dimanche 17 décembre 2017

O caminho do humano


Théodore Monod [1] disse que não somos meio termo, mas complemento. Não somos cinza, mas cores do espectro. Na verdade, os escritos judaicos da Era Comum nos dizem que a eternidade construiu o ser humano e, em seguida, retirou-se para que este humano pudesse construir sua liberdade e o seu lugar. Dessa forma, para este pensamento religioso o ser humano é potencialmente autônomo dentro dos limites da existência, constrói livre-arbítrio e, portanto, responsabilidade. 

Os escritos judaicos, entregues no caminhar da diáspora, entendem que a eternidade aposta na construção permanente do ser humano. A construção do humano, vista dessa forma, não está completa, pois é o próprio ser humano, enquanto pessoa e comuna, quem continua a sua construção. Por isso, a construção da transcendência é a chave para o humano futuro. É o que leva à revolução permanente. Textos do misticismo judaico, quando falam do acesso ao mundo da transcendência, perguntam: "Você se tornou o que você é?" 

Nota

[1] Théodore Monod, Le Chercheur d’absolu, Le Cherche midi, 1997. Foi naturalista, explorador, erudito e humanista francês. Nasceu em 1902 e morreu em 2000.





Leia e presenteie neste Natal

TEOLOGIA SOCIALISTA
Os caminhos humanos no pensamento de Tillich e Dussel
Jorge Pinheiro
São Paulo, 2017
Fonte Editorial




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Roman de souvenirs - Un morceau de moi
Jorge Pinheiro 


Histoire et religion d'Israël
Jorge Pinheiro 



Rosenkranz, le Seigneur des mots
Jorge Pinheiro


Ethique et esprit prophétique
Jorge Pinheiro



Le Paradis Protestant - Jean de Léry, Notes anthropophages
Jorge Pinheiro



Théologie biblique et systématique - L'ultimatum de la praxis protestante
Jorge Pinheiro










samedi 16 décembre 2017

Jorge Pinheiro -- A crítica das ideologias -- pensando a partir de Ricoeur



A tarefa do intérprete, para Paul Ricoeur, na crítica das ideologias é desmascarar os interesses que impedem a realização da pessoa e pautar a construção da linguagem sem limite e coação. Jürgen Habermas, filósofo fundador da hermenêutica crítica das ideologias, e citado por Ricoeur, apresenta três interesses como constitutivos das ciências: o interesse técnico, baseado nas ciências empírico-analíticas; o interesse prático, que constrói a esfera da comunicação a partir das ciências histórico-hermenêuticas; e o interesse pela emancipação, constituído pelas ciências sociais críticas. A partir daí deve partir a hermenêutica histórico-crítica, mas, sem dúvida, é o interesse pela liberdade que funciona nela como mola propulsora. 

Assim, a crítica das ideologias situa-se na base de atuação das ciências histórico-hermenêuticas, ou seja, a comunicação. É no reconhecimento desse espaço que se constitui a idéia reguladora da conversa livre da dominação. Ora, a comunicação é uma herança cultural da humanidade, uma tradição, que é criada e recriada pela interpretação. O ideal da comunicação nada mais é do que uma antecipação, que depende da hermenêutica mesmo para ser anunciada como tal. 

Ou como disse Habermas: “Não podemos antecipar simplesmente no vazio, um dos lugares da exemplificação do ideal da comunicação é justamente nossa capacidade de vencer a distância cultural na interpretação das obras recebidas do passado. É bem provável que quem não é capaz de reinterpretar seu passado, também não seja capaz de projetar concretamente seu interesse pela emancipação”.[1]

Parafraseando Martin Heidegger,[2] quando fala dos poetas, podemos dizer que os intérpretes são os vigias da casa do ser, daquilo que somos, são os vigias da linguagem. Por isso, as interpretações são as ações de vigiar a casa do ser, mas não são o ser. Interpretar não é explicar nem analisar, é conduzir à conversa poética, onde o real se manifesta na sua verdade dialógica. A interpretação não substitui a obra da ancestralidade, possibilita a conversa. 

O intérprete não salvaguarda o mundo que a obra da ancestralidade abre, mas salvaguarda a abertura de mundo. Salvaguardar a abertura de mundo manifesta a obra da ancestralidade como vigor de ter sido no vir-a-ser do porvir. A interpretação da ancestralidade é acontecer, que não se propõe, criticamente, como a única verdadeira. 

Notas

[1]. Paul Ricoeur, Interpretação e ideologias, org., trad. e apresent. de Hilton Japiassu, 4.ª ed., Rio de Janeiro: Editora Francisco Alves, 1983, p. 142 
[2]. Emmanuel Carneiro Leão, O pensamento de Heidegger no silêncio de hoje. In: Revista Vozes, 4, 1977, ano 71, p. 6. 


Jorge Pinheiro, Jean de Léry, meu irmão
Notas antropofágicas sobre a questão huguenote-tupinambá, pp. 21-22.

