mercredi 12 décembre 2012

Lições de existência

Por Jorge Pinheiro, de São Paulo


As pessoas são tocadas pelo amor. Nada sensibiliza mais o ser humano. O livro "Cantares de Salomão" compara a força do amor à força da morte, já que são dois estados definitivos. Caso você já tenha estado apaixonado ou apaixonada sabe como é.


No domingo de manhã (16/01/2011) fiz um sermão na igreja onde sou pastor, que chamei de Lições de amor. Foi um gesto de gratidão ao Eterno, um jeito de dizer eu te amo. Na introdução do sermão, lembrei um filme de 2001, Uma lição de amor, que conta a história de um pai com deficiência mental e uma filha, de sete anos, que começa a ultrapassá-lo intelectualmente. No filme, a assistente social quer levar a menina para um orfanato, alegando que ele não tem condições de criar a filha. Aí, então, parei a história e levei a congregação a ler dois textos, um de Cantares (8.6), que diz ser o amor mais forte que a morte, e outro também belíssimo, de um profeta mal compreendido e meio abandonado, Oséias (2.14-23).

Na segunda-feira, o sermão ainda permanecia na minha cabeça. E eu fiz uma ponte entre ele – as lições de amor do Eterno – e minha paixão por Ele. Tinha iniciado um texto, que pretendia transformar em prefácio do livro de um amigo, a ser lançado em breve. Nesse prefácio discorreria sobre as minhas provas da existência do Eterno, que divido em três: o “Noturno Opus 9, no. 2” de Chopin, a roda e a raiz quadrada de menos 1. Talvez, você leitor esteja achando que sou louco, o que não é mentira, mas se tiver curiosidade e paciência, vai entender o caminho que trilhei. Embora não saiba se isso vai lhe servir para alguma coisa. O que também não importa nesse momento. Enfim, as lições de amor e as minhas provas da existência do Eterno se correlacionaram, eu diria, docemente, e culminaram num texto teológico sobre a teoria da existência.

Eternidade e amor estão entrelaçados, e eu vejo isso quando sou obrigado a pensar uma teoria da existência. E, metodologicamente, como teólogo, a primeira coisa que devo me perguntar é se uma coisa existe ou não existe. E isso significa trabalhar com variáveis: uma coisa existe; uma coisa não existe; uma coisa não existe, mas já existiu, deixou de existir e não existe mais, porém poderia existir.

Devo pensar também, e essa questão é um pouco mais complexa, que a existência existe. E ainda que eu diga que existência é espaço/tempo, como não temos espaço apenas, ou tempo apenas, a existência existe, é um em-si. Não dá para dizer que a existência não existe, ela é realidade no cosmo, produz diferença no mundo. Caso não existisse a existência, então, nada existiria.

Mas, outra questão deve ser colocada: se posso falar numa teoria da existência, preciso entender que posso apreendê-la enquanto atos de conhecimento. E ato de conhecimento é uma ação consciente sobre algo que existe ou uma realidade. Por isso, os atos de conhecimento nos remetem a pessoas que são conscientes e podem conhecer a existência através de seus processos e modos.

As pessoas são tocadas pelo amor. Nada sensibiliza mais o ser humano do que o amor. Por isso, Cantares compara a força do amor à força da morte, já que são dois estados definitivos. Caso você já tenha estado apaixonado ou apaixonada sabe como é. E Oséias contou que o Eterno disse (2.14-18): “Vou seduzir a minha amada e levá-la de novo para o deserto, onde lhe falarei do meu amor. Ali, eu devolverei a ela as suas plantações de uvas e transformarei o vale da Desgraça em porta de esperança. Então ela falará comigo como fazia no tempo em que era moça, quando saiu do Egito. Mais uma vez ela me chamará de “meu marido”, em vez de me chamar “meu senhor” (meu baal). Nunca mais deixarei que ela diga o nome baal, nunca mais ela falará desse deus. Sou eu o Senhor quem está falando. Naquele dia, farei a favor dela uma aliança com os animais selvagens, com as aves, com as cobras, para que não ataquem a minha amada. Quebrarei as armas de guerra, os arcos e as espadas. Não haverá mais guerra e o meu povo viverá em paz e segurança. Israel, eu casarei com você, e para sempre você será minha legítima esposa. Eu tratarei você com amor e carinho, e serei um marido fiel. Então, você se dedicará a mim, o Senhor. Naquele dia, serei o Deus que atende: atenderei o pedido dos céus, os céus atenderão o pedido da terra, dando-lhe chuvas. E a terra responderá produzindo trigo, uvas e azeitonas. Assim, eu atenderei as orações do meu povo de Israel. Plantarei o meu povo na Terra Prometida para que eles sejam a minha própria plantação. E eu amarei aquela que se chama Não-Amada, e para aquele que se chama Não-Meu-Povo eu direi: “Você é meu povo” e ele responderá: “Tu és meu Deus”.

Agora, com calma, vamos desconstruir o texto de Oséias e relacioná-lo com a teoria da existência.

Deslumbrar, fascinar – Um desafio da existência

“Vou seduzir a minha amada e levá-la de novo para o deserto, onde lhe falarei do meu amor”, disse o Eterno. A travessia do deserto foi para os hebreus um tempo de intimidade com a eternidade, uma porta de esperança, diferente do vale da desgraça, onde o soldado Acã foi condenado à morte por traição. (Josué 7.24-26).

