mercredi 15 avril 2020

Eterno, eternamente 3

Em sua carta aos Romanos (5.12), o querido rabino Shaul, o apóstolo Paulo dos cristãos, explicita esse processo de construção do humano ao afirmar que a hamartia entrou na vida humana por um primeiro e com a hamartia, a consciência da morte. Ora, hamartia era uma expressão militar dos gregos que se referia ao ato do arqueiro errar o alvo, quer no treinamento, quer na batalha. Paulo utiliza a expressão no sentido de que vivemos sempre sob a possibilidade de errar os alvos existenciais. Por isso, a compreensão de hamartia está sempre ligada à ausência, separação, alienação, já que implica em distanciamento do objetivo existencial. 


Errar o alvo, ou seja, hamartia ou peccatu, reforça este estado da existência, que chamamos alienação, e nos leva à origem da consciência humana. E Paulo fala, então, da consciência matricial da morte. Para o apóstolo, o estado de ausência, separação e alienação na existência produz esta consciência matricial, a consciência da morte. 


A partir da consciência da morte temos a consciência do divino, a consciência da diversidade, já que não somos bichos e, por extensão, não somos apenas natureza, a consciência de que podemos escolher, e a consciência de que coisas e ações podem ser boas ou não. Dessa maneira, hamartia implica em consequências: necessidades diante da lei, daquilo que é ou está frente à existência, e possibilidades diante da liberdade, daquilo que não existe, mas pode ser criado.


Devemos ser, todos nós humanos, aqueles que esperam pelo mundo do Espírito. O amor é a chave para a vida, mas a morte a passagem esperada. Amar uns aos outros é reconhecer a centelha divina dentro do outro, e ajudá-lo a entender e a exaltar o sentido pleno da vida. Mas a passagem esperada, para que seja em paz precisa do amor vivido.


Nesse sentido, o amor permite reconhecer a dignidade do humano. Semeia as sementes da revolta contra a injustiça e a opressão, inclusive religiosa. Reconhece o fato de que o sofrimento é um desequilíbrio do mundo. Mas, temos consciência, de que o amor não pode ser rebaixado, enquanto concepção que degrada a dignidade do ser humano. Ou seja, amar uns aos outros, não é fé, não é destino, é ato de encontrar o entusiasmo da partilha com todos e todas.


É isso aí. O judaísmo permanece presente na construção do pensamento ocidental, leigo e religioso.



JP, Kadish, vida, morte e reino, trecho do capítulo 28.