mercredi 15 septembre 2010

O fator Deus

[José Saramago era ateu. O texto abaixo é dele. E está postado aqui para fazer pensar e, logicamente, gerar discussões. Como este blog está dirigido, principalmente, aos meus alunos, a sua finalidade é fazer com que se discuta em sala de aula temas que geralmente são deixados de lado. Desejo para você uma boa leitura e uma salutar dor de cabeça. Jorge Pinheiro].

"Por causa e em nome de Deus é que se tem permitido e justificado tudo, principalmente o mais horrendo e cruel".

José Saramago

Algures na Índia. Uma fila de peças de artilharia em posição. Atado à boca de cada uma delas há um homem. No primeiro plano da fotografia um oficial britânico ergue a espada e vai dar ordem de fogo. Não dispomos de imagens do efeito dos disparos, mas até a mais obtusa das imaginações poderá "ver" cabeças e troncos dispersos pelo campo de tiro, restos sanguinolentos, vísceras, membros amputados. Os homens eram rebeldes. Algures em Angola. Dois soldados portugueses levantam pelos braços um negro que talvez não esteja morto, outro soldado empunha um machete e prepara-se para lhe separar a cabeça do corpo. Esta é a primeira fotografia. Na segunda, desta vez há uma segunda fotografia, a cabeça já foi cortada, está espetada num pau, e os soldados riem. O negro era um guerrilheiro. Algures em Israel. Enquanto alguns soldados israelitas imobilizam um palestino, outro militar parte-lhe à martelada os ossos da mão direita. O palestino tinha atirado pedras. Estados Unidos da América do Norte, cidade de Nova York. Dois aviões comerciais norte-americanos, sequestrados por terroristas relacionados com o integrismo islâmico, lançam-se contra as torres do World Trade Center e deitam-nas abaixo. Pelo mesmo processo um terceiro avião causa danos enormes no edifício do Pentágono, sede do poder bélico dos States. Os mortos, soterrados nos escombros, reduzidos a migalhas, volatilizados, contam-se por milhares.

As fotografias da Índia, de Angola e de Israel atiram-nos com o horror à cara, as vítimas são-nos mostradas no próprio instante da tortura, da agônica expectativa, da morte ignóbil. Em Nova York tudo pareceu irreal ao princípio, episódio repetido e sem novidade de mais uma catástrofe cinematográfica, realmente empolgante pelo grau de ilusão conseguido pelo engenheiro de efeitos especiais, mas limpo de estertores, de jorros de sangue, de carnes esmagadas, de ossos triturados, de merda. O horror, agachado como um animal imundo, esperou que saíssemos da estupefação para nos saltar à garganta. O horror disse pela primeira vez "aqui estou" quando aquelas pessoas saltaram para o vazio como se tivessem acabado de escolher uma morte que fosse sua. Agora o horror aparecerá a cada instante ao remover-se uma pedra, um pedaço de parede, uma chapa de alumínio retorcida, e será uma cabeça irreconhecível, um braço, uma perna, um abdômen desfeito, um tórax espalmado. Mas até mesmo isto é repetitivo e monótono, de certo modo já conhecido pelas imagens que nos chegaram daquele Ruanda-de-um-milhão-de-mortos, daquele Vietnã cozido a napalme, daquelas execuções em estádios cheios de gente, daqueles linchamentos e espancamentos daqueles soldados iraquianos sepultados vivos debaixo de toneladas de areia, daquelas bombas atômicas que arrasaram e calcinaram Hiroshima e Nagasaki, daqueles crematórios nazistas a vomitar cinzas, daqueles caminhões a despejar cadáveres como se de lixo se tratasse. De algo sempre haveremos de morrer, mas já se perdeu a conta aos seres humanos mortos das piores maneiras que seres humanos foram capazes de inventar. Uma delas, a mais criminosa, a mais absurda, a que mais ofende a simples razão, é aquela que, desde o princípio dos tempos e das civilizações, tem mandado matar em nome de Deus. Já foi dito que as religiões, todas elas, sem exceção, nunca serviram para aproximar e congraçar os homens, que, pelo contrário, foram e continuam a ser causa de sofrimentos inenarráveis, de morticínios, de monstruosas violências físicas e espirituais que constituem um dos mais tenebrosos capítulos da miserável história humana. Ao menos em sinal de respeito pela vida, deveríamos ter a coragem de proclamar em todas as circunstâncias esta verdade evidente e demonstrável, mas a maioria dos crentes de qualquer religião não só fingem ignorá-lo, como se levantam iracundos e intolerantes contra aqueles para quem Deus não é mais que um nome, nada mais que um nome, o nome que, por medo de morrer, lhe pusemos um dia e que viria a travar-nos o passo para uma humanização real. Em troca prometeram-nos paraísos e ameaçaram-nos com infernos, tão falsos uns como outros, insultos descarados a uma inteligência e a um sentido comum que tanto trabalho nos deram a criar. Disse Nietzsche que tudo seria permitido se Deus não existisse, e eu respondo que precisamente por causa e em nome de Deus é que se tem permitido e justificado tudo, principalmente o pior, principalmente o mais horrendo e cruel. Durante séculos a Inquisição foi, ela também, como hoje os talebanes, uma organização terrorista que se dedicou a interpretar perversamente textos sagrados que deveriam merecer o respeito de quem neles dizia crer, um monstruoso conúbio pactuado entre a religião e o Estado contra a liberdade de consciência e contra o mais humano dos direitos: o direito a dizer não, o direito à heresia, o direito a escolher outra coisa, que isso só a palavra heresia significa.

E, contudo, Deus está inocente. Inocente como algo que não existe, que não existiu nem existirá nunca, inocente de haver criado um universo inteiro para colocar nele seres capazes de cometer os maiores crimes para logo virem justificar-se dizendo que são celebrações do seu poder e da sua glória, enquanto os mortos se vão acumulando, estes das torres gêmeas de Nova York, e todos os outros que, em nome de um Deus tornado assassino pela vontade e pela ação dos homens, cobriram e teimam em cobrir de terror e sangue as páginas da história. Os deuses, acho eu, só existem no cérebro humano, prosperam ou definham dentro do mesmo universo que os inventou, mas o "fator Deus", esse, está presente na vida como se efetivamente fosse o dono e o senhor dela. Não é um deus, mas o "fator Deus" o que se exibe nas notas de dólar e se mostra nos cartazes que pedem para a América (a dos Estados Unidos, não a outra...) a bênção divina. E foi o "fator Deus" em que o deus islâmico se transformou, que atirou contra as torres do World Trade Center os aviões da revolta contra os desprezos e da vingança contra as humilhações. Dir-se-á que um deus andou a semear ventos e que outro deus responde agora com tempestades. É possível, é mesmo certo. Mas não foram eles, pobres deuses sem culpa, foi o "fator Deus", esse que é terrivelmente igual em todos os seres humanos onde quer que estejam e seja qual for a religião que professem, esse que tem intoxicado o pensamento e aberto as portas às intolerâncias mais sórdidas, esse que não respeita senão aquilo em que manda crer, esse que depois de presumir ter feito da besta um homem acabou por fazer do homem uma besta.

Ao leitor crente (de qualquer crença...) que tenha conseguido suportar a repugnância que estas palavras provavelmente lhe inspiraram, não peço que se passe ao ateísmo de quem as escreveu. Simplesmente lhe rogo que compreenda, pelo sentimento de não poder ser pela razão, que, se há Deus, há só um Deus, e que, na sua relação com ele, o que menos importa é o nome que lhe ensinaram a dar. E que desconfie do "fator Deus". Não faltam ao espírito humano inimigos, mas esse é um dos mais pertinazes e corrosivos. Como ficou demonstrado e desgraçadamente continuará a demonstrar-se

Fonte
Folha de S. Paulo, 16.09.01
Revista Espaço Acadêmico Ano I, No. 5, Out. 2001.

samedi 11 septembre 2010

Os irmãos do livre Espírito

Kenneth Rexroth, Communalism, "Eckhart, Irmãos do Espírito Livre".

No século XII, Joaquim de Fiore (1132-1202), um abade de Cistercia, apresentou uma criativa interpretação da literatura apocalíptica. Segundo ele, a história humana deveria ser dividida em três períodos: a era do Pai, no Antigo Testamento, a era do Filho, com o Evangelho e a Igreja, e a era do Espírito Santo, quando toda lei seria abolida, porque os seres humanos, imersos no Espírito, agiriam de acordo com a vontade de Deus. Teria, então, início o Evangelho perpétuo do Sabbath eterno. Este teologia foi desenvolvida mais tarde por escritores espiritualistas e parte dela atribuída a Fiori.

A combinação de práticas e teologias, que tomavam como ponto de partida as vidas de Jesus e Francisco de Assis e a esperança escatológica de Fiori, foi explosiva. Embora Jesus fosse, na Idade Média, uma imagem passadista do homem que deu origem ao Natal e à Cruz da Páscoa, o espiritualismo franciscano foi evangélico, soube aproveitar-se da crescente alfabetização, e fomentou a leitura do Novo Testamento e da literatura devocional. A pobreza se tornou tema central na luta contra a ordem estabelecida. Para os espiritualistas franciscanos a pobreza esteve presente na vida de Jesus, dos apóstolos, mas também na alegria de Francisco de Assis e tais fatos eram um anúncio da felicidade do reino que viria em breve.

Francisco de Assis e depois Pierre Jean Olivi, franciscano que apresentou uma interpretação do livro do Apocalipse segundo o espiritualismo franciscano, tornaram-se figuras marcantes. Francisco era visto como “o anjo do sexto selo”, e Olivi “o anjo cujo rosto era como o sol”. O fundamento dos princípios franciscanos era a pobreza, mas essa não era a visão da hierarquia, que condenou a visão de que Jesus e os apóstolos viveram na pobreza. Diante de tal afirmação, para os espiritualistas, o papa passou a representar o anticristo.

Os espiritualistas, os beguines de Provença e os fraticelos não acreditavam que Jesus e os apóstolos tivessem bens em comum, mas que não possuíam bem algum. Esses franciscanos eram partidários da pobreza absoluta e da severidade de costumes, liberta da tradição de Roma.

O uso da riqueza de Roma por parte de legatários e de ordens escolhidas pelo papa significava que ele dispunha de crédito através da imensa riqueza de um fundo de reserva. Em seu exílio em Avignon, o papado pedia dinheiro emprestado. No ápice da controvérsia sobre a questão da riqueza, João XXII promulgou a doutrina da sacralização da propriedade, alinhando a Igreja, explicitamente, aos grandes proprietários. No curso do debate com João XXII, o filósofo William de Occam, e o ex-líder da ordem, Michael de Cesena, levantaram questões fundamentais: se o uso, a fidúcia, e não a posse da propriedade era permitido, como ficava a questão do dinheiro? Discutiram-se as implicações do significado do dinheiro e da propriedade. Se a propriedade é ruim, quem detém a propriedade e permite a fidúcia, logicamente, não é cristão. Os fiduciários e legatários são parasitários e culpados de cumplicidade. Então, uma sociedade cristã deveria abolir a propriedade.

A Igreja estava em franca oposição à criação de ordens religiosas devotadas à pobreza total e ao auto-sacrifício. Mas, a vida leiga dedicada à caridade, o evangelismo e a crescente popularidade do espiritualismo colocaram a Igreja diante de um impasse. De todas as maneiras, optou naquele momento por proibir a formação de novas ordens religiosas. Tal decisão da hierarquia romana fomentou o surgimento de comunidades leigas livres do controle e do conhecimento eclesiástico. Tais agrupamentos tornaram-se secretos e suas convicções deixaram de ser públicas. As comunidades beguines se espalharam pela Europa, especialmente na Renânia e no norte da França, onde esses cristãos eram conhecidos como “entusiastas apaixonados”: eram pessoas que desejavam viver juntas, dedicar suas vidas à oração, contemplação e ao trabalho comum. Permeando algumas delas, surgindo como fenômeno de uma nova esperança, estavam os Irmãos do Livre Espírito.

As doutrinas dos Irmãos do Livre Espírito remetem ao pensamento divergente do primeiro século do cristianismo. Ensinavam que pela contemplação a pessoa une-se a Deus e é deificado. Eleva-se acima das leis, da Igreja e dos ritos. Então pode fazer o que deseja. A união com Deus torna o pecado impossível à pessoa espiritual. Então, a oração e os sacramentos tornam-se inúteis e ela caminha em direção ao que almeja.

Os Irmãos do Livre Espírito tomavam como base para sua teologia a afirmação do apóstolo Paulo de que "onde o espírito de Deus está, há liberdade" (2Coríntios 2.17), mas também Agostinho e Mestre Eckhart, entre outros. Não formaram um movimento organizado: atuaram em comunidades, que mais tarde vieram a ser conhecidas como anabatistas. Deixaram poucos registros, exceto quando eram capturados por seus inimigos, ou em testemunho extraído sob tortura quando julgados. Foram acusados de hereges e de prática de orgias de sexualidade. Testemunhos nem sempre confiáveis falam de cultos onde o erotismo sexual se fazia presente.

Papas, bispos e inquisidores caçaram e condenaram os Irmãos do Livre Espírito. Mas sobreviveram porque nas cidades da Renânia e nos Países Baixos era fácil uma comunidade ocupar uma casa e apresentar-se como associação de leigos devotada à oração, leitura bíblica e trabalho.

O século XV testemunhou um crescimento das associações religiosas e comunidades livres. E a Igreja tinha que tolerar suas existências para evitar levantes e revoltas. Como a vida e a pregação de Francisco de Assis produziram uma alteração de percepção, essas novas comunidades trouxeram outras leituras do cristianismo, que marcaram a literatura renana da época. E o doutor do novo espiritualismo foi o Mestre Eckhart.

Paralelamente ao crescimento da filosofia escolástica, a Igreja desenvolveu uma teologia espiritualista, mística. A começar por Bernardo de Clairvaux (1090-1153), oponente de Abelardo, e continuando com Hugues de Saint-Victor (1096-1141), Richard de Saint-Victor (†1173) e os franciscanos de São Boaventura (1221-1274), os doutores místicos da Igreja resistiram à aristotelenização dos escolásticos. Suas raízes estavam no neoplatonismo de Agostinho, nos escritos do areopagita Dionísio, discípulo do apóstolo Paulo, e em João Scotus Erígena.

Todo esforço foi concentrado para solucionar o dilema representado pela experiência mística. Tal experiência trouxe consigo a convicção de uma realidade inquestionável. O místico em sua concepção de Deus esbarra no poder imbatível do fato empírico. A doutrina cristã diz que Deus criou o mundo a partir do nada. O ser humano é totalmente contingente. Deus é totalmente onipotente e auto-suficiente. Como ultrapassar esse limite pela experiência? De uma forma ou de outra todos os grandes místicos ortodoxos dispensaram esse último problema do conhecimento alegando que a alma detém um conhecimento primário de Deus. O conhecimento da realidade de Deus deriva dela. Conforme a descrição de São Boaventura a alma chega até Deus pelo amor através da escada das criaturas até que finalmente a alma descobre que o último degrau foi o primeiro, a scintilla animae, a centelha de Deus na alma não é apenas uma faculdade do conhecimento místico, ela participa diretamente do Ser divino. Este processo é delineado em um tom mais emocional e intensamente devocional pela retórica apaixonada de São Boaventura. Esse processo é básico e explícito na epistemologia de Richard de São Victor e mais ou menos implícito em São Bernardo. Naturalmente, esse assunto remonta ao próprio Platão em seu diálogo com Phaedo. É o conhecimento de Deus que proporciona o conhecimento das idéias. Esta tradição central da teologia mística nunca teve sua ortodoxia questionada porque ela sempre pareceu operar dentro do contexto do desenvolvimento escolástico. Mas a verdadeira situação foi bem outra. Seus expositores pertenciam a uma tradição puramente cristã, pelo menos essa foi a opinião geral, considerando que os partidários das idéias de Aristóteles tinham que defender sua versão pagã e sua filosofia secular árabe. Dessa forma São Tomas de Aquino e Duns Scotus ficaram na defensiva.

Mestre Eckhart e seus descendentes trouxeram outra tradição peculiar para a Renânia. Começando por Santa Hildegard de Bingen no princípio do século XII, Elizabete de Schönau, Elizabete da Hungria, Condessa da Turíngia no século XIII e Mechthild de Magdeburg, essa tradição foi continuada por mulheres, e foi caracterizada por experiências visionárias, emocionais, cheias de imagens eróticas, e uma crítica dos abusos da Igreja e da corrupção do papado. A maioria deles eram escritores e constam entre os mais importantes fundadores da literatura alemã. Uma análise destas visões colocadas na tela na forma de pintura, revela que Santa Hildegaard sofria de enxaqueca, e os intensos padrões claros que ela via são sintomas daquela doença. Como suas descendentes, todas aquelas mulheres tinham uma proeminência especial ao misticismo luminoso semelhante ao de São Boaventura, e de Philo, o judeu neoplatônico do primeiro século, caracterizado por visões constantes e recorrentes, plenas de luz -- a aura da própria experiência mística. O Raiar da Luz Divina de Santa Mechthild é uma das mais belas obras do idioma alemão. Saturadas de luzes místicas e simbolismo erótico, seus poemas, com apenas algumas leves alterações, poderiam ser transformados em canções de um extremo amor romântico.

A mais antiga teologia mística cresceu nos monastérios entre homens instruídos e contemplativos. O misticismo renano floresceu em Béguinages e outras comunidades semi-monásticas de mulheres devotas associadas à pobreza, à oração, à meditação e ao trabalho. Seus mestres estavam apenas um degrau acima da ortodoxia em relação aos dissidentes Irmãos do Espírito Livre. O testemunho de frequentes espancamentos e torturas praticados pela Inquisição sobre supostos entusiastas insanos e infelizes místicos renanos é suspeito. Até mesmo nos registros de queixas temos apenas um caso, onde uma casa de Béguines é acusada de prática de orgias sexuais, a casa das denominadas Irmãs de Schweydnitz. Provavelmente foi verdade, embora se assemelhasse mais a uma sessão de leitura erótica moderna. Frequentemente os inquisidores pareciam estar engajados em uma guerra contra as mulheres. Uma das béguines foi reiteradas vezes acusada de "crimes" pela performance de ritos da Igreja em suas capelas e pela prática de confissão mútua, práticas proibidas às mulheres.

Há apenas um documento questionável na totalidade do movimento do misticismo béguine, provavelmente influenciado pelos Irmãos do Espírito Livre. Margarete de Parete foi julgada e queimada em Paris no ano de 1311, acusada de ensinar que quando a alma é consumida pelo amor de Deus ela participa de Deus, podendo fazer qualquer coisa que o corpo sensual desejasse. Recentemente foi descoberto o manuscrito de seu livro, O Espelho das Almas Simples, que foi impresso. Como foi constatado por Mestre Eckhart e seus sucessores a interpretação por parte da Inquisição foi baseado em um equívoco. Ela ensinava que no sétimo estágio da iluminação, o ápice do processo dos sete estágios que remonta aos primórdios da literatura mística e é descrito de uma forma perfeitamente ortodoxa, a alma une-se a Deus. Pela graça ela livra-se do pecado. Ela absorve toda a Trindade e perde sua própria identidade, tornando-se incapaz de pecar. Dali para a frente vive inteiramente no amor de Deus como um serafim. Não precisa de nenhuma Igreja, sacerdócio, ou livro. Seu conhecimento é diretamente compartilhado no conhecimento de Deus. Não pode pecar porque sua vontade é a vontade de Deus; pobreza, oração, sacramentos, ascetismo, penitências, jejuns, tornam-se coisas destituídas de qualquer importância para a alma, mergulhada em Deus, onde privações e símbolos inexistem. A alma usa estas coisas apenas para pagar um indiferente tributo à natureza, ao mundo e à comunidade religiosa.

