samedi 16 avril 2016

Dilma defende ...

Política e protestantismo

Política e protestantismo
Primeira parte


Por que setores do protestantismo são arredios à participação política partidária e à ação junto ao Estado? Resolvi, então, tecer algumas considerações sobre o problema, tomando como referencial, um protestante luterano chamado Karl Barth, que foi um homem ligado, durante toda a vida, ao Partido Social-Democrata Alemão: começou sua militância nos anos 1920 e mesmo depois da segunda guerra mundial se manteve fiel ao partido, até morrer. E nem por isso deixou de ser um teólogo que marcou o pensamento cristão no século XX. Barth escreveu um livro, Comunidade Civil e Comunidade Cristã, que ainda hoje é uma referência quando se deseja pensar a correlação entre fé cristã e política.

Diz Barth que “a orientação da ação política cristã, de uma ação que se compõe de discernimento, juízo e eleição de uma vontade e de um compromisso, está relacionada com o caráter duplo do Estado: possui ao mesmo tempo a possibilidade de oferecer e a necessidade de receber a imagem analógica do Reino de Deus que a igreja anuncia”.

Ora, e por que Barth faz esta referência ao caráter duplo do Estado, vendo nele a imagem analógica do Reino de Deus? Porque sabemos que a autonomia protestante surgiu em oposição à cultura autoritária da Idade Média. A organização econômica e espiritual da Idade Média estava fundada sobre um sistema centralizado da autoridade que, ancorado numa fé sobrenaturalista, sujeitou pessoas e povos.

A Reforma, que partiu do humanismo renascentista, golpeou o sistema de autoridade, trouxe a fé para o mundo cá de baixo, e valorizou a subjetividade da consciência pessoal. A partir de então a autonomia se tornou palavra-de-ordem política, religiosa e teológica. Se a Reforma magisterial levantou a bandeira da liberdade moral e intelectual do indivíduo, os anabatistas e todos os outros irmãos da Reforma radical viram a igreja como organismo autônomo, que deveria ter autodeterminação administrativa, político, e religiosa diante de qualquer instituição civil e, principalmente, do Estado. 

Anulado o sistema centralizado de autoridade, coube ao crente protestante decidir a que comunidade de fé ele queria ligar-se e se desejasse virar às costas a tudo que fosse Estado.

Isso significa que em relação à cidadania representativa, traduzida nas eleições, a cada dois anos protestantes e evangélicos devem se posicionar e escolher o melhor para o país. E é nesse momento que são bajulados e envolvidos com promessas nem sempre sérias ou reais. Mas, eu diria que o que desejamos não deve ser menos do que a rainha mãe do príncipe Lemuel propôs a ele.

sf (gr demokratía) 1 Governo do povo, sistema em que cada cidadão participa do governo; democratismo. 2 A influência do povo no governo de um Estado. 3 A política ou a doutrina democrática. 4 O povo, as classes populares.

Muitos políticos, enganados por maqueteiros e pelos exageros da mídia, pensam que o voto protestante e evangélico é voto de cabresto, dirigido e manipulado por pastores. Estão equivocados. As estatísticas mostram que até mesmo nos agrupamentos evangélicos mais tradicionais, o momento do eleitor diante da urna é pessoal e intransferível.

“O Estado não pode ser uma réplica da Igreja, nem uma antecipação do Reino de Deus. Em sua relação com a Igreja tem realidade própria e necessária e em sua relação com Deus representa – da mesma maneira que a Igreja – um fenômeno puramente humano, acompanhado de todas as características deste mundo temporal. Não se pode pensar em identificá-lo nem com a Igreja, nem com o Reino de Deus. Mas, por outra parte, desde o momento em que está fundado sobre uma disposição particular da vontade divina, e porque pertence na realidade ao Reino de Cristo, não se pode dizer que seja autônomo. Não poderia existir independentemente da Igreja e do Reino de Deus”.

A pessoalização do fenômeno protestante na política é a resposta dos cristãos não-católicos para os problemas terrenos que todos vivemos. Há um deslocamento do plano transcendental e tal postura cumpre um papel político: cada protestante ou evangélico mostra-se auto-suficiente de pastor ou doutrinas no momento da urna. Essa pessoalização frente à sua fé religiosa, às suas lideranças questiona a realidade social desigual e desumana, e possibilita uma resposta representativa e indireta frente aos problemas da nação.

É claro que a posição dos protestantes e evangélicos nem sempre caminha no sentido das sábias palavras da rainha-mãe de Lemuel. Entram aí, a pressão massificadora da mídia e vários outros fatores, alguns, sem dúvida, pessoais e de amizades. 

sf (in+dependência) 1 Estado ou qualidade de independente. 2 Libertação, restituição ao estado livre; autonomia. 3 Caráter independente. 4 Meios de fortuna bastantes que permitem a uma pessoa viver independentemente. I. de plataforma, Inform: capacidade de um programa ou rede de poder funcionar ou conectar-se com tipos incompatíveis de hardware.

