A
GLOBALIZAÇÃO
E O ENSINO DA TEOLOGIA NA AMÉRICA LATINA
Pra refazer o trabalho
pra semear minha vida
já bate a cancela
bate o tempo do pilão
já bate o atabaque
rebatendo a imensidão
o céu pegando fogo
uma estrela vai queimar
eu sou de quem me chama
eu não sou desse lugar
Serra do mar noite alta
vou preparar minha volta (...)
Na volta do caminho
tem os anjos pra velar
a gente lá de casa
bate roupa pra lavar
Pra renascer todo dia
pra descobrir o compasso
já bate a correnteza
bate asa no sertão
o boi puxando o carro
o candeeiro a direção
Um poema de
Cacaso pode parecer estranho como abertura de um trabalho que pretende analisar
questões referentes à ideologia
no ensino teológico. Mas método e conteúdo fazem parte da mesma totalidade. Por
isso, assuntos focalizados neste artigo, como globalização, intelectualidade e missão profética, e os
desafios da brasilidade não estão separados da emoção, da ação em comunidade e
objetivamente do ensino teológico. Ao contrário, nos dão elementos para
entendermos por que e quando nossa pedagogia e didática
descambam para a falsa consciência e alienação.
Descartamos a
possibilidade de uma pedagogia formadora e transformadora no ensino teológico
brasileiro e latino-americano, sem a compreensão de que o desafio consiste em
pensar globalmente, mas agir localmente. Por isso, a universalidade do
trabalho, da volta ao espaço de vida e do renascimento a cada dia, traduzidos
no poema de Cacaso, norteiam o caminho que desenvolvemos neste estudo.
As
contradições da globalização
O
planeta mudou de cara com o fim da Segunda Guerra Mundial. Uma grande parte do
mundo tornou-se comunista, incluindo mais da metade da Europa, a maior parte da
Ásia e um país latino-americano.
Durante 40 anos, os países comunistas transformaram-se em um pólo, exercendo o
papel de centro político no mundo, cuja expressão espacial e física se
encontrava em Moscou. De outro lado, os países democráticos consolidaram-se em
bloco opositor de poder político, expresso através da hegemonia norte-americana.
Essa polaridade do poder político e militar desenhou a face mundial durante
esses anos.
No
mundo comunista, a igreja enfrentou a perseguição. Milhares de cristãos foram
presos, internados em campos de trabalhos forçados e mortos. No mundo democrático,
construiu-se um muro de separação entre o estado e as igrejas nacionais. O
liberalismo deu origem ao secularismo e ao individualismo ególatra da sociedade
de consumo.
Mas
com a derrota da democracia ocidental,
capitaneada pelos Estados Unidos, no Vietnã,
e com o desmoronamento do bloco comunista fez-se um vazio de poder político no
conjunto do planeta. Mais rapidamente do que poderíamos imaginar, à cavalo da
informatização e da verticalização da informação, a democracia do livre
comércio ocupou o vazio existente. Desaparecia um mundo liderado pela
polarização política, dando lugar à livre expressão econômica do capital
financeiro. Por isso, no mundo atual as relações de força não mais se realizam
de maneira centralizada, como eram antes. Temos um mundo que desorganiza
centros, mas que se organiza a si mesmo.
Hoje,
as empresas globais, supranacionais, realizam uma nova centralidade, atuam a
partir de centros frouxos, mas são socialmente cegas, já que abandonaram
qualquer objetivo ético ou solidário. A idéia de finalidade inexiste para esses
condutores na economia globalizada. Para a democracia de livre comércio não há
nacionalidade. Por isso, quando falamos em benefícios para o Brasil, num mundo
globalizado pela não espacialidade do capital financeiro, estamos seqüestrando
o conceito de nacionalidade. Haverá benefícios, sem dúvida, mas não para a
nação nomeada e sim para os agrupamentos supranacionais. Algumas migalhas
poderão chegar à população, mas não enquanto finalidade.