lundi 27 novembre 2017

Política e espiritualidade

Política e espiritualidade: a justiça enquanto mediação do amor e do poder Jorge Pinheiro Em 1977, morei a metade do ano em Lisboa. Era o terceiro ano da revolução dos cravos e o país vivia o caos. Em meio daquela confusão de partidos e propostas políticas, o humor e a criatividade dos anarquistas portugueses era um caso à parte. E entre as histórias que divulgavam, havia uma que pode servir de introdução ao tema de nossa conferência. Contavam eles que certa vez uma criança perguntou ao pai: • Papai, o que é a política? Ao que o pai respondeu: • Eu trago o dinheiro para casa, por isso sou o capitalismo. A tua mãe controla o dinheiro, portanto é o governo. O vovô quer que tudo funcione a contento, por isso é o sindicato. Nossa empregada é a classe operária. E como estamos preocupados com você, para que esteja bem, você é o povo. E o teu irmãozinho é o futuro. Entendeu? O garoto pensou e disse ao pai que precisa pensar um pouco mais. E foi para a cama dormir. Durante a noite, acordou com o choro do irmão que estava com a fralda suja. Foi ao quarto do avô, que roncava a sono solto. Como não sabia o que fazer foi ao quarto dos pais. Viu a mãe, que dormia profundamente... Dirigiu-se, então, ao quarto da empregada e viu seu pai com ela. Eles, porém, não se deram conta da presença do menino. Frustrado porque não conseguiu falar com ninguém, o garoto voltou para a sua cama. Na manhã seguinte, o pai perguntou se ele já sabia explicar o que era política. Revista Eletrônica Correlatio n. 6 - Novembro de 2004 Política e espiritualidade: a justiça enquanto mediação do amor e do poder 191 • Sim, responde o menino: o capitalismo aproveita-se da classe operária, o sindicato não vê nada, o governo dorme, o povo é ignorado e o futuro fica na merda. Sem dúvida, esta leitura anarquista será avaliada no final desta conferência, mas agora precisamos entender de forma mais acadêmica o que significa política. A palavra política nos leva a quatro conceitos distintos: a doutrina do direito e da moral, a teoria do Estado, a arte de governar e o estudo dos comportamentos intersubjetivos. Na abordagem que estamos fazendo, ao analisar as imbricações entre espiritualidade e política, nos interessa abordar a política enquanto doutrina do direito e da moral, pois a partir daí temos elementos para entender, também, a política sob as demais perspectivas. O conceito de política enquanto doutrina do direito e da moral foi exposto por Aristóteles na Ética. Para o filósofo grego, a investigação daquilo que deve ser o bem pertence a mais arquitetônica das ciências. Pois, a política determina quais são as ciências necessárias nas cidades, quais as que cada cidadão deve aprender e até que ponto. [1] Outro filósofo que desejamos utilizar nesta exposição, conscientes de que estamos deixando de lado muitos outros que analisaram a questão, é Spinoza. Em seu prefácio à quinta parte da sua Ética, onde trata da liberdade humana, Spinoza afirmou que sua preocupação era a potência da razão e a liberdade de alma ou beatitude. Nesse sentido, em Spinoza não podemos separar política e ética, ou como diz em seu Tratado teológico-político, “a justiça e todos os preceitos de razão, inclusive o amor ao próximo, somente pelos direitos de dominação recebem força das leis e ordenanças, ou seja, do decreto daqueles que possuem o direito de reger”. [2] A partir de Aristóteles e de Spinoza podemos dizer que a política, enquanto conhecimento que trata dos aspectos práticos da ética, e que se apóia na antropologia filosófica ou teológica, por necessitar definir uma concepção de ser humano, remete a questões como a natureza e alcance da liberdade, os diversos tipos de liberdade e a natureza e formas de justiça. Temas como estrutura e forma de governo, legitimidade do poder, fontes do poder, direitos e deveres dos membros de uma comunidade, Revista Eletrônica Correlatio n. 6 - Novembro de 2004 192 Jorge Pinheiro assim como as relações entre os indivíduos e o Estado não podem ser entendidos e conscientemente vividos sem a compreensão das questões éticas e morais que aí estão presentes. Assim, entendemos que a política deve responder de forma prática à pergunta pelo bem dos membros de determinada comunidade, traduzindo esta ação nas questões do poder e das estruturas de governo. Mas e a espiritualidade, tem algo a dizer à política? De forma abrangente podemos dizer que espiritualidade é aquela relação do ser com a transcendência, que dá sentido à vida. O ser humano, unidade multiforme, tem em seu espírito não uma dimensão parcial da vida, mas como afirmava Lossky, irredutível. [3] Nesse sentido, o espírito é a totalidade da vida. Nas situações de perda, falta de sentido e de ameaça à vida também há experiência com a transcendência, pois mesmo na negação dela há um sentido transcendente. Quando assistimos, por exemplo, a um filme como Gandhi, [4] constatamos que o ser humano, não importando credo religioso, tem atributos potenciais para a espiritualidade. Nas religiões ditas primitivas, onde a distinção entre sagrado e profano é menos nítida, embora exista, é mais difícil para o cientista da religião delimitar e definir nessas comunidades o conceito de espiritualidade. Mas nas sociedades mais complexas, naquelas religiões onde o espaço e o tempo do sagrado e profano são mais bem definidos, envolvendo escolha, disciplina e prática levam a experiências avançadas de espiritualidade. Rudolf Otto, no seu livro O Sagrado classifica a experiência religiosa como algo intenso e profundo, misterium tremendum, já que traduz o numinoso para a realidade do crente, que diante daquilo que o esmaga desenvolve senso de temor. [5] Esse temor é um medo qualitativo, motivo para reflexão e energia que transformado em poder faz dele um adorador. Tais experiências com o sagrado encorajam e incorporam no adorador aquilo que lhe é distinto. Mas, apesar dessa relação de aparente intimidade, de relacionamento, permanece sempre o abismo entre adorador e sagrado. Dessa maneira, este desejo de saltar sobre o abismo que separa humano e sagrado é em última instância o móvel que dará origem à espiritualidade, embora não seja propriamente espiritualida- Revista Eletrônica Correlatio n. 6 - Novembro de 2004 Política e espiritualidade: a justiça enquanto mediação do amor e do poder 193 de, pois se faz presente na busca do artista, no amor do filósofo pela sabedoria e, porque não, nos anseios da juventude. A busca frenética de bens e posses materiais, tão característica da sociedade ocidental no século 20, favorece a redescoberta da espiritualidade como experiência de vida coerente e recomendável. Logicamente, dentro do próprio cristianismo, antigas correntes heterodoxas, como o gnosticismo, o mitraísmo e o maniqueísmo, herdeiras do pensamento oriental, assim como aquelas que buscavam a regeneração do mundo, herdeiras das religiões helênicas de mistério, ganharam popularidade por suas práticas ascéticas. E influenciaram, posteriormente, ainda que indiretamente, a espiritualidade dos pais do deserto e o monasticismo erudito dos capadócios, e de seus três grandes expoentes, Basílio, Gregório de Nissa e Gregório de Nazianzo. Esse processo, que a partir dos pais do deserto e dos capadócios vinha sofrendo uma mutação fundamental, a passagem da espiritualidade enquanto experiência pessoal e exclusiva a experiência comunitária e de piedade cristã, será expandido e ocidentalizado por Jerônimo, com a defesa do estudo histórico das Escrituras, Tertuliano, com seu olhar de jurista romano e, sobretudo, com Agostinho ao desenvolver na Cidade de Deus, nos livros 13 e 14, a idéia da participação no crente na vida divina através da graça. Mas será com Gregório Magno (540-604), pai da espiritualidade medieval, que sistematizou o monasticismo ocidental e defendeu que a busca da visão de Deus implica em pureza de coração, humildade e serviço, que a espiritualidade, embora aparentemente enclausurada, transpõe os marcos da individualidade e passa a olhar para as comunidades ao redor. Assim, lectio, meditatio, oratio e intento nortearão os caminhos da espiritualidade na expansão do cristianismo no mundo bárbaro. A partir desse momento em que a espiritualidade torna-se também prática e o caminho para Deus passa pelo serviço ao próximo, a espiritualidade tem algo a dizer à política. Nesse sentido, a espiritualidade dá sentido à vida cotidiana, torna-se além de mística e profética, política. Com a queda do governo militar brasileiro ressurgiu entre os evangélicos brasileiros a discussão sobre a responsabilidade política da comunidade cristã. Foi e é importante para o cristianismo brasileiro que tal discussão se faça, mas ainda faltam aos pronunciamentos evangélicos Revista Eletrônica Correlatio n. 6 - Novembro de 2004 194 Jorge Pinheiro consciência e maturidade da responsabilidade política que devem ter. A comunidade evangélica ainda tem que ultrapassar a espiritualidade privatizada em direção ao compromisso social efetivo e prático. Paul Tillich em seu trabalho Amor, Poder e Justiça [6] pode nos ajudar a entender o caminho a percorrer na construção desse diálogo da espiritualidade com a política. Para ele, toda e qualquer política tem sempre uma mesma essência, que é o uso do poder. [7] “L’être, c’est le pouvoir de l’être. Mais même dans son emploi métaphorique, le pouvoir suppose um objet sur lequel il peut exercer et démontrer son pouvoir”. [8] Por isso, o poder determina os caminhos da sociedade. E que será chamado de poder político porque recorre à autoridade social instituída e possibilita ao Estado exercer coerção em nome do direito dos cidadãos. As convicções pessoais acerca da soberania de Deus e do Cristo, que conquista principados e potestades, têm profundas implicações no modo em que pensamos a política. Assim, a espiritualidade privatizada ofusca o caminho a seguir e mascara práticas imorais através de atitudes aparentemente piedosas. De novo, voltemos a afirmação de Tillich, que de certa forma já tinha sido exposta por Spinoza: não há política sem o uso de poder. Embora tal afirmação seja quase óbvia, é comum encontrarmos cristãos que apresentam propostas sobre o reino de Deus e políticas que buscam uma ordem política onde o amor sem poder possa superar o poder sem amor. Ao analisar tais propostas, que ressuscitaram no século 20 a teoria social anabatista, que contrapõe as políticas de poder ao amor cristão, vemos que para esses evangélicos é impossível aceitar tais políticas e viver o estilo de vida do Jesus crucificado. Chamam à igreja a criar uma comunidade nova e a rejeitar qualquer forma de violência, representada na ordem econômica e política sob o poder do Estado. Mas ao rejeitarem as políticas de poder da sociedade, de fato estavam aceitando qualquer uso do poder, pois não defenderam uma retirada do mundo ou um abandono da missão da igreja no mundo. Neste sentido, Revista Eletrônica Correlatio n. 6 - Novembro de 2004 Política e espiritualidade: a justiça enquanto mediação do amor e do poder 195 diferiam dos fundamentalismos