Muita gente acha que ser protestante e ação política não se discutem. É o outro lado da moeda. Se por um lado, há gente que pensa, como dissemos acima, que ação protestante é voto de cabresto, há outros que acham que esse tema nem deve fazer parte da pauta protestante de vida. Ledo engano. Precisamos refletir sobre a relação entre violência e democracia e, por outro lado, entre estas e o protestantismo. Um simples olhar sobre a história do Ocidente mostra os imbricamentos existentes entre democracia, cristianismo e violência. Como podemos esquecer, por exemplo, a Inquisição? Ou a noite de São Bartolomeu? Ou mesmo a violência dos invasores europeus na América conquistada? A democracia, e os protestantes brasileiros compreendem essa realidade, conquistada a duras lutas, é o caminho que pavimentamos para colocar de lado a violência que se fez como razão de estado ou em nome de Deus. Nesse sentido, o primeiro sentido da ação protestante traduz o sentido da defesa da democracia e da liberdade.

“Por esta razão não se poderia falar de uma diferença absoluta entre a Cidade e a Igreja por um lado, e a Cidade e o Reino, por outro. Logo, fica uma possibilidade: desde o ponto de vista cristão, o Estado e sua justiça são uma parábola, uma analogia, uma correspondência do Reino de Deus que é o objeto da fé e da prédica da Igreja. Como a comunidade civil constitui o círculo exterior em cujo interior se inscreve a comunidade cristã, com o mistério da fé que ela confessa e proclama. As duas, tanto uma como outra, têm o mesmo centro do qual resulta a primeira, distinta pelo princípio no qual está fundada e pela tarefa que lhe corresponde, se encontra forçosamente na relação analógica com a verdade e realidade da segunda. Analogia no sentido de que a Cidade é capaz de refletir indiretamente, como por um espelho, a verdade e a realidade do Reino que a Igreja anuncia”.

Por isso, talvez, a ação protestante na política deve levar em conta os conselhos da rainha-mãe do príncipe Lemuel e a pergunta do profeta Miquéias (6.7-8), aos israelitas: 

“Será que o SENHOR ficará contente se eu oferecer milhares de carneiros ou milhares e milhares de rios de azeite? Será que deverei oferecer o meu filho mais velho como sacrifício para pagar os meus pecados e as minhas maldades? O SENHOR já nos mostrou o que é bom, ele já disse o que exige de nós. O que ele quer é que façamos o que é direito, que amemos uns aos outros com dedicação e que vivamos em humilde obediência ao nosso Deus”. 

Os protestantes devem se mobilizar por respostas políticas que dirigem à justiça, paz e alegria. E essas coisas, mas do que discursos são ações, que mudam corações e mentes.

sf (solidário+e+dade) 1 Qualidade de solidário. 2 Estado ou condição de duas ou mais pessoas que repartem entre si igualmente as responsabilidades de uma ação, empresa ou de um negócio, respondendo todas por uma e cada uma por todas. 3 Mutualidade de interesses e deveres. 4 Laço ou ligação mútua entre duas ou muitas coisas dependentes umas das outras. 5 Dir Compromisso pelo qual as pessoas se obrigam umas pelas outras e cada uma delas por todas. 6 Sociol Condição grupal resultante da comunhão de atitudes e sentimentos, de modo a constituir o grupo unidade sólida, capaz de resistir às forças exteriores e mesmo de tornar-se ainda mais firme em face da oposição vinda de fora. S. ativa, Dir: solidariedade em que cada um dos credores da mesma obrigação pode exigir do devedor não somente a sua parte da dívida, mas também a dos demais. S. orgânica, Fisiol: relação necessária que se estabelece entre um ato da economia e outro diferente que se produz em ponto muito afastado. S. passiva, Dir: aquela em que cada um dos devedores de um mesmo título responde pela soma total da dívida. S. social: consistência interna de um agregado social; coesão social.

sf (cooperar+ção) 1 Ato de cooperar; colaboração; prestação de auxílio para um fim comum; solidariedade. 2 Organização da vida econômica, baseada no princípio de "fazer retornar o lucro" ao consumidor.

sf (lat foederatione) 1 Polít Associação de Estados num Estado coletivo, conservando cada um a autonomia nos assuntos locais: Federação das duas Rodésias e da Niassalândia. 2 União política de nações; liga. 3 Associação de entidades para um fim comum: Federação das Indústrias.

A ação protestante, segundo Karl Barth


Protestantismo e política




O teólogo Karl Barth escreveu um livro, Comunidade Civil e Comunidade Cristã, que pode nos ajudar numa leitura da correlação entre política e protestantismo. E hoje vou publicar aqui um trecho do capítulo 14, traduzido por mim de uma edição publicada em 1973, em Montevidéu.