É fácil verificar que a mais leve troca de ênfase pode transformar este ensino em uma justificação da imoralidade atribuída aos Irmãos do Espírito Livre, ou à histeria que mais tarde tornou-se responsável pelo esmagamento da comuna revolucionária anabatista de Münster. Mas para Margarete de Parete a ênfase estava em outro ponto, uma vez que temos em mãos uma documentação confiável criada de boa fé pelos próprios místicos perseguidos. Naturalmente do ponto de vista da Igreja Católica ela foi uma herege.

Margarete de Parete foi queimada na fogueira e esquecida. Mas a influência de Mestre Eckhart é forte ainda hoje. Eckhart conheceu o problema da contingência e da onipotência, criador-e-criatura-do-nada tornando Deus a única realidade e a presença ou impressão de Deus prevalecendo sobre o nada, a fonte da realidade na criatura. Realidade, em outras palavras, é a participação da criatura no criador estruturada hierarquicamente. Do ponto de vista da criatura este processo poderia ser reverso. Se a criatura é real, Deus torna-se o Divino Nada. Deus é nada, como diz o escolasticismo, o objeto final de todos os vaticínios. Isso é impredicável. A existência da criatura, na medida em que existe, é a existência de Deus, e a experiência da criatura de Deus é no final das contas igualmente impredicável. Não pode nem mesmo ser descrito; pode apenas ser apontado. Nós podemos apenas apontar para a realidade, a nossa realidade ou a realidade de Deus. A alma vislumbra Deus pelo conhecimento, não pelo amor como concebe o primitivo misticismo cristão. Amor é um artigo do vestuário do conhecimento. A alma primeiramente treina a si mesma, sistemática e inconscientemente, até que finalmente se confronta com a única realidade, o próprio conhecimento, Deus se torna manifesto em si mesmo. A alma não pode dizer nada sobre esta experiência no sentido de defini-la. Apenas pode revelá-la a outros.

Este é o modo neoplatônico de negação ensinado por Agostinho. Mas as deidades neoplatônicas mentem sobre realidade, não há como dizer que ela existe nesse sentido. Eckhart, frequentemente acusado de dualismo, na verdade foi um monista extremado, contudo há uma diferença entre sua teoria do ser e o panteísmo de pensadores como Spinoza. Para Eckhart, a realidade é densa, não existe nenhuma porta de ligação entre o processo interno de Deus, a Trindade, e o mundo de sua criação. Deus (Godhead) gera o Filho e cria o mundo ao mesmo tempo ou no mesmo momento da eternidade. Não é necessário muita pesquisa para concluir que o ensino de Eckhart pode ser qualificado como ortodoxo. Todavia, quanto à co-eternidade do Filho e do mundo, seus críticos rapidamente o acusaram de herético.

"Antes de existir qualquer coisa, a Palavra já existia", disse São João, "Ele criou tudo o que há — não existe nada que ele não tenha feito". O procriar da Palavra é um processo dual — interno e externo — o conhecimento de Deus se revela pela sua criação, e a criação se revela pelo conhecimento, pelo Logos, do mundo. A criação é a roupagem do vazio.

Embora Eckhart se comporte como um intelectual rigoroso em seus tratados latinos — a alma se eleva a Deus pelo conhecimento, ou melhor, percebe Deus nos recantos mais íntimos do ego, do ser, absoluto e contingente, é revelado pelo saber — em seus conhecidos sermões pela Alemanha, pregado principalmente às freiras dominicanas e às congregações beguines, ele adota a extensa linguagem familiar da teologia do coração. "A alma", diz ele, "torna-se noiva de Deus, torna-se feminina em todos os aspectos, torna-se uma esposa virgem, torna-se liberta de qualquer outro compromisso, Jesus é concebido na alma gerando frutos".

A união amorosa é total e auto-suficiente. O amor não é vontade de satisfazer um desejo; mas a plenitude do ser compartilhando a alma em Deus. Oração, boas ações, esmolas, são inúteis a menos que tais coisas fluam de uma vontade consumida pelo amor de Deus e submissa à sua vontade. Onde Eckhart julgava adequado à sua audiência, apresentava sua teologia em termos de vontade mais do que em termos de conhecimento, e fazia isso de propósito. Foi por inspiração de seus sermões populares que muitos apaixonados místicos posteriores acabaram contraindo núpcias espirituais com Ruysbroeck.

Segundo Eckhart, qual é o principal dado que nos permite tomar conhecimento da existência? O principal dado é a imprevisível, indescritível experiência religiosa em si mesma. Em suma, a alma pode ser definida como a fonte, a primavera da qual floresce toda realidade e que pode ser alcançada pela contemplação. Nesse ponto começa a doutrina da luz interior que caracterizou as comunidades místicas daquele tempo, e que é central na teologia quaker. O aspecto prático também descende de Eckhart — o quietismo. A experiência religiosa revela-se por uma crescente quietude. "Não se turbe o vosso coração".

O misticismo de Eckhart aparenta ser algo bem solitário — alguém poderia pensar que tal misticismo dissolveria não apenas a Igreja e seu culto, como também toda experiência religiosa comunal. Pelo contrário, ele funciona como uma locomotiva ajudando no desenvolvimento da vida comunitária. Os Amigos de Deus, a Fraternidade da Vida Comum, e grupos semelhantes tanto de pregadores como de leigos espalharam-se rapidamente por toda Renânia, pelos Países Baixos, Alemanha Ocidental, e Boêmia. Foi como se a Igreja desenvolvesse anticorpos tão ortodoxos quanto profiláticos para combater a infecção dos Irmãos do Espírito Livre. É evidente que o ensino de Eckhart não era nada ortodoxo. Ele apenas o ajustou à ortodoxia na medida do possível.

No final de sua vida, o arcebispo de Colônia posicionou-se contra ele. Ele apelou ao Papa João XXII e em 1329, dois anos após sua morte, vinte e oito das suas proposições foram condenadas. Mais uma vez vemos João XXII efetuando representações contra as demandas das comunidades cristãs mais devotas, negando-lhes uma vida espiritual mais rica diante do decadente establishment medieval.

Fonte
Kenneth Rexroth, Communalism, Seabury Press, 1974, capítulo 4 "Eckhart, Irmãos do Espírito Livre", pp. 43-60.

A Reforma Radical, Thomas Münzer

Kenneth Rexroth, Comunalismo, das origens ao século XX

A Reforma de Lutero, Zwinglio e Calvino, quando surgiu, foi certamente uma revolução, mas foi uma revolução inserida na sociedade, na cultura dominante, e no processo geral da história da civilização ocidental. A Reforma dissolveu a natureza hierárquica do feudalismo e quebrou sua capacidade de interligar direitos e deveres. Liberou os ativos congelados sob a propriedade eclesiástica — mais da metade das terras férteis da Europa Ocidental e provavelmente a maior parte de seu ativo. Aboliu a alfândega e todas as sanções legais e a alfândega que mantinham a economia estática. Sancionou a usura e permitiu ao agiota exigir o juro que quisesse. Anulou a supressão ou o controle da competição entre os sócios das agremiações.

Na Idade Média os camponeses tinham claramente definidos os seus direitos e deveres, sancionados por um costume imemorial e por leis. As pessoas comuns estavam subordinadas ao senhor local que, por seu turno, tinham responsabilidades e privilégios em relação ao seu superior. E assim por diante até chegar ao imperador ou papa. Com a Reforma, o camponês que no princípio esperava ganhar uma vaga, mas maravilhosa liberdade a partir da nova moralidade social pregada pelo jovem Lutero, acabou mesmo reduzido ao estado de servo, sem quaisquer direitos e, em vez de deveres, era obrigado a trabalhos forçados.

Ao final da Idade Média, a sociedade estava abarrotada de organizações de caridade de todos os tipos que cuidavam de desempregados crônicos ou pessoas fora do mercado de trabalho. Com a concentração de riqueza da Igreja, apenas uma pequena fração destas instituições eram alimentadas pelos auspícios privados ou estatais e pela absorção da mais valia necessária para manter-se diante de uma economia estática. Desde aquela época até os dias presentes os legisladores tornaram-se ferozes perseguidores dos "desocupados" e “vagabundos”.

As leis da Europa pós-Reforma, que dizem respeito aos pobres, não importa o país, todas tem um ponto em comum — a pobreza é culpa do próprio pobre e a indigência é um vício. Teoricamente os velhos tratos da Idade Média foram substituídos por uma estrutura de contratos entre indivíduos, homem a homem, "pessoa jurídica" ou instituições legais; mas devido ao tamanho da população não comportar contratos de qualquer espécie, isso acabou resultando em uma progressiva atomização. O homem medieval era salvo como um membro do corpo de Cristo, a Igreja, que literalmente incorporava seus membros. O cristão luterano salvava-se sozinho, por um ato individual de fé, e a sua relação com a deidade era um momento atômico totalmente contingente e destituído de auto-suficiência diante da absoluta onipotência e auto-suficiência de Deus.

O calvinismo introduz apenas uma mudança de ênfase. Se Deus predestina um eleito à salvação, e todos os outros homens à danação desde o começo dos tempos, esse eleito não faria parte de uma comunidade, porque sua sociedade era desconhecida e irreconhecível. Alguém poderia pensar que isto conduziria a um completo antinomianismo, o abandono de toda moralidade. Totalmente o contrário, tudo aquilo que o homem poderia fazer era se comportar como eleito e esperar o melhor. Assim, o extremo ascetismo de Calvino circunscrevia o comportamento do homem de tal forma que ele não poderia fazer outra coisa senão trabalhar duro, acumular dinheiro, e investi-lo. Lutero era a religião do livre empreendimento, Calvino da acumulação de capital. Em tal sistema, com as teocracias calvinistas de Genebra, França, Escócia, ou Nova Inglaterra, o pobre estava condenado a priori pela sua própria condição. Nem todo sócio da elite poderia ser um sócio do eleito, mas o pobre, e especialmente o indigente pobre, obviamente não o era. O incompetente, o antigo defeituoso, o bêbado, e todos aqueles que apenas viveram para o prazer em vez do lucro eram por si só evidentemente malditos.

Embora os três grandes reformadores enfatizassem a Bíblia -- “apenas pela fé, apenas pela Bíblia”, disse Lutero -- a era apostólica, e os pais da Igreja, sua teologia na realidade foi derivada diretamente de Santo Agostinho e dos escolásticos medievais. Sua insistência na salvação pela fé e predestinação representa apenas leves mudanças de ênfase, comparados com os ensinamentos dos escolásticos mais ortodoxos. Não foi assim no começo do século dezessete na Inglaterra onde a Igreja Anglicana iniciou uma séria tentativa para construir uma teologia baseada nos Pais e no testemunho de uma Igreja unida por conselhos ecumênicos.

Para os reformadores a Igreja era coligada ao Estado, da mesma maneira que para os teólogos católicos, a Igreja e o Estado exerciam apenas papéis diferentes no exercício do poder. A diferença era que a Igreja não tinha mais a autoridade final -- personificada no papa. Em princípio a principal apelo foi o próprio Lutero. Os outros líderes da Reforma alemã sempre adiaram decisões concludentes -- como no caso da doutrina da Eucaristia de Zwinglio; na questão das relações com a igreja de Utraquisto da Boêmia, dos remanescentes Taborites, e dos primeiros irmãos suíços; foi no bojo desses problemas disciplinares que surgiu Thomas Münzer; e, naturalmente, a notória condenação da Revolta dos Camponeses por parte de Lutero.

A maioria dos problemas religiosos eram conhecidos pelo Estado secular, pelos conselhos da cidade, pelos senhores locais, e até mesmo pelos príncipes e duques dos conglomerados de estados insignificantes e de reinos pequenos que compunham o Império alemão, a velha comunidade política começava a desmoronar sob o sopro do conflito universal gerado pela Reforma. Assim foi estabelecido o princípio cujus regio, ejus religio, “como o governo, assim a religião”, sem o qual a Europa Central se esfacelaria em uma guerra de todos contra todos, já que a autoridade espiritual na realidade não estava mais centrada em um imperador ou em algum poder secular abstrato, mas circunstancialmente nas insignificantes cortes da Alemanha.

A religião dos anabatistas e a reforma radical, em termos gerais, se opunham diametralmente à Reforma de Lutero. Thomas Münzer em Mühlhausen e Frankenhausen, da mesma forma que a comuna apocalíptica anabatista de Münster, pretendiam estabelecer o reino milenário na forma de um Império secular, mas apesar de toda sua notoriedade eles eram atípicos. Em termos relativos, poucas pessoas estavam envolvidas nos grupos anabatistas. Recentes historiadores americanos menonitas e batistas têm ligado as antigas raízes anabatistas e os reformadores radicais do século dezesseis com seitas similares ao longo da Idade Média que vêm desde o tempo dos apóstolos. Eles estão essencialmente certos.

A Reforma aparenta, de forma bem superficial, advogar a liberdade de expressão, libertar e tornar pública a dissidência radical, que estava lá todo o tempo, e brevemente permitiu que o proselitismo se espalhasse através de pastores cujas doutrinas eram subversivas à própria Reforma, até mesmo mais do que ao catolicismo romano. Há registros que indicam que até a Reforma a Igreja romana vinha provavelmente ignorando a maioria dos cultos estranhos que floresciam na Idade Média, a menos que dessem algum escândalo ou fizessem questão de aparecer, algo semelhante à concubinagem clerical. Nos anos posteriores os extremistas sectários e os católicos romanos freqüentemente formavam uma frente unida contra a igreja protestante e o estado, conforme testemunha a estreita amizade entre William Penn e James II.

Os sectários radicais não apenas apelaram às tradições da Igreja, antes de serem cooptados por Constantino, eles se esforçavam em restabelecê-la totalmente em fé e prática, como um remanescente salvo em um mundo condenado. Eles eram indiferentes ao conflito de poder entre o imperador e o papa, entre Lutero e o príncipe, porque eles não acreditavam no poder mundano como tal. Eles eram indiferentes a leis que regulam competição e tomada de interesse porque eles não acreditavam nessa coisa que mais tarde foi denominada "economia política".

Eles se esforçavam por alcançar a economia auto-suficiente de uma subcultura fechada, um comunismo de produção e consumo. Na maioria dos casos as circunstancias não permitiam isso, mas eles sempre defendiam uma comunidade apostólica de bens coletivos, a responsabilidade compartilhada para o bem-estar físico de todos os sócios; e desde os primeiros dias eles freqüentemente praticaram um comunismo de consumo enquanto ganhavam seu pão e trabalhavam no mundo.

Profundamente influenciados por Eckhart, Tauler, e Suso, que segundo a maioria dos seus leitores teólogos, eles olhavam o processo de salvação como uma progressiva deificação do homem em comunidade em vez da forense "justificação" do indivíduo diante do julgamento de Deus pela fé no sacrifício de Cristo — eles acreditavam em com-ação não em compensação, no Cristo vivo não em seu sacrifício, na comunhão não na Missa. Assim, os anabatistas (duas-vezes-batizados) se opunham ao batismo de crianças inconscientes ou de crianças imaturas. Para eles o batismo era o selo divino na alma desperta na comunidade do eleito, um ato consciente pelo qual o indivíduo dá as costas para o mundo e embarca na peregrinação espiritual pela divinização em companhia de sua amada comunidade.

Embora praticamente todos os anabatistas sejam milenaristas no sentido de que eles esperam a vinda do reino em um futuro indefinido, eles não concebem a si mesmos como o exército do apocalipse para o qual foi dada a função de condutor nos últimos dias, eles concebem a si mesmo como aqueles que aguardam o advento divino. Os dois episódios mais famosos da história dos anabatistas primitivos não surgiu fora do corpo principal do movimento mas germinou de uma forma independente.

Thomas Münzer não foi um anabatista, ou pelo menos não dava qualquer importância a questões sobre quando e por que batizar, várias vezes em sua carreira ele deu respostas contraditórias sobre esse assunto. Nem mesmo em seus últimos dias ele pregou comunidade de bens coletivos, e sua única declaração definida no assunto foi feita em sua confissão final após tortura e antes da execução.

Münzer nasceu em Stolberg de uma família próspera nas montanhas de Harz e foi educado em Leipzig e Frankfurt. Parece que ele se encontrou com Lutero por volta de 1519, passou seus anos de escola estudando seriamente a procura de respostas, profundamente aborrecido pela apostasia da Igreja estabelecida. Naquele mesmo ano tornou-se padre confessor em um convento em Beuditz e com a segurança e o lazer proporcionados por sua posição, gastou mais de um ano em um intensivo estudo lendo Josephus, a história da igreja de Eusebius, St. Augustine, os atos dos conselhos gerais, os atos de Constance e Basel, e os escritos místicos de Suso e Tauler. Ele começou a se corresponder com os principais reformadores, a maioria dos quais eram de cinco a dez anos mais velhos do que ele. No próximo ano lhe recomendaram como pastor na Igreja de Santa Maria em Zwickau para substituir temporariamente o pastor João Egranus. No princípio ele parecia ser mais um dos jovens apóstolos de Lutero -- cuja fama se espalhava por toda a Alemanha -- até que se envolveu em uma violenta controvérsia com os franciscanos locais.

Zwickau por aqueles dias era uma das maiores cidades da Alemanha, três vezes maior do que Dresden. Fora um próspero centro têxtil mas com o desenvolvimento das minas de prata nas montanhas vizinhas, abandonou o comércio de tecelagens gerando desemprego entre os tecelões. A cidade assumiu uma característica de boom econômico com uma grave inflação dos preços locais, típico das cidades mineradoras, a polarização radical das classes, com uma grande riqueza ao topo e pobreza e desemprego em massa na base. Zwickau fazia fronteira com a Boêmia e fora o pivô da agitação de Tamborite no século anterior. Nicholas Storch -- o descendente de uma família anteriormente rica e poderosa, mas que foi levada à falência pelos proprietários das minas -- juntou e organizou pequenos grupos clandestinos de Picardos remanescentes formando um movimento aberto conhecido como os Profetas de Zwickau. Quando se encontrou com Münzer, Storch já era um líder pentencostal extremista, de uma seita quiliástica de religiosos revolucionários, freqüentemente bem ao gosto dos tecelões desempregados.

A violência dos sermões de Münzer contra os franciscanos resultou em problemas com a assembléia municipal, a congregação de Santa Maria, e com João Egranus, ao qual devolveu o púlpito, ele se viu cada vez mais lançado em direção a Storch. Eventualmente ele deixou a classe alta de Santa Maria tornando-se o pastor de Santa Catarina, uma grande congregação composta por mineiros, tecelões pobres, e desempregados. Em Santa Catarina, Münzer tornou-se conscientemente um pastor de pobres. Ele abandonou sua postura de luterano ortodoxo tornando-se um apocalíptico como Storch, dedicando cada vez mais tempo em reuniões com os Profetas. A assembléia municipal assumiu um crescente antagonismo. Na primavera de 1521 Münzer recebeu ordem para sair de Zwickau. Lutero retirara seu apoio.

Münzer foi a Praga onde recebeu entusiásticas boas-vindas como um dos novos luteranos, sendo convidado a pregar nas igrejas. Mas seus sermões não eram luteranos; ele não apenas se tornara um chiliasta desenvolvido, como também sua linguagem se tornara extraordinariamente violenta, abusiva, e grosseira, ao mesmo tempo que reivindicava-se escolhido por Deus para recrutar os eleitos para a luta armada final antes do milênio, devido às condições ultrajantes daqueles dias. Os sofisticados cidadãos de Praga ouviram tudo isso cem anos antes e não se impressionaram.

