mardi 4 novembre 2008

Socialização da Tese de Pós-Doutorado


Aos colegas
Faço minhas as palavras do pastor Youssef -- "que bênção de Deus, e que privilégio em poder conhecer alguns e rever outros" por ocasião da palestra que proferi sobre a minha tese de pós-doutorado: "As brasilidades e o Reino, diálogos protestantes com a multiculturalidade brasileira", segunda-feira, dia 03/11/2008, no Auditório João Calvino, na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo.
Em Cristo, um abraço a todos e a todas.
Jorge Pinheiro

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Prof. Dr. Carlos Caldas Filho, Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Mackenzie, e o Prof. Pós-Doutor Jorge Pinheiro dos Santos, da Faculdade Teológica Batista de São Paulo.

A Revelação e o Signo

No processo da revelação podemos distinguir vários elementos que se sobrepõem e se completam. Dentre eles, o mais fascinante é a questão do significado e do significante. A revelação dá-se através de um processo de adequação histórica. Entretanto, esse conhecimento não demanda unicamente a apreensão de uma determinada realidade. Faz-se necessário que esta realidade seja apreendida de uma determinada maneira, consoante a uma construção de análise e síntese.

Como premissa fundamental temos que reconhecer uma justaposição entre conhecimento intuitivo e conhecimento discursivo. O conhecimento intuitivo faz-se a partir das condições para que ele se processe, imediatamente, frente a uma determinada realidade, ao passo que o discursivo requerer passar de algo conhecido, através de uma série de juízos, à apreensão do ainda não apreendido. Ao primeiro processo chamamos sintético e ao segundo analítico.

A revelação não se dá simplesmente como processo de adequação da mente humana ao novo que lhe é apresentado. Impõe-se que o novo, inerente ao processo cognoscitivo, tenha um significado. Uma relação de significado em que apessoa opera como ser significante e o novo como ser significado. Desta forma, a revelação não se processa entre realidades ahistóricas, mas em relação espacial e temporal, que exige, para que a interação pessoa/realidade se estabeleça, de que haja algo maior, alguma coisa além de ambos, não causal, mas essencial.

No processo da revelação, a pessoa se encontra em processo de construção, já que não é plena senhora do processo. É um ser colocado no tempo e no espaço, que estabelece relação com a realidade que o cerca dentro do processo cognoscitivo enquanto dimensão humana e histórica.

Outro pressuposto é a natureza genética da linguagem, que se encontra em constante devir. Dessa maneira, significado e significante estão intimamente ligados a linguagem, enquanto revelação e construção histórica e social.

Assim, compreendemos que, dependendo da utilização de determinado objeto ou realidade, a pessoa conhece de determinada forma, e no processo pode construir conceitos diferentes a partir de um objeto ou realidade anteriores. Podemos inferir ao que isso conduz. A revelação está ligada à vida da pessoa, já que será a própria experiência humana que agregará valor ao objeto ou realidade antes conhecidos e vividos. Dessa maneira, o velho vai gerar o novo, uma essência que transcende, uma universalidade, a partir da própria experiência de vida, que teologicamente podemos chamar de obediência ao mandamento de Deus.

Mas ainda não definimos a importância do significado e do ser significante dentro do processo da revelação. Se a revelação é histórica, é importante notar que a própria revelação age sobre a vida humana, sobre a historicidade da pessoa. E mais do que isso, ao definir a historicidade humana muda o próprio meio onde a pessoa vive e atua. Dessa forma, a revelação cria processos de formação, escalas de valores, normas e condicionamentos. E é aí que reside toda a problemática da revelação enquanto conhecimento: como a pessoa, a partir da revelação, pode conhecer a Deus, seu propósito e dar um sentido ao mundo que a cerca, assim como achar o seu papel dentro de todo esse complexo?

A verdade da revelação é o significado que uma determinada realidade tem para a comunidade e a pessoa. Há uma construção intuitiva, quando a experiência da revelação produz uma interação entre a pessoa e a divindade, sem que essa experiência necessariamente influa no processo discursivo de conhecimento. Mas mesmo neste caso a pessoa não abandona ou perde sua formação. Não deixa de ser aquilo que é: pessoa inserida em determinada comunidade. Mesmo quando esse processo dá-se em um nível superior, instantaneamente, sem elaboração discursiva, a pessoa está condicionado pela historicidade do ser cognoscente. E dentro dessa condicionante sempre se processa a interação pessoa/realidade. Aqui, sentimentos e afetividades, que geralmente passam despercebidos, são realçados. Isso porque nesse momento específico determinada realidade passa a ter significado, que mesmo não sendo inerente, exige que se lhe dê um. E nesse caso o conhecimento da revelação faz da pessoa ser significante.

Assim a revelação dá ao mundo um significado imanente. Pessoa e comunidade, através da revelação passam a estar dotados de significado, mas ao mesmo tempo este conhecimento, este significado dado, não se dá ahistoricamente, mas dentro das limitações de sua própria obediência.

Podemos, então, concluir que a partir da revelação a pessoa é o significante da construção da comunidade, pois através do conhecimento da revelação é ele quem historicamente pode modificar causas e efeitos, imprimindo ao processo nova direção.

Mas, como se processa a relação entre significado e significante, quer no caso isolado da interação entre pessoa e realidade, quer no caso de todo o processo da revelação? Vimos que dentro do conhecimento da revelação a pessoa é um ser significante. Podemos, então, ver que a escala de valores do sistema ético, oferecido pela revelação à comunidade, é parte integrante do significado dado ao mundo pela própria revelação. Donde, dentro de uma interação significado/significante existem elementos dinâmicos de transformação.

O universo é o mundo dos homens e das mulheres. Nesse sentido, aí eles constróem seu habitat. Desta forma, através do significado dado pela pessoa à natureza, enquanto domínio e expansão, dentro de um significado de utilização que lhe empresta, atua sobre ela, produzindo cultura e transformação.

A revelação, enquanto relação entre significante e significado é dialética. Pois se é ela que faz da pessoa e da comunidade ser significante, permite ao homem e à mulher e às suas comunidades transferirem ao mundo que os cerca a cosmovisão que utiliza essa mesma significação.

Ao fazer significante a realidade que a cerca, a pessoa dá origem a transformações, engendra causas, e passa à construção do futuro, já não como utopia, mas como realidade. Para viabilizar tais transformações é necessário que transfira, enquanto comunidade, novos significados aos processos históricos e sociais.

Através da relação estabelecida entre significado e significante encontraremos as causas de conotações. À circuncisão, por exemplo, a partir de determinado momento, daremos a conotação de aliança. Assim a circuncisão é pacto, marca de um povo separado, mandamento de Iavé, mas só será isso quando um ser (pessoa ou comunidade) que se torna seu significante lhe dê significado.