vendredi 18 septembre 2015

O caráter do cristão

AS BEM-AVENTURANÇAS E O FRUTO DO ESPÍRITO
O caráter do cristão
Prof. Dr. Jorge Pinheiro

OS DOIS TEXTOS

"Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus./ Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados./ Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra./ Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos./ Bem-aventurados os limpos de coração, porque verão a Deus./ Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus./ Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus./ Bem-aventurados sois quando, por minha causa, vos injuriarem e vos perseguirem e, mentindo, disserem todo mal contra vós./ Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus, pois assim perseguiram aos profetas que viveram antes de vós". (Mateus 5: 3-12).

"Mas o fruto do Espírito é amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio. Contra essas coisas não há lei". (Gálatas 5:22 e 23).

O CARÁTER DO CRISTÃO

Esses dois textos descrevem o caráter do cristão. Não são aspectos que devem ser desenvolvidos em separado, mas formam um todo equilibrado e diverso, que bem podemos definir como o roteiro para o discipulado cristão. A ordem é que todo discípulo amadureça todas as qualidades mencionadas.

Falando no monte, Jesus disse que cada pessoa possuidora dessas qualidades - são mansas e misericordiosas, humildes de espírito e limpas de coração, choram e têm fome e sede de justiça, são pacificadoras, sofrem injúria e perseguições por amor à justiça e por amor ao Mestre - é makários (em grego, significa feliz). Para muitos teólogos, Jesus estava apresentando uma teoria para a felicidade humana.[1] É importante, no entanto, esclarecer que a expressão makários refere-se não somente a um estado ideal de felicidade, mas uma construção real do caráter, que produz bençãos imediatas e futuras.

Na verdade, seguindo a lógica exposta por Robert Gundry, Jesus se posiciona como um novo legislador, um novo Moisés, superior, promulgando uma nova lei, a lei do amor, que nasce do Espírito. Jesus não somente condena o arcaísmo da legislação ritual, mas deixa claro que uma nova aliança está nascendo. Assim, estamos diante de um novo povo. Esse israelita espirital terá um caráter novo, diferente em essência dos padrões do mundo. E os pais da igreja também entenderam assim.

Comentando as bem-aventuranças, Agostinho (354-430), o bispo de Hipona, vê na exposição de Jesus uma graduação, como se estivéssemos subindo uma escada. O primeiro degrau é a humildade, a submissão à autoridade divina, e o segundo degrau, a mansidão. Esses dois primeiros degraus colocam o discípulo, em espírito de piedade, diante do conhecimento de Deus. É então que, a partir daí, descobre os laços "com que os hábitos da carne e os pecados sujeitam a este mundo".[2] Assim, para Agostinho, os terceiro, quarto e quinto degraus estão relacionados à luta contra o presente século e seus ditames. Já o sexto degrau leva o crente, vitorioso anteriormente, a contemplar o "bem supremo, que somente pode ser visto por uma inteligência pura e serena".[3] O sétimo degrau é a sabedoria, que nasce da contemplação da verdade, que pacifica o homem e imprime nele a semelhança com Deus. E o último degrau volta ao primeiro, pois ambos nomeam o Reino dos Céus, a perfeição.

Embora a visão agostiniana seja excessivamente alegórica para nossa hermenêutica reformada, ela faz chegar até nós a compreensão dos pais da igreja sobre o Sermão do Monte.

AS QUALIDADES DE UM FRUTO SAUDÁVEL

Do que vimos até aqui, fica claro que o Sermão do Monte fala de qualidades, características dos discípulos de Cristo. E o texto de Galátas 5:22 e 23 sintetiza a mesma preocupação. Fala do fruto de uma árvore saudável. E descreve apenas um fruto, porque a idéia aqui desenvolvida é a de uma corrente, que só existe através de elos entrelaçados. Se apenas um elo for frágil, toda a corrente se faz frágil.

Essas nove virtudes, podem ser catalogadas, segundo Lightfoot,[4] em:

(1) hábitos mentais - amor, alegria, paz -, que inspiram o discípulo ao amor a Deus e aos homens, geram profundo regozijo de coração, que nenhuma obra da carne pode produzir, e criam um sentido de harmonia no que se refere a Deus e aos homens;

(2) qualidades sociais - longanimidade, benignidade, bondade -, que nos levam a paciência passiva, diante de injúrias e perseguições, nos dão uma bondosa disposição em relação ao próximo e nos direcionam à beneficência ativa;

(3) e princípios gerais de conduta - fidelidade, mansidão, domínio próprio -, que traduzem posturas de comportamento, ou seja, ser dignos de confiança, não defender com unhas e dentes os próprios interesses e ter sob controle desejos e paixões.

Voltando ao Sermão do Monte, encontramos no versículo 20, do capítulo analisado: "Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus".Esta declaração, uma ordem aos discípulos, une numa corrente de ouro, os dois textos estudados. E por que Jesus dá os escribas e fariseus como anti-exemplos? Porque, como explica Stott, "a grandeza do reino não é apenas avaliada pela justiça que se conforma à lei",[5] pois a entrada no reino torna-se impossível se não houver um comportamento que vá além da própria lei.