separatistas. O que estavam propondo era a subordinação radical dos poderes do mundo ao Cristo. Acreditavam que o fracasso da política criaria as bases para a manifestação do poder de Deus através do testemunho da comunidade cristã, que enquanto agente profético apontava o caminho da redenção do mundo. Mas o que deve ser reconhecido é que tal pensamento faz crítica política, mas rejeita envolvimento e prática políticas como estratégia. O que em última instância significa uma estratégia apolítica que rejeita o poder, rejeitando também a política. Ora, se a comunidade evangélica tem uma moral política, deve exercer poder e utilizar os meios que possibilitem chegar aos fins que busca. Rejeitar o poder é rejeitar políticas. Tal rejeição pode até ser aceita, desde que seus agentes tenham clara a opção que estão fazendo. O problema é que fizeram uma opção pela renovação da consciência moral da comunidade evangélica, eles próprios rejeitaram a política como meio de viabilizar a opção social escolhida. Ora, enquanto a consciência evangélica acreditar que a omissão diante da política e do poder favorece à instalação do reino de Deus, teremos o apoliticismo como política evangélica, e isso só fortalece os grupos instalados no poder. E, ao contrário do que pretendem modernos fundamentalismos, não vai estabelecer neste mundo o reino do Cristo. Se não é possível falar de política, sem falar de poder, fica uma outra questão, que tem a ver com o pensamento cristão: amor e poder são compatíveis? A pergunta procede porque o cristão e a espiritualidade pós-gregoriana remetem à prática e ao serviço ao próximo. Mas, sabemos que em nome do amor, da espiritualidade e do serviço ao próximo muitos cristãos negam a possibilidade de todo e qualquer poder. “... pouvoir de l’être n’est pas une identité morte, mais lê processus dynamique dans lequel l’être n’est se separe de lui-même et retourne à lui-même. Le pouvoir,d’autre part, est d’autant plus grand, que la séparation vaincue a été plus grande.Lê processus par lequel est reuni ce qui était separe s’appelle l’amour. Plus il y d’amour réunificateur, plus il y a de non-être vaincu, et plus il a de pouvoir d’être. L’amour est la base, non la négation du puvoir”. [9] Revista Eletrônica Correlatio n. 6 - Novembro de 2004 196 Jorge Pinheiro Sabemos, como nos mostra Tillich, que o amor do qual estamos falando é um ato da vontade. Não se pode forçar uma pessoa a amar ninguém. Porém, atos de ordem política contêm elementos involuntá- rios. Assim, porque o poder do Estado é associado com ações que vão ou estão fora de nossa vontade e o ato de amor associado com ações do querer, concluímos que a ação do Estado extrapola o amor porque este não pode ser forçado. Outro fato importante, é que o amor é algo que deve ser mediado pessoalmente. Como a natureza voluntária do amor necessita a existência de uma pessoa que o ative, o amor sempre é pessoal. O Estado, como qualquer outra ordem social instituída, tem uma existência objetiva e alcança seus fins indiscriminadamente. A relação do cidadão com o Estado é eu/instituição, em lugar da relação eu/você, que possibilita a mediação pessoal que ativa o amor. Além disso, o amor é sempre sacrificial. Ou seja, possibilita ações que a despeito dos meus interesses particulares, imediatos, responde ao bem-estar do outro. Conscientemente, é um perder para que outro ganhe. Sacrificamos direitos, sem estar forçados por obrigação legal, para que o outro seja beneficiado. Assim, por ser livremente determinado, o amor vai além de uma obrigação moral ordinária. Cumprir obrigação moral é responder à necessidade moral, é um ato de dever em lugar de um testemunho moral livre. É importante entender que esse processo de ir além da obrigação moral envolve, como paradoxo, uma vontade moral implícita. Resumindo, podemos dizer que o amor é voluntário e livremente entregue, que envolve volição moral, deve ser mediado pessoalmente, é sacrificial. E, finalmente, o amor vai além do dever ou da obrigação moral, embora implique, paradoxalmente, em obrigação moral ou realização de um dever de origem. Mas política, por outro lado, envolve servidão involuntária. Sua natureza implica no uso de coerção e força para alcançar seus fins. É organização formal e opera impessoalmente. Os políticos e aqueles que atuam ao nível do Estado se ocupam de ações que levam terceiros ao sacrifício, por isso a necessidade da força e da coerção e, em última instância, do próprio Estado. A maioria da população geralmente se considera satisfeita quando vive sob determinada ordem política que Revista Eletrônica Correlatio n. 6 - Novembro de 2004 Política e espiritualidade: a justiça enquanto mediação do amor e do poder 197 pelo menos responde às exigências de sua obrigação moral. E quando isso não acontece nos sentimos tentados à rebelião contra o Estado, a fim de exigir dele a realização daquilo que consideramos sua obrigação moral. Fazendo assim agimos no sentido de que não se torne totalitário, ou seja, negando os limites de seu poder de Estado ou passando por cima das obrigações que tem com os cidadãos. Por isso, usar o poder do Estado como meio de realizar o amor entre os cidadãos é um contra-senso, pois não podemos forçar ou coagir ninguém ao amor. Tal coesão destruiria também a obrigação moral do Estado, que baliza a diferença entre poder limitado e governo totalitário. Dado a dualidade entre poder e amor e o conflito aparente entre poder sem amor e amor sem poder, como nos situaremos frente à polí- tica? Colocada a questão nestes termos, de fato é muito difícil escolher entre ser um castrado político, mas cidadão do reino, e ser um político atuante à margem da salvação. Como então seguir o caminho do amor cristão sem rebaixar a nobreza do amor no altar do poder? Há um conceito, presente na teologia cristã, que nos leva a alternativas de reconciliação entre poder sem amor e amor sem poder. É o conceito de justiça. A recusa em reconhecer as reivindicações da justiça como universais e invioláveis, cobrou um alto preço, no correr da história, à política e à teologia em termos da própria integridade da igreja. Por exemplo, a teologia de Albrecht Ritschl sofreu deste erro. Ritschl contrapôs poder sem amor e amor sem poder. Fazendo assim, criou um sistema teológico que contrastou o Deus de poder do Antigo Testamento ao Deus de amor do Novo Testamento. No processo abandonou o conceito do julgamento de Deus e retribuição aos pecadores, adotou uma visão universalista de salvação e passou a ver na igreja um amor moral que nada de substantivo apresenta. Ao nível prático, o amor moral torna-se, então, irrelevante para as questões políticas porque, nas palavras de Reinhold Niebuhr, apresenta a lei de amor como solução simplória para qualquer problema da sociedade. [10] Por isso, o conceito de justiça passa a ter tanta relevância para o cristão quanto o conceito de amor. É necessário reconhecer que as reivindicações de justiça são universais, eternas e objetivas, e têm como fonte a própria pessoalidade do Revista Eletrônica Correlatio n. 6 - Novembro de 2004 198 Jorge Pinheiro Deus justo. Tal afirmação, se por um lado, traduz o fato teológico de que a justiça de Deus se faz manifesta nas ordenanças da criação, por outro nos leva a perguntar porque os elementos substantivos e características de justiça nunca foram consensuais para a humanidade? A definição mais aceita de justiça é o de dar a toda pessoa aquilo que por direito lhe pertence. Mas aí de novo temos um problema: o que por direito lhe pertence? Esta pergunta nos obriga, enquanto cristãos evangélicos, a analisar com atenção nosso conceito tradicional de justiça. “La justice est la forme dans lequelle lê pouvoir de l’être se réalise, la justice doit être en rapport avec la dynamique du pouvoir. Elle doit être capable de donner une forme aux rencontre de l’être avec un autre être. Le problème de la justice dans la recontre vient du fait qu’il est impossible de prédire comment s’organisera le rapport des forces au sein de telle rencontre. A chacun des moments, il existe de nombreuses possibilités. Et chacune de ces possibilités demande une forme particuliére”. [11] Assim, conforme Tillich, as reivindicações de justiça só podem ser operacionais numa comunidade política se forem definidas com um grau significante de particularidade. Justiça, nas palavras de Niebuhr, requer julgamentos distintos de reivindicações contraditórias. [12] Justiça como uma abstração não basta. É necessário trabalhar fora da compreensão de justiça no particular, para não cair na armadilha do moralismo político, quando não se tem nada a oferecer quando se fala de forma idêntica em tempos, espaços e situações particulares diferentes. Um exemplo clássico da questão está presente na Política de Aristóteles. Aristóteles diz que se faz justiça quando se dá a cada cidadão aquilo que lhe é por direito. Dois problemas nascem dessa afirmação: se todas as pessoas têm igualdade moral, então essa igualdade deve se estender a todo grupo social, às relações econômicas e políticas em que se fazem presentes. E se as pessoas são desiguais nas contribuições que fazem à sociedade, então essas desigualdades devem se traduzir nos grupos sociais e nas relações econômicas e políticas. Ambos os argumentos, sem dúvida, têm suas razões de ser. E, no século 20, fizeram parte do debates político de entre socialistas e liberais. Revista Eletrônica Correlatio n. 6 - Novembro de 2004 Política e espiritualidade: a justiça enquanto mediação do amor e do poder 199 Por encontrar dificuldades na formulação prática do conceito de justiça, a teoria política evangélica contemporânea tem rejeitado o conceito de justiça universalmente conhecido como ordenança da criação, enquanto compreensão de que todas as pessoas são imagem de Deus e têm um conhecimento do bem. Donde, todas as pessoas compreendem a necessidade de justiça. E defendem um novo conceito, de ordenança da redenção. Para esses cristãos, devido à queda humana, não existe um conhecimento seguro de justiça fora da revelação. Na verdade, é muito difícil discutir quando se parte da natureza caída e da crença de que a justiça era perfeita antes da queda. Apesar dessa leitura soteriológica, acredito, assim como Tillich, que a melhor base para a compreensão da justiça ainda está no conceito da justiça que parte da ordenança da criação. Rejeitar a ordenança da criação como algo que está fora da razão, por não ser revelada, é um problema de epistemológico. Tal postura afirma que a razão não tem nada que dizer fora da revelação. Esta posição tem conseqüências práticas muito sérias para as estratégias de ação política, porque só a partir da fé e da revelação se pode falar com autoridade sobre justiça. Ou seja, os cristãos não podem, em política, se comunicar ou trabalhar com não-cristãos. Não pode haver nenhuma base secular no envolvimento político dos cristãos. Assim, quando nega o conhecimento natural do bem político, a única alternativa para o cristão é omitir-se, porque política é coisa mundana, caída, ou estabelecer uma política cristã