Münzer partiu, desiludido com os bohemios. Antes de partir, imitando Lutero, ele pregou um manifesto nas portas das principais igrejas, resumindo suas principais idéias que o guiariam até o fim de sua vida, mas com a violência e a incoerência de sua linguagem configurando sua característica mais notável. Durante 1522 ele vagou quase que sem uma ocupação regular. Ele visitou Lutero em Wittenberg, com o qual aparentemente se aborreceu, mas que parece ter usado de sua influência tanto que Münzer obteve uma posição como pastor da Igreja de São João na pequena cidade de Alstedt na Saxony. Lá ele deu seu primeiro sermão no dia de Páscoa em 1523.

Os dezesseis meses que Münzer permaneceu em Alstedt foram os mais quietos e os mais produtivos de sua breve carreira. Ele se casou com uma ex-freira, Ottilie von Gersen. Na Páscoa do ano seguinte ela o presenteou com um filho. Münzer, que tinha iniciado, de uma forma muito tranqüila para ele, como um porta-voz da Reforma ortodoxa, embora emocional e excêntrico; decidiu-se mover cautelosamente e com uma certa dose de duplicidade, mas seus tempestuosos sermões logo fizeram dele o pastor mais popular de todo distrito. As pessoas vinham dos arredores para ouvi-lo. Ele escreveu e celebrou a primeira Eucaristia no idioma alemão e depois publicou um missal completo com liturgias para comunhão, batismo, matrimônio, comunhão do doente e funerais, inclusive confissão pública de pecado antes da comunhão. Sua liturgia prometia ser amplamente adotada, mas seu envolvimento com a Revolta dos Camponeses trouxe a condenação por parte de Lutero que, porém, não teve escrúpulos em copiá-la três anos depois. A coisa mais impressionante sobre a liturgia de Münzer é a completa ausência de sua habitual grosseria e violência. Pelo contrário elas mostram uma excepcional sensibilidade poética e devocional.

Com o tempo Münzer revelou cada vez mais sua mensagem apocalíptica, apresentando-se abertamente como um homem escolhido de Deus. Ao mesmo tempo ele começou a organização secreta de um exército revolucionário. A Liga dos Eleitos começou a invadir, pilhar, e incendiar conventos e monastérios na zona rural aos arredores da cidade. Em pouco tempo ele recrutara para sua liga um vasto círculo de comunidades da Thuringia. Com sua fama chegando até o estrangeiro, suas atividades começaram a preocupar Frederick, o eleitor da Saxônia, seu irmão Duque João, que eram partidários da Reforma, e Lutero, com o qual sua relação tornava-se cada vez mais atribulada e divergente. Münzer também entrou em uma violenta disputa com o senhor local, o Conde de Mansfeld. Enquanto isso ele constantemente emitia panfletos, cada um mais radical que o outro. Frederick decidiu investigar e enviou o Duque João, seu filho João Frederick, seu chanceler, e vários outros oficiais para Alstedt. Eles convidaram Münzer para que pregasse para eles no castelo e em 13 de julho ele formulou aquilo que foi considerado a expressão vocal pública mais extraordinária da era da Reforma.

Seu sermão baseou-se em visões apocalípticas do livro de Daniel, Münzer anunciou uma guerra iminente entre as forças do Diabo e a Liga dos Eleitos que conduziria ao milênio, e apelou aos príncipes visitantes para que se juntassem ao exército de santos. Ele visava uma nova reforma tendo como sua capital a pequena cidade de Alstedt, dali a palavra se esparramaria, primeiro pela Saxônia, depois por toda a Alemanha, e finalmente por todo o mundo. Seria um reino exclusivo de eleitos, alcançado por um método simples -- matar todos os opositores. Ele terminou ameaçando exterminar seus nobres ouvintes se não se juntassem a ele. Nada revelou melhor a turbulência intelectual da época do que o Duque João confiando em Münzer e aceitando suas idéias.

O sermão foi impresso e distribuído. Duque João retornou para consultar o Eleitor Frederico, que no princípio estava preparado para tolerar o fanatismo de Münzer, desde que seu fanatismo não se convertesse em ações. Münzer persistiu acossando tanto Lutero como os governantes. Ele foi chamado até Weimar, onde proclamou ser o líder do final dos tempos, e onde sua linguagem sanguinária tornou-se ainda mais extremada. Ele voltou a Alstedt, ainda confiante da vitória sobre a corte saxônica. Frederick, Duque João, e Lutero começaram a exercer pressão no conselho de Alstedt para que o expulsassem da cidade. Repentinamente, na noite de 7 de agosto de 1524, ele saiu de Alstedt, deixando para trás sua esposa, seus filhos e todas suas posses.

Münzer passou o outono e o inverno viajando, primeiro para Mühlhausen, onde o militante anabatista Henry Pfeiffer organizara sua Liga dos Eleitos visando assumir a cidade. Münzer imediatamente assumiu a liderança de Pfeiffer, sobrepôs seu próprio programa apocalíptico, organizou uma manifestação, e tentaram tomar a prefeitura e o conselho da cidade. Os nobres, juntamente com uma companhia de soldados mercenários, dispersaram a multidão e expulsaram Münzer e Pfeiffer.

Münzer foi até Nuremberg visitar seu amigo João Hut, que publicou o panfleto mais violento, incoerente, e abusivo de Münzer contra Lutero, uma expressão de ódio histérico e contínuo. As autoridades de Nuremberg confiscaram e destruíram quase todas as cópias, apreenderam a impressora, e expulsaram Münzer e Pfeiffer. Münzer foi para a Suíça em busca de aliados entre os Irmãos Suíços, nessa oportunidade visitou João Oecolampadius, um reformador ortodoxo zwingliano. Ele também visitou Balthasar Hübmaier em Waldshut na fronteira com a Alemanha, um líder anabatista ligeiramente menos militante do que Münzer, tudo isso na busca de aliados, em toda parte, na tentativa de levantar as pessoas para a sua revolução. Todavia ele não conseguiu impressionar nem os líderes nem as pessoas, o máximo que conseguiu foi chocar profundamente os pacíficos Irmãos Suíços. Münzer retornou a Mühlhausen. Pfeiffer já retornara e os radicais controlavam a cidade. Münzer revitalizou e armou sua liga, expeliu os oponentes, e estabeleceu oficialmente um novo conselho no qual tanto ele como Pfeiffer recusaram pertencer. Nesse meio tempo a Revolta dos Camponeses já havia alcançado a Thuringia, e Münzer estava pronto, não apenas para juntar-se a ela, mas também para assumi-la.

Embora Münzer fosse muitas vezes chamado de herói das Revoltas Camponesas, devemos entender que, na verdade, ele nada teve a ver com elas. A revolta em Mühlhausen foi uma ação completamente separada e com objetivos bastante diferentes. Como a Reforma procedeu destruindo relações econômicas e sociais do feudalismo, os camponeses da Alemanha assumiram a postura de Lutero como favorável à liberdade econômica, uma sociedade de fazendeiros independentes e de trabalhadores livres. A velha relação social começava a despencar — desde o topo — de tal forma que os nobres e magnatas iniciaram uma servidão forçada aos camponeses, uma condição bem diferente dos camponeses medievais que tinham direitos e deveres. A servidão pós-Reforma em muito se assemelha à versão Russa, uma condição servil muito próxima à escravidão.

Na medida em que as classes dominantes fechavam o cerco, os camponeses de todo o sul da Alemanha começaram a se rebelar. Desde o princípio do século dezesseis todos os anos em algum lugar eclodiram revoltas esporádicas, normalmente sob a liderança do soldado Joss Fritz, e pela difusão de uma organização secreta chamada no princípio de Bundschuh e depois de Pobre Konrad. Estas não foram pequenas revoltas, mas batalhas que envolviam algo em torno de cinco mil camponeses armados. Em 1525 as ações locais e revoltas se fundiram em uma completa guerra no Tirol, Áustria e sudoeste da Alemanha.

Antes desse tempo, Lutero, que tinha permanecido originalmente neutro, culpando tanto camponeses como governantes, passou a denunciar os camponeses e incitar a nobreza para a matança, em uma linguagem tão desenfreada quanto a de Thomas Münzer. “Só há uma maneira do sr. povinho fazer sua obrigação", disse Lutero, "constrangendo-o pela lei e pela espada, prendendo-o em cadeias e gaiolas, da mesma forma que se faz com bestas selvagens . . . melhor a morte de todos os camponeses do que a morte dos príncipes . . . estrangulem os rebeldes como fariam com cães raivosos”. E quando a rebelião foi suprimida através de um massacre total, Lutero disse "que todo seu sangue recaia sobre mim", procedendo uma justificação teológica à nova servidão.

As demandas dos camponeses eram simples, consistentes, longe de milenarismos, raramente religiosas, e certamente não comunistas. Eles reivindicavam a abolição do que restara do feudalismo e das novas medidas que os lançava na servidão, o desestabelecimento da Igreja, uma drástica redução de taxas, o restabelecimento de direitos comuns nos pastos, bosques, e liberdade de caça e pesca. Não havia nada de subversivo na nova ordem social inaugurada pela Reforma. Pelo contrário, era o retorno a um capitalismo semi-feudal, o esmagamento da Revolta dos Camponeses, o que assegurou o desenvolvimento alemão por trezentos anos.

Thomas Münzer não estava interessado nos problemas práticos dos camponeses e proletários. Em todos os seus escritos ele não mostra nem mesmo qualquer evidência de estar atento a eles. Seu interesse estava apenas no milênio, e em seu retorno a Mühlhausen ele dedicou-se febrilmente a essa idéia. Münzer enviou mensageiros em todas as direções para juntar forças onde quer que a Liga dos Eleitos tivesse membros, ou onde Münzer formasse grupos de discípulos. Alstedt, Zwickau, Mansfeld, foram chamadas para compor as tropas. Da mesma forma que Tabor, um século antes, os revolucionários puseram-se a caminho quando chegaram as notícias de Mühlhausen. Nicholas Storch chegou encabeçando seu próprio pequeno exército. Naquele momento Münzer, Pfeiffer, e Storch podem ter apresentado a comunidade de bens coletivos, entretanto é impossível determinar se isso ocorreu na forma de um comunismo de assédio, ou simplesmente na forma de comunismo de cidade sitiada. Esse assunto apenas é mencionado na passagem da confissão final de Münzer.

Durante a primeira semana de maio o exército camponês, entre oito e dez mil, se reuniu em Frankenhausen, que tinha sido tomada por revolucionários de Mühlhausen. Em onze de maio Münzer chegou ao acampamento camponês e começou a organizar o exército do apocalipse. É importante destacar que ele trouxe apenas trezentos de seus próprios seguidores de Mülhausen e que Pfeiffer tenha ficado para traz, opondo-se à aliança da cidade do apocalipse com o exército de camponeses. Enquanto isso o Duque João, que havia se tornado eleitor pela morte de seu irmão em quatro de maio, e outros príncipes das vizinhanças levantaram um exército sob o comando de Filipe, proprietário de terras em Hesse, que imediatamente marchou para Mühlhausen.

No dia 15 Filipe atacou com cerca de cinco mil artilheiros e dois mil cavaleiros, os camponeses não tinham nada disso. Filipe propôs paz se entregassem Münzer; mas após uma resposta emotiva do próprio Münzer -- dizendo que pegaria as balas de canhão com seu capote, que aqueles que tivessem fé completa seriam imunes às balas, que apareceria um arco-íris (símbolo de sua bandeira) no céu -- os camponeses recusaram. Enquanto o exército camponês cantava "Veni Sancte Spiritus" a artilharia de Filipe abriu fogo forçando os camponeses a recuar abrindo o flanco à cavalaria enquanto que a infantaria atacava pelos outros dois lados. Completamente cercados, os camponeses foram feitos em pedaços. Foram mortos cinco mil no campo de batalha, seiscentos capturados, o restante fugiu para as florestas da Thuringian. O exército de Filipe perdeu seis homens.

No momento em que o ataque começou Münzer correu para longe escondendo-se em um sótão em Frankenhausen. Os soldados o descobriram deitado em uma cama com a cabeça coberta. Ele dizia ser um homem doente e que não tinha nada a ver com a revolta; como recusava mostrar seus documentos foi descoberto. Ele foi levado à presença de Filipe e depois ao seu inimigo, o Conde Ernesto de Mansfeld, que o torturou a maior parte da noite. Pela manhã Münzer assinou uma confissão onde nomeava todos seus confederados e proclamava ter iniciado sua carreira revolucionária num grupo secreto em Halle quando era garoto.

Em 24 de maio um exército do Duque capturou Mühlhausen que implorando clemência não ofereceu nenhuma resistência. Em 26 de maio Pfeiffer e a maioria dos membros do "conselho eterno" foram decapitados, Münzer foi decapitado em praça pública. Münzer retratou-se e recebeu comunhão de acordo com o rito católico mas não conseguiu se lembrar do Credo de Niceia. Pfeiffer recusou e morreu desafiante. A cidade de Mühlhausen foi multada em quarenta mil gulden (mais de meio milhão de dólares). Seu estatus de cidade livre foi abolido e nunca mais recuperou sua prosperidade.

A batalha de Frankenhausen marcou o fim da Revolta dos Camponeses, embora os anos seguintes tenham sido dedicados a operações de rescaldo, julgamentos, execuções, e massacres secundários de camponeses desmoralizados por toda parte do sul da Alemanha e da Áustria. Lutero publicou um panfleto exultante, A Terrivel História e o Julgamento de Deus para com Thomas Münzer. Os documentos de Münzer ficaram em poder de Filipe de Hesse e de George da Saxonia que depositou-os nos arquivos de Marburg, Dresden, e Weimar.

Quatro diferentes Thomas Münzers sobreviveram na história. Para os protestantes ortodoxos suas conclusões lógicas foram que ele seria um típico anabatista que não fez outra coisa senão empurrar suas doutrinas de sectarismo radical. Mas para os anabatistas cuja maioria sempre foi pacifista, seu pacifismo foi ainda mais intensificado devido a Münzer e a comuna de Münster alguns anos depois. Assim eles o repudiaram como um completo e lunático fanático sem nenhuma real conecção com o corpo principal do movimento. Para os historiadores católicos romanos Münzer simplesmente operou dentro das inevitáveis conseqüencias do individualismo protestante, e Mühlhausen foi apenas mais um exemplo ligeiramente mais extremo da Reforma atacando a lei e a ordem. Em 1850 Friedrich Engels publicou The Peasants' War in Germany e Münzer tornou-se um santo revolucionário, uma posição que ele nunca abandonou. Os historiadores marxistas o qualificam de ideólogo da Guerra dos Camponeses, o primeiro político cosmopolita. Engels disse que a filosofia religiosa de Münzer tocava o ateísmo e que seu programa político tocava o comunismo. Karl Kautsky em sua obra Communism in Central Europe at the Time on the Reformation e Ernst Bloch em Thomas Müntzer als Theologe der Revolution, ambos retratam Münzer como um plenamente desenvolvido, embora primitivo, ideólogo do comunismo revolucionário. Ele é um herói popular na Alemanha Oriental. Muitos livros foram escritos sobre ele, ruas e praças receberam seu nome. A versão de Engels da história de Münzer é ensinada para educar as crianças, e foram impressos selos onde aparece seu rosto. Em recentes anos pesquisas em fontes que Engels desconhecia tornaram possível desenhar um quadro bastante preciso do real Thomas Münzer.

Münster
Embora seja bem provável que a maioria dos primitivos líderes da Reforma radical se opusessem ao batismo infantil, apenas após 21 de janeiro de 1525, que o primeiro rebatismo de um adulto foi executado no círculo dos Irmãos Suíços em Zurique, quando seu líder, Konrad Grebel, batizou Georg Blaurock, um exato contemporâneo do começo da revolução em Mühlhausen. Em alguns anos todos que tomaram parte disso seriam martirizados, mas os Irmãos Suíços permaneceram pacifistas comunitários, sobrevivendo e provendo a primeira imigração menonita para a América. Desde os primeiros anos eles pregaram uma comunidade apostólica de bens coletivos. Na prática, em parte porque tratava-se de um movimento urbano de pessoas empregadas, tal comunalismo usualmente tomava a forma de pobreza voluntária e de um fundo comum. Eles eram milenaristas, mas não como Lutero, Zwinglio, ou Calvino. O fim do mundo estava próximo, mas sua chegada não era tão eminente; e seu milenarismo tomava a forma de uma escatologia ética — “Viva como se o mundo fosse terminar amanhã, procedendo como membro da raça humana”, que é na realidade a moralidade do Sermão do Monte.

Depois da queda de Frankenhausen, o violento milenarismo de Thomas Münzer se espalhou de norte a oeste dos Países Baixos e pelas regiões da Alemanha onde se falava o dialeto plattdeutsch. O livreiro e impressor itinerante Hans Hut escapou da batalha e esparramou o evangelho da revolta pelo sul da Alemanha, mas acabou sendo pego e imediatamente executado. Pequenos grupos comunais milenários se levantaram em algumas partes no sul da Alemanha mas logo foram suprimidos. Muitos deles, como os conduzidos por Augustine Bader, rejeitaram todos os ritos e sacramentos, possuindo todas as coisas em comum, e vivendo de acordo com a orientação do grupo religioso Luz Eterna, aguardando o fim do mundo. O líder mais importante foi Melchior Hoffmann, um sócio de Münzer em seus primeiros dias. Ele tornou Strassburg sua sede, mas a influencia de seu ensino se esparramou como uma atividade de missão organizada, tanto ele como seus discípulos exerceram forte influência por toda a Alemanha. Ele era principalmente milenarista, e os melchioritas apenas adotaram o batismo de adultos como um símbolo para marcar o corpo do eleito. Embora ele não acreditasse pessoalmente em implantar o reino pela violência, seus seguidores tornaram-se mais e mais revolucionários. Simultaneamente as medidas repressivas tornaram-se ainda mais severas. O fervor escatológico de Hoffmann desafiava o risco de prisão ou morte, não excluindo uma violenta revolução. Mas em 1533 às vésperas do estabelecimento da Nova Jerusalém em Münster, Hoffmann foi aprisionado em Strassburg passando 10 anos de sua vida na prisão.

Münster era um dos muitos pequenos estados eclesiásticos no noroeste da Alemanha sob o governo dos príncipes bispos, que na realidade freqüentemente eram leigos. Uma cidade com um importante comércio, sofrendo uma grave e crônica tensão entre os desejos dos príncipes bispos e o conselho de comerciantes e líderes de agremiações. Münster tinha recentemente passado por uma época de inundações, pestes, escassez local, e conflito de classes resultante da Revolta dos Camponeses no sul; mas apesar destes problemas, emergira uma quantia considerável de civismo democrático, com o poder nas mãos do conselho da cidade.

O líder religioso mais influente da cidade foi Bernt Rothmann. De 1531 até 1533 ele constantemente se movia do catolicismo evangélico para o luteranismo, da doutrina de Zwinglio do repúdio à real presença de Cristo no pão e no vinho, para a simpatia com os melchioritas e os apóstolos do grupo Luz Eterna. Até o último momento ele teve o apoio do conselho da cidade, e a cidade tornou-se oficialmente protestante com a Igreja Católica limitada à catedral, monastérios, e conventos.

Mas quando Rothmann e seus seguidores recusaram batizar as crianças que eram apresentadas na igreja, o conselho se rebelou e exilou-os da cidade, substituindo-os por luteranos ortodoxos. Porém, enquanto isso, a cidade estava sendo invadida por pregadores melchioritas dos Países Baixos, discípulos vagantes de Thomas Münzer e outros militantes sectários. Rothmann recusou partir e um mês depois — em janeiro de 1534 — ele reassumiu o controle, com os católicos da catedral e os luteranos permitindo-o pregar na igreja de São Lambert.

