A Reforma protestante e a França
Jorge Pinheiro, PhD
A Reforma protestante começou no século XVI, em meio a diversas revoltas em relação à Igreja Católica. Os reformistas (ou protestantes) acreditavam que a Igreja estava mais preocupada com poder e dinheiro do que com a salvação das pessoas, e que precisava ser reformada. No início do século XVI, o monge alemão Martinho Lutero, abraçando as idéias dos pré-reformadores, proferiu três sermões contra as indulgências em 1516 e 1517. A 31 de outubro de 1517 foram pregadas as 95 Teses na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg, com um convite aberto ao debate sobre elas. Esse fato é considerado como o início da Reforma Protestante. Lutero foi uma das figuras-chave dessa reforma. Ele criou o que é conhecido como as "95 Teses", que criticava os abusos da Igreja Católica, e pôs o mundo religioso em polvorosa.
Essas teses condenavam a "avareza e o paganismo" na Igreja, e pediam um debate teológico sobre o que as indulgências significavam. As 95 Teses foram logo traduzidas para o alemão e amplamente copiadas e impressas. Após um mês se haviam espalhado por toda a Europa.
As 95 Teses de Lutero formaram um manifesto. Ele disse que:
A redenção é um presente de Deus, não algo que se pode comprar. Os papas não são autoridades acima da Escritura. Todos os cristãos deveriam ter acesso à Bíblia, não apenas os padres. A fé, não boas obras, salva uma pessoa.
E também que :
As pessoas são perdoadas através da graça de Deus, não através das obras que fazem. Os clérigos devem ser pobres, simples e humildes. A igreja deve ser pura e abrir os seus tesouros para ajudar os pobres. Não há necessidade de santos intermediários, porque todos os cristãos têm acesso direto a Deus através de Jesus.
Assim, os cinco "solas" de Lutero se tornaram fundamentais para o protestantismo:
Sola scriptura (A Bíblia é a única autoridade divina). Sola fide (A salvação se dá por meio da fé). Sola gratia (A salvação é gratuita, não é possível ganhar). Solus Christus (Jesus Cristo é o único salvador). Soli Deo gloria (Toda glória pertence a Deus)
As lutas de Lutero com o catolicismo
Após diversos acontecimentos, em junho de 1518 foi aberto um processo por parte da Igreja Romana contra Lutero, a partir da publicação das suas 95 Teses. Alegava-se, com o exame do processo, que ele incorria em heresia. Depois disso, em agosto de 1518, o processo foi alterado para heresia notória. Finalmente, em junho de 1520 reapareceu a ameaça no escrito "Exsurge Domini" e, em janeiro de 1521, a bula "Decet Romanum Pontificem" excomungou Lutero. Devido a esses acontecimentos, Lutero foi exilado no Castelo de Wartburg, em Eisenach, onde permaneceu por cerca de um ano. Durante esse período de retiro forçado, Lutero trabalhou na sua tradução da Bíblia para o alemão, da qual foi impresso o Novo Testamento, em setembro de 1522.
Enquanto isso, em meio ao clero saxônio, aconteceram renúncias ao voto de castidade, ao mesmo tempo em que outros tantos atacavam os votos monásticos. Entre outras coisas, muitos realizaram a troca das formas de adoração e terminaram com as missas, assim como a eliminação das imagens nas igrejas e a ab-rogação do celibato. Ao mesmo tempo em que Lutero escrevia “a todos os cristãos para que se resguardem da insurreição e rebelião”. Seu casamento com a ex-freira cisterciense Catarina von Bora incentivou o casamento de outros padres e freiras que haviam adotado a Reforma. Com estes e outros atos consumou-se o rompimento definitivo com a Igreja Romana. Em janeiro de 1521 foi realizada a Dieta de Worms, que teve um papel importante na Reforma, pois nela Lutero foi convocado para desmentir as suas teses, no entanto ele defendeu-as e pediu a reforma.
Toda essa rebelião ideológica resultou também em rebeliões armadas, com destaque para a Guerra dos camponeses (1524-1525). Esta guerra foi, de muitas maneiras, uma resposta aos discursos de Lutero e de outros reformadores. Revoltas de camponeses já tinham existido em pequena escala em Flandres (1321-1323), na França (1358), na Inglaterra (1381-1388), durante as guerras hussitas do século XV, e muitas outras até o século XVIII. Mas muitos camponeses julgaram que os ataques verbais de Lutero à Igreja e sua hierarquia significavam que os reformadores iriam igualmente apoiar um ataque armado à hierarquia social. Porém não foi assim: Lutero condenou essa revolta armada.