sectária. A leitura da justiça a partir da universalidade da imago Dei responde aos questionamentos contemporâneos levantados pelos cristãos em relação à política, enquanto a leitura a partir das ordenanças da redenção isola, aliena e separa o cristão da prática política. O movimento evangélico fundamentalista buscou de forma acrítica impor normas a partir da revelação, definir caminhos de retidão para a sociedade, com a finalidade de atingir os não-crentes. Isto tem levado às cruzadas fundamentalistas norte-americanas que buscam fazer dos Estados Unidos uma nação cristã à força. E no Brasil levou à omissão que favoreceu a presença de políticas conservadoras e de direita dentro das igrejas. Outros pensadores evangélicos, neo-ortodoxos, procuraram substituir as ordenanças da redenção pelas ordenanças crísticas, com a Revista Eletrônica Correlatio n. 6 - Novembro de 2004 200 Jorge Pinheiro finalidade de trazer o amor moral de Jesus para as normas de justiça, que seriam assim emprenhadas pelo espírito de amor. E o fundamentalismo anabatista e batista substituiu as ordenanças da redenção por ordenanças escatológicas, buscando a partir da moral do reino futuro, fazer todas as coisas novas e conquistar os poderes caídos. Ora, a justiça deve estar baseada em reivindicações universais de direito. Estabelecer justiça em base de autoridade sectária é violentar a compreensão de que todas as pessoas são imagem de Deus e têm um conhecimento do bem. Donde, todas as pessoas compreendem a necessidade de justiça. Ora, assim, justiça deve ser definida dentro do contexto de uma determinada ordem social e deve ser aplicada em termos de particulares, pois fundamentar o argumento da justiça apenas na pessoa não é o bastante. Devido à universalidade das normas de justiça e à universalidade da consciência de justiça, uma pessoa pode ter procedimentos e práticas que aprofundem políticas e programas que favorecem a justiça. É exatamente isso que os direitos civis buscam trazer para as democracias constitucionais. É o reconhecimento de que os meios empregados não devem violentar os fins procurados. É necessário, ainda, reconhecer que as normas de justiça são objetivas e que elas existem independentemente de volição humana. Conseqüentemente, podem ser feitas reivindicações no nome de justiça e podem ser rejeitadas reivindicações no nome de justiça. Considerando que o amor deve ser volitivamente entregue, justiça exige reconhecimento independente da vontade humana. O Deus de amor também é um Deus de justiça, amor e justiça não podem ser contrapostas. O amor pode ir além da justiça, mas nunca pode buscar menos que a justiça. O amor pode inspirar reverência à justiça, mas nunca pode ser desculpa para esquecer as reivindicações da justiça. Se a justiça é uma qualidade objetiva que estabelece direitos e obrigações, projetos podem e devem ser desenvolvidos pelos indivíduos e sociedades para criar ações que sirvam as reivindicações de justiça. Dado o fato que nem todas as pessoas buscam a justiça de boa vontade, o poder pode ser usado legitimamente quando serve à causa de justiça. Revista Eletrônica Correlatio n. 6 - Novembro de 2004 Política e espiritualidade: a justiça enquanto mediação do amor e do poder 201 Dizemos que o amor não pode usar o poder para alcançar seus fins, mas que a justiça têm que usar o poder para alcançar seus fins. Tais distinções são necessárias porque não se pode dizer ao Estado que ame, porque suas ações têm por base o poder, e porque as reivindicações do amor estão arraigadas em reconhecimento pessoal e particular ao invés de normas universais de justiça. Como a igreja cristã proclama o Evangelho, sensibiliza a comunidade para as demandas da justiça. Conseqüentemente, permanece a justiça enquanto serviço de amor. Assim, usar o Estado como um instrumento de amor leva a um Estado sectário, quando não totalitário. Por causa disso, as normas distintivas da justiça são usadas para delimitar o que é meu e o que é teu. Negar a justiça em nome do amor é negar os direitos civis que são a base de qualquer governo constitucional. O conceito de justiça aliado aos de amor e poder apresenta as alternativas para o protestantismo evangélico ao pensar a ação política. A política, com base no poder, cumpre uma função legítima quando serve as reivindicações da justiça. Amar, sem rejeitar o poder, indo além dos direitos e deveres estabelecidos pela justiça possibilita um testemunho de justiça e uma motivação moral que coroam o ato justo. Amar, através da mediação pessoal, complementa a justiça em suas demandas objetivas. Essa exposição carece de ilustrações. Por isso, vamos ouvir um ex-ativista da Juventude Universitária Católica e ex-combatente da Ação Popular, Herbert de Souza, mais conhecido como Betinho. Em artigo publicado em 1993, Betinho afirmou que a “fome é exclusão. Da terra, da renda, do salário, da educação, da economia, da vida e da cidadania. Quando uma pessoa chega a não ter o que comer, é porque tudo o mais já lhe foi negado. É uma forma de cerceamento moderno ou de exílio. A morte em vida. E exílio da terra. A alma da fome é política”. [13] É interessante que o ativista cristão e ex-combatente marxista afirme: a alma da fome é a política. Mas que política? E ele explica: A história do Brasil pode ser vista de vários modos e sob muitos ângulos, mas para a maioria ela é a história da indústria da fome e da miséria. Um modo perverso de dividir o mundo em dois, produzindo um gigantesco apartheid. Nesse campo, fizemos alguns milagres de desenvolvimento. Revista Eletrônica Correlatio n. 6 - Novembro de 2004 202 Jorge Pinheiro Um dos maiores PIB do mundo junto com a pobreza e a miséria mais espantosa. Aqui não houve lugar para o acaso. Tudo foi produzido como obra calculada. Fria. O resultado está aí diante dos olhos de todos. Uma parte ostensiva, rica, branca, educada, motorizada, dolarizada. Outra parte imensa na sombra, negra, analfabeta, dando duro todos os dias, comendo o pão que o diabo amassou em cruzeiros, reais. Dois povos no mesmo país, na mesma cidade, muito próximos em geografia e infinitamente distante como experiência de humanidade. É gente que começa o dia sem o que comer e chega à noite sem nada. Pode-se imaginar o quadro que é o de todo dia para milhões de seres humanos: a fome de comida e de tudo. A essa altura da vida da humanidade é incrível que isso aconteça. Como morrer de fome ao lado de 70 milhões de toneladas de grãos, de 8,5 milhões de hectares de terra, se todos esses brasileiros miseráveis ficariam saciados só com os 20% do desperdício? O clamor de Betinho é um clamor para que a justiça dê sentido humano à política. E ele, já morto, acreditava nessa possibilidade, quando diz no artigo: É assustador perceber com que naturalidade fomos virando um país de miseráveis, com que rapidez fomos produzindo milhões de indigentes. Acabar com essa naturalidade, recuperar o sentido de indignação frente à degradação humana, reabsolutizar a pessoa como humana e eixo da vida da ação política é fundamental para transformar a luta no Brasil contra a fome e a miséria num imenso processo de reformulação do Brasil e de nossa própria dignidade. Por isso acabar com a fome não é só dar comida, e acabar com a pobreza não é só gerar emprego; é reconstruir radicalmente toda a sociedade, começando por incorporar agora 32 milhões de seres humanos ao mapa da cidadania. Por isso o ato de solidariedade, por menor que seja, é tão importante. É um primeiro movimento no sentido oposto a tudo o que se produziu até agora. Uma mudança de paradigma, de norte, de eixo, o começo de algo totalmente diferente. Como um olhar novo que mostra Revista Eletrônica Correlatio n. 6 - Novembro de 2004 Política e espiritualidade: a justiça enquanto mediação do amor e do poder 203 todas as relações, teorias, propostas, valores e práticas, restabelecendo as bases de uma reconstrução radical de toda a sociedade. Se a exclusão produziu a miséria, a união destruirá a produção da miséria, produzirá a cidadania plena, geral e irrestrita. Democrática. Isso foi dito há dez anos. Luciano Mendes de Almeida [14] contextualiza o clamor místico, profético e político de Betinho. Diz o pastor: Considero ainda mais grave a condição de quem não alcança ou perde o sentido da vida (...). Há um vazio ontológico pela falta de discernimento dos verdadeiros valores e pela solidão profunda de quem não se abre à presença e ao amor de Deus. O ensinamento de Jesus dissipa as trevas e dúvidas e anuncia a boa nova, valores, critérios e atitudes que dão pleno sentido à vida. A injustiça será vencida pelo reconhecimento da dignidade da pessoa a luz de Deus, convertendo-os à convivência fraterna e à partilha. O perdão do Evangelho é a única resposta definitiva contra a violência e inicia um processo de apreço, respeito e diálogo, superando toda exclusão social e aproximando-nos uns dos outros, como irmãos e irmãs, na concórdia e na paz. As palavras pastorais de Luciano Mendes de Almeida podem parecer, à primeira vista, que estão longe da ação política, mas na verdade iluminam a história anarquista contada no início dessa conferência. Apesar de seu humor e tom crítico, a leitura anarquista da política carece de algo fundamental: a busca do bem e a exigência de justiça. Ao negar a justiça, a política torna-se escrava do poder. Perde o eixo da vida da ação política, conforme afirmou Betinho. Ou, agora nas palavras de Luciano Mendes de Almeida, a injustiça será vencida pelo reconhecimento da dignidade da pessoa, e esta é uma tarefa política. Para conquistar tal dignidade, o poder deve ser exercido. Assim, as análises ontológicas de Tillich nos levam à compreensão de que a síntese deste diálogo pertinente entre política e espiritualidade é a justiça. Revista Eletrônica Correlatio n. 6 - Novembro de 2004 204 Jorge Pinheiro notas [1] Aristóteles, A Ética, São Paulo, Atena Editora, 1950, 1ª parte, Livro 1o, II, 2-4, pp. 15 e 16. [2] Benedict de Spinoza, Writings on Polital Philosophy, New York, Appleton Century Crofts Inc., p. 51. [3] Vladimir Lossky, A l’image et la ressemblance de Dieu, Paris, 1967, p. 118. [4] Gandhi, 1982, filme dirigido por Richard Attenborough, com Ben Kingsley e Candice Bergen. [5] Rudolf Otto, O Sagrado, Lisboa, Edições 70, 1992, pp. 21-22. [6] Paul Tillich, Amour, pouvoir et justice, Analyses ontologiques et applications éthiques, Revue d’Histoire et de Philosophie Religieuses, Paris, Presses Universitaires de France, 1963 et 1964, números 4 et 5. [7] Idem, op. cit., no. 4, p. 334. [8] Idem, op. cit., no. 4, p. 339. [9] Idem, op. cit., no. 4, pp. 355-356. [10] Reinhold Niebuhr, Políticas, ed. Harry R. Davis e Robert C. Good, Scribners, 1960, p. 163. [11] Idem, op. cit., no. 4, p. 360. [12] Reinhold Niebuhr, Amor e Justiça, ed. D. B. Robertson, World, 1967, p. 28. [13] Herbert de Souza e Carla Rodrigues, A Alma da Fome é Política, artigo publicado no Jornal do Brasil, 12 setembro de 1993, apud, Ética e cidadania, São Paulo, Moderna, 1995, pp.22-25. [14] Dom Luciano Mendes de Almeida, A quem iremos?, Folha de S. Paulo, 6/3/2004, p. 2.

