mercredi 28 janvier 2015

Socialismo brasileiro

Questões que o socialismo brasileiro deve levar em conta

Jorge Pinheiro



É possível construir roteiros teóricos que possibilitam abordar a questão socialista a partir de uma leitura teológica. Com a finalidade de orientar nesse sentido apresento pontos que apontam nessa direção:

1. Condições especiais levam a massa proletária e a individualidade pessoal a formarem uma síntese chamada massa orgânica, que corresponde ao ideal da teonomia. Essa massa orgânica nem sempre caminha em direção ao ideal da teonomia, mas quando o tempo histórico orienta nessa direção temos a massa dinâmica. Esta é revolucionária, não só no sentido político do termo, mas em um sentido de fé espiritual e social. É necessário que a massa dinâmica seja revolucionária, porque o sentido de seu movimento é precisamente ir além do estado de massa.

2. O conflito interno do socialismo tem como ponto de partida a própria situação proletária. O conflito da situação proletária vem do fato de que o proletariado tem que se apoiar no princípio burguês e ao mesmo tempo deve se opor a esse princípio. Ou seja, o conflito tem por base o fato de que o proletariado deve ir além, sobrepujar o princípio burguês com os meios deste mesmo princípio. Esta oposição é inevitável, pois a existência proletária é a expressão conseqüente do princípio burguês: a objetivação, a reificação e a ruptura com sua própria origem estão presentes em sua existência. Então, o proletariado não pode reagir ao pensamento burguês com total liberdade e independência. Isto porque não se pode responder à reificação apenas com o ethos, isto é, há necessidade de usar meios políticos. 

3. A situação proletária mostra que a situação da existência humana está em contradição com o destino do ser humano. É por isso que o princípio protestante tem função especial na compreensão da situação humana quando se olha a partir da situação proletária, pois esta se apresenta como cisão demoníaca ou alienação. Estes elementos estão imbricados à situação de classe e à consciência de luta pelo socialismo, mas também têm uma significação universal. Eles não são atributos de uma classe, mas fazem parte do conteúdo humano e estão presentes na história. O proletariado descobriu que esses elementos o ligam aos outros grupos humanos. Nele, os elementos originais do ser humano são realidade presente que o leva à uma luta a favor de si mesmo, a uma recusa do princípio burguês. 

4. Quando analisada a partir do princípio protestante, a situação proletária mostra que a miséria humana toca tanto o corpo como a alma. E o socialismo, por sua parte, lembra ao protestantismo que o dualismo platônico, idealista ou burguês, não tem correspondência nem com a mensagem bíblica, nem com a teologia protestante. Tillich diz que “o protestantismo está livre para o materialismo proletário”. De sua parte, o princípio protestante diz ao socialismo que a miséria humana não é somente uma miséria socioeconômica, mas também humana.

5. A oposição entre o marxismo e a fé crista, não está no método dialético, e nem mesmo no materialismo, mas na leitura dos fatores intra-históricos. Na visão cristã é a combinação dos fatores intra e supra-históricos que define a história. A ausência desse elemento transistórico no marxismo, tende a levar as correntes socialistas a caminharem numa direção contrária a do próprio marxismo. Assim, o fator decisivo não é o contraste intelectual entre cristianismo e marxismo, mas o contraste na prática.

6. A utopia quer realizar a eternidade no tempo, mas esquece que o eterno abala o tempo e todos seus conteúdos e que é por isso que a utopia leva, necessariamente, à decepção. E o progresso mitigado é o resultado dessa utopia revolucionária desencantada. A realização da espera socialista não é um conceito meramente empírico. A utopia é impotente para enfrentar os poderes da sociedade, por isso se não se pergunta a respeito da promessa socialista, sua espera deixa de estar orientada em direção à realização. 

7. Há um choque entre a utopia, que pensa poder fixar a eternidade no tempo presente e o kairós, que se traduz enquanto espírito profético da responsabilidade inelutável. E é a partir dessa compreensão do que significa o espírito da profecia no tempo presente, que voltamos ao kairós, que irrompe no instante concreto, no sentido profético, enquanto plenitude do tempo. Kairós não é um momento qualquer, uma parte do curso temporal: kairós é o tempo onde se completa aquilo que é absolutamente significativo, é o tempo da destinação. Considerar uma época como um kairós, considerar o tempo como aquele de uma decisão inevitável é considerá-lo enquanto espírito da profecia. 

8. Toda mudança, toda transformação exige uma compreensão do momento vivido que vá além do meramente histórico, do aqui e agora. Deve projetar-se no futuro. Tal desafio não pode ser resolvido por um homem ou por uma mulher, por mais que encarnem o espírito da profecia. O sujeito da transformação será, em última instância, o movimento da massa dinâmica.