“A orientação da ação política cristã, de uma ação que se compõe de discernimento, juízo e eleição de uma vontade e de um compromisso, está relacionada com o caráter duplo do Estado: possui ao mesmo tempo a possibilidade de oferecer e a necessidade de receber a imagem analógica do Reino de Deus que a Igreja anuncia”.

“O Estado não pode ser uma réplica da Igreja, nem uma antecipação do Reino de Deus. Em sua relação com a Igreja tem realidade própria e necessária e em sua relação com Deus representa – da mesma maneira que a Igreja – um fenômeno puramente humano, acompanhado de todas as características deste mundo temporal. Não se pode pensar em identificá-lo nem com a Igreja, nem com o Reino de Deus. Mas, por outra parte, desde o momento em que está fundado sobre uma disposição particular da vontade divina, e porque pertence na realidade ao Reino de Cristo, não se pode dizer que seja autônomo. Não poderia existir independentemente da Igreja e do Reino de Deus”.

“Por esta razão não se poderia falar de uma diferença absoluta entre a Cidade e a Igreja por um lado, e a Cidade e o Reino, por outro. Logo, fica uma possibilidade: desde o ponto de vista cristão, o Estado e sua justiça são uma parábola, uma analogia, uma correspondência do Reino de Deus que é o objeto da fé e da prédica da Igreja. Como a comunidade civil constitui o círculo exterior em cujo interior se inscreve a comunidade cristã, com o mistério da fé que ela confessa e proclama. As duas, tanto uma como outra, têm o mesmo centro do qual resulta a primeira, distinta pelo princípio no qual está fundada e pela tarefa que lhe corresponde, se encontra forçosamente na relação analógica com a verdade e realidade da segunda. Analogia no sentido de que a Cidade é capaz de refletir indiretamente, como por um espelho, a verdade e a realidade do Reino que a Igreja anuncia”.

O texto pode parecer um pouco difícil, mas vale a pena. Desde já, uma boa reflexão sobre o ser protestante e que o Eterno abençoe a todos e todas.






Jacob Gorender nos fala sobre o golpe de 1964

(Conheci, fui amigo e trabalhei com Jacob Gorender. Neste artigo ele nos conta um pouco do golpe de 1964. Vale a pena conhecer este momento da história do Brasil. JP).

A sociedade cindida 
Jacob Gorender* 
Este texto foi publicado na Revista Teoria e Debate nº 57 (mar/abr 2004)


Transcorre, neste ano, o quadragésimo aniversário do golpe militar de 1º de 
abril de 1964. Uma data que não é para celebrar, tampouco para esquecer. 
Sobretudo, com a distância do tempo, convém explorar seu significado 
histórico e avaliar suas seqüelas. Em primeiro lugar, o generalizado emprego 
da classificação do evento como golpe militar. Emprego no qual eu mesmo 
tenho incidido. Faz-se necessário frisar que não se tratou de mera manobra 
de cúpula, na qual apenas se teriam envolvido círculos políticos e militares 
dirigentes, resultando na mera substituição de uma camarilha por outra. 

A campanha pela deposição do presidente da República suscitou um grande 
movimento de massas e foi, decisivamente, o resultado desse movimento. 
Conforme veremos adiante, a participação maciça da classe média teve um 
papel de grande peso. Podemos continuar a empregar a classificação de golpe 
militar, levando em consideração tais ressalvas. 

Circunstâncias da chegada ao poder 

João Goulart (ou Jango, como será doravante chamado) chegou à Presidência da 
República com a renúncia de Jânio Quadros, em agosto de 1961, uma vez que 
era o vice-presidente, como já o fora de Juscelino Kubitschek. 

Jânio pretendeu conseguir do Congresso poderes excepcionais. Uma vez que não 
lhe foram concedidos, acreditou que a renúncia suscitaria pressão popular 
suficientemente forte para dobrar o Congresso. Errou no cálculo. Diante da 
ausência da esperada pressão popular, ao invés de regressar a Brasília, 
tomou o navio em Santos para um passeio na Europa. 

Conterrâneo e discípulo de Getúlio Vargas, Jango não poderia deixar de ser 
identificado como seu continuador. Ao ser eleito em 1950, retornando ao 
Catete após a deposição em 1945, Getúlio veio com o propósito de aplicar um 
programa nacionalista, criando, entre outras medidas, empresas estatais de 
importância estratégica para o desenvolvimento econômico do país. Contava 
com a ajuda dos Estados Unidos, de cujo governo obtivera créditos e 
colaboração técnica em 1943 para erguer a usina siderúrgica de Volta 
Redonda, em troca da permissão de instalação de bases militares 
norte-americanas no Nordeste. Mas, em seu segundo mandato governamental, 
perdeu a confiança dos Estados Unidos, que retiraram seus representantes da 
comissão conjunta com o Brasil para financiamento de empreendimentos de 
desenvolvimento econômico. Getúlio, não obstante, prosseguiu na execução do 
programa previsto, contando apenas com recursos internos. Desta iniciativa 
surgiram a Petrobras e a Eletrobrás. 