A cidade tinha sido visitada no outono anterior por Jan Bockelson (João de Leyden), que retornou à Holanda com excitantes notícias de que o reino dos eleitos estava próximo de ser estabelecido em Münster. Jan Mattys, o líder melchiorita em Amsterdam, teve uma revelação — de que Melchior Hoffmann tinha compreendido mal suas próprias visões, e que Münster, não Strassburg, fora destinada a ser a Nova Jerusalém. No início de janeiro de 1534 dois apóstolos de Amsterdam, enviados por Mattys, foram até Münster e imediatamente rebatizaram Rothmann, o sócio de Henry Rol, e vários outros clérigos. Nos próximos oito dias Rothmann e outros batizaram mil e quatrocentos cidadãos em cerimônias privadas em suas casas. Pouco tempo depois, chegaram o próprio Mattys e Bockelson, pregando o mais militante chiliasmo e exigindo uma completa reorganização da comunidade; eles converteram Rothmann e seus seguidores, inclusive o prefeito, Bernard Knipperdolling.

O conselho da cidade tentou resistir. O bispo juntou uma força de mercenários da vizinhança e ofereceu ajuda, que o conselho rejeitou, mas os cidadãos em massa publicamente forçaram o conselho a renunciar. Uma nova eleição foi feita e Knipperdolling, um rico comerciante de tecidos foi eleito como prefeito. Knipperdolling fora discípulo de Sebastian Franck e, mesmo antes do levante anabatista, ele fora, por ordem direta do rei, proibido de pregar a Reforma radical. Logo Bockelson se casou com Klara, a filha de Knipperdolling, e tanto ele como Mattys assumiram o completo controle da cidade. Dali em diante Rothmann dedicou-se a trabalhar principalmente como teólogo e apologista do movimento. Aparentemente, ele teve uma premonição de um futuro apocalíptico pois advertiu um amigo seu para aceitar um compromisso em outro lugar fora de Münster, pois, disse ele, "as coisas não irão bem por aqui".

Mattys começou a instituir uma comunidade de bens coletivos e solicitou todas as riquezas em dinheiro, jóias, e metais preciosos para serem trazidas para um fundo comum. O conselho lutou resistindo e aprovou por estreita maioria uma ordem de expulsar os pregadores radicais da cidade. Os radicais foram escoltados a um portão da cidade e foram despejados, eles rodearam o muro, e entraram por outro portão, onde foram recebidos e colocados de volta a suas igrejas por uma multidão solidária; de cima do púlpito passaram a denunciar as hordas do Anticristo. Católicos, Luteranos, e pessoas neutras que desejavam evitar problemas começaram a fugir da cidade. Os habitantes, metade da população original, foram substituídos por santos entrantes. Mattys tinha enviado pregadores por toda parte dos Países Baixos e Baixa Alemanha para recrutar cidadãos para sua Nova Jerusalém, proclamando para que viessem rapidamente, desembaraçando-se de suas posses, pois lá havia suficiente para todos os eleitos. Os monastérios e as igrejas já haviam sido pilhadas quando Mattys, prevendo futuras pilhagens, confiscou toda propriedade privada daqueles que haviam fugido da cidade. Os depósitos de alimento foram declarados propriedade pública, todas as lojas particulares foram confiscadas e posteriormente transformadas em postos de livre distribuição. As casas também foram declaradas propriedade pública, mas foi permitido às famílias permanecer nelas contanto que as portas fossem mantidas abertas de dia e de noite.

Como resultado de toda essa agitação, o príncipe bispo ficou completamente desprovido de dinheiro, pois a riqueza da Igreja era extraída da própria cidade. Ele perdeu todo seu crédito. A nobreza protestante não estava interessada em restabelecer um senhor católico e a nobreza católica era principalmente imperialista e o Império durante anos tentara tomar o controle de Münster. Na realidade desde os primeiros dias o imperador tinha enviado uma oferta de apoio à comuna de Münster. Com o fato da revolução social, o príncipe bispo pode angariar alguns empréstimos de alguns governantes e nobres da vizinhança para contratar mercenários e, embora temeroso no princípio, tentou investir sobre a cidade. A perspectiva de vida relativamente longa na comuna de Münster deveu-se principalmente ao acaso, por causa de suas ligações com a Revolta dos Camponeses. O Império entrara em colapso e não havia nenhuma entidade política como a Alemanha, relegada a uma imensa quantidade de querelas jurídicas. As velhas coletas feudais eram impossíveis de ser feitas e os príncipes só poderiam confiar em exércitos de mercenários e em estruturas tiradas do meio da nobreza que se sentia diretamente ameaçada. Os conflitos imperiais e religiosos tornaram as alianças difíceis de serem formadas e impossíveis de serem mantidas. Estados bem organizados como a França e a Inglaterra daquela época, teriam sido capazes de mobilizar forças necessárias para controlar rapidamente cidades como Münster restabelecendo a ordem dominante e esmagando a revolta.

Embora a ajuda do Príncipe Bispo Franz von Waldek demorasse a chegar, os governantes foram bem rápidos em suprimir os anabatistas em seu próprio território através da mais completa brutalidade. Em Amsterdam todos os participantes de uma tentativa para tomar a prefeitura foram executados, da mesma forma revoltas semelhantes foram contidas em outros lugares. Depois que Bernt Rothmann chamou todos os anabatistas para vir até Münster, grandes multidões começaram a se dirigir à cidade. Eles foram caçados nas estradas, assassinados, ou aprisionados. Três mil homens, mulheres e crianças que tentavam vir pelo mar foram capturados e devolvidos aos Países Baixos. A matança indiscriminada teve que ser interrompida pelo temor de despovoar o país. A despeito dos contínuos ataques aos anabatistas, eles constituíam um número surpreendente. A população da cidade foi completamente alterada. Depois que aqueles que recusavam o batismo de adultos se retiraram, os novos habitantes se tornaram maioria. Outra maioria igualmente significante foi a população feminina que possivelmente chegou a compor dois terços da população, transformando as ruas e praças durante o dia e durante a noite em um contínuo reavivamento pentecostal, gritando, dançando, cantando, esvoaçando seus cabelos soltos, e caindo em transes pelas ruas.

Mattys teve uma súbita visão de um banquete cerimonial que havia se tornado uma parte essencial no culto de Münster, no outro dia enviou um punhado de voluntários para atacar o exército do príncipe bispo. Jan Bockelson imediatamente tomou o poder executivo. Ele dissolveu o novo conselho por haver sido escolhido por homens em vez de por Deus que agia através dele; e designou um gabinete subordinado a Bockelson, simbolizando os doze anciãos das tribos de Israel. Em seu nome ele emitiu um novo código de leis que abrangia praticamente todos os crimes, contravenções, faltas, defeitos de caráter de gravidade capital, desde a traição e adultério até responsabilidades que atingiam os pais da pessoa. Uma vez estabelecida a lei também foi estabelecida uma política para obrigar seu cumprimento, Bockelson introduziu a poligamia, sem ouvir nem mesmo as recomendações contrárias de seu próprio gabinete. Quarenta e oito dos principais cidadãos se revoltaram e o prenderam, mas a população libertou Bockelson e os quarenta e oito foram mortos. Após algumas outras execuções, a poligamia foi estabelecida. Eventualmente Bockelson adquiriu quinze esposas e Rothmann nove.

Nesta época Bockelson, com uma extraordinária ingenuidade, abriu negociações com Filipe de Hesse e com o Imperador Carlos V. Este último respondeu enviando um emissário para que se encontrasse com Rothmann. As negociações fracassaram. Depois de uma drástica derrota das forças sitiantes quando tentaram invadir a cidade, em um triunfal banquete massivo, Bockelson coroou-se a si mesmo como Rei do Povo de Deus e Governador da Nova Sião. Daí para a frente ele sempre aparecia em estado cerimonial, em roupões reais feitos dos vestuários religiosos mais suntuosos, segurando uma maçã dourada perfurada por duas espadas, e ostentando uma coroa que simbolizava seu governo no mundo, sempre precedido e seguido por espadachins. Knipperdolling sugeriu a si mesmo como líder espiritual enquanto que Bockelson agiria como rei nos assuntos mundanos — os messias sacerdotais e reais depois de David e Melchizedek do apocalipse judaico. Bockelson não recebeu bem essa sugestão e aprisionou Knipperdolling, como isso repercutiu mal ele logo o libertou designando-o como mestre de cerimônias, na realidade um sub-comandante.

Em 13 de outubro Bockelson convocou toda população para uma assembléia na praça da catedral, para que depois marchasse para fora para subjugar os sitiadores e desse boas vindas ao imaginário exército de anabatistas que estava vindo dos Países Baixos. Quanto todos se concentraram ele anunciou que se tratava de um teste de lealdade e convidou-os todos para um grande banquete messiânico. Foram fixadas mesas pela praça e toda população alegrou-se, dançou e cantou enquanto o rei, a rainha e os conselheiros os serviam, ao final foi distribuído pão e vinho santificado em sagrada comunhão. Quando Bockelson anunciou sua abdicação, Jan Dousentschuer, o profeta de plantão, imediatamente teve uma comunicação com a deidade que proibia a abdicação, e cerimonialmente ungiram e coroaram Bockelson novamente, enquanto o povo reunido festejava.

Antes que se tornasse um líder religioso, Jan Bockelson tinha sido escritor de concursos e peças religiosas, e ele disse que havia planejado e organizado a comuna de Münster como um melodrama religioso. Certamente ele proporcionou às pessoas bastante esplendor nas cerimônias de sua corte: encontros religiosos ao ar livre, comunhão, banquetes messiânicos, e jogos, trata-se de uma situação revolucionária mesmo baseada no misticismo medieval e em milagres. Um de seus atos mais importantes foi difundir a distribuição de bens e de comida, e o mais importante, introduzir o comunismo de produção. Os membros da guilda cujo trabalho era essencial à vida da comunidade foram ordenados para trabalhar sem salário e contribuir com seus produtos ao depósito de bens os quais todos poderiam dispor livremente de acordo com a necessidade. Todo esse programa parece ter funcionado com pouca resistência. Algumas pessoas foram executadas por acúmulo e algumas mulheres por se oporem às práticas poligâmicas — ele próprio decapitou uma de suas esposas — mas sobretudo por se objetarem às suas medidas comunizantes. Muitas de suas execuções parecem ter sido incentivadas pelo seu gosto pela decapitação. Ele possuía uma concepção folclórica de realeza — um rei deve constantemente gritar "arranquem a cabeça dele!". Esta atitude naturalmente foi compartilhada pela maioria da população. Na realidade toda a ideologia de Münster que emerge dos documentos é carregada de folclore, uma combinação de lendas apócrifas do judaísmo, contos camponeses dos irmãos Grimm, e lendas da Idade Média, tudo sob o pano de fundo da teologia anabatista que não exerce um papel exclusivo. Durante o outono e o inverno lentamente von Waldek juntou dinheiro, aliados, e mercenários, apertando o assédio e aumentando ainda mais o cerco. Foram despachados emissários para pedir ajuda mas todos eram pegos e executados, exceto um, Henry Graess, que virou traidor e revelou o plano de mobilização efetuado para obter suporte de forças anabatistas. Poucos responderam. O próprio Graess que já havia retornado a Münster foi julgado e decapitado.

Antes da primavera a cidade passava fome. Em junho de 1535 começou a escassez. As mulheres e crianças, com exceção da Rainha Divara e alguns outros, e os homens mais velhos, foram enviados para fora da cidade. Von Waldek recusou que atravessassem suas linhas e permaneceram cercados entre os muros e o exército sitiante até que a maioria morresse. Este ato de extraordinária crueldade foi executado sob as ordens específicas do arcebispo de Colônia que von Waldek tinha convidado para seu conselho.

Parecia que Münster iria se render durante o verão quando de repente dois homens, Hans Eck e Henry Gresbeck, escaparam da cidade e atravessaram as fileiras do príncipe bispo. Depois de uma batalha de intensidade diabólica que durou todo o dia a cidade caiu e o exército invasor arrasou a cidade matando a maioria de seus habitantes. Bockelson, Knipperdolling, e Bernard Krechting, principais conselheiros do rei, foram capturados. Rothmann desapareceu e nunca foi encontrado, nem vivo, nem morto. Durante seis meses os três líderes desfilaram pelo país afora dentro de gaiolas. Até que foram devolvidos a Münster, julgados, condenados, e literalmente torturados até a morte. Depois seus corpos foram colocados em gaiolas e dependurados na torre da igreja de Santo Lambert, onde permaneceram até o fim do século dezenove, quando a torre foi reconstruída e as gaiolas substituídas. Assim terminou a única comunidade comunista a ser estabelecida em um estado regular até a Revolução Russa — pelo menos na civilização Ocidental.

Thomas Münzer permanecera apenas alguns dias em Mühlhausen, e é duvidoso se qualquer uma das medidas comunizantes propostas por ele e Pfeiffer tivessem resultado efetivas, além do mais tais medidas eram centralizadas em sua política milenarista. A resistência incrivelmente longa de Münzer deveu-se a vários fatores. Tanto Burgomaster Knipperdolling como João de Leyden foram notáveis políticos qualificados e organizadores, com toda sua fantástica linguagem e cerimoniais, Rothmann foi um apologista de uma inteligência incomum. Eles não tiveram escrúpulos de fazer uso do mais extremo terror. Não apenas mantendo os rebeldes fora de circulação, como unificando e convencendo a maioria da população a consentir isso.

O comunismo não foi um incidente no milenarismo de Bockelson, nem foi um mero "comunismo de assédio”. O comunismo de Bockelson foi central. O batismo em massa de adultos propiciava nos membros uma convenção e a comunhão em massa mantinha-os juntos. Os sacramentos não eram o principal. O principal estava na comunidade onde as coisas eram compartilhadas. Cada esforço era feito para intensificar este senso de comunidade. A vida ela melodramatizada. Concursos, execuções, grandes banquetes messiânicos, até mesmo o próprio assédio contribuiu à exultação. Se a vida em Tabor foi exaltada, a vida em Münster por mais que seus participantes fossem estáticos e encantados, havia um contínuo ágape. Havia pouca chance para pausar e lembrar de si mesmo. Até mesmo o anabatista mais convicto necessitaria apenas de alguns dias de pausa para suspeitar que não estava em nenhuma Jerusalém divina mas que se tratava de uma armadilha em que foi pego. A poucos foi permitido um tempo para reflexão. Eles foram varridos por um tremendo fervor revolucionário aumentado pelo mito.

Houve ganhos positivos a serem considerados a partir da experiência de Münster, mas poucos deles foram percebidos. O mais importante foi precisamente a manifestação da comuna revolucionária através de um culto dramático, cerimonial. Algo que os revolucionários do futuro raramente estariam preparados para admitir. Apenas Robespierre na plenitude de seu poder e os bolcheviques nos primeiros anos da Revolução e da Guerra Civil conscientemente adotaram tal conceito ou prática. Indubitavelmente haveria coisas a serem aprendidas da economia política real de Münster mas nada sabemos sobre esse assunto. Porém, um número surpreendente de pessoas escapou para retornar posteriormente na forma de grupos comunais pacifistas provavelmente trazendo consigo alguns benefícios práticos de sua experiência.

O anabatismo jamais seria capaz de sobreviver em Münster. Desde o começo as perseguições foram grandemente intensificadas. A descoberta de um grupo anabatista, não importa o quão pequeno fosse, era recebido com horror pelas autoridades e os sócios eram freqüentemente executados sem as mãos. Não obstante o movimento foi suficientemente grande em seu início, considerando o grande número que fugiu de Münster para voltar depois; nos anos posteriores se espalhou pelo estrangeiro crescendo de forma espantosa. Essa histeria política se assemelhou um pouco à histeria macartista que varreu o século XX em toda a Europa. As autoridades viam anabatistas em toda parte e qualquer encontro ortodoxo não católico, luterano ou calvinista era imediatamente rotulado de anabatista. Os eclesiásticos ingleses estavam convictos de que todo o sul e oeste da Inglaterra estava enxameado de anabatistas. A verdade é que se havia alguns eram bem escassos, quando descobriam um punhado de imigrantes alemães e holandeses estes eram presos, exilados ou executados. Como ocorreu com o próprio movimento anabatista, Münster tornou-se rigorosamente pacifista -- na realidade a maioria dos grupos organizados sempre foram pacifistas.

Anabatistas, Huteritas

Durante os quatro anos que se sucederam após a queda de Münster os anabatistas passaram a ser caçados como nunca. Eles já eram perseguidos anteriormente. Agora, protestantes, católicos, e quase todos os estados da Europa Central se uniram para extermina-los. E isto não era uma tarefa pequena. Havia um número significante de anabatistas na Suíça, onde o movimento nascera apenas dez anos atrás; no Tirol austríaco, no lado italiano dos Alpes, na Moravia, Silésia, Danzig, Polônia, sudoeste da Alemanha e a Baixa Renânia, o Vale do Rhone, e Picardia na França; e na Bélgica e Países Baixos onde, até a chegada do calvinismo e a luta pela libertação do Império, o anabatismo era adotado como a principal vertente da Reforma.

A despeito do grande número de pessoas vindas dos Países Baixos tentando chegar até Münster, a militância quialista nunca caracterizou o anabatismo alemão. A maioria era composta por pacifistas que, mesmo supondo serem milenaristas, já havia iniciado um processo de eterealização desse item de sua fé. A maioria deles foi profundamente influenciada pelo movimento paralelo dos espiritualizadores, que colocaram pouca ênfase no batismo e na sagrada comunhão ou tinham abandonado completamente os sacramentos. Nos anos em que chegaram os espiritualizadores, Sebastian Franck, Caspar Schwenkfeld, Hans Denk, Valentin Weigel, e outros, inclusive Jakob Boehme, eles se tornaram leitura favorita dos anabatistas reorganizados e reformados — que passaram a ser chamados de menonitas. Sob a égide de uma implacável e inexorável perseguição o movimento dividiu-se em três partes: os pacifistas, que recusavam juramentos, o serviço militar, e cargo público, mas que rejeitavam o comunismo; os pacifistas e comunistas; e os militantes chialistas remanescentes que literalmente desapareceriam sob perseguição.

Menno Simons nasceu em Friesland, filho de camponeses, foi treinado para o sacerdócio romano e ordenado em 1524. Desde o princípio pareceu ser um católico evangélico mas logo rejeitou a doutrina da transubstanciação. Seu irmão Peter morreu lutando juntamente com um bando que tentava libertar Münster. Menno ficou profundamente chocado com a violência praticada por ambos os lados em Münster. Na plenitude das perseguições subsequentes ele abandonou seu sacerdócio. Passou a atuar secretamente e gastou o resto de sua vida como um pregador vagante, com a cabeça a prêmio, caçado pelas autoridades, mas sempre protegido pelos crentes. No devido tempo ele transformou o que tinha sido um movimento independente e freqüentemente antagônico em uma igreja ligeiramente organizada -- que incluía tanto comunistas como não comunistas -- mas disciplinada pela excomunhão congregacional -- a "proibição”.

Menno recolheu e sistematizou a teologia anabatista e embora suas idéias não tenham sido universalmente aceitas elas proveram um núcleo normativo, um núcleo central. Em dez anos os anabatistas em geral passaram a ser chamados de menonitas. Por séculos a proibição foi utilizada, originalmente como um princípio unificador. Os cismas e divisões surgiam na medida da rigidez ou da flexibilidade dessas proibições, divisões bem visíveis hoje por toda a América, que separa as várias tendências. Porém, estas divisões não impediram os menonitas de se apresentarem enquanto frente unida em todo o mundo.

Em 1577 na medida em que o protestantismo dos Países Baixos ficava mais calvinista e o país batalhava por libertar-se do Império, William de Orange conseguiu, sob sua liderança, imprimir nos Estados Gerais uma garantia de liberdade religiosa ao longo dos Países Baixos, pelo menos lá não houve mais perseguição. Com o passar do tempo os menonitas holandeses tornaram-se ricos, concordaram com parte do establishment, e finalmente permitiram seus sócios aceitar empregos públicos, e em alguns casos, participar na guerra. A tradição comunitária original estritamente pacifista, embora não propriamente comunista, sobreviveria entre os menonitas americanos.