O
conceito de nação implica em territorialidade, isto porque é a partir dela que
temos a expressão mais ampla de uma comunidade. Território é isso, a área
através da qual um estado exerce sua força e poder. Nesse sentido, a
globalização choca-se com um adversário, que é a realidade do território. Não
há, em termos de globalidade, a possibilidade de se definir o que deve ser
feito dentro de cada território, em todos os territórios existentes no mundo.
Atualmente, os estados são coadjuvantes da democracia de livre comércio. Aceito
esse papel, os presidentes de repúblicas tornaram-se caixeiros viajantes ou
meros executivos das empresas supranacionais. Mas a nacionalidade continua
existindo porque a sua base é o território e como conseqüência temos a
realidade do estado, ainda hoje um elemento de força expressiva.
A
tradução viva do território é a sociedade, enquanto maioria da população, das
empresas e instituições. As empresas supranacionais não necessitam de
território, mas de centros frouxos que são as alavancas da realização de sua
riqueza. Dizer que o estado nacional acabou, que não é possível um projeto
nacional é, ao menos até agora, uma afirmação superficial. O estado planetário,
no nível atual de previsão, é uma fantasia.
Nossa
terceira onda urbanizatória, fruto direto da industrialização dos anos 50/60,
aliada ao movimento migratório, principalmente nordestino, e à expressão
democrática de novas correntes de pensamento, mudou a cara das cidades
brasileiras e por extensão do país. Esse fenômeno, uma versão indígena da secularização
global golpeou a estrutura familiar, fortaleceu o individualismo e aumentou o
fosso social entre participantes do mercado e deserdados do capital.
Esse
processo, que coincidiu a nível latino-americano com a revolução cubana,
produziu em nosso país um comunismo mulato, que mais tarde foi traduzido em
teologia da libertação por brasileiros como Rubem Alves e Leonardo Boff, na
trilha do teólogo católico peruano Gustavo Gutierrez. Profundamente
influenciada pelo marxismo, essa teologia define-se em primeiro lugar pela
práxis da ação social. Teve muita importância nos anos 70 e 80, quando criou e
desenvolveu as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que serviram como elemento
dinamizador, ao lado dos sindicatos, para a formação do Partido dos
Trabalhadores. Apesar desse fortalecimento no campo político, a igreja católica
começou a viver um refluxo de vocações, baixa freqüência à missa e fortes
pressões a favor do sincretismo.
No
campo protestante, os evangelicais—aqueles que crêem na Bíblia como regra da fé
e prática inspirada e infalível, na expiação vicária e na ressurreição de
Cristo, no novo nascimento e numa vida transformada pelo poder do Espírito
Santo—ganham um peso até então inédito enquanto setor de expressão na
sociedade. Divididos em dois grandes grupos, históricos e carismáticos,
incluídos aí pentecostais clássicos e neopentecostais, cada vez mais deram as
costas a sua origem social, desenvolveram um discurso dirigido à classe média e
lançaram-se a uma experiência denominacional fracional e sectária.
Atualmente,
quarenta anos depois da eclosão desses fenômenos, podemos dizer que os extremos
entraram em caducidade: a teologia da libertação e as pressões favoráveis ao
fracionalismo e sectarismo denominacional estão em pleno declínio. Da mesma
maneira, o liberalismo e as correntes neo-ortodoxas entraram em franco
esgotamento. Há uma busca crescente pelo dinamismo religioso da cruz.
A
traição da intelectualidade
O
profetismo bíblico traduz a inquietude e o descontentamento da população em
relação a acontecimentos sociais e religiosos concretos. Os profetas hebreus,
no cumprimento de sua missão, não entram em choque físico, militar, como em
outros lugares, com as barreiras intransponíveis levantadas pelos governos
centrais. Ao invés disso, utilizam a palavra, o discurso crítico, como forma de
trazer à superfície novas soluções e de influenciar aqueles que exercem o
poder.