O presidente Vargas viu-se acossado por uma campanha na mídia e no 
Parlamento, capitaneada por Carlos Lacerda, governador do estado da 
Guanabara (então, abrangente somente da cidade do Rio de Janeiro). 

Nos princípios de agosto de 1954, pistoleiros da guarda presidencial tomaram 
a iniciativa (ao que tudo indica, por conta própria), de eliminar Lacerda. 
Quando este regressava a sua residência na Rua Tonelero, na Zona Sul do Rio 
de Janeiro, alvejaram-no, porém só conseguiram feri-lo numa perna. Mas o 
guarda-costas de Lacerda, o major Vaz, oficial da Aeronáutica, tombou morto 
no atentado. O episódio desencadeou gravíssima crise política, que envolveu 
as Forças Armadas. Getúlio havia declarado, em discurso na campanha 
eleitoral, que não renunciaria uma segunda vez. A 24 de agosto suicidou-se 
com um tiro no coração, em pleno Palácio do Catete. 

Diante de tais precedentes, a posse de Jango, apesar de legal e legítima, 
não poderia ser tranqüila. No momento da renúncia de Jânio, o 
vice-presidente encontrava-se em visita à China. Os adversários - que 
reuniam os representantes das forças mais reacionárias e pró-imperialistas - 
pretenderam impedir que regressasse ao Brasil. Jango conseguiu retornar, em 
meio ao clamor crescente contra sua posse no Palácio do Planalto. Uma vez 
mais, vinha à frente das propostas anticonstitucionais Carlos Lacerda, 
utilizando um virulento arsenal de insultos e calúnias. 

Enquanto em Brasília a posse de Jango era contestada, Leonel Brizola, então 
governador do Rio Grande do Sul, unia a população do estado e obtinha o 
apoio do III Exército, ali sediado e comandado pelo general Jair Dantas 
Ribeiro, para a luta em favor da posse. O recrudescimento da oposição entre 
Brasília e Porto Alegre ameaçava jogar o país na guerra civil. 

A fim de evitá-la, optou-se pela solução conciliatória do parlamentarismo, 
por meio de emenda constitucional. Jango governaria com um 
primeiro-ministro, submetido ao voto de confiança do Congresso. Estaria sob 
controle suficiente - julgavam os adversários - para impedir iniciativas 
nacionalistas e, sobretudo, obstar sua intenção, mais ou menos evidente, de 
conseguir um segundo mandato presidencial. 

A experiência parlamentarista 

A república brasileira não tinha nenhuma tradição parlamentarista. A memória 
histórica do parlamentarismo do Império, tutelado por D. Pedro II, não 
inspirava simpatias. 

Sob a presidência de Jango, a partir de 1961, sucederam-se três 
primeiros-ministros no regime parlamentarista: Tancredo Neves, Brochado da 
Rocha e Hermes Lima. Nenhum deles conseguiu enfrentar a situação econômica, 
deteriorada pela inflação herdada do qüinqüênio de Juscelino, nem se haver 
com os problemas políticos suscitados por sucessivas greves, reivindicações 
dos mais variados setores e difíceis de atender e, principalmente, o assédio 
incessante das forças conservadoras, aglutinadas em torno da UDN. Com a 
deterioração política, que criava uma instabilidade julgada inconveniente e 
ameaçadora pela própria classe dominante, a idéia do retorno ao regime 
presidencialista ganhou crescente apoio político-popular. 

A 14 de setembro de 1962, uma greve nacional, articulada com o apoio do 
comandante do III Exército, general Jair Dantas Ribeiro, obrigou o Congresso 
a aprovar a emenda Valadares, que determinou a antecipação para janeiro de 
1963 da realização do plebiscito sobre o parlamentarismo, marcado para 1965. 

Na ab-rogação do parlamentarismo estava interessado não somente Jango. 
Pretendentes à Presidência, também Carlos Lacerda, Magalhães Pinto, Adhemar 
de Barros e Juscelino Kubitschek apoiaram o movimento de retorno ao 
presidencialismo, que já estaria vigente nas eleições de 1965. Em 
conseqüência, o parlamentarismo foi rejeitado por mais de 10 milhões de 
votos, na proporção de cinco votos contra um. 

Jango pôde, então, passar a governar com as prerrogativas amplas do 
presidencialismo brasileiro. 

Novos atores, novo quadro político 

Com vistas ao combate à inflação, Jango encarregou Celso Furtado, ministro 
do Planejamento, de elaborar um plano antiinflacionário. Veio, assim, à luz, 
uma semana antes do plebiscito de 6 de janeiro, o Plano Trienal preparado 
pelo prestigioso economista. Consistia numa versão da clássica estabilização 
financeira, temperada por uma dose de desenvolvimentismo. Entre as propostas 
principais, figuravam a chamada "verdade cambial", ou seja, a desvalorização 
do cruzeiro (moeda nacional na época), visando ao incremento das 
exportações, o corte dos subsídios ao consumo do trigo e de derivados de 
petróleo, a elevação das tarifas dos serviços públicos, a contenção do 
crédito e das emissões de papel-moeda e a disciplina de salários e preços. 
Prometia, simultaneamente, a recuperação de taxas elevadas de crescimento. 