Mas imediatamente após a queda de Münster não foi fácil aos anabatistas praticarem o comunismo ao mesmo tempo em que eram caçados. Os militantes, sob a liderança de João de Battenberg, um dos líderes que tinham escapado de Münster, atuavam secretamente. Eles não praticavam nenhuma cerimônia pública de batismo, comunhão, ou o ágape mas escrupulosamente compareciam à Igreja Católica. Eles praticavam poligamia da melhor maneira que podiam, compartilhavam em comum os seus bens e aumentavam seu fundo comum pilhando igrejas e monastérios. Battenberg foi capturado e executado em 1538 mas o movimento sobreviveu nos Países Baixos durante outros cinco anos. Aqueles que rejeitavam a poligamia, violência, roubo, e nudismo foram mais ou menos unidos por David Joris, um artista, poeta, e compositor de hinos. O mais estudioso da maioria dos sobreviventes münsteritas, ele foi profundamente influenciado pelas profecias apocalípticas dos "três reinos" de Joachim de Fiore, pelo misticismo de Meister Eckhart, e pelos espiritualistas contemporâneos. Os seguidores de Joris desencadearam uma ativa propaganda no sudeste da Inglaterra. Suas idéias tiveram muito a ver com a determinação do caráter da Reforma radical inglesa dali em diante. Porém, a principal influência foi exercida pelo movimento puramente espiritualista fundado por Henry Nicholas — a Família do Amor. David Joris refugiou-se em Basel e conduziu o seu movimento através de cartas e missionários. Ele foi um dos poucos anabatistas a morrer pacificamente em cima de uma cama, em 1556. Depois de sua morte alguns dos seus seguidores que o acusaram de manter um harém e praticar as mais completas imoralidades, desenterraram e queimaram seu corpo. Pequenos grupos comunistas sobreviveram em alguns países como a Suíça e Países Baixos durante mais uma geração, mas a maioria imigrou por questões de segurança.

Desde 1528 um santuário comunista estava sendo preparado na Moravia. Em 1526 Jacob Hutter chegou na colônia de Nicolsburg, que estava sob o patrocínio do duas vezes batizado Lord de Liechtenstein. Hutter era um milenarista e comunitarista violento, mas ele também era um "violento pacifista". Ele provocou grandes divisões na comunidade anabatista, um dos seus mais típicos seguidores, Balthasar Hübmaier, no transcorrer destas disputas foi capturado e condenado à morte em Viena em 1528. O próprio Hutter foi testemunhar o martírio, foi quando seu grupo pacifista, comunista, sob a liderança de Jacob Wiedemann e Filipe Yaeger, montou sua própria comunidade. Após uma longa e pacífica discussão, Lord Liechtenstein pediu que partissem. Eles decidiram se mudar para Austerlitz na Moravia, e nas palavras das Crônicas Huteritas:

Então eles buscaram vender suas posses. Alguns venderam, mas outros permaneceram com o que tinham, e dividiram entre si o que possuíam. O que sobrou de suas posses o Lord de Liechtenstein enviou-lhes posteriormente. Assim Nicolsburg, Bergen, juntaram aproximadamente duzentas pessoas, sem [contar] as crianças diante da cidade [de Nicolsburg]. Algumas pessoas saíram . . . tomadas de grande compaixão, mas outros discutiram. . . . Então eles se levantaram, saíram, e ocuparam. . . uma aldeia desolada durante um dia e uma noite, formando um conselho para negociar com o Lord com relação à sua presente necessidade, ordenaram [geordnet] ministros para suas necessidades temporais [dienner in der Zeitlichenn Notdurfft]. . . . Então os homens estenderam uma manta diante das pessoas, e os homens deram sua contribuição, com o coração aberto e sem constrangimento, para o sustento dos necessitados, de acordo com a doutrina dos profetas e dos apóstolos [Isaías 23.18; Atos 5.4-5].

Naquela manta, na primavera de 1528, foram colocadas as bases da sociedade comunista de mais longa vida que o mundo já viu. Leonhardt von Liechtenstein escoltou-os até a fronteira do seu principado e lhes implorou para que ficassem. Ele prometera defender seu refúgio anabatista com seus punhos contra Viena, ao que os líderes responderam, “Mesmo que você prometa recorrer à espada para nos proteger, não podemos permanecer”. Eles enviaram mensageiros para os irmãos von Kaunitz e para os Lordes de Austerlitz, que responderam que o huteritas seriam vem-vindos, mesmo que fossem aos milhares. Depois de três meses de estrada eles foram entusiasticamente recebidos — já havia uma colônia de membros radicais dos Irmãos Boêmios por lá. Em pouco tempo eles construíram casas e começaram a trabalhar seus ofícios e cultivar a terra. Eles trouxeram consigo um programa de doze pontos para um comunismo religioso prático que havia sido desenvolvido por um grupo de anabatistas em Rattenburg, este documento sobrevive nas Crônicas Huterites e em sua primeira constituição. Em pouco tempo os refugiados começaram a chegar da Suíça, dos Países Baixos e especialmente do Tirol. A maioria chegou mais tarde, tanto que hoje o cerimonial é feito em um velho dialeto tirolês, o familiar "pequeno idioma", embora os huteritas tivessem sido forçados a vagar ao longo dos dois hemisférios.

Durante os próximos cinco anos em toda parte os comunistas anabatistas se envolveram em divisões sectárias e expulsões muito complicadas para serem descritas brevemente; mas em 1533 Jacob Hutter, que tinha sido convidado por vários grupos, inclusive de Austerlitz, como mediador, trouxe seus próprios seguidores do Tirol e inauguraram um movimento de reunião e federação que durante os próximos dois anos congregaram todos ou a maior parte dos anabatistas. No início das perseguições que se abateram sobre a comuna de Münster ele e sua esposa foram capturados e repetidamente torturados. Hutter não sucumbiu, mesmo diante das mais fantásticas crueldades, à tentação de todos os revolucionários de negociar suas doutrinas com seus captores, muito menos de revelar os nomes de seus camaradas, ou qualquer segredo do movimento. Ele permaneceu calado diante daqueles [que julgava ser] agentes do diabo. As autoridades desejaram decapitá-lo em segredo; mas Ferdinando, que era o Arquiduque da Áustria, Rei da Boêmia, e Santo Imperador Romano, recusou. Hutter foi capturado na cidade de Klausen no Tirol, e queimado publicamente em 25 de fevereiro de 1536.

Depois dos eventos que envolveram Münster, Ferdinando exigiu que todos os anabatistas fossem expulsos dos territórios subordinados ao trono austríaco. Eles foram expulsos de muitos lugares, muitos fugiram para as montanhas e florestas até que a tempestade da perseguição passasse; mas parece que os nobres moravianos lhes deram proteção, e tão logo Ferdinando se distraiu eles restabeleceram suas antigas colônias. Durante estes anos, sob a liderança de João Ammon, os huteritas iniciaram uma atividade missionária na Europa Central. Eles enviaram apóstolos, dos quais quatro quintos foram martirizados, para Danzig, para a Lituânia, para Veneza, e para a Bélgica.

Um dos mais ativos missionários foi Peter Riedemann, que, tanto dentro como fora da prisão, iniciou o desenvolvimento de uma teologia sistemática e uma ordem social para os huteritas. Com a morte de Ammon em 1542 ele foi eleito líder, embora preso, muito livremente na verdade, por Filipe de Hesse. Incidentalmente, pouco antes disso, os huteritas haviam chamado seus líderes bispos, embora eles tivessem pouca semelhança com os membros do episcopado católico. Leonard Lanzenstiel tinha sido designado por Ammon como seu sucessor e tanto Riedemann como Lanzenstiel compartilharam a liderança até o ano de 1556 quando Riedemann morreu em uma nova colônia em Protzko na Eslováquia, seu lugar foi ocupado por Peter Waldpot, um dos maiores líderes huteritas, que morreu em 1578.

Uma geração inteira havia se passado, e o comunismo anabatista tornara-se uma política bem sucedida, próspera, com raras turbulências, exceto por uma ou outra contingência sectária, expandindo colônias periféricas na Eslováquia e Boêmia. O núcleo do movimento, diretamente administrado por Waldpot, contava com algo em torno de trinta mil adultos. Desde o princípio em Austerlitz eles tinham percebido que um comunismo de consumo não era bastante e passaram a organizar seminários, pequenas fábricas de artesãos, e passaram a trabalhar com brigadas e fazendas comunais, com manuais detalhados para os diferentes ramos. Eles estabeleceram suas próprias escolas (as primeiras escolas maternais e jardins da infância) com graduações além da adolescência. O ensino superior foi rejeitado, como é até hoje, como desnecessário ao bem-estar da comunidade, por distrair do amor de Deus e do amor ao próximo. Mas suas escolas elementares foram as melhores na Europa de seu tempo. O cuidado das crianças foi socializado. As crianças normalmente moravam nas próprias escolas e eram visitadas pelos seus pais. Cada colônia huterita tinha um programa ativo e cuidadoso de saúde pública. As aldeias não apenas estavam constantemente limpas como sua higiene e serviço de saúde pública eram inigualáveis. Os matrimônios aparentemente eram organizados com a colaboração dos anciões, da comunidade, e dos indivíduos em geral, e geralmente tinham muito êxito. De todos os grupos anabatistas, não importa se fossem comunistas ou pacifistas, a história dos huteritas é singularmente livre de escândalos sexuais.

Com um sistema de produção e distribuição muitas vezes melhor organizado do que qualquer outra coisa na ocasião, as colônias cresceram ricas. Embora acreditassem individualmente em viver uma "pobreza decente" eles logo acumularam consideráveis excessos na produção, particularmente depois que as colônias permitiram vender seus produtos aos gentios. Estes excessos foram investidos em importantes melhorias e para subsidiar novas colônias, uma necessidade, como ainda é hoje, por causa da alta taxa de natalidade, e baixa taxa de mortalidade, naqueles dias devido à sua exemplar saúde pública. Os huteritas haviam descoberto uma dinâmica, contínua e expansiva economia do tipo que Marx mais tarde diagnosticaria como a essência do capitalismo, tratava-se de uma economia capitalista mas estava baseada em um nível muito alto de prosperidade para o camponês, a fonte de sua acumulação de capital. Em outras palavras, os huteritas em sua pequena sociedade fechada resolvia a contradição na acumulação do capital e da circulação que de formas diferentes maltratam os russos e os americanos hoje.

A idade de ouro dos huteritas durou até 1622, quando os nobres da Morávia, que haviam sido seus protetores, foram forçados pela Igreja e pelo Império a expulsá-los de suas propriedades. Eles se espalharam, encontrando refúgio na Eslováquia, Transilvânia, e Hungria. Este molestamento aumentou durante a Guerra dos Trinta Anos quando os imperialistas conseguiram obliterar a Igreja Utraquista da Boêmia e dirigir secretamente os Irmãos Tchecos. Pelo século XVIII o comunismo de produção necessariamente tinha sido abandonado e a comunidade de bens coletivos só foi praticada na forma de um fundo de bem-estar comum, mas os huteritas preservaram seus costumes tradicionais e sua forma de adoração.

Em 1767 foi emitido um decreto, sob a égide dos Jesuítas, que implicava na captura de todas as crianças huterites na Hungria, inclusive a Transilvania; as crianças seriam tomadas de seus pais e internadas em orfanatos. Os huteritas fugiram para a Romênia e viram-se a si mesmos bem no meio da Guerra Russo-turca. Em 1770 a Imperatriz Catarina convidou os Pietistas Alemães e anabatistas a se instalarem na Ucrânia para que ficassem lá o tempo que quizessem. Eles se desenvolveram, degradaram, reavivaram, até que emigraram para os Estados Unidos e finalmente Canadá, onde floresceram como nunca antes. Retornaremos a eles quando voltarmos a discutir o comunalismo moderno, dos quais eles são incomparavelmente os mais bem sucedidos praticantes.

Durante a última metade do século XVI houveram sobreviventes isolados e esporádicos reavivamentos comunistas entre grupos de anabatistas e espiritualistas. A comunidade de bens coletivos permaneceu como um ideal apostólico entre os Irmãos Suiços e os Irmãos Tchecos cuja prática ressurgiu temporariamente quando alguns deles migraram para a América. Houveram colônias comunistas na poderosa Igreja Unitária da Transilvânia.

A única comunidade que pode ser comparada com as comunidades huteritas foi a de Rakow em Little Poland a noroeste de Cracóvia. Fundada em 1569 por Gregory Paul, atraíu anabatistas, espiritualistas, e líderes unitários de toda parte da Polônia, Prússia, Lituânia, Silesia, e Galícia, toda a região nordeste da Europa Central daqueles dias, antes da Contra-Reforma, parecia estar aderindo à Reforma radical. Uma das características mais notáveis da Reforma radical nesse território foi o grande número de nobres que se converteram, libertando seus servos, vendendo suas terras, distribuindo seus bens aos pobres, e tomando parte como iguais no comunismo de Rakow — nessa ordem de frequencia. Quer dizer, muitos apenas libertaram seus servos, e apenas alguns vieram a Rakow, entretanto um bom número dos nobres mais poderosos foram simpáticos ao anabatismo.

Os rakovianos enviaram uma delegação aos huteritas da Morávia,propondo se afiliar com eles e aprender seus métodos. Os rakovianos ficaram impressionados pela eficiência e prosperidade huterite, mas rejeitaram seu trinitarianismo, e ficaram ofendidos pela suposta arrogância, intolerância e vaidade que viram neles. Neste momento, a julgar pelo testemunho polonês, os huteritas acreditavam que “aquele que possui uma casa, terra, ou dinheiro, e não entrega essas coisas à comunidade, não é um cristão, mas um pagão, e não pode ser salvo”. O comunismo rakoviano não era uma condição de salvação, mas simplesmente a deliberação de uma vida apostólica mais perfeita.

Os huteritas por seu turno objetaram, naturalmente, o unitarianismo polonês, mas surpreendentemente, não muito fortemente. Sem dúvida o mais importante eram práticas que a nós pareceriam triviais. Os huteritas batizavam por asperção e os poloneses por imersão. Mas mais importante ainda foi a diferença de classe. Os huteritas foram camponeses e trabalhadores cuja educação, por mais estranho que pareça, foi limitada à Bíblia e alguns escritores espirituais. Eles ficaram ofendidos pelos modos aristocráticos dos poloneses, pela sua "frieza de coração", pelo seu conhecimento de idiomas, seus nomes latinizados, e sua recusa em se submeter completamente à autoridade huterite. Peter Waldpot foi tão longe em suas demandas com os poloneses que propôs que eles fossem rebatizados pelos huteritas. Durante dois anos houveram cartas e visitas até que finalmente os rakovianos deixaram uma esperança de se afiliarem aos huteritas. As negociações caminhavam bem até que os poloneses quebraram alguns protocolos quando visitaram as colônica huterites. Não há registro de nenhum huterite visitando Rakow.

Além do anabatismo radical polonês destacou-se Faustus Socinus, um dos principais teólogos do período da Reforma, que havia migrado da Itália para a Polônia. Ele elaborou um sistema completamente desenvolvido em que unitarianismo, pacifismo, comunidade de bens coletivos, batismo por imersão, e todas as principais doutrinas do anabatismo polones e espiritualista foram racionalmente relacionadas em uma filosofia sistemática que era ao mesmo tempo consistentemente evangélica. Quando os Irmãos poloneses foram expulsos da Polônia e acharam refúgio na Holanda eles revelaram tanto na doutrina como na prática uma considerável influência dos menonitas holandeses mais radicais, mantendo-a no desenvolvimento do movimento na Inglaterra e América. Na Polônia, a Contra-Reforma conduzida pelos jesuítas fez seu trabalho completo, e os Irmãos Poloneses comunalistas foram extintos.

Como uma nota de rodapé deveria ser mostrado que a diferença básica entre os huteritas e quase todas as outras seitas cristãs, ortodoxas ou heterodoxas, é que a sociedade das colônias huteritas foram o que os teóricos modernos chamariam de uma "cultura da vergonha", fundamentalmente não assimilável pela "cultura da culpa" do cristianismo e do judaísmo rabínico (diferente do hasídico).

Fonte: Kenneth Rexroth, Comunalismo, das origens ao século XX, pp. 93-132. Trad. Coletivo Periferia. Web: geocities.com/projetoperiferia Copyright 1974. Versão inglesa reproduzida com permissão de Kenneth Rexroth Trust.

jeudi 2 septembre 2010

O caminho de comunhão

Para você usar como lições da Escola Bíblica e nos Pequenos Grupos da sua igreja. 

Um forte abraço, Jorge Pinheiro. 

Etapas de um caminho de comunhão 

No último trimestre de 2006, experimentamos um novo Pentecostes. A comunhão que, naqueles dias, nos envolveu deu novo alento à Igreja e ao conjunto da comunidade. Assim, a exortação para que produzíssemos frutos maduros de comunhão e de empenho, interpelou-nos de maneira poderosa. E a liderança da Campanha dos 40 dias, Uma vida com propósitos aceitou o desafio de fazer com que a comunhão fosse plenamente realizada no seio da Igreja. Já tinha havido o início de um caminho de comunhão com a “Campanha dos 40 dias, Uma vida com propósitos”, mas agora se tratava de consolidar a extraordinária experiência vivida, aprofundando-a. Era o que todos esperavam: a transformação dos Grupos Operativos em comunidades que dariam continuidade ao Pentecostes vivido no último trimestre de 2006. Assim, cada Grupo Operativo exerceria a função de pequenas comunidades, que deveriam envolver o conjunto da Igreja e integrar aqueles que estavam chegando. E já sabemos quais seriam os frutos desse trabalho: os nossos corações viveriam a cada semana essa comunhão com Cristo e os irmãos, ao mesmo tempo em que a Igreja, na sua totalidade, descobriria e viveria os dons derramados pelo Espírito. Iríamos, assim, estabelecer uma colaboração recíproca e, por meio desses encontros, os pequenos grupos descobririam a própria riqueza da vitalidade e criatividade cristãs. Donde, como conseqüência, nasceria uma maior disponibilidade de engajamento no contexto da vida da Igreja. O testemunho de comunhão entre as pessoas, vividos nos pequenos grupos, provocou o envolvimento de toda a Igreja nessa caminhada de descoberta do poder de transformação da vida sob o Espírito. Agora, iríamos estabelecer tal fraternidade que desembocaria na construção de um projeto que envolveria cada frente de trabalho, cada ação missionária, todas as presenças dos irmãos da Igreja Batista em Perdizes em suas atividades seculares. A partir dessa meta e propósitos é que se insere o roteiro de estudo semanal -- Etapas de um Caminho de Comunhão -- que entregamos aos Grupos Operativos. Deus abençoou essa caminhada e possibilitou a todos crescerem no Espírito e no relacionamento com as pessoas que nos cercavam. Em Cristo, Pr. Jorge Pinheiro 

Primeira semana A importância da comunhão 

(1) “Depois o SENHOR disse: Não é bom que o homem viva sozinho. Vou fazer para ele alguém que o ajude como se fosse a sua outra metade”. Gênesis 2.18. Conhecer e ser conhecido Se você se encontrasse em um estado de tranqüilidade e introspecção, e se estivesse ciente dos anseios e desejos de seu coração, possivelmente diria: “Eu adoraria conhecer os outros e ser conhecido por eles”. Em um momento de total sinceridade, acho que todos adorariam ter alguém que confiasse tanto em nós a ponto de revelar seu lado mais íntimo e sensível. Acho que adoraríamos poder confiar àqueles de quem gostamos alguns dos sentimentos que guardamos. A maioria das pessoas se sente atraída por amizades, namoros, casamento, clubes ou pequenas associações, pois dentro de nós carregamos o anseio de conhecer os outros e ser por eles conhecidos. Por isso, devemos nos perguntar: o que nos impede de abrir o coração e nos dar a conhecer aos outros? Tememos riscos? Que riscos são esses? Mas não podemos esquecer que existem as alegrias. Que alegrias podemos vivenciar ao abrir nossos corações? Amar e ser amado Outro componente da comunhão é amar e ser amado. Se você não estabelecer com algumas pessoas um relacionamento amoroso comprometido, você vai morrer por dentro. É por isso que muitas pessoas não sentem prazer e alegria na vida, pois não mantiveram com ninguém um relacionamento de amor profundo. Nem com seus pais, nem com seu cônjuge e nem com seus amigos. A essa altura da vida, elas já estão insensíveis à possibilidade de experimentar um relacionamento cheio de amor. Não é esse o plano de Deus para nós. Ele deseja que sejamos amados e amemos. Na verdade, Ele quer que isso aconteça em nossas vidas. Quem em sua vida dedicou um amor constante e profundo a você e de que forma essa pessoa demonstrou esse amor? Pense e complete as frases abaixo: Posso sentir mais amor pelas pessoas quando elas... Para mim, a melhor maneira de expressar meu amor pelas outros é... Acho difícil receber amor dos outros porque... Durante a semana, medite nos seguintes textos e converse com Deus. Segunda Josué 4.20-24. Terça 1 Reis 8.41-43. Quarta Efésios 1.15-20. Quinta Gênesis 29.31-35. Sexta Deuteronômio 7.9-10. Sábado João 14.21-23. Domingo Gálatas 2.19-20. 