vendredi 20 octobre 2017

Mission et haute modernité

Mission et haute modernité
Lectures de The Monstrosity of Christ
de Slavoj Zizek et John Milbank

A monstruosidade de Cristo
Slavoj Zizek, John Milbank
São Paulo, Editora Três Estrelas, 2014











Jorge Pinheiro, PhD


Le livre de Slavoj Zizek et John Milbank, "The Monstrosity of Christ, Paradox or Dialectic", édité en 2009, rapporte un dialogue entre Zizek et Milbank sur la possibilité d'un matérialisme chrétien, sur la question de la divinité de Jésus, c'est-à-dire l'incarnation de Dieu et la lecture orthodoxe, on pourrais dire Milbank semble thomiste en défendant le scandale de l'incarnation dans l'Ontologie.

À propos de l'introduction
« Deux ou trois choses » …

En 1967, Jean-Luc Goddard a réalisé un film inspiré d'un article sur les ménagères d'un lotissement dans la banlieue de Paris, qui se prostituaient pour alimenter une consommation superflue. Le titre du film – « Deux ou trois choses que se sais d’elle » -- se réfère à Paris dans les années 60, un portrait de la société de consommation au milieu de la pauvreté des masses et de la tragédie de la guerre du Vietnam. Dans cette étude sur la Missiologie et la Haute modernité, dans une lecture de Slavoj Zizek et John Milbank, je veux parler de deux ou trois choses qui découlent de cette discussion.

Une telle approche, comme l'amour de Goddard pour ce Paris, part également du cœur: elle est personnelle et émotionnelle et est née chez un jeune juif marxiste militant qui, plus tard, à l'âge de 37 ans, a reconnu dans le rabbin de Nazareth le Mashiah, le Messie attendu. Et c'est précisément cet itinéraire de la vie et de la théologie qui me conduit à sympathiser avec le matérialisme chrétien pensé par Zizek.

Dans cette réflexion, je distinguerai trois choses, lorsque nous abordons la mission et la haute modernité, dans une lecture de la Monstruosité du Christ. Tout d’abord, dans la mission coloniale et euro-centrique on confond mission avec le verbe aller. Maintenant, dans la haute modernité de chaos et de crise, il devient nécessaire de penser la mission avec le verbe recevoir. Deuxièmement, dans la modernité, la logique de l'expansion coloniale et euro-centrique était la dialectique. Mais dans cette haute modernité, nous sommes appelés à penser l'analéctique. Et comme troisième chose quand je pense à cela, c'est que dans la modernité, le Christ était le Logos de l’apôtre Jean, mais dans cette haute modernité, le Christ doit être compris comme un ana-logos.

Maintenant, ces trois perceptions permettent des lectures critiques de livre :   Monstruosité du Christ, dans une confrontation entre le paradoxe et la dialectique et soulèvent des préoccupations qui doivent être prises en compte lorsque en pense Mission et Haute Modernité.

En tant que juif qui n'a accepté le Messie qu’à la maturité, j'ai vécu la « monstruosité » de l'incarnation, comme tous les non-chrétiens qui pensent au christianisme, qu'ils soient musulmans ou juifs. Et cette monstruosité de l'incarnation, Dieu  humain, humain Dieu, ne se contente pas de défier Zizek, elle est présente dans le monde de la haute modernité et concerne aussi les exclus et les expropriés du tiers-monde.

Quand nous pensons à la Missiologie en Amérique latine, nous avons des éléments pour analyser le cri des exclus et expropriés à partir du concept de l'Autre. Et en faisant cela, en lisant le Même - que vit dans l'auto-fermeture, l'autosuffisance, l'ethnocentrisme et le refies de l'Autre, on n'accepte pas l'altérité.

