lundi 23 janvier 2017

O delírio bashert

O DELÍRIO BASHERT

Jorge Pinheiro, PhD

A propósito de introdução 

Em iídiche temos a palavra bashert (באַשערטque significa destino. Ela é usada para um cônjuge escolhido por Deus. É a basherte, feminino, ou o basherter, masculino. Também pode ser usada para expressar o destino aparente, como uma profunda amizade, ou o destino de um acontecimento. No uso moderno, pessoas solteiras dizem que estão procurando seu bashert, ou seja, a alma gêmea que irá complementá-las. 


Mas aqui vou construir um segundo conceito para bashert, como o da pessoa que se considera destinada no sentido religioso fundamentalista. Que tenta enfiar suas crenças goela abaixo das pessoas que se aproximam delas. É pró-ativa e numa conversa, ao ver que está perdendo terreno, se torna agressiva e até mesmo violenta.

É interessante notar que a idéia de progresso, na Modernidade, considerava que a realidade social devia estar em permanente desenvolvimento. Tudo tinha que progredir, tinha que gerar novidade. E se não fosse assim, seria ultrapassada pela voracidade da mudança. Embora parte dessa visão tenha sido diluída na pós-modernidade, em relação à religião, gentes ainda agem assim. Ou seja, esquece-se de que a fé é profundidade do ser e, como se diria faz um certo tempo, troca o motorneiro pelo ilustre passageiro.

Creio que as bases que possibilitam a postura esta bashert são a perversão da compreensão da fé e a aceitação sem críticas de idéias e lideranças religiosas. 

1. O falso encantamento

A postura bashert, conforme denominamos neste contexto, presente em instituições que fomentam o confronto religioso, geralmente prosperam a partir do encantamento, da soberba intelectual e da subversão da razão.

Quando falamos em encantamento não estamos falando de um mundo mágico, mas nos referimos a pessoas que desejam se esconder delas próprias. É o encantamento da pessoalidade real e a tentativa de construção de uma identidade ahistórica e irreal. Ora, o encantamento da pessoalidade está intimamente ligado à culpa, ao medo e subversão da razão, e se traduz na vivência de um mundo de aparências, virtual. E para que a construção de pessoalidades mascaradas tenha sucesso, os recursos de marketing, mídia e propaganda são essenciais. Mas não podemos esquecer a soberba. 

No caso protestante, o bashert considera a mensagem do evangelho simples demais. A justificação através do sacrifício expiatório de Jesus é coisa pouca. Um bashert protestante, auto-suficiente, não aceita sua miserabilidade, não necessita sentar-se aos pés do Cristo e aprender com ele.

É característica típica de um bashert protestante reivindicar alguma nova descoberta ou revelação. Mesmo quando declara que aceita os ensinamentos das Escrituras, quase sempre dilui essa afirmação em alguma revelação nova, que cancela o ensino das Escrituras. Com isso, diz que elas são apenas uma parcela da revelação de Deus e, que, em materia de doutrina e fe, o Cristo continua a falar à parte das Escrituras.

As Escrituras do Novo Testamento ensinam que a liberdade é outorgada como resultado da fé em Jesus Cristo. Podemos citar Rm 5:1, 3:23-25, 4:4-5, Gl 2:16, Ef 2:8-9 entre os muitos textos neotestamentários sobre esta questão. Bashert não pensa assim: troca a justificação pela salvação por associação e pela salvação através de obras. No primeiro caso, está salvo quem está ligado a determinado líder ou instituicao bashert. No segundo caso, o que a pessoa faz é o que conta. O que pode ser traduzido em horas passadas em trabalhos, doação de dinheiro, penitências, recitação de cânticos. Através da associação coercitiva e de um número de obrigações, pessoas deixam-se escravizar.

2. O buraco negro do futuro

Outra característica bashert é a incerteza da salvação. Interessados que estão no dinheiro, realização pessoal e poder, bashert usa como arma a incerteza sobre a salvação. Lança por terra a promessa bíblica e fundamental, que encontramos em I Pe 1:3-6, Ef 1:13, Hb 6:19, II Tm 1:12, II Co 5:1, Fp 1:23, Fp 3: 20-21, Cl 1:13, Cl 3:4, I Ts 4:17, entre outros textos. O futuro é um buraco negro para o bashert. 