Segunda semana A importância da comunhão 

(2) “Nenhuma quantidade de água pode apagar o amor e nenhum rio pode afogá-lo. Se alguém quisesse comprar o amor e por ele oferecesse as suas riquezas, receberia somente o desprezo”. Cantares de Salomão 8.7. Servir e ser servido Exercer a comunhão também significa servir e ser servido. O exemplo mais empolgante disso está registrado no Evangelho de João 13. Nesse capítulo, Jesus assume a posição do mais humilde dos servos e lava os pés de seus discípulos. Ele oferece um exemplo e depois os convida a imitá-los. Servir é algo que compõe a própria base da comunhão. Para manter os relacionamentos íntimos por um longo tempo, é preciso haver humildade e a disposição de servir um ao outro. Também deve haver a disposição de ser servido. Quando Jesus pegou a toalha e a bacia de água para lavar os pés dos discípulos, estabeleceu, de uma vez por todas, a absoluta necessidade de todos os que desejam viver em comunhão estarem prontos para servir aos outros. Como você vem sendo servido pelos outros, e de que forma esse serviço cristão ajudou a criar a comunhão? Com quem você gostaria de aprofundar sua comunhão? Celebrar e ser celebrado Cântico dos cânticos, um livro da Bíblia, é um registro do amor entre um homem e sua noiva. Eles estão celebrando os aspectos de suas personalidades e características físicas e pessoais. Em certo ponto, o noivo diz: “Você faz meu coração bater mais rápido com o simples brilho de seus olhos. Como é belo seu amor, minha noiva. Muito mais agradável do que o melhor dos vinhos”. Perto do final do livro, os dois concordam que a união amorosa pode ser maravilhosa. Eles também falam sobra a riqueza e as fortunas de um homem bem-sucedido que conhecem, e terminam dizendo um ao outro: “Jamais pensaríamos em trocar o que temos por essas riquezas, pois temos a comunhão”. Esse casal aumentou sua comunhão e a qualidade de seu relacionamento ao celebrar criativamente um ao outro. Fizeram o que muitos de nós deixamos de fazer. Um prestou atenção ao outro e se observaram cuidadosamente. Então decidiram destacar o que acharam atraente, desejável e elogiável no outro e se deram ao prazer de expressá-lo. Podemos agradar nossos corações ao celebrarmos uns aos outros. Exercício Em grupo, celebrem uns aos outros. E, pensando na pessoa que está ao seu lado, termine essa frase: Se você sumisse da minha vida, eu sentiria falta de... Uma expressão de gratidão Se em sua vida há alguém que tenha dedicado um profundo amor por você, reserve algum tempo durante as próximas semanas para expressar sua gratidão. Faça uma lista de três pessoas que não estejam no grupo, mas que você gostaria de celebrar e incentivar. Durante a semana, medite nos seguintes textos e converse com Deus. Segunda Êxodo 33.12-13. Terça Deuteronômio 11.15-16. Quarta Mateus 20.25-28. Quinta Cantares 1.15-17. Sexta Cantares 5.4-8. Sábado Efésios 5.1-2. Domingo 1João 4.8-12. 

Terceira semana Assuma o risco da comunhão 

(1) O que a amizade não é Se pretendemos assumir o risco da comunhão, precisamos primeiro ser sinceros a respeito do nosso próprio egoísmo natural quando se trata de relacionamentos. Quando procuramos amigos, muitas vezes pensamos naquilo que podemos ganhar com o relacionamento. Por isso, é necessário esclarecer o que a amizade não é. E entender porque “algumas amizades não duram nada, mas um verdadeiro amigo é mais chegado que um irmão”. Provérbios 18.24. Amizade não é encontrar alguém para cuidar de nós e satisfazer nossas necessidades. Não é elevar nossa vida a um alto nível para se autopromover. E não é fingir que nos preocupamos com alguém para que ele se una à nossa causa ou compre nosso produto. O essencial da amizade é conhecer e ser conhecido, amar e ser amado, servir e ser servido, celebrar e ser celebrado. Quais os possíveis problemas que posso enfrentar se começar uma amizade com as seguintes atitudes: Procurar um amigo que seja exatamente como eu. Alguém que concorde em tudo comigo. Uma pessoa que esteja disposta, sempre, a satisfazer todas as minhas necessidades. Amizades exigem esforço Se pretendermos passar da solidão para a comunhão, precisamos enfrentar a realidade de que fazer amizades pode ser uma empreitada árdua e demorada. É um processo que exigirá energia, trará alguns riscos e, às vezes, deixará cicatrizes. Quando a Bíblia diz que as amizades são como o ouro e a prata, está confirmando a importância e o valor das amizades. A Bíblia também utiliza uma outra imagem, aquela de cavar em busca de ouro, pois elas sempre implicam em esforço e dedicação. Fale de um relacionamento que você guarda com carinho. Por que ele é tão importante para você? Comente este versículo: “Descobri que na vida existe mais uma coisa que não vale a pena: é o homem viver sozinho, sem amigos, sem filhos, sem irmãos, sempre trabalhando e nunca satisfeito com a riqueza que tem. Para que é que ele trabalha tanto, deixando de aproveitar as coisas boas da vida? Isso também é ilusão, é uma triste maneira de viver”. Eclesiastes 4.7-8. Durante a semana, medite nos seguintes textos e converse com Deus. Segunda Números 25.10-13. Terça 1Samuel 23.16-18. Quarta Salmos 141.5. Quinta Provérbios 17.9. Sexta Provérbios 18.19-21. Sábado 2Pedro 2.4-7. Domingo 2Coríntios 5.18-20. 

Quarta semana Assuma os riscos da comunhão 

(2) Amizades exigem tempo e dedicação É comum as pessoas entrarem na igreja porque estão solitárias, porque precisam de amigos. Mas tanto aquelas que estão chegando, como nós, que já estamos na igreja faz anos, devemos ter clara uma questão: a igreja é o melhor lugar para se fazer amizades, mas a construção de uma verdadeira amizade leva tempo. E quanto tempo? Poderíamos dizer não sei, depende, mas é melhor ser mais preciso: a construção de uma verdadeira amizade leva anos. Uma amizade, chamada pelos gregos de amor fileo, pode nascer num momento, como na história do amor fileo entre Davi e Jônatas. Ou como conta a Bíblia, Jônatas, filho de Saul, sentiu uma profunda amizade por Davi e veio a amá-lo como a si mesmo. E fizeram um juramento de amizade, pois Jônatas tinha grande amor por Davi. Depois do juramento, Jônatas tirou a capa que estava usando e a deu a Davi. Deu também a sua túnica militar, a espada, o arco e o cinto. (1Samuel 18.1-4) Essa amizade que começou num relance, quando Jônatas viu aquele jovem pastor que acabara de matar, sem armas de guerra, um guerreiro inimigo terrível, durou de sete anos e meio. Ou seja, desde a vitória de Davi sobre o gigante Golias, até a morte do rei Saul e seu filho Jônatas num ataque dos filisteus. Ao saber da morte de seu amigo, Davi compôs uma canção, que terminava assim: “Eu choro por você, meu irmão Jônatas/ como eu o estimava!/ Como era maravilhoso o seu amor para mim,/ melhor ainda do que o amor das mulheres”. (2Samuel 1.26). É, amizade exige tempo, exige dedicação e até mesmo sacrifício. Você aceita arriscar? Pense e converse com seu grupo: Por que é preciso tempo para estabelecer um relacionamento? Conte ao grupo sobre algum relacionamento ao qual você tem dedicado tempo nesta fase da sua vida. O que podemos fazer para encorajar esse(a) irmão(ã) no desafio de construir um relacionamento sólido? Durante a semana, medite nos seguintes textos e converse com Deus. Segunda Eclesiastes 3.1-11. Terça Eclesiastes 5.19-20. Quarta Eclesiastes 12.1-7. Quinta 2 Crônicas 6.26-31. Sexta Salmos 32.1-6. Sábado 2Coríntios 4.14-18. Domingo Hebreus 12.5-11. 

Quinta semana Saia da superficialidade (1) 

Um desafio que todos enfrentamos na busca da comunhão é ir além da superficialidade. Quando começamos uma amizade, as conversas tendem a ser um pouco superficiais. Isso é natural. É preciso cultivar a confiança e desenvolver uma base de conhecimento mútuo. Mas se o relacionamento permanecer no nível superficial, vamos nos frustrar. Fomos criados para ir mais fundo, por isso, é preciso ir além da superficialidade e alcançar um nível íntimo de comunicação e compartilhamento de nossas vidas. Volte ao texto da semana passado (1Samuel 18.1-4) e veja como Jônatas rompeu, logo no início de sua amizade com Davi, o risco da superficialidade. Agora, converse em grupo: O que nos prende a relacionamentos superficiais? O que tem ajudado você a assumir riscos e procurar amizades e comunhão mais íntimas? O valor de uma boa pergunta Muitas vezes, uma boa maneira de superar a barreira da superficialidade é fazer uma pergunta. Mas não deve ser qualquer pergunta, deve exigir uma resposta sincera, levar a outra pessoa a abrir seu coração. Quando permanecemos na segurança das perguntas fúteis, nossos relacionamentos estacionam na superficialidade. Mas quando vamos mais fundo em nossa conversa, rompendo barreiras de distanciamento, medo e vergonha, conquistamos cada vez mais intimidade. Uma simples frase pode ganhar profundidade quando acrescentamos na conversa, por exemplo, um realmente ou como você se sente ou o que você pensa disso? Vá fundo e pergunte: Mas, como é que você vai, realmente? E como você se sente em relação a isso? E o que é que você pensa disso? Dê tempo para a pessoa falar, deixe-a expor suas opiniões, suas alegrias e ou problemas. Você não precisa ter as soluções, você está construindo um relacionamento, compartilha as experiências de vida de seu amigo. Para o grupo: Formem pares e durante cinco minutos façam a outra pessoa uma das perguntas acima. Depois de perguntar, preocupem-se realmente em ouvir. Depois, conte ao grupo o que você aprendeu sobre seu amigo (ou amiga). Durante a semana, medite nos seguintes textos e converse com Deus. Segunda Salmos 31.13-15. Terça Salmos 40.1-3. Quarta Provérbios 4.24-27. Quinta Hebreus 4.15-16. Sexta Mateus 23.24-32. Sábado João 8.2-11. Domingo João 18.33-38. 

Sexta semana Saia da superficialidade 

(2) O papel da comunhão com Deus Sua capacidade de experimentar a plenitude da comunhão no relacionamento com outras pessoas está ligado à sua comunhão com Deus. Muitas pessoas gostariam de se sair melhor nas relações humanas, mas não percebem que há uma correlação entre sua comunhão com Deus e a qualidade dos relacionamentos que mantêm com as pessoas. O potencial de aprimoramento das relações humanas está diretamente ligado ao grau de maturidade do relacionamento com Deus. Ao abrir seu coração ao amor de Deus, aceitando Jesus Cristo, o amor dele se espalha dentro de você, pois “em todo o Universo não há nada que possa nos separar do amor de Deus, que é nosso por meio de Cristo Jesus, o nosso Senhor” (Romanos 8.39). Esse amor se torna a base sólida sobre a qual você constrói os relacionamentos humanos. Seu relacionamento com Deus, caso seja maduro, oferece a segurança que você precisa para assumir riscos nas relações com as pessoas. A partir desse sólido ponto de segurança e paz, você pode circular mais livremente pelo mundo dos relacionamentos humanos. Você passa a aliviar os fardos das pessoas que o cercam, pois sua fonte de força e segurança é o próprio Deus. Outra conseqüência de seu relacionamento com Deus, é que você saberá quando deve se afastar de relacionamentos que são prejudiciais ou abrir mão de relacionamentos que chegaram ao fim. Você estará seguro nos relacionamentos humanos porque sua segurança nasce de sua relação com Deus. Pense e converse em grupo: Que barreiras me atrapalham na busca de um relacionamento mais íntimo com Deus? Se você tem um relacionamento íntimo com Deus, de que forma isso ajuda você nas suas relações com os outros? Como posso ajudar as pessoas do grupo que ainda não têm um relacionamento íntimo com Deus? Durante a semana, medite nos seguintes textos e converse com Deus. Segunda Gênesis 15.18-24. Terça Gênesis 17.1. Quarta João 1.14-18. Quinta Mateus 5.12-15. Sexta 1Coríntios 1.5-9. Sábado Filipenses 4.4.-7. Domingo Isaías 9.2-3. 

Sétima semana A SANTIDADE DO BOM NOME DO PRÓXIMO 

Muitas vezes, quase sem perceber, somos superficiais naquilo que comentamos ou falamos. Fazemos brincadeiras que magoam, comentários mordazes ou, pior ainda, ferimos a imagem de alguém afirmando coisas que não temos certeza, que ouvimos de outros. É comum pensarmos que não devemos dar “testemunho falso contra ninguém” (Êxodo 20. 16) quando se refere à alguma coisa séria, mas que podemos fazer piadas e anedotas com dificuldades e problemas que as pessoas enfrentam. A palavra próximo, quando falamos de comunhão, inclui todos os nossos semelhantes. A difamação de caráter é proibida, não apenas formalmente, no tribunal, mas por qualquer declaração falsa. O mandamento que encontramos em Êxodo 20.16 e Deuteronômio 5.20 nos mostra que a santidade consiste em não fazermos determinadas coisas, que devemos abandonar tudo o que do amor ao próximo e da vontade de Deus. Ou como diz Deuteronômio 13.12-15, não podemos falsear a verdade em nossas afirmações. Será que alguém pode se sentir seguro na igreja, se houve comentários maldosos sobre irmãos e irmãs? Para conversar com o grupo: Você já foi alvo de comentários mordazes? E como você se sentiu? Hoje, você consegue ter um relacionamento mais profundo com esse/a irmão/ã que magoou você? E sejamos justos nos nossos juízos, conforme Deuteronômio 17.8-11. O Senhor Jesus nos ensina em Mateus 18.15-16 como devemos proceder diante de um irmão que pecou contra nós. Como o grupo pode ajudá-lo diante desse afastamento, da ruptura da comunhão entre o irmão que disse alguma coisa ruim sobre você? A chave para a compreensão do mandamento da santidade do bom nome do próximo está numa atitude positiva, que possibilita o encontro com o próximo e com Deus: é a verdade, conforme no ensina Jesus em seu diálogo com Pôncio Pilatos, em João 18.37. Nosso compromisso é com a verdade. Ou melhor, nosso compromisso com Aquele que é a verdade. Então você é rei? - perguntou Pilatos. - É o senhor que está dizendo que eu sou rei! - respondeu Jesus. - Foi para falar da verdade que eu nasci e vim ao mundo. Quem está do lado da verdade ouve a minha voz. Durante a semana, medite nos seguintes textos e converse com Deus. Segunda Gênesis 15.18-24. Terça Gênesis 17.1. Quarta João 1.14-18. Quinta Mateus 5.12-15. Sexta 1Coríntios 1.5-9. Sábado Filipenses 4.4.-7. Domingo Isaías 9.2-3. 

