lundi 30 mai 2011

O governo Dilma e o "kit-homofobia"

Folha de São Paulo, 26/05/2011 - São Paulo SP
Entidades criticam "retrocesso" do governo
DE BRASÍLIA / DE SÃO PAULO
Entidades que defendem os direitos dos homossexuais reagiram com "perplexidade", "consternação" e "indignação" à decisão do governo de suspender a distribuição de vídeos contra a homofobia nas escolas.
Em nota, a ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), que reúne 237 organizações, e as associações de lésbicas, transexuais e travestis dizem que a ação macula a imagem internacional do país sobre direitos humanos e fere o Estado laico. Em referência velada ao fato de a decisão do governo ser uma reação à possível convocação do ministro
Antonio Palocci (Casa Civil) para depor no Congresso sobre a evolução de seu patrimônio e negócios de sua empresa, o documento diz ainda que os direitos humanos não podem ser "moeda de troca" nas negociações políticas.


O texto também critica a ascendência da bancada religiosa sobre o governo. "Um princípio básico do Estado republicano está sendo ameaçado pela chantagem praticada hoje contra o governo federal pela bancada religiosa fundamentalista e seus apoiadores no Congresso Nacional", diz o texto. Para Julio 
Moreira, do Grupo Arco-Íris, a retirada deveria  ser precedida de maior debate. "É um tremendo retrocesso para as políticas públicas o projeto ser usado como moeda de troca com setores mais conservadores", diz. A entidade planeja um protesto para o fim de semana no posto 9, em Ipanema, no Rio. A socióloga Miriam Abramovay, pesquisadora da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais também viu como um retrocesso o recuo do governo e afirma ser um erro pensar que vídeos podem incentivar jovens a se tornarem homossexuais. (ANGELA PINHO e RICARDO GALLO)
===============
> Folha de São Paulo, 26/05/2011 - São Paulo SP
Bancada religiosa elogia suspensão de kit em escolas
DE BRASÍLIA
A decisão do governo de suspender a distribuição de material anti-homofobia a escolas públicas foi comemorada ontem por congressistas das bancadas católica e evangélica. Bispo da Igreja Universal e integrante da bancada evangélica do Senado, Marcelo Crivella (PRB-RJ) disse que a presidente Dilma tomou uma decisão "sábia" e admitiu que pressionou o Planalto a tomar a medida. Segundo seu relato, a presidente telefonou para ele ontem pela manhã para anunciar sua decisão. Crivella disse que cabe às famílias, e não ao governo, orientar crianças e jovens sobre questões sexuais. O deputado Eros Biondini (PTB-MG), que representou a bancada católica na reunião em que Gilberto Carvalho (Secretaria- Geral) comunicou o recuo do governo, disse que viu nos vídeos apologia a orientação sexual. Como exemplo, ele citou um dos vídeos que seria distribuído, intitulado "Probabilidade". Jair Bolsonaro (PP-RJ) elogiou Dilma. "Apenas lamento que ela tenha tomado essa decisão só depois de um momento difícil para um ministro dela."
================
> Folha de São Paulo, 26/05/2011 - São Paulo SP
Dilma freia ações em temas polêmicos
Presidente decide submeter à consulta pública campanhas com material considerado sensível por grupos religiosos. Reação de católicos e evangélicos e temor pelo futuro político do ministro da Educação influíram na decisão
ANA FLOR DE BRASÍLIA
Após cancelar a produção e distribuição do kit anti-homofobia do Ministério da Educação, a presidente Dilma Rousseff determinou que todo o material do governo que se referir a costumes terá que passar, a partir de agora, pelo crivo do Palácio do Planalto e por processo de consulta à sociedade. A ordem da presidente ocorreu após uma reunião do ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência, com as bancadas evangélica e católica do Congresso e integrantes da frente parlamentar da família. O grupo ameaçou propor a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar o Ministério da Educação caso o governo não cancelasse a produção dos materiais. O kit anti-homofobia é formado por uma cartilha e cinco vídeos que o governo planejava distribuir a alunos do ensino médio em escolas públicas. Três vídeos chegaram a ser exibidos à imprensa pelo ministério em janeiro e circularam na internet. Os vídeos desagradaram às bancadas evangélicas e católicas do Congresso, que alegam que os vídeos poderiam estimular o homossexualismo. O MEC diz que o material, produzido por ONGs, não estava pronto. Essas versões preliminares foram aprovadas pela Unesco (órgão da ONU para a educação).


