mardi 31 octobre 2023

Os huguenotes

O termo Huguenotes é o antigo nome dado por seus inimigos para os protestantes franceses durante as guerras de religião. A partir do século XVII, os huguenotes passaram a ser chamados de religionários, por causa dos atos reais onde eram caracterizados como “religião que se pretende reformada”. Cerca de 300 mil huguenotes deixaram o território francês devido às perseguições originadas com a suspensão do Édito de Nantes, em 18 de outubro de 1685.

A expressão huguenote surge na França em 1560 em textos aparecidos na região de Touraine e substituiu o termo "luterano", usado anteriormente. Aparece em uma carta de Thédore de Béze, quando descreve um tumulto em Amboise, escrita em Genebra e datada de 6 de junho 1560. É possível que a expressão huguenote tenha origem na palavra alemã “eidgenossen”, que significa confederação ou liga, e que em Genebra tenha sofrido uma corrupção para “eidgnots”. A pista para essa hipótese é que o príncipe de Condé, em 1562, usou numa declaração as expressões “Aignos” e “Aignossen”. E num verso, Ronsard, em 1562, canta na Remonstrance au peuple de la France :

Je n'aime point ces noms qui sont finis en os,
Gots, cagots, austrogots, visgots et huguenots,
Ils me sont odieux comme peste, et je pense
Qu'ils sont prodigieux à l'empire de France.

Mesmo antes da revogação do Édito de Nantes, os huguenotes fugiam da França por causa das pressões e atos violentos realizados pelo poder real. No ano de 1680, os huguenotes foram perseguidos pelos dragonnades, dragões, nome de um corpo do exército, organizado por Louvois, então ministro de Defesa de Luis XIV, com torturas, expropriação de bens e estupro, o que levou Colbert, a sair na defesa deles.

Em 1685 com a revogação do Édito de Nantes por Luis XIV foi proibida a liberdade de culto e tiveram suas vidas ameaçadas de morte caso não se convertessem ao catolicismo. Isso levou a maioria dos huguenotes a fugir para países protestantes da Europa: as Províncias unidas dos Países Baixos, Inglaterra, Suíça e para os principados alemães protestantes, Hesse-Cassel, Brandenburgo e outros. Na Encyclopédie produzida pelo Iluminismo, o artigo sobre "Refugiados", afirma que Luis XIV, ao perseguir os protestantes, fez com que seu reino perdesse quase um milhão de homens industriosos.

O Edito de Nantes proibiu a emigração dos huguenotes e passou a punir qualquer pessoa que os ajudassem a deixar a França. Seus bens foram expropriados e os empresários tiveram que abandonar suas propriedades.

Foram lançados assim a uma vida clandestina, porque denúncias por heresia eram punidas com enforcamento ou com as galeras. E as mulheres com prisão perpétua, como por exemplo, na Torre de Constance, em Aigues-Mortes. Ajudar os fugitivos era ato de traição. Em agosto de 1686, 245 huguenotes de Oisans foram presos em Saint-Jean-de-Maurienne e enforcados.

Milhares de camponeses fugiram para os Alpes, para a região de Charentes, e para o sul. Até hoje cavernas no sul da França têm o nome de pregadores huguenotes, que se escondiam nelas para não serem presos. De todas as maneiras, os que permaneceram na França foram perseguidos até meados do século XVIII.

Os católicos galiciens e reformadores como Jacques Lefèvre d'Etaples foram os antecessores dos huguenotes. Foram seguidores de Martinho Lutero, na Saxônia, e depois de Calvino, a partir de Genebra. Formaram a igrejas reformadas na França, que foram chamados, desdenhosamente, de "RPR", religião pretensamente reformada, nos documentos oficiais.

Lyon, a capital europeia da Antuérpia, imprimiu a primeira Bíblia em língua vernácula. Toda esta organização foi feita pelos huguenotes, através dos conhecimentos desenvolvidos em agronomia e irrigação, na área de têxteis, e de construção naval. Os huguenotes foram numerosos entre os artesãos e proprietários.

Em Recordar huguenotes Memória, publicado em 1689, o engenheiro Vauban detalha os danos causados à economia francesa, na partida dos artesãos, marinheiros e soldados protestantes. Quando ele visita a Queyras, Vauban reluta em fortalecer Chateau-Queyras e a batalha crucial que teve lugar entre o exército e a população local protestante.