Para ler e refletir NÃO SE ESQUEÇA, SUA FÉ CUSTOU SANGUE Desde o começo do século dezesseis, La Rochelle era uma cidade próspera que lucrava com o comércio. Era um centro dos protestantes huguenotes extremamente ativo. “Amanhã volto para o Brasil. Estou na França há quinze dias. Vim apresentar comunicação sobre Socialismo e Religião no Colóquio Internacional da Associação Paul Tillich em Língua Francesa, que se reuniu em Toulouse. Depois do Colóquio vim para Paris. Estou hospedado na Faculdade Evangélica Livre de Vaux-sur-Seine. Estou vivendo momentos de descanso e reflexão, aqui à margem do rio Sena, onde num ambiente pleno de espiritualidade cristã, posso meditar sobre a heróica história dos evangélicos na França. E é sobre eles, os huguenotes, que escreverei nesta coluna”. Os huguenotes eram protestantes franceses que surgiram durante a Reforma do século XVI. Não eram camponeses, mas cidadãos nobres e burgueses. Fundaram em 1559 uma igreja reformada que cresceu de forma impressionante. Em 1571, houve um sínodo huguenote que elaborou, sob a inspiração do líder reformado Théodore de Bèze, a Confissão de La Rochelle. Em 1573, Henrique III, ainda como duque de Anjou, cercou a cidade por mais de seis meses. Os huguenotes formavam então um formidável grupo de pressão econômica, política e militar, apoiados pelos ingleses, alemães, holandeses e pelos protestantes de Genebra. Assim, na segunda metade do século dezesseis, os ataques católicos aos huguenotes fizeram-se cada vez mais virulentos, culminando com o massacre de São Bartolomeu, em 24 de agosto de 1572, no qual foram mortas mais de 30 mil pessoas. “Estou sentado num banco de madeira, rodeado de verde. Atrás, fica a biblioteca da faculdade, lá na frente, uma árvore seca se inclina sobre o rio. Um irmão seminarista, do Haiti, caminha de um lado a outro do campo verde. Ele ora. Está entardecendo. São quase dez da noite, mas ainda está claro. Eu também oro, olhando para o rio Sena e agradecendo a Deus por aqueles que vieram antes de mim, que mantiveram ao preço de sangue, desfraldada, a bandeira do Evangelho”. Os católicos franceses, agrupados no partido da Santa Liga, entre 1576 e 1584, passaram a pressionar huguenotes e os reis considerados hesitantes. Na esperança de legalizar na França a existência de uma igreja reformada e de apaziguar os ânimos, o rei Henrique IV (1553-1610), soberano huguenote que se converteu sob pressão ao catolicismo uma semana antes do massacre de São Bartolomeu e, depois em 1576, se reconverteu ao protestantismo, assinou em 13 de abril o Edito de Nantes. O Edito de Nantes fez importantes concessões aos huguenotes. Entre elas, as liberdades de consciência e de culto nas residências senhoriais, em todas as cidades onde existisse a fé reformada. Concedeu anistia para todos os "crimes" cometidos no passado e criou 150 locais de refúgio para os huguenotes: 66 cidades e castelos onde guarnições eram mantidas pelo rei. La Rochelle que pertencia aos huguenotes desde a primeira guerra de 1562 foi uma dessas cidades de refúgio. E mais: tornou-se a mais forte praça de guerra cedida aos protestantes pelo Edito de Nantes. Na verdade, era a capital huguenote na França. O Edito de Nantes foi, de fato, uma constituição político-religiosa que procurou criar mecanismos de defesa para os huguenotes. Mas não durou muito. Em 1627, o cardeal Richelieu, a propósito de um pacto firmado entre La Rochelle e a Inglaterra, que já declarara guerra à França, iniciou a destruição de La Rochelle. O cardeal conduziu pessoalmente o cerco à cidade rebelde, construindo em terra firme, 12 km de linhas contínuas de fortificações e, no mar, a construção de um dique destinado a impedir a chegada de suprimentos pela frota inglesa. Os huguenotes, comandados pelo almirante Jean Guiton, prefeito da cidade, resistiram durante quinze meses até que a fome forçou-os à rendição em 28 de outubro de 1628. As fortificações da cidade foram arrasadas e as franquias municipais suprimidas. A partir de então, La Rochelle entrou em declínio. Luiz XIV, convencido de que os huguenotes haviam desaparecido do solo francês, seja pela fuga, pela conversão forçada ao catolicismo ou pelo massacre, aboliu, em 18 de outubro de 1685, o Edito de Nantes. A partir desse momento, os huguenotes perderam toda liberdade de culto e toda garantia de segurança. Tornaram-se marginais: suas propriedades foram confiscadas e privados de todos os seus direitos pessoais. A guerra civil irrompeu como guerra clandestina, com a fuga para os países protestantes de centenas de pastores. Suas igrejas foram destruídas. Abandonaram bens e filhos, que eram proibidos de deixar o país. O catolicismo exigia que fossem reeducados na fé romana. Mais de 400 mil huguenotes se refugiaram, principalmente na Holanda e na Prússia, países que ganharam por receber recursos humanos estratégicos: comerciantes, empresários e intelectuais. A América inglesa também recebeu um número grande dessa elite huguenote em diáspora. “Poucos irmãos brasileiros sabem que a saga huguenote aportou em nossas terras. Poucos, infelizmente, têm conhecimento dos mártires que testemunharam e foram sacrificados aqui por amor ao Evangelho”. Em 1557, chegou ao Rio de Janeiro um grupo de huguenotes com o objetivo de fundar uma colônia chamada França Antártica, que deveria se caracterizar pela tolerância religiosa. Eram os primeiros protestantes a pisar em terras brasileiras. Três pastores lideravam o grupo. Ao aportarem no Rio, Villegaignon, que comandava a frota francesa, entregou os pastores e suas ovelhas às autoridades católicas. Alguns conseguiram escapar, mas quatro deles, Jean du Bourdel, Matthieu Verneuil, Pierre Bourdon e André la Fon foram presos e condenados à morte. Foram condenados não somente por aportarem na terra, que era colônia portuguesa, mas por difundirem o evangelho da graça, que contrariava as doutrinas católicas de salvação por fé e obras. Antes de serem executados os huguenotes foram obrigados a confessar sua crença. Era um direito do governador exigir dos súditos uma confissão de fé. Era uma última chance de renegar suas "heresias" protestantes. Foi-lhes dado um prazo de 12 horas para que escrevessem num documento tudo quanto criam. Em doze horas aqueles quatro homens, com ajuda apenas de suas Bíblias escreveram a primeira confissão de fé das Américas, mostrando aos jesuítas aquilo no que criam. Foi um Credo. E sabiam que estavam assinando suas sentenças de morte. No momento da execução o carrasco, por conhecer a vida piedosa daqueles homens, recusou-se a executá-los. Impaciente, José de Anchieta, o padre que os acompanhava, afastou o carrasco e ele mesmo pôs fim à vida dos huguenotes. Era uma manhã de sexta-feira, 9 de fevereiro de 1558. “Pai querido, em nome de Jesus, agradeço por teus mártires. São dez e meia da noite. O rio Sena agora é apenas uma mancha escura que desliza. No meu coração, porém, brilha mais forte o evangelho da graça, que irmãos de outros tempos me entregaram. Devo honrar este evangelho e passá-lo às gerações futuras”. Vaux-sur-Seine, 2 de junho de 2003. 

Oitava semana VOCÊ SABE DIZER MUITO OBRIGADO? 

“Estejam sempre alegres, orem sempre e sejam agradecidos a Deus em todas as ocasiões. Isso é o que Deus quer de vocês por estarem unidos com Cristo Jesus. Não atrapalhem a ação do Espírito Santo.” I Tessalonicenses 5.16-20 Vejam que interessante, Paulo não era um professor de boas maneiras, desses que treinam misses para jantares de gala. E, no entanto, nos diz para sempre dizermos muito obrigado. Será que a gente leva esse conselho a sério? E para você é muito difícil dizer muito obrigado? Ou, ao contrário, é tão fácil, que já virou algo automático? Bem, existem duas maneiras de dizer muito obrigado: aquele jeito simples, natural, é quase uma oração que dirigimos à outra pessoa. Ninguém vê, não fazemos publicidade disso, mas enchemos a alma do próximo de alegria. E há uma segunda maneira: festiva, cheia de emoções visíveis, de movimentos e palavras. Todos vêem e são contagiados com a alegria de nossa maneira de ser. Ambas são corretas, desde que nasçam do coração. Para conversar no grupo: Qual é a sua maneira de dizer muito obrigado? Ou será que por timidez, ou porque anda sempre tão apressado, poucas vezes agradece às pessoas que servem você? Pode ser o guardador de carro, o porteiro, as pessoas da recepção ou os diáconos da igreja. Você já parou para contar quantas pessoas a cada dia e na igreja cuidam de você, servem você? Aproveite esse momento e faça um pequeno exercício de aritmética, conte quantas pessoas num dia normal, ou no domingo, na igreja, servem você. E como é que você trata cada uma delas? Conversem em grupo e façam um plano para o próximo domingo. Dê um muito obrigado àqueles que você tem esquecido. E se puder aprofunde a comunhão, um abraço ou um beijo fraternal aquecerá corações. Não se esqueça disso. Amar ao irmão e a Deus Em antigos relevos do Egito vemos adoradores com as mãos estendidas jogando beijos para suas divindades. Beijar a terra, dobrar os joelhos eram gestos de adoração O primeiro beijo foi soprado por Deus no Éden. Por isso, o estado do ser humano pleno, cheio do Espírito, é adorar: agradecer ao seu Criador pela graça recebida. Se você quer ter uma comunhão de verdade com irmãos e irmãs? Diga muito obrigado a Deus. Seja grato. Entregue a Ele o que você tem de melhor. Adore. Dê um beijo naquele que merece todo o nosso amor. Durante a semana, medite nos seguintes textos e converse com Deus. Segunda Gênesis 15.18-24. Terça Gênesis 17.1. Quarta João 1.14-18. Quinta Mateus 5.12-15. Sexta 1Coríntios 1.5-9. Sábado Filipenses 4.4.-7. Domingo Isaías 9.2-3. Para ler e refletir DUAS MULHERES E O MILAGRE DO PERDÃO As situações-limite exemplificam as maravilhas do perdão. Vemos isso, por exemplo, na expressão de Jesus "onde pouco é perdoado, pouco amor é mostrado". Aminal Lawal, uma mulher nigeriana, foi condenada por adultério por ter um filho dois anos depois de separar-se de seu marido. Ela seria apedrejada até a morte, conforme ordena a lei islâmica, a Sharia. Há mais de três mil anos, uma jovem chamada Raabe, na Palestina, também correu o risco de ser assassinada. E para entender o milagre do perdão vamos fazer uma rápida viagem pela história de Aminal e pelo ofício de Raabe. Mas antes vejamos duas palavras fundamentais para nossa viagem... O Novo Aurélio, o dicionário da Língua Portuguesa, assim nos apresenta a palavra prostituição (u-i). [Do lat. tard. prostitutione.] S.f. 1. Ato ou efeito de prostituir(-se). 2. Comércio habitual ou profissional do amor sexual. 3. O conjunto das prostitutas. 4. A vida das prostitutas. 5. P. ext. Vida desregrada. 6. Profanação, aviltamento. E a palavra perdão. [Dev. do arc. perdõar.] S. m. 1. Remissão de pena; desculpa; indulto. 2. Ét. Renúncia de pessoa ou instituição à adesão às conseqüências punitivas que seriam justificáveis em face de uma ação que, em níveis diversos, transgride preceitos jurídicos, religiosos, morais ou afetivos vigentes. A Sharia é a aplicação do Alcorão na prática cotidiana, e em alguns países é aplicado como lei. Assim, a morte por apedrejamento é um costume no Oriente Médio, e essa norma também faz parte da Torá judaica. Aminal teve um filho fora do casamento. E por isso devia ser apedrejada. Mas o mundo ocidental se manifestou pela revogação da sentença. Então, os juízes islâmicos, pressionados pela opinião pública, usaram um subterfúgio para salvar Aminal. Alegaram que segundo a tradição islâmica um bebê pode estar em gestação por um período de até cinco anos. Ou seja, Aminal poderia estar grávida do marido. Raabe foi mulher de Salmon (Mateus 1.5), possivelmente filho de Calebe (cf. 1Crônicas 2.51), e mãe de Boaz. É bom lembrar que as prostitutas na Antigüidade, sacerdotisas ou não, começavam seu ofício ainda na puberdade. Na vida escura e duvidosa dessa jovem, prostituta e mentirosa, deve ter brilhado a centelha de que com os hebreus havia um Deus superior a todos os deuses que ela conhecera. A cidade de Jericó estava em pânico, temendo um ataque dos hebreus, e entre o povo se comentava o que o Deus dos hebreus fizera na saída do Egito e durante a caminhada no deserto: "Soubemos que o Senhor secou o mar Vermelho diante de vocês quando saíram do Egito. Também ficamos sabendo como, a leste do rio Jordão, vocês mataram Seom e Ogue, os reis dos amorreus, e destruíram os seus exércitos". Josué 2.10. Zaná é uma palavra hebraica que pode ser traduzida por praticar prostituição, mas seu sentido literal quer dizer manter relações sexuais ilícitas. É a palavra que designa a atividade de Raabe, jovem que escondeu os espiões enviados por Josué. A palavra normalmente se refere às mulheres e apenas duas vezes diz respeito a homens (Êx 34.16; Nm 25.1). A forma feminina é usada para indicar a prostituta (Gn 34.31). Tais pessoas recebiam pagamento (Dt 23.19), tinham marcas características que as indicavam (Gn 38.15; Pv 7.10; Jr 3.3), tinham suas próprias casas (Jr 5.7) e deviam ser evitadas (Pv 23.27). Poucas vezes a mulher com quem o ato é cometido é identificada como mulher casada (Lv 20.10; Jr 29.23), mas também nunca se afirma que é solteira. Ambas mulheres, Aminal e Raabe, foram consideradas prostitutas, conforme o costume palestino. A primeira adulterou e a segunda, segundo estudiosos, era uma sacerdotisa da religião cananéia, ou seja, uma prostituta cultual. Ambas mereciam a morte, mas foram salvas pelo perdão. E perdão implica em esquecimento, por isso não importa mais se Aminal adulterou ou se Raabe era prostituta cultual... Mas há uma diferença, não sabemos se no caso de Aminal houve arrependimento e mudança de vida. Não sabemos se Aminal depositou sua vida, pela fé, nas mãos do Deus criador dos céus e de terra. Já, Raabe, pela fé, confiou na misericórdia e no poder de Deus e obteve salvação para si e sua família. Veja a confissão que ela faz no final do verso 11, ao reconhecer que Iaveh estava acima dos deuses da religião cananéia: "O Deus de vocês, o Senhor, é Deus lá em cima no céu e aqui em baixo na terra". Estas palavras, proferidas por Raabe, são uma declaração de contrição, de arrependimento. Centenas de anos mais tarde, Jesus, o ungido de Deus, descendente da prostituta Raabe, disse de uma outra jovem, quando essa lavou seus pés com óleo e os enxugou com os cabelos: "Você está vendo esta mulher? Quando entrei, você não me ofereceu água para lavar os pés, porém ela os lavou com as suas lágrimas e os enxugou com os seus cabelos. Você não me beijou quando cheguei; ela, porém, não pára de beijar os meus pés desde que entrei. Você não pôs azeite perfumado na minha cabeça, porém ela derramou perfume nos meus pés. Eu afirmo a você, então, que o grande amor que ela mostrou prova que os seus muitos pecados já foram perdoados. Mas onde pouco é perdoado, pouco amor é mostrado". Lc 7.44-47. Eis o milagre do perdão. Milagre que cobriu Raabe e, em nome de Jesus, clamamos para que cubra também a vida de Aminal Lawal. 

Nona semana A ARITMÉTICA DA COMUNHÃO CRISTà

Quando falamos de comunhão, mesmo sendo de comunhão na igreja, não podemos nos esquecer que a igreja é formada por famílias, por isso o apóstolo Pedro na sua primeira carta, no capítulo três, fala às esposas cristãs de maridos não-cristãos e aos maridos cristãos de esposas não-cristãs, embora seus conselhos não se restrinjam a estes casos. O primeiro grupo, as esposas cristãs de maridos não-cristãos, seria mais numeroso do que o segundo, devido à estrutura patriarcal da sociedade. Quando uma esposa pagã se convertia, não podia esperar que o marido a acompanhasse nessa decisão. Mas se era o marido que se convertia, era quase certo que sua esposa aderisse à decisão dele. Para o grupo conversar: Em nosso grupo, temos quantos casais? E cada casal, quanto anos têm de vida em comum? Quem se converteu primeiro? E o outro como veio a conhecer o Senhor Jesus? Para Pedro, o Espírito de Cristo devia manifestar-se nas relações sociais, e por isso também na vida diária no lar. Pedro tinha em mente a relação conjugal e não as relações que existem entre homens e mulheres. A atitude que Pedro defende não é a convencional do patriarcalismo de seus dias, mas é a expressão da ética cristã da comunhão. Por isso, propõe que, semelhantemente a Jesus Cristo, quando as esposas são cristãs e os maridos não, esses maridos, que não obedecem à Palavra, sejam ganhos sem palavra pelo procedimento delas. Pedro faz um jogo de palavras. No primeiro caso, refere-se à Palavra de Deus, e, no segundo caso, refere-se ao uso comum da palavra. Os maridos que não aceitam a Palavra de Deus podem ser ganhos pelo procedimento digno de suas esposas, sem que estas precisem pronunciar uma só palavra. Sabemos que os brigam, mas aqui, hoje, o importante é saber como você faz as pazes. Você faz as pazes porque um dos dois cede? Você dá um tempo e depois os dois conversam sobre a questão? Conte para o grupo a sua experiência. A comunhão é um fator essencial da vida cristã. A comunhão da esposa cristã, quando seu marido não é cristão, tem uma finalidade evangelística. E quando os dois são cristãos essa comunhão é mútua. Um é com jugo do outro, cônjuge. O apóstolo Pedro exorta os maridos à comunhão, a relacionarem-se com suas esposas com discernimento. Ou seja, mostrando-se sábios e companheiros nas relações íntimas da vida conjugal. Assim, fica aqui um alerta a todos nós: a falta de compreensão entre marido e mulher, egoísmo da parte de um ou de outro, ou qualquer coisa que provoque atritos na vida afetiva do casal, terá repercussão na comunhão da igreja. Durante a semana, medite nos seguintes textos e converse com Deus. Segunda Gênesis 15.18-24. Terça Gênesis 17.1. Quarta João 1.14-18. Quinta Mateus 5.12-15. Sexta 1Coríntios 1.5-9. Sábado Filipenses 4.4.-7. Domingo Isaías 9.2-3. Para ler e refletir JESUS, A CANÇÃO DA VIDA "O pecado está à porta, à sua espera. Ele quer dominá-lo, mas você precisa vencê-lo." Deus alerta Caim. Há pessoas que fazem a apologia do roubo, do assassinato e da destruição. Há pessoas que consideram o pecado uma arte e vêem muita utilidade nele. Estamos diante da cultura da guerra e da morte. Talvez por isso a Palavra afirme que este mundo jaz no maligno. Não sei se você já ouviu falar da Sociedade para a Promoção do Vício ou do Clube do Fogo do Inferno, fundados por Sir Francis Dashwood. Ou se leu alguma coisa sobre a Sociedade para a Supressão da Virtude. O certo é que essas associações existiram na Inglaterra do século XIX, mas, sem dúvida, a mais estranha era a Sociedade para o Encorajamento do Assassinato, formada por aficionados em carnificinas e especialistas em assassinatos. Bem, não sei se você já parou para pensar no assassinato. É quase certo que não, mas um escritor inglês, Thomas De Quincey (1785-1859), um sujeito estranho, que morava em lugares imundos, só saia à noite, e durante 50 anos foi um "comedor de ópio", parou para pensar no assunto e escreveu um livro chamado "Do Assassinato como uma das Belas Artes". De Quincey tinha uma coluna diária na Westmorland Gazette, onde só tratava de crimes terríveis. E justificava sua morbidez dizendo que tais artigos levavam os leitores a uma profunda reflexão moral. Não sei se ele tinha razão, mas hoje vou conversar com você sobre o assassinato. "Portanto -- como disse De Quincey -- que nos seja permitido tirar o melhor partido de um mau assunto; que o tratemos esteticamente, e verifiquemos se o podemos aproveitar dessa maneira. Secamos nossas lágrimas e gozamos a sensação de descobrir que uma transação que, considerada moralmente chocante, se for julgada pelos critérios do gosto, revela-se uma obra muito meritória". "Segundo este princípio, cavalheiros, proponho-me a guiar-vos os estudos desde Caim... Através desta grande galeria do assassinato, que nos seja permitido vagar de mãos dadas, juntos, em admiração deliciada. O primeiro assassinato é conhecido de todos. Como inventor do assassinato e pai da arte, Caim deve ter sido um gênio de primeira grandeza. Todos os Cains foram homens de gênio...". "Assassinei um homem porque me feriu, assassinei um moço porque me machucou. Se sete pessoas são mortas para pagar pela morte de Caim, então se alguém me matar serão mortas setenta e sete pessoas da família do assassino”. Lameque fala às suas mulheres. Bem, se você não está chocado, vamos seguir. De Quincey faz algumas propostas para a realização de um assassinato. "Quanto à pessoa, suponho evidente que deve tratar-se de um homem bom; porque, se não for esse o caso, ele poderá estar, ao mesmo tempo, contemplando a possibilidade de cometer assassinato". Ainda quanto à pessoa, "a vítima escolhida deve também possuir uma família de crianças inteiramente dependentes de seus esforços, de modo a aprofundar o pathos”. Quanto à oportunidade e ao lugar, "o bom senso do praticante o tem geralmente guiado para a escolha da noite e da intimidade. Contudo, não tem havido falta de casos que esta regra foi abandonada com excelentes efeitos”. De Quincey, segundo especialistas, escreveu trechos inteiros de seu livro sob o efeito do ópio, mas paradoxalmente ele nos leva a pensar sobre que razões, motivos ou deleites levariam um ser humano a assassinar outro. Por ser tal ato tão terrível, nossa vida é protegida por leis e é por isso que as guerras são execradas. Mas, muita gente tenta justificar o injustificável. De Quincey se baseia na possibilidade do prazer e da beleza do ato, outros numa possível necessidade de prevenção contra um mal futuro. Mas, cuidado, como canta Lameque, quando não há arrependimento, o pecado -- pessoal ou social -- sempre se multiplica. "Vocês são filhos do Diabo, e querem fazer o que o pai de vocês quer. Desde a criação do mundo ele foi assassino e nunca esteve do lado da verdade”. Palavras de Jesus. E já no final deste texto, eu me lembrei de "Inscrição para uma lareira" de Mário Quintana, quando o poeta afirma que "a vida é um incêndio: nela/ dançamos salamandras mágicas/ Que importa restarem cinzas/ se a chama foi bela e alta?/ Em meio aos toros que desabam/ cantemos a canção das chamas! Cantemos a canção da vida,/ na própria luz consumida.” Não, a vida não precisa ser um inferno. Que o poeta me perdoe, mas não necessitamos cantar a vida na própria luz consumida! Por que cantar a destruição se Jesus veio para que tenhamos vida e vida plena? Diga não à apologia do roubo, do assassinato e da destruição. Jesus é a canção da vida! 