L'ontologie, des Lumières, ou plutôt de Hegel et c'est l'un des problèmes de l'approche thomiste de Milbank, n'était pas basée sur la relation de personne à personne, mais sur la relation sujet-objet. Cette ontologie d'une personne a mené au discours solipsiste, où il n'y a pas de place pour l'Autre, puisqu'il s'agit du non-être et de la négativité. Le regard européen a été placé sur la supériorité par rapport à l'autre, externe, primitive et subalterne, ce qui a conduit à la colonisation et à l'expropriation de vies. Cette situation avait une justification missiologique: l'autre est vêtue de l'impersonnalité de l'ennemi, de l'étranger, de l'inférieur. Par conséquent, il n'y a pas de problème s'il est exterminé, car cet autre est hors de la totalité. Ce qui n'ajoute rien et qui ne rétrécit pas la totalité.

Ce mal est transmis de génération en génération. La pratique historique gagne le caractère de la loi. Par conséquent, même si elle est injuste, l'exploitation devient légale. La légalité ne peut pas être le fondement de la morale (Dussel, 1977: 85). Toutes les pratiques équitables doivent aller au-delà du pré-établissement, de l'ontologie de la totalité, au-delà de l'ordre juridique actuel. L'origine d'une morale équitable n'est pas dans le même, mais dans l'autre, c'est pour ça que la pratique qui en a résulté du même est une pratique aliénante, dominante et oppressive.

À la fin des années 60, à partir de la prise de conscience que la dialectique limitait la formulation d'une théologie du praxis, Enrique Dussel et Juan Carlos Scannone cherchaient une expansion qu'ils appelaient analéctique. L'expression, selon les chercheurs du travail de Dussel comme Euclides André Mance, a été inventée par B. Lakebrink (Mance, 1994) et traduit une relecture de l'analogie thomiste. Mais Juan Carlos Scannone a été le premier à utiliser le concept en opposant la totalité et l'altérité en disant que « ce processus, plus que dialectique, pour le distinguer de la dialectique hégélienne, je l'appelle analéctique » (Scannone 1974: 256).

Ainsi, Dussel et Scannone ont cherché une alternative à la dialectique hégélienne et marxiste classique. Ce qui était possible par l'affirmation de l'existence d'une portée anthropologique alternative au-delà de l'identité de la totalité, qui a ouvert la possibilité d'une fondation de la fondation, cessant d'être tel qu'il se distingue tel que fondé (Guldberg, 1983: 236). Plus tard, Dussel dira que leur méthode est partie de Levinas, mais dans le contexte de la réalité latino-américaine. Le principe a été formulé comme une lecture éthique de la libération latino-américaine, mais quand on a défini l'éthique comme philosophie première, l’analéctique devient, en Dussel, une compréhension correcte d'une philosophie latino-américaine de la libération.

En 1976, les théologiens réunis à Dar-er-Salam ont déclaré que la méthode interdisciplinaire en théologie, et par extension la missiologie, doit tenir compte de l'interrelation entre les théologies et l'analyse politique, psychologique et sociale. Quand on affirme que la Création est fondamentalement bonne et que la présence de l'Esprit dans le monde et dans l'histoire est continue, il est important de garder à la pensée que le mal se manifeste dans l'aliénation de l'être humain dans les structures socio-économiques. Les inégalités sont diverses et ont de nombreuses formes de dégradation humaine, et nécessitent donc de comprendre l'Évangile et creuser « un nouveau puits pour les pauvres » (Dar-er-Salam, 1976, thèse 32). Ce sont précisément ces lectures qui nous amènent à formuler un terme de missiologie ce que nous appelons libération.

En Amérique Latine Dépendance et Libération, Dussel déclare que dans le passage diachronique, d'entendre le mot d'un autre avec une interprétation correcte, on peut voir que le moment éthique est essentiel à la méthode. Ce n'est qu'avec l'engagement existentiel, en libérant la praxis en danger, que l’on peut accéder à l'interprétation, à la conceptualisation et à la vérification de la révélation du monde de l'autre (Dussel 1973: 121). De cette façon, seule la pensée européenne a apparemment placé la théorie avant la praxis, puisque « je colonise », le « je conquis » précède l’ « ego cogito ». L'exploitation et l'oppression ont créé les conditions historiques à partir desquelles est née une missiologie de la justification et du paradoxe, une fausse conscience de la réalité. La praxis de la domination formait la subjectivité du conquérant : le moi moderne est impérial, libre et violent. La pensée euro-centrique et son extension américaine dissimulent la notion émancipatrice de la modernité en tant que sortie de l'état de minorité. Cela reflète la justification de la praxis de la violence par des cultures qui s'entendent comme développées. Cette supériorité a imposé un processus civilisationnel à sens unique.

Zizek 1
Les fragments subjectifs retournent à l'être

Zizek affirme : « Nous devons, d'un point de vue matérialiste radical, penser sans crainte aux conséquences du rejet de la ‘réalité objective’ : la réalité se dissout en fragments ‘subjectifs’, mais ces fragments sont en être anonyme, en perdant sa consistance subjective » (Zizek, Milbank, 2014 : 140), nous ramène à la question du paradoxe.

L'évitement de la réalité et d'une lecture matérialiste du Christ, de l'ontologie du paradoxe, nous amène à la phrase proposée par Tertullien de Carthage, écrivain chrétien du IIIe siècle, "credo quia absurdum!", je crois parce que c'est absurde.

Cette absurdité paradoxale frappe le concret et nous appelle à plonger dans l'immensité du divin humain. Et pour fermer les yeux et dire comme un juif nommé Shaul, qui s'appelait Paul le petit : « Les Juifs demandent un signe, et les Grecs ont de la sagesse. Mais nous prêchons le Christ crucifié, qui est un scandale pour les Juifs, et une folie pour les Grecs ».

L'absurdité, le scandale, le paradoxe ... tout comme le fondement de la foi, la même foi qui justifie Abraham au milieu de la folie d'un père qui doit sacrifier le « fils de la promesse ». Par conséquent, la foi cesse d'être l'émunah hébreu, qui définit la position militaire, et devient un paradoxe. Pas d'illusion ni de rêverie, mais la folie de la confiance dans le divin, puisque nous ne pouvons pas comprendre.

Comme Paul Tillich, héritier de Hegel et du jeune Marx, la praxis est la médiation entre l'ontologie et la réalisation de la réalité. Cette corrélation, qui pour Tillich deviendra une méthode, est la recherche de surmonter les dialectiques antérieures, qui ont traité de la connaissance de l'être et de ses manifestations en dehors de la praxis historique. Nous devons, dans cette discussion sur la Mission et la Haute modernité, faire ce passage en construisant une logique qui ne sera ni hégélienne ni marxiste au sens classique, mais cherchera à corréler l'ontologie, la logique et la méthodologie dans la dynamique de la praxis missiologique.

Cette corrélation avec l'extériorité caractérise la mobilité de la missiologie de la libération qui, par conséquent, sera une missiologie de la praxis. Il développe donc la voie de la corrélation entre l'extériorité et l'ontologie face à la dynamique de la praxis, traitant les formulations de méthode qui accompagnent la superposition des horizons ontologiques. De cette façon, il place l'affirmation de l'extériorité comme une source antérieure aux exigences de l'ontologie, ce qui conduit à une intersection commune : l'éthique.

La mission dans la haute modernité doit être construite à partir de deux approches, l'Autre comme révélation d'un mystère incompréhensible de la liberté et de l'Église comme une infrastructure qui dénonce le pouvoir d'exclure. Et ainsi, la foi est née de l'acte d'intelligence, c'est une façon de voir. Qui ou quoi dépasse-t-il vraiment ce que l'on voit, qui va au-delà de ce qu'on voit? Tout d'abord, l'espoir que l'Autre se révélera concrètement. Et c'est la possibilité de la production et de la reproduction de la vie qui dépasse la vue du visage. Ainsi, la missiologie de la libération signifie penser à un Autre, mais à un Autre qui se révèle dans l'histoire, qui se révèle par l'Autre, qui est le mystère incompréhensible de notre liberté. Croire à la révélation de l'Autre est de comprendre le sens de l'histoire.

