o mundo e, por isso, obstáculo aos princípios normativos da democracia. 

Assim, em 1996, Dirceu afirmava que na trajetória do Estado moderno ao estado contemporâneo, várias nações capitalistas caminharam, por meio de muitas lutas de classes, do liberalismo econômico e político à democracia, e da democracia ao Estado de bem-estar, em um processo desigual e contraditório, mas de expansão de direitos para as classes trabalhadoras e populares. Mas hoje, “as grandes burguesias lançam-se com toda a força no sentido inverso, que vai da restrição do bem-estar e da democracia ao darwinismo social, ideologia de esteio ao reinado oligárquico da barbárie liberal”.

Assim caberia ao PT defender a democracia e o Estado de bem-estar social. Porém, essa defesa da democracia, em si mesma correta, levou o PT a repetir um processo conhecido na história de muitos partidos de esquerda: o do progressivo abandono da utopia socialista. E essa utopia desencantada, que expressa a tificação social-democrata, se traduziu na elaboração do Programa da Revolução Democrática, construído ao redor das tarefas imediatas da revolução democrático-burguesa, mas desconectado das transformações socialistas. Não havia nessa leitura programática uma teoria da transição, que combinasse as reformas do agora com a revolução do amanhã. Como consequência, as exigências práticas e as pressões da ordem tenderam a ganhar espaço sobre a identidade socialista, levando o PT, por percursos diversos, a desencantar-se com suas utopias anticapitalistas.

Fonte: Jorge Pinheiro, Teologia e Política, 2006, pp. 258. 

mercredi 24 décembre 2014

Toada...

Toada para bailar a Ceia de Jesus
Jorge Pinheiro

Com a participação especial do Profeta Gentileza




Gente tem três pilares, vamos cantar um
O Espírito e seu baile
Alheação fica fora, sem debrum
Gente é feliz na roda, marchetada de riso
Exaltada, de curso traçado

Eterna é ceia de Jesus, de ressurreição cheia
Gente cresce no presente cheia de semelhança
Comer o pão, coração repica a alegria do outro,
Comunidade afeto efetivo, machucado a gente cura.
Jesus olhou, repicou a dor da gente,
VVamos toar e bailar a Ceia de Jesus.

Bem querer é para quem baila
O Espírito da vida é toada liberta do destino
Do alheação e do acabamento.
O Eterno voou com seu Jesus, gente igual
Destino novo, a gente dança a contradança do Espírito.

Querência boa é toada e baile, fazer o bem bom,
O Eterno não gosta de toada sem nota certa
Jesus se acaba quando a gente dorme e acorda na alheação.
Querência toada e baile fala com retirantes
Jesus não quis refastelar, querência toada e baile é para quem caminha,
Não pesa a mão, quer gente novinha em folha.
Sigam os pés, ensaiem do jeito, querência toada e baile faz rima com errante
Vão dormir folgados. É isso mesmo, Jesus não vive no rabo de arraia,
Na sapiência é mestre sim, de gentileza.

Olha o trilho, igual na esquerda e na direita com certeza,

Exclusão não, toada de gente,
Olha o trilho, igual na esquerda e na direita, para ir ir além
Repousa com certeza, presente de Jesus.
Repica a dor do andarilho, não depende do escrito,
Gente não tem como responder às exigências do escrito,
O Eterno está do outro lado.
Presente chega chega nos braços, dor e prazer, indulto das alheações.
Livres do escrito, gente é gente pra lá de gente.
Ir além, toar e bailar...

Toada linda é animação, não pisa a cana,
Apanhado com a faca na mão, no momento vil,
Gente desarma, não esquece a querência boa, toada e baile no Espírito.
Ajuda e obedece a lei do baile.
Desobriga porque está desobrigado.
Desobrigação é a toada mais linda cantada no baile,
Esquecer o dinheiro levado é difícil, o Eterno faz assim.
E vamos para rede, na varanda, no fresco da tarde.
É gozo, desobrigação.
Comunidade é certeza, acende o farol alto e mostra à gente que a rede é possível,
mesmo quando o mar não está para peixe.

Jesus está livre, certeza não basta, permanecer é preciso.
Continuar na certeza, gente é pra lá de gente não faz cera.
Constância consta, olha o axioma!
Dormir, comer sal juntos, descobrir, inteirar.
Gente caminha pra liberdade.
Vida dribla a azáfama da alheação.

Eterno acorda e dorme no partir do pão.
Gente é parecença, experiência, comunidade com certeza.
Bebe e come bênçãos celebrando,
Gente convive na consistência.

Livre para ir para a cama sem a faina da alheação,
Da amarração que impede o movimento.
Descobrir toada e baile, conhecer e ficar na celebração de Jesus

Axioma e livramento da azáfama da alheação, de escombros e acabamento.