mardi 18 janvier 2011

O diálogo das origens

Então Iavé Eloim modelou o homem com a argila do solo, insuflou em suas narinas um hálito de vida e o homem se tornou um ser vivente. (Gênesis 2.7).

O texto nos leva a uma concepção de exterior versus interior [1], que tem por base Deuteronômio 32.9, quando afirma que uma parte do Eterno faz o seu povo. Mobiliza assim em diferentes níveis essa força criadora, que constitui uma parte do Eterno.

A matéria-prima utilizada pelo Eterno na modelagem humana é ordinária, enquanto material pertencente a ordem comum de ló nefesh: inanimados e animais. É o sopro do Eterno que faz especial essa matéria ordinária. Mas será que estamos somente diante de um símbolo ou, de fato, a força criadora do Eterno transmite à matéria ordinária não somente vida, mas transfere intensidade e profundidade? De certa maneira, não é absurdo dizer que os seres celestiais são criaturas integralmente espirituais. Sua existência procede do exterior da força criadora do Eterno. A exteriorização traduz-se no fato de que a força criadora se dá através da palavra, da palavra criadora do Eterno.

Mas o sopro procede do interior do Eterno e por isso é conhecido como ein soph, que vem de dentro. Ele soprou deve ser entendido como continuidade da afirmação anterior “façamos o homem” (Gn 1.26), de maneira que o sopro liga céu e terra, o que está acima e o que está abaixo. Por isso, dizemos que a natureza humana é superior à natureza angélica, porque brota de dentro da eternidade. Traduz ação mediadora e conjuntiva da força criadora. Donde, a natureza humana procede de atributos eternos não ostensivos, discretos, que se traduzem em integridade, pluralidade, sabedoria e compreensão.

E nefesh entende-se enquanto natureza que se torna compreensível e inteligível. É transbordamento e transparência da eternidade, que indica transbordamento e transparência no humano, daquilo que relaciona o que está em cima com o que está em baixo.

Mas essa natureza também vai se constituir enquanto expansão dos significados da revelação, em amor e graça. Na expressão nefesh as coisas do intelecto e do coração expressam-se através dos órgãos da fala, em especial, garganta e boca [2], que possibilitam o sopro. Esse padrão simboliza a interioridade da natureza humana. Portanto, para que o humano possa dar intensidade e profundidade a sua inteligência precisa de amor e graça, que nascem da interioridade do Eterno. Em Gn 2.7, vemos que aquele que soprou o fez numa determinada direção e com objetivo definido. Aqui, direção e objetivo traduzem destino.


Notas
[1] Raphaël Draï, La Pensée Juive et L’Interrogation Divine, Exégese et Épistémologie, Paris, Presses Universitaires de France, 1996, p. 414.
[2] Nefesh como substantivo ganhou vários sentidos, sendo garganta um deles, e assim é usado em Provérbios 23.2. “E põe uma faca à tua garganta, se fores um homem de grande apetite” (cf. Is 5:.4 e Hc 2.5). A garganta ou goela, é por onde entra e sai a respiração, o ar. O ser humano, então, ganhou a designação nefesh, ser que respira. No humano refere-se também à forma que o espírito e a inteligência, sem forma em si, assumiram ao animar o corpo. 

Referências bibliográficas
Draï, Raphaël, La Pensée Juive et L’Interrogation Divine, Exégèse et Épistémologie, Paris, Presses Universitaires de France, 1996.
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