ELEIÇÃO EM SP - Assessores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva manifestaram preocupação com os efeitos que a controvérsia poderia ter sobre o futuro político do ministro da Educação, Fernando Haddad, que Lula gostaria de ver como candidato do PT a prefeito de São Paulo em 2012. Carvalho
afirmou que não houve toma lá, dá cá na decisão da presidente ontem. Segundo ele, Dilma considerou que o material do MEC era "inadequado" e o vídeo, "impróprio para seu objetivo". A decisão gerou críticas dentro do governo também. "Tempo das trevas!", escreveu a secretária de Educação Básica do Ministério da Educação, Maria do Pilar Lacerda, numa mensagem enviada a seus seguidores no Twitter para comentar notícias do recuo do governo. Em outra mensagem mais tarde, ela afirmou que não tivera a intenção de criticar a decisão de Dilma, mas se referia à "onda conservadora levantada na campanha eleitoral pelo candidato [José] Serra [PSDB]". Na campanha presidencial, Serra e grupos religiosos atacaram Dilma por mudar sua posição sobre a legalização do aborto, que defendeu no passado.

Carta de despedida do Rev. Ricardo Gondim aos leitores da revista Ultimato

Despeço-me da Revista Ultimato
Ricardo Gondim

Após quase vinte anos, fui convidado a “des-continuar” minha coluna na revista Ultimato. Nesta semana, recebi a visita de Elben Lenz Cesar, Marcos Bomtempo e Klênia Fassoni em meu escritório, que me deram a notícia de que não mais escreverei para a Ultimato. Nessa tarde, encerrou-se um relacionamento que, ao longo de todos esses anos, me estimulou a dividir o coração com os leitores desta boa revista. Cada texto que redigi nasceu de minhas entranhas apaixonadas.
Fui devidamente alertado pelo rev. Elben de que meus posicionamentos expostos para a revista Carta Capital trariam ainda maior tensão para a Ultimato. Respeito o corpo editorial da Ultimato por não se sentir confortável com a minha posição sobre os direitos civis dos homossexuais. Todavia, reafirmo minhas palavras: em um estado laico, a lei não pode marginalizar, excluir ou distinguir como devassos, promíscuos ou pecadores, homens e mulheres que se declaram homoafetivos e buscam constituir relacionamentos estáveis. Minhas convicções teológicas ou pessoais não podem intervir no ordenamento das leis.
O reverendo Elben Lenz Cesar, por quem tenho a maior estima, profundo respeito e eterna gratidão, acrescentou que discordava também sobre minha afirmação ao jornalista de que “Deus não está no controle”. Ressalto, jamais escondi minha fé no Deus que é amor e nos corolários que faço: amor e controle se contradizem. De fato, nunca aceitei a doutrina da providência como explicitada pelo calvinismo e não consigo encaixar no decreto divino: Auschwitz, Ruanda ou Realengo. Não há espaço em minhas reflexões para uma “vontade permissiva” de Deus que torne necessário o orgasmo do pedófilo ou a crueldade genocida.
Por último, a Klênia Fassoni advertiu-me de que meus Tweets, somados a outros textos que postei em meu site, deixam a ideia de que sou tempestivo e inconsequente no que comunico. Falou que a minha resposta à Carta Capital sobre a condição das igrejas na Europa passa a sensação de que sou “humanista”. Sobre meu “humanismo”, sequer desejo reagir. Acolho, porém, a recomendação da Klênia sobre minha inconsequência. Peço perdão a todos os que me leram ao longo dos anos. Quaisquer desvarios e irresponsabilidades que tenham brotado de minha pena não foram intencionais. Meu único desejo ao escrever, repito, foi enriquecer, exortar e desafiar possíveis leitores.
Resta-me agradecer à revista Ultimato por todos os anos em que caminhamos juntos. Um pedaço de minha história está amputada. Mas a própria Bíblia avisa que há tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou. Meu amor e meu respeito pela família do rev. Elben, que compõe o corpo editorial da Ultimato, não diminuíram em nada.
Continuarei a escrever em outros veículos e a pastorear minha igreja com a mesma paixão que me motivou há 34 anos.

Ricardo Gondim
Soli Deo Gloria
20-05-11

Focolares para principiantes


Numa visita ao Brasi, em 1991, Chiara Lubich lançou uma proposta para o pensamento e a práxis econômica: a Economia de Comunhão na Liberdade (EdC). A sua raiz está na prática da comunhão de bens que caracterizou o Movimento dos Focolares desde a sua gênese. Esta comunhão gera uma nova mentalidade, uma nova cultura: a cultura da partilha.

