A lembrar a
Reforma
A Teologia
da Cruz versus a
Teologia da Glória
É interessante notar como a teologia da
cruz de Martim Lutero atravessou todo o seu pensamento e sem ela conceitos
fundamentais da teologia luterana não podem ser compreendidos perfeitamente. Com
a teologia da cruz, Lutero se opôs à teologia da glória, que tem por base,
entre outros textos, o Salmo 19.2-7:
“O céu proclama a glória de Deus, o
firmamento anuncia a obra da sua criação. Cada dia o transmite ao dia seguinte
e cada noite o repete à outra noite. Não pronunciam discursos, nem palavras,
nem fazem ouvir a sua voz. Contudo, a sua proclamação chega até ao fim do mundo
e a sua mensagem é ouvida nos confins da terra Deus fez no céu uma morada para
o Sol, que aparece de manhã, como um noivo feliz, saindo da sua cama, como um
atleta que anseia começar a corrida. Ele sai duma extremidade do céu e alcança,
no seu percurso, a outra extremidade. Não há nada que se furte ao seu calor”.
A teologia da glória fundamentou a
Escolástica e foi central no pensamento de Tomás de Aquino. Considerava que a
revelação do Eterno estava prioritariamente na natureza e que através da razão,
corretamente dirigida, poderíamos conhecer o Criador.
Já para o reformador, o Eterno é “Deus
absconditus”, conforme encontramos em Isaías 45.15: “Na verdade, tu,
és um Deus escondido, o Deus de Israel, o Salvador”.
Este Deus
absconditus Deus Israhel salvator se
revelou na cruz. Lutero dizia que o Evangelho é para o ouvido. Só o coração
contrito ouve o Evangelho. As coisas do mundo, crimes, desastres, guerras, não
convencem do amor do Eterno. Temos medo do amor do Eterno é só confiamos nEle
quando fechamos os olhos e abrimos os ouvidos.
A teologia da cruz de Lutero faz um versus com a teologia de glória. Isto porque
a teologia da glória confunde o Eterno que se entregou à cruz e ao sofrimento
com o Deus da filosofia grega, Deus de glória e poder, mas indiferente e
impassível. O Deus da filosofia é diferente do Eterno na cruz, que se esvaziou
de atributos divinos por amor.
Para entender a teologia da glória é
importante compreender como se via a justificação na Idade Média. O conceito de
justificação que prevaleceu na Patrística e na Escolástica partia da filosofia
da divinização do ser. Agostinho defendia a idéia da infusão da justiça de
Cristo no humano através do sistema sacramental da igreja ocidental romana.
Para ele, a justificação era um processo que tinha início com a regeneração
batismal.
Embora Lutero e sua teologia da cruz
tenham sido influenciados por Agostinho, mais tarde, revendo a doutrina da
justificação disse que Agostinho havia chegado bem perto da
compreensão paulina, mas que não alcançara Paulo. Por isso, se no começo de
seus estudos devorava Agostinho, quando descobriu Paulo e entendeu o que era a
justificação pela fé, descartou Agostinho.
Lutero se separou da teologia agostiniana
ao ler a epístola de Paulo aos Romanos, em especial, 1.17: “Nele se revela a
justiça de Deus por meio da fé. Como está escrito: aquele que é justo pela fé
viverá”. Convenceu-se de que a justificação não era progressiva, e afirmou
que “sola fide justificate”, isto é, só a fé justifica. Deixou de lado a
justificação infundida, e passou a defender a justificação imputada pela fé. (1)
Para Agostinho e a tradição escolástica o
sentido era “tornar justo”, por isso infusão. Para Lutero, o que Paulo dizia é
“declarar justo”, ou seja, imputação, pois a justiça não é humana, não é
inerente, mas colocada na conta. Dessa maneira, abandonou a doutrina da igreja
ocidental romana da infusão da justiça, pois se a justiça de Cristo fosse
infundida e não imputada, deveríamos crer que os pecados não foram imputados em
Cristo, mas infundidos. Ou seja, são inerentes a Cristo, e Ele não foi feito à
semelhança da carne pecaminosa, mas o pecado foi infundido nEle. Temos, então,
um problema teológico: Cristo está desqualificado para ser a oferta aceitável
pelo pecado, pois como o Eterno aceitaria um pecador para morrer pelos
pecadores? Isso levaria o Eterno a afastar-se de sua justiça, a salvar de forma
imoral.
Lutero descreveu a economia da salvação
como uma “doce troca” entre Cristo e o humano, ao fazer uma paráfrase de trecho
da Epístola de Mathetes a Diogneto: “Oh! doce troca! Oh! operação
inescrutável! Oh! benefícios que ultrapassam todas as expectativas! Que a
impiedade de muitos fosse oculta em apenas um justo, e que a justiça de um
justificasse a muitos transgressores”, e então ele conclama: “aprenda Cristo e
o aprenda crucificado, aprenda a orar a Ele, perdendo toda esperança em si
mesmo e diga: Tu Senhor Jesus, és a minha justiça, e eu sou o teu pecado;
tomaste em Ti mesmo o que não eras e deste-me o que não sou”.