Aliás, o apóstolo Paulo em Gálatas 5:23 diz que contra as virtudes expressas pelo fruto do Espírito não existe lei. Os escribas e fariseus diziam que a lei tinha 248 mandamentos e 365 proibições, e concordavam que era impossível cumprir tudo. Como então exceder os rabinos? Simplesmente porque não estamos limitados à lei de Moisés, mas à lei do Espírito. A justiça do cristão excede porque é mais profunda, é uma justiça que nasce do coração regenerado, é interna e tem como fonte o Espírito de Deus que habita em nós. É fruto do Espírito.

Assim, podemos dizer que o caráter do cristão, expresso em Mateus 5:3-12 e Gálatas 5:22 e 23, traduz na própria vida do discípulo seu novo nascimento. E, Jesus nos ensinou que ninguém entrará no reino dos céus se não nascer do Espírito.

Temas para exercício

As bem-aventuranças

(a) Bem-aventurados os humildes de espírito;
(b) bem-aventurados os que choram;
(c) bem-aventurados os mansos;
(d) bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça;
(e) bem-aventurados os misericordiosos;
(f) bem-aventurados os limpos de coração;
(g) bem-aventurados os pacificadores;
(h) bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça;
(i) bem-aventurados sois quando vos injuriarem e vos perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós.

Definição das quatro primeiras

(a) Bem-aventurados os humildes de espírito, ou seja, aqueles que reconhecem sua própria miserabilidade diante de Deus, sua total dependência espiritual diante o Criador.

(b) Bem-aventurados os que choram, ou seja, aqueles que se derramam, compungidos diante de Deus por seus próprios pecados e pelos de seus irmãos. Expressa uma postura de verdadeiro arrependimento.

(c) Bem-aventurados os mansos, ou seja, aqueles que perdoam, que não cobram a dívida, que alegremente caminham a segunda milha.

(d) Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, ou seja, aqueles que olham para Cristo e querem ser igual a Ele. Cristo é o justo, sobre Ele repousa a justiça de Deus. Ter fome e sede de justiça é alimentar-se espiritualmente de Cristo, ser igual a Ele.

O texto-chave do Sermão do Monte.

"Porque eu vos digo que, se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus". Mateus 5: 20.

Explicação do versículo 20 de Mateus 5.

Os escribas e fariseus viviam uma religiosidade formal, de aparência, sem transformação real de vida, sem conversão. Nesse sentido, o cristão deve exceder esse padrão, ir além, mudar em essência, ter um coração de carne.

A condição para sermos aceitos por Jesus (Mt. 7:21-23).

É a veracidade daquilo que se professa. Praticar o que se prega. Nesse sentido, o que caracteriza o discípulo não é a exterioridade de suas ações, por mais poderosas, miraculosas ou expressivas, mas a obediência que se traduz em vida moralmente genuína e fecunda.

Explicação do significado da santificação no Primeiro testamento, no Novo testamento e o desenvolvimento da conceituação.

(a) Apesar do mandamento ter sido expresso claramente em Levítico 19:2, "Santos sereis, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo", o kadish (a santificação) era, e é para o judeus, cerimonial. O kadish se dá em certos momentos da vida, em celebrações e rituais. Assim, no cabalat sabat (entrada do sábado) se faz santificação no culto familiar, na alimentação kosher (pura), nos utensílios utilizados pelos sacerdotes, antigamente no templo, hoje nas sinagogas.

(b) A santificação cristã parte de outra perspectiva: somos definidos por Deus como santos. Devemos então viver aquilo que já somos: separados por Deus para servi-lo, glorificá-lo, espelhá-lo diante do mundo. Somos santos e devemos santificar toda a realidade circundante com nossa vida santificada e em crescente santificação. Esse novo conceito é claramente explicado na primeira carta do apóstolo Pedro, capítulo 1, dos versículos 13 ao 25, mas a segunda parte do versículo 15, nos dá a chave do pensamento cristão sobre a santificação: "tornai-vos  santos também vós mesmos em todo o vosso procedimento".  

BIBLIOGRAFIA
Agostinho, Santo, O Sermão da Montanha, Edições Paulinas, São Paulo, 1992.
Gee, Donald, Para Que Deis Fruto, Edições Vida, São Paulo, 1985.
Gundry, Robert H., Panorama do Novo Testamento, Edições Vida Nova, SP, 1991.
Stott, John R. W., "A Mensagem do Sermão do Monte", ABU Editora, SP, 1993.


Citações

[2] Agostinho, Santo, O Sermão da Montanha", Paulinas, São Paulo, 1992, pp. 29 e 30.
[3] Idem, op. cit., p. 30.
[4] Davidson, F, O Novo Comentário da Bíblia, Vida Nova, São Paulo, 1994, pp. 1245 e 1246.
[5] Stott, op. cit., pág.68.