mercredi 27 mai 2009

Jürgen Moltmann, artigo

Com Jesus, da história da morte à história da vida eterna. Jürgen Moltmann

Em artigo para o jornal Avvenire, 24-05-2009, o teólogo alemão Jürgen Moltmann, considerado um dos maiores pensadores cristãos vivos, aborda a relação entre os estudiosos do Novo Testamento e os teólogos. Segundo ele, a base de leitura é o mesmo livro: o Novo Testamento. "Certamente, lemo-lo com olhos diferentes e com interesses diferentes, mas trata-se das mesmas palavras e ideias, é a mesma mensagem que nós lemos", afirma. "O que, portanto, dizem os estudiosos do Novo Testamento aos teólogos, e o que dizem os teólogos a quem estuda o Novo Testamento, na leitura comum da Escritura?". A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o artigo.

A relação entre os estudiosos do Novo Testamento e os teólogos, e vice-versa, nem sempre foi das melhores, porque os primeiros devem conduzir uma pesquisa crítica, e os segundo devem dar formulação à certeza da fé. A exegese do Novo Testamento é marcada pela tendência moderna a ceder ao historicismo, enquanto a teologia é marcada por aquela que pode ser compreendida como filosofia cristã da religião, e, desse modo, ambas se afastam muito uma da outra, para não interferir e não se perturbar reciprocamente.
Mas há também as referências àquilo que nos é comum. A base da nossa leitura é o mesmo livro: o Novo Testamento, no contexto do cânone bíblico. Certamente, lemo-lo com olhos diferentes e com interesses diferentes, mas trata-se das mesmas palavras e ideias, é a mesma mensagem que nós lemos.
O que, portanto, dizem os estudiosos do Novo Testamento aos teólogos, e o que dizem os teólogos a quem estuda o Novo Testamento, na leitura comum da Escritura? A resposta é ao mesmo tempo simples e difícil, exatamente como ocorre no encontro do apóstolo Filipe com o "funcionário etíope de Candace". Este, na sua carruagem, lia o profeta Isaías e, exatamente no momento em que estava lendo o capítulo 53 chegou a "Gaza, que é deserta" (como hoje). Filipe para o carro e interpela o leitor da Bíblia com a pergunta hermenêutica: "Entendes o que estás lendo?", e "partindo dessa passagem da Escritura, anunciou-lhe (o Evangelho de) Jesus" (At 8, 35). Compreendemos aquilo que lemos e aferramos bem aquilo que sabemos?
Essa é a pergunta comum a exegetas do Novo Testamento e a teólogos, e se essa é a pergunta teológica que se volta aos exegetas do Novo Testamento, que conhecem os seus textos do ponto de vista da crítica textual e do ponto de vista histórico, isso, porém, pressupõe para os teólogos que eles também leiam o Novo Testamento com a ajuda dos exegetas. Portanto, a pergunta hermenêutica se volta a nós: "O que tu queres compreender, tu o lês também?".
Feliz é o exegeta do Novo Testamento que sabe unir em si ambas as coisas, como Charles Moule soube fazer. Infeliz o teólogo que não sabe fazer isso. Mas como é possível unir as duas coisas, para responder à pergunta hermenêutica de modo confiável? [...]
Se queremos compreender os textos do Novo Testamento, no sentido dos seus autores, é preciso entrar em relação com a sua mensagem cristã, a mensagem que eles pretendem comunicar. Eu devo compreender o que eles querem anunciar, relatar ou descrever como Evangelho de Jesus Cristo. Isso não significa que eu deva estar de acordo ou que só os cristãos podem compreender hoje os cristãos de então. Também não devo ser necessariamente um crente para poder estudar teologia. Mas a exegese católica de textos neotestamentários lê os textos ao pé da letra e procura aferrar o seu conteúdo.
Nesse sentido, o contexto, o kairós e a comunidade de origem desses textos desempenham um papel importante, ao qual é preciso sempre prestar atenção. Mas os textos não têm apenas esses ambientes de referência, mas sim o seu conteúdo específico, tanto que devemos considerar as suas afirmações também segundo o que é dito. Uma pesquisa teológica sobre a teologia do apóstolo Paulo na Carta aos Romanos, no seu tempo e na sua situação, é apenas um lado da exegese teológica. Por outro lado, coloca-se a pergunta sobre o que essa mensagem teológica pode significar para nós hoje. Aqui se levanta a ponte hermenêutica "from what meant to what it means" (do que significava para o que significa) e aqui inicia o trabalho do teólogo. Ele deve ler a Carta de Paulo aos Romanos como se ela não fosse escrita apenas aos cristãos da Roma de então, mas também a eles, leitores, e aos seus contemporâneos de hoje. O teólogo pode, então, prescindir do trabalho teológico do exegeta do Novo Testamento e fazer surgir, como que por encanto, a sua própria exegese?