Décima semana MOMENTOS DE DESPEDIDA 

Os momentos mais difíceis da comunhão são os momentos de despedida. Pode ser uma viagem, a mudança por razões de trabalho, um chamado missionário ou a perda de uma pessoa querida. Você já viveu um momento marcante de despedida? Conte para o grupo como foi. Em Atos dos Apóstolos 20.22-28 temos uma história eletrizante. Era a última vez que o apóstolo Paulo passaria por aquela região e não teria tempo de ir à cidade de Éfeso. Por isso, ele pediu à liderança da igreja que fosse visitá-lo enquanto o navio fazia sua escala. E foi ali na beira da praia, enquanto o navio estava ao largo, que a despedida se deu. Todos abraçaram e beijaram o apóstolo, sabendo que era a última vez que o viam: "Agora eu vou para Jerusalém, obedecendo ao Espírito Santo, sem saber o que vai me acontecer lá. Sei somente que em todas as cidades o Espírito Santo tem-me avisado que prisões e sofrimentos estão me esperando". Atos dos Apóstolos 20.22-23. Nossa comunhão com as pessoas, por mais importante que sejam para nossas vidas, implicam, muitas vezes, em momento de separação. Na sua vida, você já enfrentou algum momento triste de perda de uma pessoa querida? Você já superou a dor? O que esse momento lhe ensinou? A atitude do apóstolo Paulo deve ser a minha e a sua. Nossa vida espiritual deve obedecer à vontade de Deus, de tal maneira que o Espírito Santo nos fale, nos tranqüilize, nos oriente. A comunhão cristã exige vida em conformidade com a vontade de Deus. O que vamos fazer deve sempre ser produto da ação do Espírito Santo em nosso ser, dizendo-nos como agir a cada momento. Durante a semana, medite nos seguintes textos e converse com Deus. Segunda Gênesis 15.18-24. Terça Gênesis 17.1. Quarta João 1.14-18. Quinta Mateus 5.12-15. Sexta 1Coríntios 1.5-9. Sábado Filipenses 4.4.-7. Domingo Isaías 9.2-3. Para ler e refletir O CORPO E O BAILE Um outdoor estava presente na cidade de São Paulo no Carnaval. Nele uma jovem diz: "Mostre que você já cresceu e sabe o que quer, use camisinha". Por incrível que pareça tal slogan tem várias leituras. Uma delas é: você que é mocinha, dona do seu próprio nariz, faça sexo. Tal slogan nos remete a uma questão teológica, que envolve os conceitos carne e corpo. E começaremos tal discussão a partir de texto clássico da literatura brasileira: "Invadiu-a um desalento imenso, um nojo invencível de si própria. Robustecer o intelecto desde o desabrochar da razão, perscrutar com paciência, aturadamente, de dia, de noite, a todas as horas, quase todos departamentos do saber humano, habituar o cérebro a demorar-se sem fadiga na análise sutil dos mais abstrusos problemas da matemática transcendental, e cair de repente, com os arcanjos de Milton, do alto do céu no lodo da terra, sentir-se ferida pelo aguilhão da carne, espolinhar-se nas concupiscências do cio, (...) como uma cabra, como um animal qualquer... era a suprema humilhação." A Carne de Júlio Ribeiro é um romance naturalista publicado em 1888, que fala de divórcio, sexo livre e aponta para a liberdade sócio-cultural feminina. Mas, apresenta também os preconceitos da sociedade escravocrata no Império. A Carne é a história de Lenita, uma jovem órfã de mãe, cujo pai lhe deu uma educação sofisticada e fora do comum para a época. Aos 22 anos, após a morte de seu pai, Lenita teve a saúde abalada e foi viver no interior de São Paulo. Lá, conheceu Manuel, um intelectual que vivia trancado com seus livros e que de vez em quando fazia longas caçadas. Lenita e Manuel tornam-se amantes e o romance de Júlio Ribeiro narra a trajetória desse amor, marcado por desejo e violência, por luta entre a razão e a carne. "As pessoas que pertencem a Cristo Jesus crucificaram a natureza humana delas, junto com todas as paixões e desejos dessa natureza". O texto de Paulo (Gálatas 5.24) fala de paixões e desejos. Paixão, paté, aqui, indica deficiência que domina a natureza humana (sarks em grego, carne). O texto discorre sobre a possibilidade de controle desta disfunção quando afirma que aqueles que pertencem a Cristo crucificaram todas as paixões e desejos da natureza humana. Durante a Idade Média, grupos de cristãos interpretaram a exortação à crucifixão da carne como apelo ao sofrimento e suplício, ao encarceramento e solidão, procurando causar dor e desprazer ao próprio corpo. Mas Paulo faz diferença entre carne e corpo. Carne nos remete às disfunções que envolvem desejos e paixões como prostituição, impureza, lascívia. E corpo traduz a materialidade do ser, a base para a realização da existência. O domínio e o exercício do corpo advêm como expressividade quando há integração lingüístico-cultural. O corpo resiste ao sentido, não é resto, despojado de vida, como entendido pelos gregos, na sua configuração de soma, cadáver. Trata-se de nefesh, singularidade no mundo, face ao outro, interpelado, atravessado por afeições e sentimentos. Orgânico, natural, alia indeterminação entre a dimensão lingüístico-cultural que o atravessa e constitui e a dimensão emotiva que o movimenta. Por isso o corpo -- e com ele as emoções, sentimentos e a própria razão -- é dimensão profunda do ser. É o corpo que projeta as forças que vão moldar o ser aos desejos e paixões. Nesse sentido não há pecado da carne, sem que antes tenha passado pelo próprio corpo. No romance A Carne, Lenita encontra cartas de outras mulheres guardadas por Manuel, sente-se traída e o abandona. Mesmo grávida, casa-se com outro homem. Manuel, diante da perda da amante, suicida-se. "A placidez da morte sem dor, da morte pela paralisia dos nervos motores, converteu-se em um suplício atroz, pavoroso, para cuja descrição não tem palavras a linguagem humana". "Morto e vivo!" "Tudo morrera: só vivia o cérebro, só vivia a consciência e vivia para a tortura... Por que não ter despedaçado o crânio com uma bala? A paralisia invadiu os últimos redutos do organismo, o coração, os pulmões, sístole e diástole cessaram, a hematose deixou de se fazer. Um como véu abafou, escureceu a inteligência de Barbosa, e ele caiu de vez no sono profundo de que ninguém acorda". Assim, Júlio Ribeiro finaliza o resultado da batalha perdida entre a razão e a carne. Para ele, os triunfos dos desejos e paixões da carne levam, ao final, à morte do corpo. É isso que Paulo nos fala. Por isso, quer no Carnaval, ou em qualquer outra atividade humana, a liberdade deve levar à vida e não à morte, já que a liberdade se realiza no tropismo do corpo à vida. 

Décima-primeira semana A RESSURREIÇÃO, UMA LIÇÃO DE COMUNHÃO 

“E a nossa esperança era que fosse ele quem iria libertar o povo de Israel. Porém já faz três dias que tudo isso aconteceu”. (Lucas 24.21). Quando pensamos na ressurreição pensamos em duas coisas: lá atrás na história, Deus ressuscitou Jesus. E lá na frente, um dia, Deus vai nos ressuscitar. Assim, a ressurreição tem passado e futuro. São duas colunas: passado e futuro. Mas e hoje? Será que a ressurreição tem alguma coisa a ver com o meu presente? Como ela fala sobre comunhão para mim, hoje? Durante três anos Jesus manteve comunhão com os discípulos. Agora, aqueles dois, ali na estrada de Emaús se sentiam abandonados. É, todos sabemos que a morte personifica os limites da existência. A morte personifica o medo existencial, o fim da esperança, a perda do sentido da vida. E naquele entardecer, naquela estrada, os discípulos entristecidos afirmaram que, com a morte de Jesus, havia morrido algo na vida deles... A comunhão tinha acabado! Assim como a morte do esposo mata algo na esposa, como a morte do amigo mata algo naquele que fica, a morte de Jesus matara naqueles dois discípulos a vida que dava sentido ao caminhar de cada um deles. Foi isso que aconteceu com aqueles discípulos de Emaús: vagavam à noite pela estrada da vida, cabisbaixos, derrotados. A vida não tinha mais sentido para eles. Converse com o grupo: Você já viveu algum momento em que sentiu que tudo tinha perdido o sentido? Com foi isso? E é assim que acontece conosco muitas vezes: andamos desesperançados, derrotados pela realidade que esmaga a vida e destrói o futuro. Mas a comunhão renasce pela fé na ressurreição “Mas eles insistiram com ele para que ficasse, dizendo: Fique conosco porque já é tarde, e a noite vem chegando. Então Jesus entrou para ficar com os dois. Sentou-se à mesa com eles, pegou o pão e deu graças a Deus. Depois partiu o pão e deu a eles. Aí os olhos deles foram abertos, e eles reconheceram Jesus”. (Lucas 24.29-31). A comunhão renasce quando nos reunimos com os irmãos e irmãs ao redor da mesa, ouvimos a Palavra e repartimos o pão. Nós vencemos a solidão e o desespero quando redescobrimos o sentido da ressurreição. E ela é mais que uma lembrança do passado e um futuro de esperança. É um fato presente, uma bênção da integridade de Deus para nossa vida presente. A ação de Deus que no passado trouxe Jesus à vida é a mesma que a cada dia te dá força. Mas lembre-se: a descoberta da ressurreição não é um ato solitário. É um ato solidário, que implica em ouvir a Palavra e repartir o pão. A ressurreição de Jesus é a expressão permamente do compromisso irrevogável de Deus conosco. Para conversar com o grupo: Você é uma pessoa tímida? Tem vergonha de participar, de se envolver? Você está triste e solitário? Como podemos ajudar este irmão ou irmã? Em que sentido podemos repartir o pão da ressurreição com ele ou ela? Durante a semana, medite nos seguintes textos e converse com Deus. Segunda Gênesis 15.18-24. Terça Gênesis 17.1. Quarta João 1.14-18. Quinta Mateus 5.12-15. Sexta 1Coríntios 1.5-9. Sábado Filipenses 4.4.-7. Domingo Isaías 9.2-3. Para ler e refletir O SERMÃO DO FOGO O príncipe dos pregadores do século dezenove, Charles Haddon Spurgeon, fez um sermão que ficou conhecido como Apressando a Ló, com base no texto de Gênesis 19.15. O centro dessa mensagem de Spurgeon é que diante de uma cidade que vai arder, justos e pecadores devem ser apressados. O justo deve ser apressado em relação ao que é melhor para sua família, a sair do mundo e à obediência ao Senhor. E o pecador deve ouvir do perigo iminente e da necessidade de tomar uma decisão imediata. O pano de fundo do sermão é a cidade que vai arder. Décadas mais tarde, um poeta norte-americano, de ascendência inglesa, escreveu sobre um mundo que já ardeu. Seus poemas traduzem a angústia profética diante da guerra e do drama humano. Terra Desolada é um dos mais impressionantes poemas de Thomas Stearns Eliot. É um gemido diante de um mundo árido, onde sobreviventes se arrastam e agonizam. Escrito entre 1921 e 1922, é considerado o mais terrível poema da literatura ocidental no século 20. Mas, em meio ao desespero, podemos ver o sentido de transcendência que brota na Terra Desolada desse cristão agoniado diante do destino humano. No final da terceira parte do poema, chamado O Sermão do Fogo, terror e êxtase se complementam: A Cartago então eu vim/ Ardendo, ardendo, ardendo, ardendo/ Ó Senhor Tu que me arrebatas/ Ó Senhor tu que me arrebatas/ ardendo. Eliot em suas notas conta que o primeiro verso acima foi tirado das Confissões de Agostinho, quando o teólogo diz: "A Cartago então eu vim, onde todos os amores ímpios, como num caldeirão, cantavam em meus ouvidos". E o verso seguinte faz parte do Sermão do Fogo, de Buda, que tão conhecido no mundo oriental quanto o Sermão da Montanha para nós cristãos. E volta às Confissões de Agostinho, com o verso: "Ó Senhor Tu que me arrebatas". Eliot afirma que "a inserção destes dois representantes do ascetismo oriental e ocidental no ponto culminante desta parte do poema não é fortuita", já que através de uma leitura une oriente e ocidente transmite ao leitor toda a angústia diante de um mundo que arde. Três anos mais tarde, Eliot lançou Os Homens Ocos onde, ainda em meio ao mundo desolado, fala de homens vazios, empalhados. E é aqui, neste poema, que a transcendência transborda, apontando para um sentido profundo de conversão. Entre o desejo/ E o espanto,/ Entre a potência/ E a existência/ Entre a essência/ E a descendência/ Tomba a Sombra Porque Teu é o Reino/ Porque Teu é/ A vida é/ Porque Teu é o E numa estrofe sublime, genial, completa: Assim expira o mundo/ Assim expira o mundo/ Assim expira o mundo/ Não com uma explosão,/ mas com um suspiro. Diante de uma cidade que vai arder, de um mundo que já ardeu, ficam a urgência e a esperança... "e como ele estava demorando, os anjos pegaram pela mão Ló, a sua mulher e as suas filhas e os levaram para fora da cidade..." 

Décima-segunda semana A SABEDORIA QUE NASCE DA COMUNHÃO 

Você já viveu uma situação em que se sentiu contra a parede e em que não tinha a mínima idéia do que fazer? Já precisou tomar uma decisão sobre uma situação complicada e problemática, mas o problema era maior que a sua capacidade para resolvê-lo? Nessas horas é que você precisa ser sábio. Nessas horas é que você precisa comungar com seus irmãos e irmãs. Você precisa, com eles e elas, olhar para as coisas da perspectiva de Deus e saber o que fazer: isso é sabedoria. Você sabe que precisa dela, mas como a adquirir? Provérbios 9.10 diz que o começo da sabedoria é temer a Deus. Ora, temer significa obedecer, honrá-lo por tudo o que Ele é, faz e pode fazer. Temer a Deus significa confiar nele e ter a certeza de que Ele ajuda você a tomar decisões e resolver problemas. Sabedoria é um presente de Deus. Ele dá sabedoria pela confiança que você coloca nele. Mas a sabedoria vem a palavra suave e amiga dos irmãos e irmãs, na multidão dos conselheiros. Aqueles e aquelas que por amor dividem a carga difícil que você está levando. E como podemos ajudar? Você já parou para ouvir seu irmão ou irmã que atravessa um momento difícil. Que precisa tomar uma decisão? E como você fez isso? Dando conselhos sobre o que você não conhece? Ensinando empresários a gerirem suas empresas, quando na verdade você é um professor de geografia? É interessante que Provérbios 9.10 diz que para ter compreensão das coisas você precisa conhecer o Deus santo. Conhecer a Deus é algo muito mais profundo do que saber coisas sobre Deus. Conhecê-lo não acontece da noite para o dia, e nunca alguém irá conhecê-lo completamente. Você é um conselheiro quando você conhece a Palavra de Deus, sua fidelidade e sua vontade para nossas vidas. A sabedoria nasce da comunhão quando estamos rodeados e amparados em pessoas comprometidas com o Evangelho. Deus se dá a conhecer através de sua Palavra, a Bíblia. Pelo estudo dela conhecemos Deus cada vez melhor, e Ele nos dá sabedoria através dela e da comunhão com os irmãos. Confie em Deus, cerque-se de cristãos que vivem coerentemente a fé, e você será sábio. Conheça Deus, viva em comunhão, e você será uma pessoa sábia. Durante a semana, medite nos seguintes textos e converse com Deus. Segunda Gênesis 15.18-24. Terça Gênesis 17.1. Quarta João 1.14-18. Quinta Mateus 5.12-15. Sexta 1Coríntios 1.5-9. Sábado Filipenses 4.4.-7. Domingo Isaías 9.2-3. 

Para ler e refletir AS FRONTEIRAS DA IGUALDADE E DA LIBERDADE 

“Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem e mulher; pois todos vós sois um só em Cristo Jesus”. Este artigo teve origem com a tese de doutorado de Joel Antônio Ferreira, A abertura das fronteiras rumo à igualdade e liberdade: a perícope da unidade em Cristo - Gálatas 3.26-28, defendida na Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, em São Bernardo do Campo, em 2001. Esses versículos de Paulo, segundo Ferreira, são a chave para se entender toda a carta. Pois é a partir dela que Paulo discorre sobre a possibilidade da superação das desigualdades raciais e religiosas, sociais e de gênero na igreja. E o fundamento do argumento de Paulo é a unidade em Cristo, que possibilita a igualdade e liberdade, e que conduz à unidade do corpo de Cristo. Assim, Gálatas 3.26-28, coração da carta aos gálatas, faz uma proposta de abertura de fronteiras, de derrubada de muros, de superação de conflitos e antagonismos que dividem a igreja. Sem dúvida, Paulo apresenta questões desafiadoras para os cristãos. Igualdade e liberdade desafiam a igreja de hoje, quando leituras tendenciosas fazem uma perigosa releitura da eclesiologia e do evangelho. Desafiado por essas duas questões -- igualdade e liberdade --, Ferreira utilizou o modelo conflitual de leitura sociológica para detectar as contradições nas comunidades da Galácia do Norte. E viu que os conflitos eram gerados por disparidades raciais, sociais e de gênero, e que o apóstolo Paulo acreditava que podiam ser superados pela unidade em Cristo. Paulo propõe a superação das barreiras de raça, condição social e sexo e dirige a igreja aos fundamentos da unidade através da superação das discriminações e da abertura de fronteiras para uma comunidade de onde todos tenham as mesmas possibilidades. A abrangência trabalhada por Ferreira, nos leva a uma reflexão sobre três assuntos que estão imbricados na abertura de fronteiras: igualdade; liberdade e unidade em Cristo. Como analisou Ferreira, Paulo, nos obriga a repensar às questões de etnia, escravidão e gênero, extrapolando as paredes da igreja e apresentando ao mundo uma proposta de abertura de fronteiras, onde haja aequalitate, paridade, iguais direitos e oportunidades, e libertate, de tal forma que cada pessoa possa dispor seu arbítrio, em pleno gozo dos direitos de ser humano autônomo diante de sua consciência e de Deus, como imagem dele, que tem garantidos seus direitos à existência e à vida E isso me faz lembrar Rudolf Bultmann, quando diz: "Ao homem que se lamenta: 'Não consigo ver significado na história, e, portanto, minha vida, entrelaçada com ela, também é destituída de significado', respondemos: não fiques olhando ao redor de ti, para a história universal, mas olha para tua história pessoal. O sentido da história sempre está contigo no teu presente, e tu não podes vê-lo como mero espectador, mas somente em tuas decisões responsáveis. Em cada momento dorme a possibilidade de vir a ser o momento escatológico. Cabe a ti despertá-la". [R. Bultmann, Storia ed escatologia, Milão, Bompiani, 1962, p. 176]. Esta é a mensagem de Paulo para os gálatas, ontem, e para o mundo, hoje: Se formos um só em Cristo Jesus - e é isso que deve ser buscado --, nem a igreja, nem a sociedade humana podem estar divididos entre judeus e palestinos, entre miseráveis e poderosos, entre homens e mulheres.