Há
uma semelhança metodológica entre o profetismo bíblico o conceito de
intelectual, desenvolvido a partir dos trabalhos de Gramsci.Assim, para esse pensador
italiano, o intelectual representa organicamente uma determinada comunidade,
tem função superestrutural e, apesar de sua organicidade, precisa exercer
autonomia em relação às pressões sociais que sofre. É dessa postura que nasce
sua força crítica e sua compreensão de que diante da realidade há alternativas
diferentes daquelas expressas pelo poder.
Quando
ao profeta bíblico, sem negar sua característica enquanto homem de Deus, expressão humana e verbal
da vontade divina,é
importante analisar também o fato de que possuía uma concepção unitária do fato
e que constantemente procurava a síntese entre política e ética.
“Para
Jacob, eram ao mesmo
tempo revolucionários voltados para o passado e conservadores impulsionados
pela paixão do porvir; igual julgamento vemos em L. Ramlot: os profetas nada fazem sem
invocar a tradição, no entanto, sua grande mensagem são os novos tempos. Outros
exegetas julgam que os profetas sabiam servir-se do passado para as
necessidades do presente. (...) Todos parecem ter algo em comum: uma atitude
realista. Abominam o palavreado inútil, a eloquência abstrata. Ao contrário dos
falsos profetas, interessam-se pelo concreto e procuram não viver envoltos em
véu de ilusões. A pregação do futuro não constitui o essencial de suas
prédicas; é antes, o fruto e o resultado final de conhecimento aprofundado no
mundo adjacente, da atualidade e do passado”.
É
desesperante ver que a intelectualidade brasileira, hoje, esteja sendo cooptada
pelo establishment, perdendo assim
sua força crítica e sua capacidade de elaborar e apresentar alternativas
diferentes daquelas colocados pelo status
quo. Nossa intelectualidade é
formada, tradicionalmente, por filhos da oligarquia, o que faz dela uma
expressão ideológica ligada ao poder. O que em parte explica a realidade desse
tropismo em direção ao poder. E quando os intelectuais optam por ser poder,
abandonam de fato sua vontade crítica, sua missão.
É
próprio do profeta e do intelectual criar o desconforto. Ambos têm que ser
fortes para trabalhar se necessário na solitude e continuar exercendo seu
papel. O que outros pensam, no imediatismo do presente, deve ser indiferente
para eles. É um equívoco pensar que vantagens imediatas sejam uma vantagem
política. O fruto da política é sempre abrangente, realiza-se enquanto
totalidade. Assim, quanto maiores os frutos ou vantagens que uma determinada
política produz, maior a sua abrangência social.
O
trabalho do intelectual é plantar idéias políticas e lutar para que elas
floresçam. Trocar essa missão por benesses e imediatismos é um trágico
equívoco. A defesa de idéias corretas de transformação social tem um custo, que
pode ser a perda momentânea de privilégios pessoais, imediatos, quando a
preocupação é participar do establishment.
Mas se o intelectual tem consciência de seu papel na sociedade, não há de fato
uma perda.
Atualmente,
na sociedade secular brasileira, a traição de um número crescente de
intelectuais, em relação à missão que receberam da sociedade, tem como pano de
fundo a globalização. Há uma forte tendência, subjetiva, para a cooptação. É
essa realidade que faz o profeta superar, transcender e substituir
objetivamente o intelectual de corte gramsciano na sociedade globalizada.
É
claro que nem sempre foi assim. No fim dos anos 50 e começo dos anos 60, a
comunidade intelectual brasileira buscou contribuir para um projeto de
desenvolvimento nacional. A diferença básica entre aquele momento e os
posteriores vividos pelo Brasil é, em essência, o projeto. Naquela época havia
a busca de um projeto nacional, sem uma preocupação unívoca, ou seja, ninguém
desejava uniformizar uma solução. Em torno do poder aconteceram discussões e
floresceram divergências que permitiram à sociedade como um todo construir um
alternativa. E havia os partidos que tinham credibilidade social e participavam
de todo o processo de discussão. Tínhamos uma gama muito ampla de opiniões,
indo de uma União Democrática Nacional até o Partido Comunista do Brasil, todos
com projetos explícitos.