Neste projeto se articulam princípios sociais e econômicos: economia, solidariedade e liberdade, capazes de influir na solução dos desequilíbrios econômicos. O lucro das empresas que aderem à EdC é dividido em três partes: para o reinvestimento na empresa; para ir ao encontro dos necessitados; para a formação de homens novos: pessoas com uma mentalidade aberta à cultura da partilha.

Mais de 800 empresas e atividades produtivas, no mundo inteiro, aderiram à EdC – cerca de cem encontram-se no Brasil.

A quatro km da Mariápolis Ginetta (Grande São Paulo) foi implantado o Pólo Empresarial Spartaco, protótipo da EdC, onde estão instaladas sete empresas. Nas cercanias de Recife e de Belém, dois outros pólos empresariais nos moldes da EdC entraram em atividade.

Como sugiram

Trento (Itália), 1943. Na Segunda Guerra Mundial, Chiara Lubich, uma jovem de 23 anos, descobre no Evangelho os valores que podem dar sentido à vida humana, em todas as situações. Comunica esta descoberta às suas primeiras companheiras. É a descoberta do amor como força capaz de desarmar os corações do ódio, do rancor e de preconceitos. É o início de um caminho de unidade que gera a paz e que suscita a fraternidade universal.

A palavra-chave é unidade: a oração que Jesus dirigiu ao Pai antes de morrer – “Que todos sejam um” (Jo 17.21) – torna-se o objetivo de suas vidas. As palavras do Evangelho revelam-se novas: a descoberta de Deus como Pai, o Mandamento Novo, a presença de Jesus “onde dois ou mais...”, em cada próximo (“Tudo o que fizerdes ao menor dos meus a mim o fareis”... Da experiência de Evangelho vivido no cotidiano, nasce a espiritualidade da unidade. Em poucos meses, mais de 500 pessoas aderiram a essa proposta. Aos poucos, ultrapassou as fronteiras da Itália e da Europa, penetrando nos cinco continentes.

Em 1959 Ginetta Calliari – uma das primeiras companheiras de Chiara Lubich – com Marco Tecilla, Enzo Morandi e outras jovens e rapazes, iniciaram os dois centros do Movimento no Brasil. Hoje o Movimento está presente nos Estados brasileiros, conta com cerca de 280 mil pessoas e 55 centros de difusão.

A proposta

Nestes 65 anos, o Movimento dos Focolares suscitou uma renovação espiritual e social em mais de 2 milhões de pessoas de todas as idades, condições sociais, raças e culturas. Presente em 182 países do mundo, realiza um diálogo a 360°, em todos os níveis sugeridos pelo Concílio Vaticano II: com pessoas dos mais variados credos e confissões, e também com quem, mesmo sem um referencial religioso, está disposto a contribuir para a promoção de valores universais, como a paz, a justiça, a dignidade humana.

Um pouco de história

Em 1956, pela primeira vez um brasileiro teve contato com essa espiritualidade, na Itália: o Pe. João Batista Zattera, do Rio Grande do Sul.

Em 1958, outros dois sacerdotes de Recife participam, também na Itália, de um Congresso anual do Movimento, denominado Mariápolis. Após esse contato, um focolarino e duas focolarinas – pessoas inteiramente doadas à causa dos Focolares, membros consagrados de comunidades femininas ou masculinas – fazem uma viagem ao Brasil, começando por Recife, onde surge a primeira comunidade. Marco Tecilla, Lia Brunet e Ada Ungaro percorrem vários Estados do Brasil e alguns países da América Latina. A semente foi plantada e o terreno preparado.

Em 1959, em resposta a uma carta de dom José Avelino Dantas, então arcebispo de Olinda e Recife, Chiara concorda com a abertura dos dois primeiros centros do Movimento fora da Europa.

Em 26 de novembro de 1959 partem para Recife quatro focolarinas (Ginetta Calliari, Fiore Ungaro, Marisa Cerini e Violetta Sartori) e quatro Focolarinos (Marco Tecilla, Enzo Morandi Rino Chiapperin e Gianni Buselatto). O Movimento se espalha pelos Estados do Nordeste e  por todo o país.

Chiara Lubich esteve no Brasil seis vezes, a primeira delas em 1961.

Em 1962 foi inaugurado o primeiro focolare masculino da região Sudeste, em São Paulo, através do qual teve início também a Editora Cidade Nova. Em 1964 tem início também o focolare feminino.