Tomemos Karl Barth como exemplo. O seu livro "Carta aos Romanos" (Fonte Editorial, 2002), que foi publicado em 1922, deu vida à nova teologia dialética e foi, para muitos, a obra teológica mais importante da primeira metade do século XX. O prefácio inicia com as frases: "Paulo falou aos seus contemporâneos como um filho do seu tempo. Mas muito mais importante do que essa verdade é esta outra: que ele fala, como profeta e apóstolo do Reino de Deus, a todos os homens de todos os tempos". [...] Toda a minha atenção esteve voltada para o fato de penetrar com o olhar no aspecto histórico segundo o espírito da Bíblia, que é o Espírito eterno". É preciso confrontar isso com o texto e com aquilo que se encontra nele até que o muro entre o primeiro século e o nosso se torne transparente, até que Paulo fale lá, e o homem escute aqui. [...] A questão hermenêutica é a questão do 'como': como devo compreendê-lo? A hermenêutica não dá respostas à questão do "por que": por que devo compreendê-lo? Ela pressupõe a resposta positiva.
"Por isso: por que fazemos esse esforço? Talvez porque o Novo Testamento é o documento fundador da tradição cristã e caracterizou a história da nossa cultura europeia? Porém, para isso, bastariam a pesquisa históricas sobre os documentos e a sua história dos efeitos no cristianismo. Talvez porque o Novo Testamento deve ser lido, explicado e pregado em toda liturgia da Igreja? Isto é verdade: o Novo Testamento não tem o seu 'Sitz im Leben' apenas na terra da Judeia de dois mil anos atrás, mas também nos altares e nos púlpitos das igrejas e nas mãos dos leitores de hoje. A palavra que suscita a fé, que motiva o amor e encoraja à esperança torna Cristo presente. Para compreender essa palavra, a exegese teológica e uma correspondente teologia eclesial do presente são necessárias. Mas tudo isso é suficiente? Agora, eu falo como teólogo: a ponte hermenêutica, que leva do Jesus histórico e do seu Evangelho a nós hoje, é a ponte sobre o rio Esquecimento. Ela é também a ponte sobre o rio daquilo que passa, porque, no fundo, é, em primeiro lugar e em definitivo, o rio do Jesus histórico ao Cristo presente. É a ponte da ressurreição, colocada sobre o abismo da morte. Só na força da sua ressuscitação da morte de cruz no ano 33, por obra de Deus, Jesus está hoje presente.
"Se partimos da presença do Ressuscitado, então recordamos a vida, a obra e a morte de Jesus como 'a história de um vivente', justamente como os evangelistas relataram a sua vida e a paixão à luz da sua ressurreição. A ponte hermenêutica tem o seu fundamento nessa mudança indedutível e inesperada da morte à vida, que nós reconhecemos como ocorrida em Jesus Cristo: o seu fim temporal se tornou o seu início eterno. Sobre a ponte hermenêutica, percebemos a história da morte de Jesus Cristo na luz do futuro da vida.
"Olhemos para trás para o futuro passado de Cristo e vivamos no presente daquele que virá. Na história de morte dos historiadores, Jesus se torna 'histórico' e permanece estranho a nós. Na história de futuro da vida eterna, nós o compreendemos e até acendemos a chama da esperança sobre os cemitérios da história, porque Jesus não só ressuscitou da sua morte de cruz, mas ressuscitou 'dos mortos', também como o primogênito daqueles que adormeceram e como o autor da verdadeira vida.
"Desse modo, alcança-se o horizonte universal de que nos fala o Novo Testamento. No Cristo da Igreja há mais do que a Igreja: trata-se da vinda de Deus e do futuro do novo mundo da vida, que supera a morte. Compreendemos o que lemos? Quando Lemos o Novo Testamento e temos profunda inteligência dele, nos aproximamos de recordações surpreendentes e da luz ofuscante de uma grande esperança. Portanto, Filipe provavelmente tinha razão, quando, 'começando dessa passagem da Escritura, anunciou o Evangelho de Jesus'".

Fonte
Instituto Humanitas Unisinos