vendredi 2 mars 2018

A revolução de Maio de 68


A revolução deu face a uma nova França, mas ...
Jorge Pinheiro, PhD


1968-2018. A revolução de Maio de 68 na França faz cinquenta anos. E para lembrar a primavera rebelde dos jovens e trabalhadores franceses escolhemos o caminho de deixar reflorescer nos corações os slogans que foram pintados nos muros, pichados nas portas, colados nos elevadores durante aqueles dias febris no Odéon, Nanterre, Sorbonne, Censier, Condorcet. No giz, em feltro, no spray, à tinta, em cal a imaginação tomou o poder. 

Cada slogan a sua maneira foi testemunho do sentimento fraterno, comunal, pela liberdade que, no espaço de dias, definiu os contornos utópicos de uma sociedade libertária e democrática. Não queremos aqui fazer uma sociologia dos slogans de Maio de 68, nem a crítica deles, mas deixar que o leitor brasileiro tenha contato com um pouco daquelas criações revolucionárias que mexeram com a imaginação de milhões de jovens nos anos que se seguiram. E nos ensinaram a fazer uma política criativa e cheia de vida... apesar dos erros, é lógico.

É proibido proibir/ O sonho é realidade/ As reservas impostas ao prazer excitam o prazer de viver sem reservas/ Sejamos cruéis!/ Tenho algo a dizer, mas não sei o quê/ Todo o poder abusa. O poder absoluto abusa absolutamente/ O agressor não é aquele que se revolta, mas o que afirma/ Ser livre em 1968 é participar/ Um homem não é estúpido ou inteligente: ele é livre ou não é/ Nós somos ratos (talvez) e mordemos/ Não me libertem, eu me encarrego disso/ A poesia está na rua/ Façam amor e recomecem/ A ação não deve ser uma reação, mas uma criação/ Corre camarada, o velho mundo está atrás de você/ Sob a calçada, a praia/ A vontade geral contra a vontade do general/ A revolução tem de deixar de ser para existir/ Abram o cérebro tantas vezes quanto a braguilha/ E se queimássemos a Sorbonne?/ Quando a assembléia nacional se transforma num teatro burguês, todos os teatros burgueses devem transformar-se em assembléias nacionais/ Sejamos realistas, exijamos o impossível/ O álcool mata, tomem LSD/ A liberdade é o crime que contém todos os crimes. É a nossa arma absoluta!/ Abramos as portas dos asilos, das prisões, e de outras faculdades/ A barricada fecha a rua, mas abre o caminho/ Trabalhador: você tem 25 anos, mas o seu sindicato é do outro século. Para mudar isso, venha ver-nos/ Não reivindicaremos nada, não pediremos nada, conquistaremos, ocuparemos/ Não é o homem, mas sim o mundo que se tornou anormal/ Enfureçam-se!/ A arte morreu. Não consumam o seu cadáver!/ Quanto mais faço amor, mais vontade tenho de fazer a revolução. Quanto mais faço a revolução, mais vontade tenho de fazer amor/ Violem a alma mater/ A humanidade só será feliz quando o último capitalista for enforcado nas tripas do último esquerdista/ A sociedade é uma flor carnívora/ O poder tinha as universidades, os estudantes tomaram-nas. O poder tinha as fábricas, os trabalhadores tomaram-nas. O poder tinha a ORTF, os jornalistas tomaram-na. O poder tem o poder, tomemo-lo/ Não é uma revolução, Senhor; é uma mutação/ A vida está alhures/ Não vão à Grécia este verão, fiquem na Sorbonne/ Não consumamos Marx/ A imaginação ao poder. 

O sonho do Maio de 68 invadiu os corações de jovens e trabalhadores do mundo. Atravessou oceanos, e chegou a continentes distantes. Os anos que se seguiram não foram de nostalgia, nem de pensar que o sonho tinha acabado, ao contrário, renasceu nas lutas de estudantes e trabalhadores latino-americanos. O levante de jovens e trabalhadores na Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Chile, Uruguai, Venezuela e praticamente todos os países deste continente viveram um pouco disso, com a formação de sindicatos, mobilizações e movimentos guerrilheiros, que traduziram a realidade do poder operário nas fábricas e bairros. Mas também aconteceu nos campos, nas fazendas invadidas, e nas escolas e universidades ocupadas pelos estudantes.

Abaixo a sociedade do espetáculo!

No Brasil, neste ano da graça de 2018, a massa de excluídos de bens e possibilidades permanecem em compasso de espera. Esperam, em compasso de, desnorteados, drogados pela indústria do espetáculo. Por isso, não são vistos como perigo que ameaça. 

A classe média, os qualificados e qualificadas, curva-se. Sente-se coproprietária e mostra os dentes quando pensa estar ameaçada a perenidade do espetáculo. Mas, apesar desse instinto de sobrevivência que faz dela serva, não tem estabilidade no emprego, não vê crescimento da economia, e nem o fim da inflação, que sempre ameaça no fim do túnel. A corda estica e ameaça romper-se. E a classe média que até agora tentou frear as crises, vê-se às voltas com a presença constante, em cada esquina, bem ali do lado de sua casa, dos excluídos que a seu jeito parecem querer também o seu Maio francês. 

Este cenário ajuda a pensar os acontecimentos que estão à porta, embora não tenham valor de modelo e ainda menos lei da natureza social. O ano da graça de 2018 pode ser igual aos outros anteriores, de laço e maltrato, mas pode também ser a chave a dar volta à fechadura e abrir a porta. E o equilíbrio social, esta correia de aceite do espetáculo, pode se fazer desequilíbrio e trazer de volta a alegria do "é proibido proibir".














Mai 68 : nuit des barricades