Hoje
não temos projeto explícito, nem por parte do poder, nem dos agrupamentos
políticos existentes. Sem projetos políticos não pode haver discussão política.
Num país onde o aparelho de estado não tem um projeto, os partidos ficam
capengas. Não há o que discutir. Sempre foi, dentro da democracia burguesa,
função do estado a produção de um projeto próprio de governo. A política é
exatamente isso, a discussão dos vários projetos existentes e o exercício da
escolha e apresentação desses projetos para a sociedade.
Há
uma diferença entre profeta e professor. Nossas faculdades teológicas formam
ambos. Mas o número de profetas, enquanto elemento crítico, produtor de
desconforto, dentro e fora das faculdades será sempre bem menor que o de
professores. Mas isso não quer dizer que sua produção seja menos importante. A
faculdade não é unívoca. Abriga quadros diferentes, teólogos, professores,
pastores, missionários, ministros de música e de educação cristã, com
perspectivas e compreensões diferentes da realidade. É necessário entender que
o ensino teológico brasileiro tem cerca de cinqüenta anos e seu desenvolvimento
traduz uma produção carente de caminhos próprios.
Outro
problema é o isolamento do ensino e da produção teológica brasileira. Nossas
faculdades e seminários acabam existindo enquanto entidades fechadas, que de
forma consciente ou não deixam de lançar suas idéias ao debate acadêmico e
nacional. Correm assim o risco de transformarem-se em grupos sectários,
fechados em si mesmos, que por isso deixam de pensar criticamente a sociedade,
apresentar alternativas e pressionar positivamente governo e establishment.
Diante
da crise estrutural da intelectualidade, nossas faculdades de teologia estão
desafiadas a produzir profetas. Homens de Deus, conscientes de seu papel
histórico, que sob a luz do Evangelho, façam a crítica cristã das políticas
reducionistas e antipopulares. Tal postura deve nascer de um ensino teológico
que responda aos desafios da globalização e da pós-modernidade: necessidade e urgência para a
reconstrução da intelectualidade e desenvolvimento do conjunto da sociedade
brasileira.
Os
desafios da brasilidade
No
mundo secular, a difusão do saber produzido não é tarefa exclusiva das
universidades. A mídia, por exemplo, deveria ser um dos agentes principais
nessa tarefa. Acontece, infelizmente, que a mídia transformou-se em traidora de
sua missão original, clássica. E todos sabemos que essa omissão é fruto de sua
dependência intrínseca, e cada vez maior, das empresas globais, que direcionam
a democracia do livre comércio.
Tal
fato gerou um desequilíbrio, que pode ser equacionado da seguinte forma: quanto
maior o peso da estrutura global menor é a responsabilidade ética da mídia na
difusão do saber produzido. Há uma redução da qualidade de pudor e de
indignação. Assim, ao invés da palavra profética temos um cronista do establishment.
A
questão da justiça social parte de três realidades que estão imbricadas, nesse
fim de século, com a globalização. São elas, a materialidade de nosso corpo, a
individualidade e a cidadania. A corporeidade é a minha primeira expressão
enquanto pessoa, a forma que possibilita a minha comunicação com os outros, com
a minha espacialidade e com o meio.
Essa possibilidade de comunicação é limitada ou facilitada pela minha
individualidade, que socialmente, traduz-se enquanto cidadania. Ou seja, pela
maneira como participo, pela sociabilidade.