A teologia da glória levou a igreja
ocidental romana a erros em sua eclesiologia e teologia prática, entre elas à
venda de indulgências. Mesclou sua ação com poder econômico e político. Ignorou
o testemunho do Eterno de que o Cristo é o Filho, a Palavra, a revelação
especial e perfeita, e procurou Deus na face da natureza. Não viu o Eterno
agindo na história, não entendeu o clamor da Reforma.
A teologia da cruz (2) proclamou que toda
ação do Eterno é amor e que sua obra é a redenção do mundo, que tem seu centro
na cruz (3), quando, sob olhos humanos, o Filho do Eterno parecia abandonado. Por
isso, como Lutero devemos ouvir.
Sugiro, como exercício de teologia
prática, que você trabalhe a teologia da cruz neste sermão, que procura
exemplificar a relação culpa versus graça, e que você pode usar na sua
comunidade:
Ofensa e Culpa nos
relacionamentos
· Mascaramento
· Transferência
· Fuga e manipulação
1. Traição e culpa
O exemplo de Judas, o Iscariotes.
Mateus 27.3-5
“Quando Judas, que o havia traído, viu
que Jesus fora condenado, foi tomado de remorso e devolveu aos chefes dos
sacerdotes e aos líderes religiosos as trinta moedas de prata. E disse:
"Pequei, pois traí sangue inocente". E eles retrucaram: "Que nos
importa? A responsabilidade é sua". Então Judas jogou o dinheiro dentro do
templo e, saindo, foi e enforcou-se”.
Para você desenvolver: Judas traiu
sangue inocente. Pecou. Foi-se enforcar (5). Segundo At 1.18 ele se enforcou e
a corda rompeu-se e Judas caiu no abismo rasgando o peito e o abdômen e tendo
suas entranhas derramadas no solo. Estamos diante da culpa sem arrependimento,
que leva à morte.
2. Traição e arrependimento
O exemplo de Pedro, o pescador.
João 21.15-17
(Jesus restaura Pedro) “Depois de
comerem, Jesus perguntou a Simão Pedro: Simão, filho de João, você me ama mais
do que estes? Disse ele: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Disse Jesus: Cuide
dos meus cordeiros. Novamente Jesus disse: Simão, filho de João, você me ama?
Ele respondeu: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Disse Jesus: Pastoreie as
minhas ovelhas. Pela terceira vez, ele lhe disse: Simão, filho de João, você me
ama? Pedro ficou magoado por Jesus lhe ter perguntado pela terceira vez Você me
ama? e lhe disse: Senhor, tu sabes todas as coisas e sabes que te amo.
Disse-lhe Jesus: Cuide das minhas ovelhas”.
Para você desenvolver: você é meu
amigo, fileo? Você me ama, agapao, amar sem segundas intenções?
3. Arrependimento e perdão
1João 1.8-9
“Se afirmarmos que estamos sem pecado,
enganamos a nós mesmos, e a verdade não está em nós. Se confessarmos os nossos
pecados, ele é fiel e justo para perdoar os nossos pecados e nos purificar de
toda injustiça”.
Para você desenvolver: quando há
arrependimento e confissão pecado, o Eterno é fiel e justo para nos perdoar de
todos nossos pecados.
Notas
(1) Ronaldo Cavalcante, A doutrina da justificação pela fé – um exercício de diálogo teológico bilateral, Fides Reformata et semper reformanda est, v. 7, no. 1, p. 62-63.
(3) Joaquim J M Neto, A ótica da cruz, uma inversão da teologia. Londrina. Unifil.
Site: eReformatio, No. 1, Março 2005, p. 4. web.unifil.br/docs/revista_eletronica/teologia/2005/a_otica_da_cruz_joaquim.pdf
Bibliografia recomendada
Carl E. Braaten e Robert W. Janson, Dogmática Cristã, São Leopoldo,
Sinodal. 1984.
Gustav Aulén, Christus Victor: An Historical
Study of the Three Main Types of the Idea of Atonement, trad. para o inglês
por A. G. Hebert SSM, Londres, SPCK, 2010.
Helmar Junghans, Temas da Teologia de Lutero,
São Leopoldo, Sinodal, 2001.
Oswald Bayer, A Teologia de Martim Lutero,
São Leopoldo, Sinodal, 2007.
Ricardo Willy Rieth, Martim Lutero,
Discípulo, Testemunha, Reformador, São Leopoldo, Sinodal, 2007.
Wilhelm Wachholz, História e Teologia da Reforma,
“Introdução”, São Leopoldo, Sinodal, 2010.
Textos na internet
Christus Victor, in Wikipedia
(04.11.2011).
Gilson Santos, Martinho Lutero: A Teologia da Cruz
em Contraste com a Teologia da Glória. WEB: http://pt.gospeltranslations.org/wiki/Martinho_Lutero:_A_Teologia_da_Cruz_em_Contraste_com_a_Teologia_da_Gl%C3%B3ria
(04.11.2011).
Mark Shaw, Uma Lição Sobre a Verdade: A
Teologia da Cruz de Martinho Lutero. Site: Monergismo. WEB:
www.monergismo.com/textos/cruz/teologia_cruz_lutero_shaw.pdf (04.11.2011).