Assim que pôde ser analisado, o Plano Trienal foi criticado e rejeitado 
pelas organizações operárias e esquerdistas em geral, particularmente o PCB. 
Verificou-se, com pouco tempo, que era inoperante e inócuo. 

Jango se viu no centro de uma cena política em que novos atores ganhavam 
relevância. Precisava enfrentar um movimento popular diversificado e 
fortemente reivindicativo. 

No Nordeste, sob a liderança de Francisco Julião, surgiram as Ligas 
Camponesas, que acentuaram as lutas na área rural. Tomou grande impulso a 
sindicalização de trabalhadores rurais. Insignificantes até 1962, já eram 
270 sindicatos rurais em dezembro de 1963 formalmente reconhecidos pelo 
Ministério do Trabalho e 557 em fase de reconhecimento. Daí resultou a 
estruturação da Confederação dos Trabalhadores da Agricultura (Contag). O 
fortalecimento dos trabalhadores rurais recebeu, no Nordeste, contribuição 
de grande importância da política aplicada por Miguel Arraes, governador de 
Pernambuco, que impôs o pagamento rigoroso do salário mínimo na Zona da Mata 
e incentivou iniciativas de educação e cultura popular, com a mobilização de 
milhares de ativistas, particularmente estudantes. Com essas iniciativas, 
Arraes se tornou um político de influência nacional. 

A 19 de novembro de 1963, 200 mil cortadores de cana de Pernambuco e da 
Paraíba realizaram uma greve vitoriosa, após três dias de duração. Era uma 
ação totalmente inédita numa região onde costumava imperar a violência 
impiedosa da classe dominante. 

Acentuou-se o "grande medo" dos usineiros, latifundiários e empresários em 
geral. Defrontavam-se com ações não rotinizadas, com as quais não sabiam 
como lidar. Os usineiros e latifundiários plantadores de cana reagiram 
comprando grandes quantidades de armas e apelando a reações violentas contra 
as reivindicações dos assalariados. 

O golpismo de direita, em franca evolução, atuava através de organizações 
como o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad), do Instituto de 
Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), dirigido pelo general Golbery do Couto e 
Silva, da UDN e das pregações falsárias e antidemocráticas do deputado Bilac 
Pinto. 

Papel importantíssimo, na articulação e suporte das forças reacionárias e 
pró-imperialistas, teve o embaixador Lincoln Gordon, representante dos 
Estados Unidos no Brasil, de 1961 a 1966. Gordon não era diplomata 
profissional, mas professor de economia da Universidade Harvard, tendo sido 
escolhido para o cargo diplomático pelo próprio presidente Kennedy. Em 1963, 
diante de informações alarmantes, Kennedy enviou, como reforço à Embaixada 
americana no Brasil, o coronel Vernon Walters, especializado no serviço de 
inteligência. Poliglota, Walters falava fluentemente o português. Durante a 
Segunda Guerra Mundial, atuara na Itália como oficial de ligação entre a FEB 
e o V Corpo do Exército dos Estados Unidos, ao qual os expedicionários 
brasileiros estavam incorporados. Tal função lhe permitira estabelecer 
relacionamento com vários oficiais brasileiros que iriam ter papel de relevo 
no golpe de 64, a exemplo de Castelo Branco, Cordeiro de Farias e Syzeno 
Sarmento. (Ver Elio Gaspari A Ditadura Envergonhada. São Paulo, Companhia 
das Letras, 2002, p. 59-61). 

Em sentido oposto, intensificou-se a atuação das forças operárias e 
democráticas. 

A inflação incontida suscitava greves sucessivas, sem que os trabalhadores 
conseguissem resultados positivos duradouros. Impunha-se uma coordenação 
mais eficiente. Sindicatos e federações se entenderam e criaram o Comando 
Geral dos Trabalhadores (CGT), com abrangência nacional. 

A novidade mais significativa veio, porém, dos subalternos das Forças 
Armadas, marinheiros e sargentos. Até então, a tradição das ações rebeldes e 
antilegalistas da oficialidade incluía sempre a colaboração submissa dos 
subalternos. A única ação independente de subalternos, na história nacional, 
remontava a 1910, quando ocorreu a célebre Revolta da Chibata, comandada 
pelo marinheiro João Cândido. Em 1962, pela primeira vez na segunda metade 
do século 20 e numa fase muito mais adiantada das lutas sociais, os 
subalternos passam a tomar iniciativas por conta própria. 