9. A esperança exorta a luta política a caminhar na direção do futuro prometido. A ação humana deve criar novas possibilidades de existência, provocar antecipações significativas do futuro. Na ação animada pela espera, há transformações e superações, mas não se alcança uma existência humana isenta de ameaça. O princípio último da justiça é o reconhecimento concreto da dignidade de todo ser humano como pessoa e, em primeiro lugar, dos injustiçados ou ameaçados pela injustiça.

Assim, a teologia possibilita uma releitura do socialismo e das lutas dos trabalhadores, mas não podemos esquecer a produção latino-americana, construída nas últimas décadas. Esta leitura latino-americana é fundamental e nos possibilita uma crítica e enriquecimento tanto do socialismo e como da teologia.


A lembrar um passado presente

A alegria cristã e a reforma social

A lembrar um passado presente 15/10/2002
Jorge Pinheiro

O rei Josias foi um reformador social e sua reforma teve por base a justiça proposta na lei deuteronômica. O que isso tem a ver com o candidato eleito, Luís Inácio Lula da Silva? O que, nos evangélicos, queremos do futuro governo Lula?


No dia 15 de outubro, o então candidato à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, garantiu em João Pessoa que, se eleito, pretendia estabelecer um pacto social para a conquista da cidadania: (1) capaz de gerar empregos; (2) ampliar o acesso dos jovens ao ensino público de qualidade; (3) e elevar o padrão de qualidade de vida da população brasileira.

Falando no parque Sólon de Lucena, em João Pessoa, Lula garantiu que fará uma reforma agrária capaz de estabelecer a paz no campo, sem violência, sem invasões e com diálogo.

Disse ainda: "Vamos colocar empresários e trabalhadores na mesa de negociação" para firmar um pacto social a serviço do desenvolvimento brasileiro.

A Palavra de Deus nos diz: Tenham sempre alegria, unidos com o Senhor! Repito: tenham alegria! [Filipenses 4.4-5]. Este texto, que remete a Sofonias 3.14-18, nos ensina que a alegria cristã não deve ser evasiva, efêmera e superficial. A Palavra de Deus mostra que neste salmo de alegria Sofonias aponta para a salvação e para o retorno dos remanescentes a Israel [3.11-13.19-20] e, por isso, convida todos à alegria [3.14-18].

O convite de Sofonias coincide com a esperança trazida através do rei Josias, que se apresentou como reformador social, e também pelo declínio da Assíria, que afrouxava sua influência opressora.

A lei deuteronômica, encontrada no Templo durante o reinado de Josias, expressa a vida íntima da comunidade, a necessidade de que cada pessoa tenha o mínimo para sobreviver e que ninguém viva numa situação miserável.

Deste modo, a lei deixa de ser uma obrigação imposta e pesada e passa a ser um dom que Deus oferece a todo o povo. Este dom ou aliança se fundamenta no direito de cada pessoa e família a possuírem o necessário a uma vida digna e cidadã. Ou como diz a promessa deuteronômica: O Senhor, nosso Deus, os abençoará ricamente na terra que lhes vai dar. Portanto, não haverá nenhum israelita miserável, se todos derem atenção ao que o Senhor ordena e obedecerem a todos os mandamentos que hoje eu estou dando a vocês. [Deuteronômio 15.4-5].

A aliança, a lei, o dom deve ser interiorizado. A convivência no país que Deus deu ao povo peregrino exige uma mudança de mentalidade que se traduz numa organização social onde o direito divino prevalece sobre todas as instituições. O mais importante deste direito é a justiça entre as pessoas, que deve ser entendida como fundamento da convivência social.

Dez dias depois, das afirmações de Lula na Paraíba, pós-graduandos da Unicamp, em carta de apoio à candidatura de Lula, afirmaram que “a postura ética sempre foi uma importante característica da trajetória de vida de Lula, isso associado à sua maturidade política lhe fornece ainda mais credibilidade para liderar a execução de um projeto nacional que tenha como metas o crescimento econômico e a geração dos empregos de que o país tanto necessita. Consideramos, ainda, que com esse perfil de exímio aglutinador e integrador de forças, Lula criará as condições necessárias para o estabelecimento do diálogo com amplas camadas da sociedade, dentre as quais os empresários, os trabalhadores e os movimentos sociais, viabilizando a construção de um pacto social em torno de um novo modelo de desenvolvimento que possibilitará a inclusão sócio-econômica de cerca de 40 milhões de brasileiros”.

A isso nós chamamos reforma social. Não queremos que Lula seja um reformador religioso, esse papel cabe a nós, à igreja brasileira, mas que – como disseram os pós-graduandos da Unicamp -- estabeleça o diálogo com amplas camadas da sociedade, com os empresários, os trabalhadores e os movimentos sociais, viabilizando a construção de uma aliança social em torno de um novo modelo de desenvolvimento que possibilite a inclusão sócio-econômica de milhões de brasileiros.

Essa deve ser a oração dos evangélicos brasileiros. Para que possamos verdadeiramente nos alegrar com as maravilhas que o Deus Eterno pode fazer nesta terra brasileira.