Um líder bashert geralmente se apresenta como possuidor de alguma natureza divina, que deve inspirar a adoração de seus seguidores. E mesmo quando se mostra humilde, gasta rios de dinheiro em promoção pessoal, a fim de fazer seu nome brilhar diante dos olhos de seus seguidores. É muito comum ver um líder que se apresentar como detentor de dons especiais de oração, cura e milagres. Nega a doutrina do sacerdócio universal dos crentes e se coloca como mediador entre Deus e as pessoas (I Tm 2:5, Hb 4:14-16, Hb 10: 19-22).

Uma característica comum ao bashert é a mudança doutrinária. Suas doutrinas não param de sofrer alterações, a fim de adaptarem-se às novas situações, ou a novos argumentos. Essa aparente falta de consistência doutrinária é um recurso. O líder bashert ao recorrer a constantes mutações doutrinárias está, de fato, procurando colocar de lado a racionalidade, a lógica e a inteligência das pessoas, apelando a sentimentos e emoções religiosas vazias. A intenção é confundir e não esclarecer. Assim, a tendência bashert é o afastamento da verdade vivida nas Escrituras Sagradas.

No início da era cristã, a partir do segundo século, a igreja enfrentou o gnosticismo, que negava a humanidade de Cristo. E logo depois, o arianismo, que negava a divindade de Jesus. Em ambos os casos, apresentavam uma Cristologia defeituosa. Hoje, o bashert repete os erros do passado. 

Outro erro bashert comum é tomar um aspecto da fé cristã e colocá-lo como destaque em relação ao conjunto do cristianismo. Podem ser usos e costumes --véus, vestidos longos para as mulheres e ternos escuros para os homens --, que passam a definir a comunhão entre os irmãos, ou qualquer outro tipo de excentricidade teológica -- dom de línguas extáticas, dom de profecia.

Bashert, quase sempre, reduz seus seguidores a alguma forma de escravidão psicológica. O medo é a sua matéria-prima. Assim, ao invés de promover a liberdade cristã (Jo 8:36, II Co 3:17, Rm 14:5, I Co 7:23, Gl 5:1), cria um partido fundamentalista. E faz uma leitura particular da fidelidade cristã. Riqueza e bens passam a pertencer à igreja enquanto instituição de um líder ou grupo de líderes. Visa a formação de patrimônio no mundo da comunicação de massas, comercial e financeiro. Inescrupulosamente, vende privilégios, curas, dons ou poderes para seus seguidores. Muitas vezes, pressiona os fiéis até a exaustão econômica, levando famílias inteiras ao empobrecimento.

Quando um basher considera-se ungido, inevitavelmente, se levanta contra o restante da comunidade cristã, acusando todos os demais de falsos pastores. Isso gera violentos choques entre lideranças e igrejas. Este líder bashert, por ser sectário, nega de fato o papel do Cristo como o caminho da salvação e de cada cristão como crente e sacerdote, que se relaciona com Deus unicamente através da mediação de Jesus.

Um dos recursos favoritos do bashert é aglutinar numa miscelânea teológica doutrinas religiosas diferentes e antagônicas. Muitas vezes, tem uma piedosa aparência cristã e fala das coisas que conhecemos. Outras vezes, traz para o evangelho modismos sociológicos e políticos, colocando um sinal de igual entre o que o Evangelho é, a boa nova da salvação pela fé na expiação vicária de Cristo, e o que ele implica em termos sociais.

A maneira de conclusão

Diante da expansão bashert temos uma responsabilidade crescente. É preciso conhecer a fé cristã. O cristão deve ser preparado para viver a sua fé, e as igrejas devem ensinar que os cristãos não podem soltar-se pela vida, na onda da euforia existencial. Somos chamados à teologia da vida simples (I Pe 5:8).

Não podemos fugir à responsabilidade de defender a fé. E fazemos isso vivendo o testemunho dela. Reconhecemos as bases e fundamentos daquilo que professamos e a proclamação nasce deste viver, e não de um postura bashert. É assim que apresentamos ao mundo o legado que nos foi entregue por Jesus de Nazaré.