Das conversas com a descendência
Yoffe Shemtov
O ser humano aspira a um objeto eterno, a uma
beleza, bondade e verdade absolutas, cuja posse nos deve fazer felizes. Nossas
faculdades possuem capacidade ilimitada, que não
podem se satisfazer fora deste bem eterno, que não é outro senão o próprio eterno. Mas,
encontramos neste cosmo o que sacia esta sede de felicidade humana, que preencha
o vazio do coração criado para o eterno? A natureza é tão limitada e o cosmo tão
pequeno; esta vida é tão curta e a realidade tão imperfeita! Queremos amar, queremos viver o mais possível, mas encontramos decepção,
dor e morte. Assim, é evidente a desproporção
entre os nossos meios e as nossas necessidades. O repouso eterno e alguns
outros sinônimos que aparecem falam de um estado para
aqueles que deixaram o mundo dos vivos. O repouso eterno sempre foi visto com
uma multiplicidade de facetas. Pode ser lugar de destruição,
lugar de silêncio, reino dos mortos. Mas todos as leituras
remetem à ideia de estado dos que dormem. E também podemos falar de abismo, deserto e profundezas.
O contraste entre o desespero que
se agarra às
existências das pessoas e a esperança do reino do
eterno também está expressa no ser levantado para a vida. Quando falamos do
repouso eterno, as fronteiras da vida são
definidas. As leituras da estória do humano pobre e do humano rico não visa realçar a dimensão espacial, mas a realidade relacional. Por isso, o
repouso eterno não
é tanto a dimensão do espaço e do tempo,
mas estado de solidão,
separação da vida. Não podemos
esquecer que lei implica no conceito normativo de retribuição. O justo deveria receber recompensa material e o injusto careceria de bens,
prazeres e saúde. Ricos seriam naturalmente abençoados e dignos do reino. Mas as leituras da estória do humano pobre e do humano rico desconstrói essa norma e nomeia o mendigo. É interessante
notar que o pobre tem nome, é Lázaro, mas o rico
não.
Lázaro é Eliezer, aquele a quem o eterno ajuda. Ter nome compõe identidade, nomeia o quem é quem. Há aí distinção entre o valor da vida do pobre em relação ao rico. Lá naquele época, o rico tinha destaque e atuava com desprezo frente
ao mendigo. O eterno, porém, o socorre. Donde, as críticas às práticas dos religiosos: a negligência para com os
sem posses de bens e direitos, o fazer bem aos que podem retribuir, o orgulho e a
infidelidade à lei, que exige amor ao próximo.
A
estória fala da vida e levanta algumas questões que dirigem o pensar: ao renascer para a vida há consciência do estado,
memória, juízo imediato, o
que implica em alguma forma de retribuição. Há conforto para os justos oprimidos, não há mudanças no juízo, e a informação para receber o descanso está na lei do eterno. Assim, a eternidade se preocupa com aqueles descartados
pela sociedade. Não
há retorno para esta vida terrestre. A confiança no eterno é o
único mérito de humano pobre, que se expressa no nome que tem, Eliezer. A vida neste mundo é de pouca valia quando se passa à dimensão da eternidade.
Uma pergunta que provém da leitura dessa estória pode bem ajudar a redefinir as prioridades do quotidiano. Que diferença faz a presente circunstância ou forma de
atuar em termos de vida daqui a dez mil anos? Em certo sentido, é esta a pergunta que a estória faz aos religiosos. Outras registram a preocupação de ter um corpo inteiro quando formos levantados -- para tal devemos
guardar qualquer parte do corpo que for amputada para ser incluída com o resto
do corpo no sepultamento. Mas, parece que é melhor perder um olho se fizer a diferença no ingressar no reinar da eternidade. Melhor viver no
reino, coxo, cego, ou aleijado do que perder o reino por completo.
O descendente olhou para mim e quase como desabafo disse:
Eu não concordo, aqui e no cosmo, em todo ele, as gentes estão nas ruas, clamam por liberdade e justiça e você avô lança a questão para as calendas. Mas entendi o seu argumento: a questão da justiça, por
relacionar identidade e eternidade se resolve numa equação: há a eternidade sábia e justa; nenhuma contradição é definitiva. Temos então uma dimensão onde se estabelece o equilíbrio entre o que
desejamos e o que podemos. E porque a existência se projeta na eternidade, a eternidade constitui o elemento essencial
da felicidade completa, já que não se pode gozar plenamente um bem quando receamos perdê-lo.
Ao que eu, cheio de alegria, por esta conversa com a
minha descendência, completo: É, Zlabya, por isso, afirmo: a existência
futura, a eternidade, é infinita e sem limites, e sua realização é justiça e liberdade,
em conformidade com os desígnios do eterno.