Pour que la mission soit libérée, il faut découvrir la signification du présent historique. Et cela dévoile le sens du présent historique s'appelle la prophétie, la parole. Mais pour parler devant qui ? Dans la modernité, ce parler devant, nous a conduit à la lecture formelle d'aller. Nous devrions aller, parler devant. Bien sûr, la prophétie doit parler de la signification des événements présents à travers la vie chrétienne (Dussel, 1985 : 15), dans cette haute modernité du chaos et de la crise, le défi n’est pas aller, mais de recevoir. Nous vivons dans la localité mondiale, nous ne sommes pas appelés à aller, mais à recevoir, parce que les exclus et les expropriés sont parmi nous, avec nous. Ainsi, contre la logique qui n'accepte pas l'extériorité, la mission dans la haute modernité est de recevoir et de vivre la réalité de la foi sur le terrain de la vie (Golfe, articles).

La mission libératrice reconnaît la vie du point de vue analéctique : où l'Autre se présente comme une altérité, parce qu'elle éclate comme étrange, différente, exclue, qui est en dehors du système et appelle à la justice.

Et Dosse (2012) quand il parle de « Le socius et le prochain » de Ricoeur (1954) dit que « il envisage toutes les conséquences à tirer de l’inversion pratiquée par Jésus en considérant que le prochain est d’abord une rencontre avec autrui, une attitude, un comportement, une action, une praxis ». 

L'activité missiologique est une activité de confrontation qui concerne avec des personnes qui savent qui il faut interpeller, et ne pas se présenter comme spectateurs passifs.

L'analéctique est une contribution à la question méthodologique, qui part de l'extériorité, qui est réelle en raison de l'existence de la liberté humaine, capable de constituer d'autres histoires, d'autres cultures et d'autres mondes. La logique hégélienne et, par extension, la dialectique n'atteint pas l'horizon du monde, elle englobe l'Autre et l'annule dans son altérité. Mais, au-delà de l'identité divine et au-delà de la dialectique ontologique de Heidegger, il y a un moment anthropologique qui affirme une nouvelle façon de penser la missiologie.

L'analéctique est le fait que l'être humain, la communauté ou les gens sont toujours situés au-delà de l'horizon de la totalité. Le moment analéctique est le point de soutien pour les nouveaux développements. Cependant, le point de départ du discours méthodique est l'externalité de l'Autre. En alternative à la dialectique qui fonctionne avec contradiction, identité et différence, le principe n'est pas celui de l'identité, mais de la distinction. Le moment analéctique suit une séquence, la totalité est remis en question par l'interpellation provocante de l'Autre. Écouter sa parole est avoir une conscience éthique, accepter le mot d'interpellation de la personne qui parle ; pour l'interpréter correctement (Dussel, 1980 : 163-164). C'est se lancer dans la praxis des exclus et des expropriés.

Depuis le XVIe siècle, l'Amérique latine a été un continent ontologiquement opprimé par une « volonté de pouvoir » exercée dans le monde entier par l'Europe. La « volonté de pouvoir » est un pouvoir qui critique non seulement les valeurs établies, mais propose de nouvelles, propose des valeurs en totalité du côté dominant de la bipolarité. L'Amérique latine a donc l'idéal d'être européenne.

Dans l'analéctique, il devient nécessaire d'accepter éthiquement l'interprétation du cri et la médiation de la praxis. Cette praxis est constitutive, une condition de la possibilité de la compréhension : elle se traduit par l'adoption de l'extériorité, lieu de l'exercice de la conscience critique. Sans le moment analéctique, la méthode peut être considérée comme scientifique, mais elle est réduite au facteur naturel, logique ou mathématique.

Le moment analéctique est l'affirmation de l'extériorité : ce n'est pas seulement la négation de la négation du système par l'affirmation de la totalité. C'est le dépassement de la totalité à partir de la transcendantalité intérieure ou de l'extériorité de celui qui n'a jamais été à l'intérieur. Le moment analéctique est critique pour cela : c'est le dépassement de la méthode dialectique négative, mais il ne le nie pas, car la dialectique ne nie pas la science, l'assume simplement et la complète, lui donne sa juste valeur. Affirmer l'extériorité est de réaliser l'impossible pour le système, l'imprévisible pour la totalité, ce qui découle à partir de la liberté inconditionnelle et innovante (Dussel, 1980 : 164-165). Ce n'est que par de l'analéctique que l'on peut se compromettre avec l'autre, au point de risquer sa vie dans la lutte pour la libération de cet autre, en plus de permettre la justice du système. En conséquence, l'analéctique est pratique : c'est une économie, une érotique, une pédagogie et une politique qui visent à la réalisation de l'altérité humaine, une altérité qui n'est jamais solitaire, mais l'épiphanie des gens, des genres, des croyances, d'une génération, d’un temps et de l'espèce humaine (Novoa, 2001 : 151-152).

La question pédagogique n'est pas abordée par Heidegger parce qu'il pense que le « être dans le monde » ne provient que de l'homme. Mais il a oublié que celui qui donne un sens à mon monde est l'autre. C'est dans le processus pédagogique que mon monde est organisé. Quand je me trouve dans un autre, je me trouve à nouveau.

L'analéctique n'est donc pas une théorie pure comme la science et la dialectique, mais elle est pratique, car son essence constitutive est l'éthique. S'il n'y a pas de praxis, il n'y a pas d'analéctique, car la pratique - la relation personne / personne - est la condition pour comprendre l'autre et exercer la plénitude de la conscience critique devant le système. Le moment clé de la lecture analéctique est de savoir comment écouter, de savoir être disciple de l'autre, pour l'interpréter : c'est s'engager dans sa libération. Cela implique de vaincre la totalité ontologique divinisée, de descendre de l'oligarchie académique et culturelle, de s'exposer aux exclus et expropriés par le système.

Zizek 2
Le logos, le fondement de la raison ?

En citant le pape Benoît XVI de manière critique, Zizek dit : « Le pape a condamné la ‘ laïcité sans Dieu ’ dans laquelle le don divin de la raison a été mal représenté dans une doctrine absolutiste. La conclusion est claire : la raison et la foi doivent ‘ se réunir d'une autre manière ’, en décrivant leur point commun dans le Logos divin, et c'est pour ce grand Logos, pour cette ampleur de la raison, que nous invitons nos partenaires dans le dialogue entre les cultures ». (Zizek, Milbank, 2014 : 116).

Dans sa réflexion sur le dépassement des totalités ontologiques à partir de l'ouverture à l'altérité, Dussel affirme qu'un tel dépassement se produit avec la métaphysique, comprise au-delà de la totalité ou au-delà de la fondation. Et il le fait parce que la métaphysique n'est pas seulement ontologique, mais fonctionne à travers la découverte d'un plus au-delà du monde. Et comme en grec, " ana " signifie plus loin, et " logos " signifie mot, analogue prend le sens du mot qui éclate dans le monde au-delà de la fondation. La méthode ontologique-dialectique atteint la fondation du monde à partir d'un avenir, mais elle est devant l'Autre comme un visage de mystère et de liberté, d'une histoire distincte mais pas différente (Dussel, 1977 : 117-138). Par conséquent, lorsque le Logos éclate comme interpellant, il cesse d'être paradoxal, il est analogue.

La dialectique est un à travers. Dans le Logos, un premier moment surgit du mot interpellant, au-delà du monde - c'est le point de soutien de la méthode dialectique, qui passe de l'ancien ordre au nouvel ordre. Ce mouvement d'un ordre à l'autre est dialectique, mais c'est l'Autre exclu et exproprié qui est en fait le point de départ. L'analéctique est le Logos qui va au-delà. La lecture analéctique provient de cet Autre et avance dialectiquement, il y a une discontinuité qui résulte de la liberté de l'Autre. Cette méthode prend en compte le mot de l'Autre comme autre, met en dialectique toutes les médiations nécessaires pour répondre à ce mot, s'engage par la foi-positionnement dans le mot historique et toutes ces étapes, en attendant le jour où il peut vivre avec l'Autre et penser sa parole (Dussel, 1977 : 127-128).