A Reforma protestante e a França

A Reforma protestante e a França
Jorge Pinheiro




Parte I

A Reforma protestante começou no século XVI, em meio a diversas revoltas contra a Igreja Católica. Os reformistas, ou protestantes, acreditavam que a Igreja estava mais preocupada com poder e dinheiro do que com a salvação das pessoas, e que precisava ser reformada. 

No início do século XVI, o monge alemão Martinho Lutero, abraçando as idéias dos pré-reformadores, proferiu três sermões contra as indulgências em 1516 e 1517. 

A 31 de outubro de 1517 pregou 95 Teses na porta da igreja do Castelo de Wittenberg, com um convite aberto ao debate sobre elas. 

Esse fato é considerado como o início da Reforma Protestante. Lutero foi uma das figuras-chave dessa reforma. Ele escreveu o que é conhecido como as "95 Teses", que criticava os abusos da Igreja Católica, e pôs o mundo religioso em polvorosa.

Essas teses condenavam a "avareza e o paganismo" na Igreja, e pediam um debate teológico sobre o que as indulgências significavam. As 95 Teses foram logo traduzidas para o alemão e amplamente copiadas e impressas. Após um mês se haviam espalhado por toda a Europa. 

As 95 Teses de Lutero formaram um manifesto. Ele disse afirmava que:

* A redenção é um presente de Deus, não algo que se pode comprar.
* Os papas não são autoridades acima da Escritura.
* Todos os cristãos deveriam ter acesso à Bíblia, não apenas os padres.
* A fé, não boas obras, salva uma pessoa.

E também que :

* As pessoas são perdoadas através da graça de Deus, não através das obras que fazem.
* Os clérigos devem ser pobres, simples e humildes.
* A igreja deve ser pura e abrir os seus tesouros para ajudar os pobres.
* Não há necessidade de santos intermediários, porque todos os cristãos têm acesso direto a Deus através de Jesus.

Assim, os cinco "solas" de Lutero se tornaram fundamentais para o protestantismo:

* Sola scriptura (A Bíblia é a única autoridade)
* Sola fide (A salvação se dá por meio da fé)
* Sola gratia (A salvação é gratuita, não é possível ganhar)
* Solus Christus (Jesus Cristo é o único salvador)
* Soli Deo gloria (Toda glória pertence a Deus).

Parte II

Os reformadores tiveram diferentes antepassados. Um deles foi o checo Jan Hus, que se levantou contra as indulgências do catolicismo. Lutero conhecia os escritos de Hus, mas não gostava deles, porque Hus se orgulhava de suas ações. Até 1520, Lutero pensou que ele poderia ser um hussita, mas constatou que suas críticas à igreja de Roma eram mais profundas que as de Jan Hus. 

Temos os valdenses, herdeiros do pensamento de Pierre Valdo. Era um rico comerciante. Por volta de 1170, ele ouviu uma passagem da vida de São Alexis narrada por um trovador. Esse relato o levou ao desejo de seguir o Cristo pobre. Entregou sua propriedade à esposa e seguiu o ideal de pobreza apostólica. Começou a pregar nas ruas de Lyon sem a permissão das autoridades eclesiásticas. Ele e seus seguidores foram expulsos da cidade. Mais tarde, durante o Sínodo de Chanforan (1532), muitos deles aderiram à Reforma. Segundo historiadores protestantes dos séculos XVI e XVII, os valdenses surgiram com as primeiras comunidades cristãs, antes mesmo de Pierre Valdo. Graças a eles, as igrejas reformadas francesas puderam afirmar sua origem apostólica. 

E ainda os albigenses ou cátaros. Os albigenses nos séculos XI e XII se fizeram presentes no sul da França, no Languedoc, na Provença, e se localizaram principalmente nas cidades de Albi, de onde levaram o nome, Béziers, Carcassonne, Toulouse, Montauban, Avignon. Os albigenses deram a si mesmos o nome de cátaros, puros. Viviam uma vida simples, sem ostentação, longe dos vícios, tendo como modelo as primeiras comunidades cristãs. Inicialmente, os  reformados foram hostis a eles. Mas, na década de 1560, os católicos acusaram os protestantes de serem idênticos aos albigenses, e os protestantes adotaram esse ponto de vista por volta de 1562. Para eles, a perseguição aos albigenses tornou possível pensar melhor seu cristianismo protestante. Isso significou uma ligação direta entre albigenses e reformados.