A 25 de março de 1962, surge, no Rio de Janeiro, a Associação dos 
Marinheiros e Fuzileiros Navais, que chega a reunir milhares de adeptos. 
Além de reivindicações profissionais, colocam em destaque a conquista de 
direitos políticos, inclusive a elegibilidade para o Congresso. Enfrentando 
a hostilidade do Ministério da Marinha, os marinheiros e fuzileiros navais 
editam um periódico, a Tribuna do Mar, e mantêm uma escola de preparatórios 
de exames de madureza, tendo como professores universitários da UNE. Sob a 
direção da UNE, incrementa-se notavelmente a mobilização estudantil pelas 
reformas de base. 

Os sargentos das três forças militares passam também a agir com 
independência. Manifestaram sobretudo a aspiração aos direitos cidadãos de 
elegibilidade nas disputas eleitorais. Provocou revolta a sentença do 
Supremo Tribunal Federal pela cassação do mandato do sargento Aimoré 
Cavaleiro, eleito deputado estadual no Rio Grande do Sul. A sentença da 
suprema corte ameaçava o mandato do sargento Antonio Garcia Filho, eleito 
deputado federal. Em resposta, a 12 de setembro de 1963, algumas centenas de 
sargentos da Aeronáutica e da Marinha, liderados pelo sargento Antonio 
Prestes de Paula, se sublevaram em Brasília. Prenderam altas autoridades e 
ocuparam a sede dos Ministérios da Marinha e da Aeronáutica, a Base Aérea, o 
aeroporto e a central telefônica. O movimento era intempestivo e preparado 
com precipitação. Dificilmente deixaria de fracassar. Os sublevados acabaram 
presos, porque, ao invés de contar com o apoio de colegas do Exército, 
tiveram de ceder diante das tropas que o ministro da Guerra sediou em 
Brasília, as quais sufocaram a rebelião. A atitude preventiva do ministro 
Jair Dantas Ribeiro, ciente do motim em preparação, resultou na prisão de 
seiscentos sargentos, inutilizando importante contingente para as lutas 
futuras, mais duras e decisivas e em acelerada aproximação. 

Pré-revolução e contra-revolução preventiva 

Recuperadas as prerrogativas próprias do regime presidencialista, Jango 
passou a enfrentar as reivindicações de um vigoroso movimento popular em 
favor das reformas de base. 

No segundo pós-guerra, durante os governos Dutra (continuador do regime 
repressivo do Estado Novo), Getúlio, Juscelino e Jânio, as forças 
democráticas, da classe operária aos estudantes, profissionais liberais, 
intelectuais em geral e parte dos empresários, ganharam um poder de 
mobilização desconhecido na história nacional. Cresceu o vigor dos setores 
que reivindicavam mudanças em profundidade na sociedade brasileira. Tais 
mudanças receberam a denominação de reformas de base, dentre as quais tinham 
prioridade a reforma agrária e a legislação nacionalista sobre o capital 
estrangeiro. 

A reforma agrária era praticamente impossibilitada pelo dispositivo 
constitucional, que obrigava ao pagamento prévio e em dinheiro das 
desapropriações de terras. Os projetos em favor da derrogação desse 
dispositivo eram sistematicamente barrados pela maioria do Congresso. 

Com relação ao capital estrangeiro, foi possível importante vitória ainda em 
1962. Baseada em projeto do deputado Sérgio Magalhães, presidente da Frente 
Parlamentar Nacionalista (FPN), foi aprovada no Congresso, a 3 de setembro, 
a Lei 4.131 sobre as remessas de lucro do capital estrangeiro. Essas 
remessas passavam a ter o teto de 10% sobre o capital efetivamente 
ingressado no país, com exclusão, portanto, para cálculo do percentual, do 
capital adicionado e originário dos lucros obtidos no Brasil. A aprovação da 
lei foi possibilitada pela divisão das bancadas do PSD e da UDN. Provocou, 
não obstante, reação contundente da grande imprensa e aberta condenação do 
embaixador Gordon. Esquivando-se de sua responsabilidade como presidente, 
Jango deixou escoar o prazo constitucional sem sancionar a lei. Coube ao 
presidente do Senado fazê-lo. Mas a lei ficou engavetada, enquanto o 
Executivo não procedia a sua regulamentação. 

Diante do movimento em ascensão pelas reformas de base, Jango prolongava uma 
atitude de indefinição, que não podia passar despercebida aos partidários 
das mudanças progressistas. Não se tratava de reivindicações 
revolucionárias. Poderiam, no entanto, preparar o caminho à transformação da 
sociedade brasileira numa democracia avançada, com hegemonia dos 
trabalhadores e de seus aliados do segmento de assalariados intelectuais. 
Neste sentido, considero que o movimento pelas reformas de base criava uma 
situação de pré-revolução. 