O
problema é que no Brasil a cidadania não se completou. De tal maneira que meu
corpo aparece como diferença central em relação a outros corpos. Não importa
que minha individualidade cresça, enquanto consciência que tenho de minha
realidade e de minhas possibilidades, inclusive através da ampliação de meus
conhecimentos, se a cidadania me escapa por falta de espacialidade, de
geografia. Quando alguém tem o poder de tirar a minha espacialidade, de me
colocar para fora de minha casa e de meu espaço de produção, dentro da
realidade urbana, ou de minha casa e da terra onde produzo, dentro da realidade
rural, minha corporeidade torna-se inferior
às demais, porque deixo de ser cidadão.
A
grande possibilidade do futuro está na comunicação, mas não na comunicação à
distância, e sim na comunicação na proximidade. O que não falta hoje é
informação, divulgação de dados e fatos verticalizados, numa rapidez e
quantidade assombrosos. Isso produz alienação, já que não há discussão de
metas, prioridades ou contexto em que esses dados e fatos devam ser inseridos.
Nesse sentido, a globalização permite falar na construção antecipada de
violência deliberada.
É assim que atuam os grandes conglomerados da indústria editorial no mundo.
Decidem a priori quais serão os best
sellers. Criaram um fosso entre o mercado das idéias e a produção teórica
do saber.
Por
isso, a comunicação está na comunidade, nos conglomerados, entre os povos
do mundo. São eles que criam, já que a comunicação é a expressão da
solidariedade de preocupações, do fato de viver juntos, de depender para
continuar vivendo. E aí está,
sem dúvida, o caminho para uma outra globalização, que não precisa
necessariamente de toda essa sofisticação pós-moderna.
Até
agora, o mundo da globalização é verticalizado, tem preocupações pragmáticas,
localiza-se em centros frouxos, de onde comanda a violência da informação e a
violência do dinheiro. Mas isso é uma transição. As comunidades, os grandes
centros urbanos, as grandes massas, no entanto, estão criando outra coisa.
Respondem à informação e ao pragmatismo com comunicação e emoção. Abandonaram,
sem terem consciência disso, a epistemologia do iluminismo.
A
emoção permite a liberação de quadros estabelecidos, por isso tem um papel
motor na produção do conhecimento. Quando falamos de emoção estamos realçando
tendências motivadoras, quer sejam imitação, defensiva, agressiva, gregária, de
propriedade, de domínio, de submissão. Isto porque a iniciativa da vontade ou
da atividade pode ser insuficiente ou deficiente na descoberta e criação do
conhecimento.
O
Antigo Testamento é rico nesse tipo de experiência vivencial que faz cruzar
emoção e comunicação. O povo israelita se movimenta, sacrifica, luta, vence,
num processo contínuo de novas emoções e conhecimentos para obter uma conquista
final. A fé se constrói dentro do mesmo princípio, dando forças para suportar,
em Jó, no agir, em José, e na obediência como fruto da confiança, em Abraão. A
própria assinatura da aliança no Antigo Testamento acontece no contexto de uma
crise emocional sem precedentes na vida do herói da fé. E como ponto alto dessa
dialética emoção/conhecimento na cultura judaica-cristã temos o sermão do
monte, onde todo o discurso é carregado de beleza motivadora: dos pobres de espírito é o reino dos céus;
os mansos herdarão a terra; os que choram serão consolados, os que têm fome e
sede de justiça serão saciados, etc. Assim, as escrituras bíblicas têm
transmitido confiança e esperança ao comunicar emoção. E isso não acontece por
acaso. É Deus quem leva à emoção. Ele criou o homem com possibilidades que não
se restringem à razão e à lógica. O mundo é um incentivo à vida. Nesse sentido,
toda a criação é um desafio às nossas emoções.
Os
setores médios da sociedade estão alicerçados no consumo, que é um redutor do
pensamento, por isso tendem a ver o mundo como uma realidade estática, onde
nada muda. A mídia, através do massacre da informação, aprofunda essa falsa
consciência e fortalece o enquadramento dos setores médios. É desse
enquadramento que nasce sua prosperidade e, como conseqüência, sua dificuldade
para pensar a realidade. E a universidade, como centro pensante dos setores
médios, perde sua capacidade de gerar reflexão crítica e indignação.