Assim, nessa correlação entre eternidade e amor, vou começar a discutir a existência a partir dos noturnos de Frederico Francisco Chopin. Esses noturnos eram cantos livres, que traduziam as experiências pessoais de Chopin e expressavam sua espiritualidade. Diria que os noturnos de Chopin são o deserto do profeta Oséias, espaço/tempo de intimidade com a eternidade.

Particularmente, sou apaixonado pelo Noturno Opus 9 no. 2, que tem a propriedade de ser uma obra de criação e pertença de um humano sensível. É peculiar, diria inédita e exclusiva. E ao dizer essas coisas, afirmo não apenas que existe, mas sou obrigado a falar de sua natureza, de sua essência. Ou seja, saber que o Noturno Opus 9 no. 2 de Chopin existe, significa dizer que não existem outros Noturnos Opus 9 no. 2. Só existe esse.

Baal, îche – Um segundo desafio da existência

Mas no sermão Lições de amor voltei a Oséias: “Ela me chamará de meu marido”, disse o Eterno. E Isaías (54:4-5), que também citei, conta que o Eterno disse: “Não temas, porque não serás envergonhada; não te envergonhes, porque não sofrerás humilhação; pois te esquecerás da vergonha da tua mocidade e não mais te lembrarás do opróbrio da tua viuvez. Porque o teu Criador é o teu marido; o Senhor dos Exércitos é o seu nome; e o Santo de Israel é o teu Redentor; ele é chamado o Deus de toda a terra”.

E mais uma vez a correlação entre amor e eternidade me remeteu a outro processo da existência, que vou analisar a partir de uma das mais simples máquinas que construímos: a roda. Todos conhecemos as suas aplicações e sabemos que crescem a cada dia: vão do uso nos transportes à utilização nas mais diferentes máquinas mecânicas. Mas é simples: caracteriza-se pelo movimento de rotação em seu interior. Em mecânica diz-se que o seu fato mais importante é determinado pela a transmissão de força, velocidade e distância, que se dá pela a relação entre o diâmetro da borda da roda e o diâmetro do eixo.

Ora, a roda nos remete ao trocadilho que Oséias fez com a palavra baal, que era o deus da fertilidade dos cananeus, mas cuja palavra significava também senhor e marido. Oséias não quer que sua amada o chame de baal, mas de îche, homem, que por extensão poderia significar também marido e herói.

Esse exemplo, o da roda, nos ajuda a entender a questão da existência, que não é uma propriedade que pertence, mas é o pertencimento a uma propriedade. Pense na roda, no conceito roda e em todas que existem ou podem existir. A existência da roda consiste em participar de relações de predicados. Assim, a existência da roda significa que pertence a propriedades ou é parte de propriedades. Nesse sentido, a existência é sempre participação na relação de predicados. Como baal ou îche.

Celebrar a imagem que transcende – O terceiro desafio da existência

“E para sempre você será minha legítima esposa”, disse o Eterno sobre sua amada. Oséias utiliza esse recurso para falar de uma aliança que transcende os predicados definidos pela existência.

Ou como o eterno disse ao profeta Jeremias (31.33-34): “Quando esse tempo chegar, farei com o povo de Israel esta aliança: eu porei a minha lei na mente deles e no coração deles a escreverei; eu serei o Deus deles, e eles serão o meu povo. Sou eu, o Senhor, quem está falando. 34 Ninguém vai precisar ensinar o seu patrício nem o seu parente, dizendo: “Procure conhecer a Deus, o Senhor.” Porque todos me conhecerão, tanto as pessoas mais importantes como as mais humildes. Pois eu perdoarei os seus pecados e nunca mais lembrarei das suas maldades. Eu, o Senhor, estou falando”.

Aqui entra o meu terceiro exemplo dessa correlação entre eternidade e amor e os desafios de uma teoria da existência: a raiz quadrada de menos 1 (-1). Como vimos, as coisas que existem tem suas propriedades. Quando alguma coisa não tem condições de ter existência comprovada ou não tem pertença/predicados, ela fica fora das leis fundamentais da lógica e da existência dos atos de conhecimento. Por isso, em matemática falamos em unidade imaginária i, enquanto solução da equação quadrática: x2+1=0, da qual decorre x2=−1.

Ou, dessa séria questão existencial x=-1, onde a unidade imaginária é i=-1. Dentro da lógica matemática não posso dizer que este número exista, ele é imaginário porque é um recurso da minha imaginação, pois não há número real cujo quadrado seja negativo. É isso é um fato. Imagina-se, então, que haja números especiais, dotados de propriedades que satisfaçam essa exigência da imaginação. E assim a matemática criou uma classe de números: os imaginários, que não são reais.

E no final do sermão voltei ao filme. O que os amigos do pai deficiente mental entendiam, e a assistente social não, era que havia entre o pai e a filha uma aliança maior, que transcendia em muito suas deficiências intelectuais, uma aliança de amor.

Dessa maneira, nessa correlação tresloucada entre amor e eternidade digo que uma teoria da existência parte de três fundamentos: (1) diferença entre existir e não existir, e que essa diferença não é um atributo, não é uma propriedade; (2) a existência não faz parte da essência de cada coisa, mas cada coisa, todas as coisas mostram diferenças entre essência/natureza e existência; (3) a mente transcende, produz representações que agregam conhecimento e constroem sentido para a existência.

Por isso, na correlação eternidade/amor, a existência deslumbra e fascina; é baal e îche; transcende e cria a imagem que alucina. Quod erat demonstrandum.

22/1/2011

Fonte: ViaPolítica/O autor