Na conjuntura de 1963, algumas das lideranças mais destacadas radicalizaram 
o comportamento, adotando linhas de atuação destituídas de suporte em forças 
efetivas. Julião, que fez as Ligas Camponesas avançar enquanto as manteve no 
terreno das reivindicações legais, retornou de uma visita a Cuba com a 
cabeça feita pelo foquismo e pela idéia de uma reforma agrária coletivista. 
Tal proposta e sua palavra de ordem "reforma agrária na lei ou na marra" 
assustou não só os latifundiários, mas também os pequenos proprietários 
rurais, jogando-os no campo dos adversários da reforma agrária. As Ligas 
Camponesas enfraqueceram e se tornaram impotentes para agir em situações 
decisivas. Antes avesso à atuação parlamentar, Julião se candidatou a 
deputado federal e só com muita dificuldade conseguiu se eleger. 

Da sua parte, Brizola não foi capaz de impedir que o governo do Rio Grande 
do Sul caísse nas mãos de Ildo Meneghetti, que viria a apoiar o golpe em 
1964. Em contrapartida, Brizola logrou eleger-se deputado federal pela 
Guanabara, com votação elevada. Lançou o movimento pela formação dos Grupos 
dos Onze, com estruturação e objetivos vagamente formulados, mas sugerindo 
preparação para ações armadas. 

Da sua parte, Jango prosseguia no jogo de atitudes contraditórias. 

No dia 4 de abril, a Agência Nacional difundiu a convocação de um comício 
para o Largo do Machado, no Rio de Janeiro. A convocação tinha caráter 
claramente provocativo, prevendo o deslocamento da massa popular ao Palácio 
Guanabara, sede do governo de Lacerda. O deslocamento justificaria a 
intervenção de tropas federais e de ações contra o CGT e outras organizações 
populares. O alerta oportuno do general Osvino Ferreira Alves, comandante do 
I Exército, desfez a armadilha e frustrou a realização do comício. 

Contudo, estranhamente, em sincronização com a convocação do comício, Jango 
discursava em Marília, interior do estado de São Paulo, apresentando-se como 
o mais credenciado dos anticomunistas. Reforçou a jogada direitista com 
elogios ao governador Adhemar de Barros e ao falido Plano Trienal. Fazia-se 
evidente que buscava uma recomposição com as forças conservadoras 
direitistas. 

Todavia, à noite da mesma data, o presidente discursou na Faculdade de 
Direito do Largo de São Francisco, na capital paulista. Prudentemente deixou 
de lado o anticomunismo e fez vagas alusões às reformas de base. 

No dia 23 de agosto, à tardinha, realizou-se na Cinelândia, centro do Rio de 
Janeiro, um comício em homenagem à memória de Getúlio Vargas. Jango 
discursou perante 60 mil pessoas. Faixas estendidas diziam: "Jango, não 
vacile", "Jango, chega de conciliação com os inimigos do povo. Reforma já!" 
Diante das frases vazias do presidente, a massa o interrompeu com o grito 
cadenciado: "De-fi-ni-ção!" 

No dia 4 de outubro, Jango enviou ao Congresso um requerimento de decretação 
do estado de sítio. As organizações agrupadas na Frente de Mobilização 
Popular (FMP) manifestaram oposição. O mesmo fez o governador Miguel Arraes, 
que não ignorava a intenção presidencial de alijá-lo junto com a deposição 
de Lacerda. Ao constatar a falta de apoio parlamentar, o governo federal 
retirou o requerimento no dia 7. 

O crédito de Jango junto às forças conservadoras estava esgotado, uma vez 
que não conseguira coibir o crescimento do movimento reformista nem deter a 
inflação. O presidente decidiu-se, finalmente, por uma posição clara em 
favor das reformas de base, sempre com a expectativa de que abrisse o 
caminho para um segundo mandato, o que necessitaria de emenda 
constitucional. Tomando o novo rumo, ordenou a regulamentação da lei sobre 
remessa de lucros do capital estrangeiro e prestigiou a Superintendência de 
Política Agrária (Supra), comparecendo a um ato de entrega de títulos de 
propriedade da terra a lavradores do estado do Rio. Ao mesmo tempo, 
encarregou San Tiago Dantas de articular uma Frente Ampla, que viabilizasse 
a aprovação parlamentar das reformas de base. 

A ambição continuísta do chefe da Nação era particularmente incentivada 
pelos comunistas. Embora desprovidos de registro legal partidário no 
Tribunal Eleitoral, os comunistas constituíam, então, uma corrente de 
esquerda influente. Em repetidas manifestações, Luiz Carlos Prestes defendeu 
o segundo mandato para Jango e propôs publicamente a iniciativa de emenda 
constitucional que o permitisse. Semelhante proposta esquentava ainda mais a 
temperatura já bastante acalorada do clima político. 

No entanto, repetiam-se os incidentes conflituosos. Programadas para 
discursar em faculdades e outros recintos, personalidades como Lacerda, 
Brizola, Clemente Mariani e João Pinheiro Neto foram barradas pelos 
adversários. Só com muita dificuldade e com a proteção da Polícia Militar, 
conseguiu Arraes discursar em Juiz de Fora. 