O
que vemos, no que se refere às grandes massas, é a racionalidade ceder lugar à
emoção, enquanto geradora
de atividades sociais produtivas. Temos, então, uma produção que nasce das
entranhas das massas, a partir de baixo, num nível e intensidade até agora
desconhecidas na história humana.
Numa
sociedade aparentemente rica,
a sabedoria passa a ser privilégio daquele que conhece a experiência da
escassez. É o caminho da descoberta, do que valho realmente enquanto ser. Nesse
sentido, tanto o continente latino-americano, como o Brasil passam a ser
historicamente afortunados, por serem potencialmente produtores de sabedoria.
Nesse
sentido, estamos deixando a era tecnológica e entrando na era da democracia das
grandes massas. O que é uma mudança de qualidade nas relações humanas. As
grandes massas, que estão em movimento desde os anos 50, começam agora a fazer
uso da comunicação, enquanto linguagem transformadora da situação dos
deserdados da terra. Esse fenômeno que se expande, mas ao mesmo tempo se
aprofunda, aponta para algo inteiramente novo no cenário latino-americano.
Ensinar
teologia pode ser emocionante
Exatamente
porque a função da faculdade de teologia é desenvolver a capacidade crítica e
criadora, informar e formar hábitos e habilidades, desenvolver atitudes e
ideais, deve procurar romper com a tradição racionalista da modernidade. O
futuro pastor, missionário, ministro e teólogo vivem num mundo real e querem
transformá-lo, ganhando
vidas para Jesus Cristo. A faculdade de teologia que funciona enquanto
realidade isolada não entendeu uma das exigências da pós-modernidade: o ensino
que não se integra na vida real, em sentido horizontal e também vertical, não é
motivador, abandonou o fator experiência. Por isso, enumeramos sete recursos pedagógicos
que favorecem a mediação da emoção na produção do conhecimento teológico:
1.
Fracasso e sucesso estão carregados de
conteúdos emocionais. Na discussão de questões do Antigo Testamento, seja a
aliança abraâmica, o êxodo ou a reforma de Esdras e Neemias não importa se o
aluno se embaraça em entender os sentidos mais profundos de cada teologia, por
desconhecer os pontos de partida: ele sente-se desafiado em descobri-los, se as
aulas foram emotivamente dirigidas nesse sentido. É necessário, porém, equilibrar
sempre fácil e difícil, levando em conta que os mais inseguros são estimulados
pelo sucesso e os mais seguros com a possibilidade do fracasso.
2.
A segurança depende do conhecimento de
possibilidades e realizações, não do conhecimento das teologias da aliança,
do êxodo ou das reformas de Esdras e Neemias. Para manter o aluno motivado,
para explorar ao máximo suas possibilidades criadoras, o professor deve
visualizar uma espécie de conta corrente: onde o ativo são os resultados dos
esforços do aluno ao competir consigo mesmo e o passivo sua preparação em
direção à autodeterminação.
3.
Competir faz parte da vida, mas nem
sempre há justiça na premiação. A faculdade de teologia deve preparar os
futuros pastores, missionários, ministros e teólogos para a competição da vida,
que é inevitável. Eles vão competir consigo mesmos, vão competir enquanto
indivíduo no grupo, vão competir com outros grupos. Como eles têm um ministério
cristão é importante ter claro que vão concorrer com outros grupos do ponto de
vista teológico, mas não apenas, também vão fazê-lo ao nível social, cultural e
político. Sabemos porém que é quase impossível prever como vão participar dessa
concorrência e até onde vão conseguir realizar seus interesses particulares, e
como tal competição se transformará em mola propulsora de desenvolvimentos
posteriores.
4.
