lundi 23 février 2015

Halakha humana

Halakha humana – uma leitura judaica
Jorge Pinheiro

Théodore Monod disse que não somos meio termo, mas complemento. Não somos cinza, mas preto e branco. Na verdade, os escritos judaicos da Era Comum nos dizem que o Eterno construiu o ser humano e, em seguida, retirou-se para que este humano pudesse ocupar com liberdade o seu lugar. Dessa forma, o ser humano é autônomo por natureza, tem livre-arbítrio e, portanto, responsabilidade. 

Os escritos judaicos, entregues no caminhar da diáspora, entendem que o Eterno aposta na perfectibilidade do ser humano. A criação, vista dessa forma, não está completa, o ser humano continua a criação. Por isso, a construção da espiritualidade é a chave para o futuro humano. É o que leva à criação perfeita. Textos, como os da Cabala, quando falam do acesso ao mundo do Espírito, perguntam: "Você se tornou o que você é?" 

O ser humano é criador de si mesmo. Sua vida é uma viagem com a finalidade do tornar-se. Ele deve saltar do "conhece a ti mesmo" para "tornar-se quem ele é" e "descobrir para que serve". É a viagem que leva à perfeição, e a liberdade é uma viagem dentro de si mesmo, que deve ser realizada através do corte da pedra, símbolo do ser humano, do material em direção ao espiritual. 

O caminho religioso não pode estar separado da revolução permanente do espírito humano, já que o sentido do renascimento promissor e a revolução permanente do espírito são desafios universais. Ambos negam todo dogmatismo totalitário que confronta o pensamento livre. 

Duas noções fundamentais, a do ser e a do devir, estão intimamente ligadas às ideias de caminho religioso e revolução permanente do espírito. Só o Eterno é único. Na tradição judaica, quando falamos "Ser" estamos a falar do Eterno. Mas os humanos caminham no sentido de se tornarem ser. Precisam caminhar sua viagem, simbólica, do material e religioso em direção ao espiritual, a fim de integrar, interiorizar a simplicidade sublime do Ser Eterno. É nesse sentido que o caminhar deve gerar harmonia, paz que leva à coexistência de progresso e tradição. 

Nesse sentido, a comunidade religiosa, enquanto associação de grupo, não deve ser obstáculo para o caminho espiritual, ao contrário, compreendido o conceito de comunidade, de estar junto para repartir o pão, tal comunhão não deve desenvolver ambição, orgulho ou reflexo xenófobo, mas abertura para o mundo. Seu significado não é excluir a fraternidade, mas estendê-la da comunidade em direção a todos os humanos. O objetivo é difícil, mas não há esperança se não perseveramos em direção ao sucesso.
 
Aprender a liberdade é o primeiro momento dessa construção, comemorada na Páscoa, enquanto caminhar em esperança. Caminhamos em direção ao outro e para cima. Esta tradição foi transmitida aos judeus pela Torá, e está presente nos 613 mandamentos, em que se baseiam a coesão da comunidade judaica. 

O caminhar associado a revolução permanente do espírito deve levar a uma espiritualidade sem dogmas. É um caminhar baseado na fraternidade universal. Donde, tradição e progresso pode fazer sentido na existência do humano, enquanto elo da cadeia da vida. 

Nesse caminhar descobrimos, conforme nos foi revelado, que o Eterno é  impensável, incognoscível, impenetrável, mas presente no universo em todos os seus planos. O Eterno não pode ser nomeado. A única designação autêntica é precisamente a rejeição de qualquer definição é "ein Sof", aquele que não tem fim, Eterno. O Espírito absoluto é essência por si só. O Eterno é o único, única manifestação visível do invisível. Mas a harmonia universal resulta da complementaridade dos opostos. A vida é um ponto na eternidade. 

Devemos ser, todos nós humanos, aqueles que esperam pelo mundo do Espírito. E o amor é a chave para a vida. Pois, amar uns aos outros é reconhecer a centelha divina dentro do outro, e ajudá-lo a entender e a exaltar o sentido pleno da vida. 

Nesse sentido, o amor permite reconhecer a dignidade do trabalho. Semeia as sementes da revolta contra a injustiça e a opressão, inclusive religiosa. Reconhece o fato de que o sofrimento é um desequilíbrio do mundo. Mas, temos consciência, de que o amor não pode ser rebaixado, enquanto concepção que degrada a dignidade do ser humano. Ou seja, amar uns aos outros, não é fé, não é destino, é ato de encontrar o entusiasmo da partilha com todos e todas.

É isso aí. O judaísmo permanece presente na construção do pensamento ocidental, leigo e religioso. Boa discussão.