Na tarde de 13 de março de 1964, o comício na praça da Central do Brasil 
reuniu meio milhão de pessoas. Após pronunciamentos de líderes políticos, 
sindicais e estudantis, Jango valeu-se de dois trunfos no discurso de 
encerramento do comício: o decreto de encampação das refinarias particulares 
de derivados de petróleo e o decreto da Supra, que declarava sujeitas a 
desapropriação as propriedades rurais superiores a 500 hectares marginais de 
vias federais numa faixa de 10 quilômetros e as propriedades superiores a 30 
hectares marginais de açudes e obras de irrigação com financiamento 
governamental. A legislação que permitiria tais atos já se encontrava em 
preparação para envio ao Congresso. 

Enquanto o comício do dia 13 se realizava, os apartamentos na Zona Sul do 
Rio de Janeiro mantinham as luzes acesas e exibiam lençóis brancos nas 
janelas. Uma demonstração explícita de oposição da classe média carioca ao 
comício da Central do Brasil. 

No dia 19 de março, meio milhão de pessoas se reuniu, em São Paulo, na 
primeira Marcha da Família com Deus pela Liberdade, desfilando da Praça da 
República à Praça da Sé. Organizada por entidades da direita política e com 
o apoio do clero católico, era uma clara manifestação antigovernamental da 
classe média. A sociedade estava nitidamente cindida. Irritada pelas 
numerosas greves, pela carestia, pelo desabastecimento de gêneros 
alimentícios e pela inoperância oficial, a classe média se passou 
maciçamente para o campo dos opositores do governo Jango. 

Simultaneamente, o apoio do presidente aos marinheiros reunidos em 
assembléia no Sindicato dos Metalúrgicos, no Rio de Janeiro, e sua aliança 
com os sargentos nacionalistas jogaram a oficialidade em massa também na 
oposição. A oficialidade sentia gravemente abalados os princípios da 
hierarquia e da disciplina, fundamentais nas corporações militares. 

Na noite de 30 de março, Jango discursou numa solenidade promovida pela 
Associação dos Sargentos e Suboficiais da Polícia Militar, no salão do 
Automóvel Clube, no centro do Rio de Janeiro. Foi o que bastou para detonar 
o golpe, já em franco andamento nos bastidores conspirativos. 

No dia 31 de março, as tropas do Exército aquarteladas em Minas Gerais, sob 
o comando do general Olympio Mourão Filho, com o apoio do governador 
Magalhães Pinto, se insurgiram e marcharam em direção ao Rio de Janeiro. Um 
após outro, os comandos militares, supostamente fiéis a Jango, mudaram de 
posição e, sob a coordenação do general Odilo Denys, adotaram o rumo do 
golpe. O dispositivo militar, garantido pelo general Assis Brasil, chefe do 
Gabinete Militar, revelou extrema fragilidade. 

Jango podia contar, no primeiro momento, com uma esquadrilha de oficiais 
nacionalistas da Aeronáutica, que se dispunha a despejar bombas sobre a 
coluna do general Mourão. Os fuzileiros navais, sob o comando do almirante 
nacionalista Cândido Aragão, tinham a possibilidade, também no primeiro 
momento, de assaltar o Palácio Guanabara e prender Lacerda, o que alcançaria 
grande repercussão nacional em favor do governo. 

Jango preferiu capitular. Desautorizou as ações dos oficiais da Aeronáutica 
e dos fuzileiros navais. No dia 1º de abril, retirou-se do Palácio das 
Laranjeiras, no Rio de Janeiro, e voou para Brasília. Dali, partiu depressa 
para o Rio Grande do Sul, donde, finalmente, sairia do país. 

Em Brasília, o senador Auro de Moura Andrade, presidente do Congresso, 
declarou a Presidência da República vacante. No dia 9, o primeiro Ato 
Institucional deu início às cassações de mandatos e direitos políticos. O 
general Castelo Branco assumiu a chefia do governo, inaugurando a sucessão 
de generais-presidentes, que se prolongaria por 21 anos. 

No dia 3 de abril, 1 milhão de pessoas desfilou, no Rio de Janeiro, na 
segunda Marcha da Família com Deus pela Liberdade. A sociedade estava 
claramente cindida. De um lado, a favor do rumo progressista e democrático, 
os trabalhadores. No lado contrário, a classe média em peso. O que chamamos 
de golpe militar teve inequívoco e poderoso apoio social. Funcionou como 
contra-revolução preventiva. 

Trabalhadores e classe média iriam fazer a amarga experiência de dois 
decênios ditatoriais. Ao contrário de muitos países latino-americanos, era a 
primeira vez, em sua história, que o povo brasileiro se via sob o jugo de 
uma ditadura militar. Dessa experiência, que custou tantos sacrifícios aos 
melhores patriotas, surgiu finalmente a democracia difícil, que hoje molda a 
vida política nacional. 

*Jacob Gorender era historiador, autor de Combate nas Trevas (Ática) e outros.