Parte III

João Calvino foi inicialmente um humanista. Nunca foi ordenado sacerdote. Depois do seu afastamento da Igreja católica, este intelectual começou a ser visto como um representante importante do movimento protestante. Vítima das perseguições aos huguenotes na França, fugiu para Genebra em 1533 onde faleceu em 1564. Genebra tornou-se um centro do protestantismo europeu e João Calvino permanece desde então como uma figura central da história da cidade e da Suíça. Calvino publicou as Institutas da Religião Cristã, que são uma importante referência para o sistema de doutrinas adotado pelas Igrejas Reformadas. 

O protestantismo chegou na França através de teólogos e intelectuais franceses que levaram as ideias reformistas de Lutero e outros líderes protestantes ao país. O protestantismo ganhou popularidade rapidamente, em particular entre a intelectualidade e a burguesia urbana. Mas a Igreja Católica, que tinha muito poder político e econômico, levou a um conflito agudo conhecido como as Guerras das Religiões.

Além de Calvino, a França produziu grandes pensadores protestantes, como Michel de L'Hospital, que era um diplomata e que escreveu um livro, "Le Prince", que discutia como o poder deveria ser usado.

Pierre Viret, um teólogo e orador famoso que ajudou a apresentar a doutrina protestante no sul da França.

Guilhem de Castres, um bispo que se converteu ao protestantismo e tornou-se um líder importante da Reforma na França.

Parte IV

A Guerra das Religiões na França durou 36 anos, do ano de 1562 até o ano de 1598. Foram oito conflitos entre protestantes e católicos, que quando o rei Henrique IV, um protestante, converteu-se ao catolicismo em nome da paz. 

Os protestantes na França foram perseguidos durante a guerra, com muitos sendo expulsos do país ou executados. 

Mas, no final, a guerra resultou em uma certa tolerância religiosa, com os católicos e protestantes tendo que conviver em paz.

Os problemas com os huguenotes somente concluíram quando o rei Henry IV, um ex-huguenote, emitiu o Édito de Nantes, declarando tolerância religiosa e prometendo um reconhecimento oficial da minoria protestante, mas sob condições muito restritas. 

O catolicismo se manteve como religião oficial estatal e as fortunas dos protestantes franceses diminuíram gradualmente ao longo do século seguinte. 

O rei Louis XIV decretou o Édito de Fontainebleau, que revogou o Édito de Nantes e fez do catolicismo única religião legal na França. 

Algumas conclusões

Estima-se que três milhões de pessoas morreram durante a guerra, por violência, fome ou doença. Foi a segunda guerra religiosa mais mortífera da história da Europa, superada apenas pela Guerra dos Trinta Anos, que matou oito milhões de pessoas.

A guerra das religiões terminou com o edito de Nantes, 30 de abril de 1598, que estabeleceu uma dualidade confessional. Mas a esta altura, 200 mil huguenotes tinham sido mortos, outros tantos migraram e o restante se refugiou nas montanhas.

Calcula-se que no início da guerra havia cerca de 600 mil protestantes na França, numa população francesa de cerca de 10 milhões de pessoas.

O secularismo francês foi construído no século dezenove na reunião presencial entre católicos e republicanos. Esse corpus jurídico garante a liberdade de crer ou não e a separação entre comunidades ou organizações religiosas e o Estado. 

O catolicismo recebeu vantagens, financiamento público de seus locais de culto e em parte de seus estabelecimentos de ensino, sob certas condições. Mas também passou a enfrentar limitações, em particular de seus esforços evangelísticos e missionários dentro do país. 

Isso trouxe uma crise progressiva entre 1949 e 1954. Uma crise nos movimentos de jovens católicos entre 1956 e 1965, as consequências eclesiais da crise do maio de 1968, os debates em torno da encíclica Humanae Vitae, a dissidência fundamentalista, a renovação carismática, e a crise vocacional.

Uma pesquisa de 1995 calcula os protestantes em 1,5%, em parte devido  à expansão dos movimentos evangélicos. O historiador batista Sébastien Fath trabalha com estatísticas diferentes. Calcula cerca de 2,6 milhões de pessoas, sendo 750 mil evangélicos e 1 milhão e 850 mil, entre reformados e luteranos.

Já o catolicismo  representaria cerca de 10% da população. 

Ainda a partir de Sébastien Fath há na França 4 mil locais de culto protestantes, sendo 2.600 evangélicos e 1.400 reformados ou luteranos.

Mas como não há por parte do governo pesquisa sobre o número de fiéis das religiões presentes na França, as estatísticas apresentadas sempre variam.