mercredi 16 décembre 2015

PSB, um partido semente -- primeira parte

PSB, um partido semente -- primeira parte
Jorge Pinheiro, PhD 


A partir do trabalho de Gustin e Vieira,[1] podemos assinalar alguns elementos da proposta política do PSB, já que os autores caracterizam o partido como (1) “união de agremiações de pensamento”, formada por grupos socialista-cristão e socialista-liberal; com (2) “grupo de antigos combatentes”, tenentes ligados à Revolução de 1930; (3) “agremiações clandestinas”, como os grupos trotskistas; e (4) sindicalistas, principalmente o grupo da União dos Trabalhadores Gráficos. Dessa maneira, o PSB, em sua prática política e trajetória, se constituiu num partido-semente, agitador de uma nova concepção política e cultural que deu base a um projeto de cidadania coletiva que, ao contrário dos projetos dos liberais orgânicos e aqueles dos comunistas, combinava as dimensões políticas e sociais da democracia. 

A proposta do PSB previa o controle social dos espaços nacionalizados ou estatizados, por representantes dos trabalhadores e pelo Congresso. Numa visão não-estatista do nacionalismo, a preocupação central era socializar, o objetivo final era o controle social dos meios de produção e a democratização do Estado, bases de um projeto nacional alternativo, condição para uma cidadania coletiva. Assim, em 1950, a Folha Socialista, do PSB, publica dois projetos do militante paulista Aziz Simão que propõem o controle operário das indústrias nacionalizadas e o controle parlamentar das empresas do Estado.[2]

Na verdade, desde sua fundação, o PSB fez a crítica do liberalismo econômico e procurou separar-se dos comunistas, colocando-os na esfera da democracia socialista, conforme afirma sua declaração de princípios: 

A nossa intransigência na via democrática significa, necessariamente, a opção pela implantação gradual e evolutiva do socialismo, compreendendo períodos de avanço e de retrocessos, segundo o esquema normal da rotatividade democrática. Acreditando na pregação e na conscientização, optamos pelo caminho do convencimento e do voto.[3]

Por isso, o PSB teve como lema o binômio Socialismo e Liberdade. E sua estrutura partidária, discutida e implantada em vários estados, continha uma novidade: os grupos de base. Segundo Fúlvio Abramo, os estatutos reconhecem que a linha política do Partido se forma através e pela colaboração de todos os grupos: estes constituem as unidades básicas da organização: deles é que deve subir, às instâncias dirigentes, o reflexo do pensamento partidário; da soma de suas opiniões, debatidas em assembléias democráticas de grupo é que se formam a orientação e o alvo partidários.[4]

Paralelamente explicitam a oposição ao “capitalismo de estado” que expressaria o caso soviético, apresentam um projeto de socialização não-estatista e democrática exigindo a combinação socialismo e democracia. Idéias estas que se farão presentes, não sem choques, na construção do ideário do PT, e que nesta tese serão analisadas a partir da perspectiva teológica. 

Sobre a questão agrária o projeto proposto por Fúlvio Abramo foi inovador. Contempla um Código para o trabalhador rural, com extensão da legislação trabalhista para o campo, um Código da propriedade rural que limita a área, permite desapropriações e cooperativas, um Código de comércio e até um Código da terra e da planta com medida de proteção ao meio ambiente. 

Em Pernambuco, Gilberto Freire foi o primeiro presidente do PSB, mas também foram destaque Osório Borba, jornalista, e o operário Mário Apolinário dos Santos. Na Paraíba, Aluísio Campos foi eleito deputado estadual em 1950. Em Minas, Roberto Gusmão, foi eleito presidente da UNE no período da campanha “O petróleo é nosso”. Mas outros dois intelectuais também marcaram o cenário em Belo Horizonte: Fernando Correia Dias, sociólogo, e Hélio Peregrino. Aliás, comentário da época dizia que o PSB em Belo Horizonte era formado pelo doutor Hélio Peregrino e meia dúzia de pacientes. 

O PSB entre os anos de 1947 a 1965 aprofundou na sociedade brasileira a discussão política a respeito do socialismo democrático e participou da vida política através da presença de sua bancada parlamentar na Câmara dos Deputados e de sua atuação no campo. As Ligas Camponesas foram a maior dessas atuações, e tiveram como seu principal líder, o advogado Francisco Julião. Pelópidas da Silveira ganhou as eleições para a prefeitura do Recife, à época a terceira maior cidade do país e João Mangabeira ocupou o ministério das Minas e Energia e, depois, o ministério da Justiça durante o governo de João Goulart. 

A idéia central dos fundadores do PSB pode ser traduzida na constatação de que a atualidade do socialismo resulta do fato de que a compatibilização entre liberdade e justiça social, como aspirações humanas, é tarefa pendente na sociedade capitalista e, por isso, deve orientar os socialistas na luta por transformações. 

À medida que estes elementos vão ficando na história, é fundamental que se busque novas contribuições para manter viva a adesão cidadã ao socialismo, e a partir dela perspectivas de mudanças que assegurem aos excluídos pelo atual e perverso sistema político e econômico, os direitos elementares ao exercício da cidadania. 

Democracia significa muito mais que um espaço de escolha dos dirigentes através de eleições, democracia significa a participação de todos na vida da família, da escola, da empresa ou de qualquer reunião de pessoas. Elas têm desejos, idéias e sonhos diferentes. Para que possam decidir entre opções diversas elas conversam, ouvem umas às outras, discutem. Se todas concordam com uma opção ocorre o consenso. Se for preciso decidir entre mais de uma possibilidade votam e deve prevalecer a decisão da maioria. Quem for minoria deve respeitar a decisão, mas tem todo direito de continuar apresentando suas idéias e pode, no futuro, ser maioria.[5]

Na ação parlamentar, em 1948, João Mangabeira propôs projetos para liberação da estrutura sindical e convocou eleições sindicais com normas democráticas. Os projetos foram arquivados. Mas, uma das ações mais importantes na história do PSB foi a campanha do petróleo. Ela começou com o discurso de Hermes Lima condenando o anteprojeto sobre a questão petrolífera apresentado pelo presidente Dutra em 1946. Apontou para o perigo representado pelos trustes petrolíferos, criticou a alegada falta de capitais internos. Orientou a bancada na defesa do monopólio estatal do petróleo. Recomendou ao PSB ampla agitação e participação na campanha que começava. Mobilizaram-se os militantes e os estudantes. O presidente da UNE em 1947/48 era Roberto Gusmão do PSB e depois Rogê Ferreira em 1949/50. 


Notas

[1] Miracy Barbosa de Sousa Gustin e Margarida Luiza de Matos Vieira, Semeando democracia. A trajetória do socialismo democrático no Brasil, Contagem, Editora Palese, 1995. 
[2] Azis Simão in Folha Socialista, São Paulo, 1950, números 44 e 45. 
[3] “A história do PSB e a atualidade do socialismo democrático”, artigo citado. 
[4] “A história do PSB e a atualidade do socialismo democrático”, artigo citado. 
[5] “A história do PSB e a atualidade do socialismo democrático”, artigo citado.