Em 1965, na terceira viagem de Chiara ao Brasil, foi adquirido o terreno para a construção do Centro Mariápolis (Centro de formação), próximo a Recife, em Benevides.

Em 1967 foi a vez de São Paulo, com a compra do terreno onde surgiria a Mariápolis Araceli, atualmente Mariápolis Ginetta.

Uma das viagens mais significativas de Chiara ao Brasil ocorreu em 1991, quando ela lançou o Projeto Economia de Comunhão (EdC). Já em 1998 ela viu realizado o Pólo empresarial Espartaco, no município de Cotia (SP), nos moldes da EdC e recebeu diversos reconhecimentos de instituições acadêmicas e políticas. No mesmo ano recebeu a comenda da Ordem do Cruzeiro do Sul.

Nos anos seguintes foram implantados no Brasil outros dois pólos empresariais da EdC: em Igarassu (PE) e em Benevides (PA).

Em 2001 foi fundado o Movimento Político pela Unidade também no Brasil, buscando tornar a fraternidade uma categoria política a ser atuada por cidadãos comuns, políticos e pessoas ligadas a esse âmbito.

Hoje o Movimento está presente em todos os Estados brasileiros, conta com cerca de 280 mil pessoas que aderem à sua espiritualidade em mais de 500 cidades, com 55 centros de difusão.


Fonte: 50 anos do Movimento dos Focaloares no Brasil
http://50anos.focolares.org.br/

A ética do solidarismo cristão


A alma da unidade espiritual na comunidade é a religião. O fracionamento espiritual característico de determinadas épocas traduz fracionamento econômico, distanciamento e choque entre classes. E naquelas épocas em que temos um processo cultural de unidade temos também uma base espiritual de unidade e solidariedade social e econômica.

Nesse sentido, há um processo de desenvolvimento que se realiza de forma desigual na história, mas que combina mudanças espirituais e transformações econômicas e sociais.

Seja qual for a opinião ética sobre as relações entre cristianismo, capitalismo e movimentos politicamente divergentes, um fato deve ser ressaltado: é possível e necessário para o cristianismo manter um relacionamento com todas as formações econômicas e sociais.

E se o cristianismo não somente pode, mas deve manter um relacionamento com o pensamento político divergente, devemos nos perguntar se o contrário da premissa é verdadeiro: podem e devem os movimentos com propostas políticas divergentes ter um relacionamento construtivo com o cristianismo?

Quanto à parte das organizações que se opõem ao capitalismo financeiro é necessário ver a atitude que têm em relação ao evangelicalismo protestante e também em relação às igrejas de hierarquia estruturada. A história das igrejas, tanto no que se refere ao catolicismo, como em relação ao protestantismo, é passível de críticas. Suas opções e alianças, ao longo da história, fizeram com que se afastassem e dificultassem seu relacionamento com parte da população excluída de bens e possibilidades.

Tal situação potencializou a crítica da religião instituída. Mas, ao contrário do que parece, o ateísmo e o materialismo são heranças da cultura burguesa crítica e cética. Essas heranças foram adotadas como oposição ao caminho escolhido pelas igrejas européias nos séculos XVIII e XIX. A idéia era extirpar a cosmovisão cristã, medieval e autocrática, a fim de abrir o caminho para um novo mundo, justo e digno.

Embora haja razões históricas para criticar as igrejas, os movimentos de pensamento divergente, à partir da revolução francesa, erraram ao negar a base solidária e comunitária do ideal cristão, tal como pode ser percebida nos Evangelhos. Tal herança errática ainda permanece em movimentos políticos divergentes e está presente em alguns agrupamentos que se mostram hostis ao cristianismo. Hostilidade esta que fere a ética do solidarismo que, na verdade, sempre esteve próxima às propostas das comunidades cristãs dos primeiros séculos.

Assim, se movimentos de pensamento divergente não traduzem oposição essencial com o cristianismo e com as comunidades de fé que vivem o princípio protestante da justiça, os cristãos podem ter uma atitude positiva em relação a esses movimentos.

Aqui, atitude positiva  é a realização dos princípios da solidariedade e da ação cristã a favor da justiça, que entende a necessidade de eliminar as condições que geram miséria e exclusão. Tal atitude traduz a urgência de combater os fundamentos do egoísmo econômico do capitalismo financeiro e de ações para a construção de uma ordem social que, sem deixar de ser globalizada, inclua periféricos e excluídos. Isto porque pensar na contra-corrente do que aí está não é só tarefa de trabalhadores fabris, mas necessidade ética que deve traduzir anseios e esperanças dos mais variados setores da sociedade.