Em 1530 foi apresentada na Dieta imperial convocada pelo Imperador Carlos V, realizada em abril desse ano, a Confissão de Augsburgo, escrita por Felipe Melanchton com o apoio da Liga de Esmalcalda. Os representantes católicos na Dieta resolveram preparar uma refutação ao documento luterano em agosto, a Confutatio Pontificia (Confutação), que foi lida na Dieta. O Imperador exigiu que os luteranos admitissem que sua Confissão havia sido refutada. A reação luterana surgiu na forma da Apologia da Confissão de Augsburgo, que estava pronta para ser apresentada em setembro do mesmo ano, mas foi rejeitada pelo Imperador. A Apologia foi publicada por Felipe Melanchton no fim de maio de 1531, tornando-se confissão de fé oficial quando foi assinada, juntamente com a Confissão de Augsburgo, em Esmalcalda, em 1537.
Ao mesmo tempo em que ocorria uma reforma em um sentido determinado, alguns grupos protestantes realizaram a chamada Reforma Radical. Queriam uma reforma mais profunda. Foram parte importante dessa reforma radical os Anabatistas, cujas principais características eram a defesa da total separação entre igreja e estado e o "novo batismo" (que em grego é anabaptizo).
Enquanto na Alemanha a reforma era liderada por Lutero, na França a Reforma teve como líder João Calvino.
Um reformador francês
João Calvino foi inicialmente um humanista. Nunca foi ordenado sacerdote. Depois do seu afastamento da Igreja católica, este intelectual começou a ser visto como um representante importante do movimento protestante. Vítima das perseguições aos huguenotes na França, fugiu para Genebra em 1533 onde faleceu em 1564. Genebra tornou-se um centro do protestantismo europeu e João Calvino permanece desde então como uma figura central da história da cidade e da Suíça. Calvino publicou as Institutas da Religião Cristã, que são uma importante referência para o sistema de doutrinas adotado pelas Igrejas Reformadas.
O protestantismo chegou na França através de teólogos e intelectuais franceses que levaram as ideias reformistas de Lutero e outros líderes protestantes ao país. O protestantismo ganhou popularidade rapidamente, em particular entre a classe intelectual e a burguesia urbana. Mas a adaptação da Igreja Católica, que tinha muito poder político e econômico, levou a um conflito agudo conhecido como as Guerras das Religiões.
Além de Calvino, a França produziu grandes pensadores protestantes, como: Michel de L'Hospital, que era um diplomata e escritor e escreveu um livro famoso chamado "Le Prince", que discutia como o poder deveria ser usado. Pierre Viret, um teólogo e orador famoso que ajudou a espalhar a doutrina protestante pelo sul da França. Guilhem de Castres, um bispo que se converteu ao protestantismo e tornou-se um líder importante na Renovação francesa.
A guerra das religiões
A Guerra das Religiões na França durou 36 anos, do ano de 1562 até o ano de 1598. Foi uma série de oito conflitos entre facções protestantes e católicas na França que acabou com o Rei Henrique IV, um protestante, converter-se ao catolicismo em nome da paz. Os protestantes na França foram perseguidos durante a guerra, com muitos sendo expulsos do país ou sendo executados. Mas, no final, a guerra resultou em uma certa tolerância religiosa, com os católicos e protestantes tendo que conviver em paz.
Os problemas com os huguenotes tiveram uma solução temporária, quando o Rei Henry IV, um ex-huguenote, emitiu o Édito de Nantes, declarando tolerância religiosa e prometendo um reconhecimento oficial da minoria protestante, mas sob condições muito restritas. O catolicismo se manteve como religião oficial estatal e as fortunas dos protestantes franceses diminuíram ao longo do século seguinte, chegando ao fim, quando Louis XIV promulgou o Édito de Fontainebleau, que revogou o Édito de Nantes e fez do catolicismo única religião legal na França.
A Reforma teve um impacto profundo na França. Ao mesmo tempo em que contribuiu para um sentimento crescente de descontentamento com a Igreja Católica e a monarquia, a Reforma também ajudou a formar a ideia de igualdade e direitos individuais, que seriam ideais essenciais na Revolução francesa. Por exemplo, a Revolução estabeleceu uma nova constituição que declarava os direitos humanos, incluindo liberdade de religião e igualdade diante da lei. Sem a Reforma, a França não seria o país que conhecemos hoje.