Prêmio e castigo sempre fizeram parte da
educação judaico-cristã. Nos últimos anos, andaram em desuso, mas a
realidade tem mostrado que os prêmios satisfazem a tendência natural de auto-afirmação
e de obtenção de prestígio, enquanto os castigos contrariam essas necessidades.
Assim, quando um estudante erra e não recebe a reprimenda esperada estamos
enevoando seu sistema de valores. Estamos confundindo e não educando. Por isso,
principalmente numa faculdade de teologia é melhor repreender ou elogiar do que
ausentar-se de qualquer manifestação diante dos trabalhos realizados. É bom
lembrar que o castigo reforça o desprazer de um mau resultado e o prêmio faz a
transição da ansiedade à liberação.
5.
O aproveitamento da experiência prévia do
aluno é um fator espetacular de motivação, mas deve ser reinterpretado,
retificado e ratificado. Sua experiência de vida religiosa, social, cultural e
política, soluções encontradas para problemas reais vividos na família, na
igreja e na comunidade em geral não somente favorecem a integração do aluno no
grupo, mas produzem um sentido de correlação entre o meio social e a faculdade.
É necessário aproveitar a tendência gregária dos alunos no planejamento e discussão
dos cursos, na sua execução e controle, completando-se com o trabalho
socializado. Os grupos estruturam-se visando atender a soluções intelectuais e
afetivas. E as atividades extra-classe, desde que levem em conta essas
motivações, podem ter um importante
papel didático.
6.
As diferenças individuais devem ser
levadas em conta e compensadas através de dois recursos: as entrevistas e a
graduação de tarefas. Na primeira, os estímulos tornam-se diretos, mas o
sucesso depende em muito da simpatia e da habilidade psico-pedagógica do
professor. Na graduação de tarefas oferecemos uma oportunidade de
autodeterminação, um incentivo a aprendizagem afetiva.
7.
A crítica, enquanto construção
aluno-professor, é imprescindível à segurança afetiva. O amor é a grande
motivação. O amor permite ao professor encontrar os recursos necessários para
educar os futuros pastores, missionários, ministros e teólogos em hábitos,
atitudes e ideais, e orientá-los no caminho da verdade e da justiça.
Para
terminar, gostaria que meditássemos, enquanto homens e mulheres envolvidos no
ensino da teologia, num pequeno texto de Russell Shedd. Diz o professor:
“Segundo
Karl Barth, a função da teologia evangélica é formular uma pergunta concernente
à verdade, significando com isso que a tarefa do teólogo é inquirir se a igreja
está compreendendo e comunicando (com sua palavra e sua vida) corretamente o
evangelho. É possível crer na Bíblia de capa a capa e, mesmo assim, deixar de
descobrir a verdade fundamental nela contida. Uma entrega ao Autor e Senhor da
Bíblia, que produza transformação de vida, assim como uma submissão contínua ao
Espírito Santo regenerador, o intérprete divino da Bíblia, são pré-condições
essenciais quando os desafios da Escritura são ouvidos e atendidos. Não
obstante, devemos precaver-nos do perigo da cultura obscurecer nosso
reconhecimento da vontade de Deus em sua Palavra revelada. A justiça social
apresenta exatamente este desafio. Os que se apegaram com maior tenacidade ao
plano elevado da inspiração bíblica, com freqüência sufocaram as exigências
divinas para que seu povo exemplificasse a sua profunda preocupação com a
justiça”.
A
preocupação de Shedd nesse texto é a justiça social, mas seu alerta quanto à
cultura são válidos para a pedagogia voltada ao ensino teológico. Nem tanto ao
mar, nem tanto à terra, essa deve ser a diretriz. Por isso, toda crítica à
falsa consciência e à alienação no âmbito do ensino teológico deve ter como
base a verdade e a justiça, enquanto inquirição da compreensão e proclamação do
evangelho por parte da igreja, corpo de Cristo no mundo. Mas se a tarefa é
formar e transformar através da verdade e da justiça, o caminho, o método, a
pedagogia é o amor.
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