Les antécédents de l'analéctique ont été posés par les post-hégéliens et Levinas, non par les philosophes modernes, ni par Heidegger, car ils comprennent tout dans la conception de l'être. Mais les vrais critiques de la pensée euro-centrique sont les mouvements de libération du tiers-monde, parce qu'ils écoutent l'autre, les non-européens qui ont été exclus et expropriés. Pour cela, ce qui est au-delà, la dialectique n'est pas suffisant. L’analéctique est nécessaire, parce qu’elle est capable non pas voir mais d'entendre le mot critique de l'autre, capable d'éveiller la conscience éthique et d'accepter ce mot, par respect et foi-positionnement de l'Autre, dont l'interpellation n'est pas interprété correctement parce que sa fondation transcende notre horizon (Novoa, 2001 : 151-152). Nous partons de la critique de Levinas, mais dans Levinas l'Autre est un autre résumé, passif. Levinas est restée au milieu de la route, car il a une pédagogie, mais il manque d'une politique : il n'a jamais imaginé que l'Autre puisse être musulman. Sa méthode est épuisée au début. Par conséquent, il faut aller au-delà de Levinas et, bien sûr, au-delà de Hegel et Heidegger, au-delà de cela parce qu'ils sont ontologues et au-delà de Levinas par lui pour rester dans une métaphysique de la passivité et de l'altérité équivoque (Dussel, 1977 : 130).

Zizek 3
Les théologiens sont les vrais athées

« Il n'y a pas de preuve - et il ne peut y en avoir - que Dieu existe. Plutôt, que d'être motivé par la preuve, le croyant est motivé par le désir que Dieu existe. Ceci, cependant, est la meilleure preuve que Dieu n'existe pas, car nous ne pouvons que souhaiter qu'existe ce qui n'existe pas. Le théisme est la meilleure preuve de la non-existence de Dieu. Ceci, encore une fois, est ce que Lacan affirme effectivement : les théologiens sont les seuls athéistes vrais ». (Zizek, Milbank, 2014 : 384).

Après « La question juive », Marx fait la critique économique du christianisme. Cette critique s'adresse aux églises, car pour Marx elles sont l'expression de la misère. Mais il critique aussi la religion quand il analyse le « fétichisme marchand », car la lecture religieuse du monde réel ne disparaîtra que lorsque les conditions de vie actuelles disparaîtront. Mais pourquoi ? En quoi consiste cette lecture du monde réel ? Parce que le regard religieux voit l'existence séparée des rapports construits par les êtres humains. Mais cette existence indépendante des relations sociales, cette existence non-réelle, est un reflet d'un autre réel. Cette division entre l'apparence qui cache l'existence et dissimule la réalité est le phénomène du fétichisme. Le fétichisme de la marchandise, un mode de fétichisme étrange, consiste en ceci : il cache le caractère social du travail et se manifeste comme s'il s'agissait d'un caractère matériel des produits du travail lui-même. C'est-à-dire, par rapport à la marchandise, il en va de même dans le monde de la religion, la réalité est séparée, aliénée, des relations de travail, de l’essentiel concret et de son produit, créant une réalité apparente, comme si la valeur de la marchandise appartenait par droit à sa propre structure indépendante.

Une missiologie de la libération est une éthique de la vie. Il y a ici un passage de raison stratégique, en tant que domaine stratégique des forces sans sujet, vers la raison libératrice, située au niveau de la microphysique du pouvoir. Et je comprends cette question à partir des barricades de mai 68. Est-ce que la raison libératrice, donnée comme une synthèse de l'action critique-déconstructive, d'abord, puis d'adopter l'action constructive de règles, de sous-systèmes et de systèmes complets ? Est-ce que la raison libératrice a de l'élément qui n'est pas une raison instrumentale, mais une raison de médiation au niveau pratique ? Si la raison libératrice vise une fin réussie, il faut comprendre que, comme raison critique, cette fin est une médiation de la vie humaine elle-même, en particulier lorsque les exclus et les expropriés participent à cette action.

C'est à partir des exclus et des expropriés en tant que participants que la raison critique stratégique accomplit l'action transformatrice. Mais qui est ce sujet des transformations et comment la mission est-elle articulée avec ce sujet historique ? Maintenant, la mission est la conscience éclairée du christianisme. Agir mission peut provenir d'une église étrange pour les exclus et expropriés, mais elle s'accroche au cri de la vie non pas par des sentiments forcément religieux, mais pour aller au de lá. Pour cette raison, la mission est toujours exposée aux oscillations opportunistes, parce que elle ne perd pas le lien idéologique avec le terrain maternel et son messianisme.

Mais la mission libératrice n'est pas seulement une raison stratégique qui cherche à atteindre les fins que la tactique et les circonstances imposent. En fait, vous n'avez pas les mains libres. En ce qui concerne la mission libératrice, en ce qui concerne les exclus et les expropriés, le succès dépendra des conditions de possibilité, c'est-à-dire qu'il sera impossible de séparer la théorie et la pratique. Par conséquent, la missiologie de la libération doit pouvoir intégrer les principes énoncés dans le choix des fins, des moyens et des méthodes, qui conduisent à une praxis critique et positionnent l'Autre comme analogue.

Le système mondial dans cette Haute modernité de chaos et de crise, en rendant impossibles la production et la reproduction de la vie, va approfondir son chaos et sa crise en semant la famine, la maladie, la terreur et la mort. Les victimes sont ces milliards d'êtres humains dont la dignité et la vie sont détruites en permanence. La haute modernité et sa mondialisation ont conduit à un meurtre de masse et à un suicide collectif. Ce sont les chevaux de l'Apocalypse. C'est dans ce fétichisme du capital qui se présente comme un système performatif formel, où l'argent produit de l'argent.

C'est donc pour la mission libératrice d'élever une éthique en tant que ressource face à une humanité en danger d'extinction (Dussel 2000 : 574). À cette missiologie que nous appelons la libération, c'est la coresponsabilité de la solidarité qui part du critère de la vie par rapport à la mort, de marcher avec dignité sur le chemin de la frontière, entre les abîmes de la cynique irresponsabilité éthique devant les exclus et les expropriés et la paranoïa fondamentaliste.

Nous sommes ici devant le sujet historique qui pointe vers l'espoir eschatologique, qui s'ouvrira en allant au-delà de la haute modernité, où l'être humain exclu et exproprié non seulement du système, mais du droit à la production et à la reproduction de la vie, mèttra à l’ordre de jour la question de la révolution comme promesse eschatologique. Et la missiologie de la libération doit comprendre que cette action et cette posture ne nient pas l'analogue de Christ, mais qu'elle doit cesser d'être simplement une herméneutique théorique et se développer comme une présence qui sous-tend une transformation pratique, car cela ne se produit qu'au sens strict d'une éthique de la libération, non-fondamentaliste ni salvationniste.

C'est pourquoi la missiologie de la libération doit s'efforcer de présenter un principe universel : le devoir de production et de reproduction de la vie de chaque être humain. Ce principe est objectif et subjectivement nié par le système mondial et par la mondialisation.

En ce qui concerne les considérations finales
« Deux ou trois choses » …

Et je retourne à Goddard de « Deux ou trois choses que je sais d'elle », quand il cite le Tractatus Logico-Philosophicus de Wittgenstein: « Les limites de mon monde sont les limites de mon langage ». Mais alors, nous voyons Juliette traverser Paris et dire : « Mais le monde, c'est moi ».

Le langage et la personnalité, la mission libératrice va au fil du rasoir : d'un côté est le déni de la présence et de la réception de l'Autre et, d'autre part, le fondamentalisme pro-intégration. Par conséquent, la stratégie et la tactique doivent être basées sur des critères clairs et un principe général - le devoir de production et de reproduction de la vie - qui permettent de se conformer aux médiations existantes. C'est dans ce sens que recevoir, et tout ce qu'implique, rompt la discussion très moderne entre le paradoxe et la dialectique. Il n'y a pas de paradoxe parce que le Christ est analogue et la méthode est analéctique. Les objectifs stratégiques doivent être définis dans ces principes généraux, de sorte que, avec une faisabilité éthique critique, la mission peut nier les causes du déni de la victime. Il s'agit d'une lutte déconstrutive, qui requiert des moyens proportionnels à ceux contre lesquels la lutte se dispute.

Mais si, d'une part, la mission traduit une action déconstructive dans cette haute modernité du chaos et de la crise, d'autre part elle favorise les transformations constructives projetées dans l'espérance eschatologique. Et Dieu existe dans cet espérance et cette possibilité de production et de reproduction de la vie, et le Christ n'est plus une monstruosité ou un paradoxe, mais analogue. Et c'est dans ce sens que Dieu existe et le Christ est analogue, car ils sont projetés dans l'éternel maintenant, planifié, réalisé en progression, mais jamais totalement.


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