jeudi 26 août 2010

História da tradição ou história da salvação


Para meus alunos de História e Religião de Israel e outr@s.

Se partirmos de Von Rad, historiador e teólogo do Antigo Testamento, há um aparente confronto entre a pesquisa histórica moderna, histórico-crítica, e a definida pela fé de Israel, a história da salvação. Ele considera que o quadro da história de Israel a partir do método histórico-crítico busca um mínimo irrefutável que é a preocupação com a história. Já a perspectiva querigmática, moldada pela fé, pende para um maximum teológico: se debruça sobre o mundo de testemunhos originado na fé para compreender o quadro querigmático.

O ponto crucial desse confronto entre a pesquisa histórica moderna e a história da salvação é a ausência de premissas de fé ou de revelação no programa histórico-crítico da história de Israel, uma vez a historiografia moderna não considera a hipótese do elemento Deus.

Mas Von Rad rejeita a ideia de não considerar histórico o quadro querigmático, ou de considerar apenas histórico o quadro histórico-crítico, pois sustenta que a apreciação querigmática também está fundamentada numa história acontecida e narrada, não tendo sido obra de imaginação, pois foi percorrida por uma estrada que o próprio Iavé fez. Assim, a história traduz-se na revelação de Iavé através de atos e palavras. Para ele, não é que o cerne histórico esteja envolto em ficção, mas que a experiência de fé do narrador, presente na saga, é histórica e resulta de um conteúdo teológico.

Dessa maneira, Von Rad considerou que as duas perspectivas da história de Israel podiam imbricar-se na construção da teologia do Antigo Testamento, alertando para o fato de que o quadro querigmático, na maioria das vezes, é ignorado pela corrente histórico-crítica.

Ao adotar a tese de Von Rad de que o Antigo Testamento é um livro de história ou testemunhos, Franz Hesse fez uma nova leitura dela. Considerou que se deve dar uma ênfase teológica a história de Israel, mesmo quando esta é reconstituída pelo método histórico-crítico. Isto é relevante, pois para Hesse a fé precisa basear-se no que aconteceu e não no que se declara ter acontecido.

Hesse parte assim da duplicidade de Von Rad, ou seja, de que a história secular deve tratar da história de Israel, e que a versão querigmática tem relevância teológica. Mas propõe que se trabalhe alguns termos para entendermos a diferença entre as duas perspectivas da história de Israel: real ou irreal, isto é, o que é história e o que é fé, ou tradição; correta ou incorreta, querigma não é formador da fé, mas a realidade histórica, sim.

Hesse procura, assim, derrubar as duas versões da história de Israel ao identificar a apreciação histórico-crítica da história de Israel com a história da salvação. Afirma que a história da salvação está presente em tudo que o povo de Israel experimentou no decorrer dos séculos, em tudo que realizou e em tudo que sofreu. Esta compreensão não anda de mãos dadas com a história de Israel, não pertence a uma esfera superior, não é idêntica à história de Israel, mas é real e correta.

Diz, dessa forma, que é impossível uma separação entre a história de Israel e a história da salvação no Antigo Testamento, que a história da salvação oculta-se na história de Israel, por meio dela e por trás dela. E conclui que toda história do povo de Israel e seus aspectos são os objetos da pesquisa teológica. Hesse fundamenta, assim, a história da salvação na versão histórico-crítica da história de Israel.

Já Walter Eichrodt objeta o dualismo de Von Rad, de dois quadros da história de Israel. Faz uma distinção entre os fatos extrínsecos da história da salvação do Antigo Testamento e a experiência decisiva. Isto é, entre o domínio de Deus sobre o espírito humano através de sua presença no íntimo. É neste ponto, na criação e expansão do povo de Deus, na consciência do relacionamento da aliança, que ocorre a experiência decisiva, sem a qual todos os fatos extrínsecos tornam-se mitos. Eichrodt acha necessária uma reconciliação das duas versões da história de Israel.

Também Friedrich Baumgarten critica a tentativa de Von Rad de solucionar a questão teológica da interpretação da história e da tradição. E o faz com uma afirmação taxativa: diz que nenhuma das duas versões tem relevância teológica para a fé cristã, porque o Antigo Testamento é o testemunho de uma religião não-cristã. Respondendo a Baumgarten, Claus Westermann coloca a questão que qualquer estudante de teologia colocaria: então, a Igreja poderia passar sem o Antigo Testamento?

Vejamos de uma forma rápida, só para ajudar o estudante de teologia do Antigo Testamento, as posições de alguns estudiosos matriciais: Weiser e Hempel reconhecem, a partir de Von Rad, que a realidade histórica e a expressão querigmática, isto é, fato e interpretação formam uma unidade no Antigo Testamento.

Já Georg Fohrer defende que, se existe uma unidade fundamental entre fato e interpretação, entre evento e palavra, não devemos contrapor uma compreensão contra outra, porque os autores do Antigo Testamento se utilizaram de tradições que consideravam históricas.

A história, afirma Wolfhart Pannenberg, constitui o mais amplo horizonte da teologia cristã. Ela é realidade em seu todo desde o nascente Israel até o presente. A revelação de Deus é, portanto, o significado inerente da história e não algo que lhe foi acrescentado. Assim, Pannenberg enquadra a história da salvação na história universal.

Já Rendtorff propôs que se estabelecesse uma relação entre a história da salvação e a apreciação histórico-critica da história de Israel, combinando a divisão, história de Israel, história da tradição e teologia do Antigo Testamento em um novo gênero de pesquisa. O método histórico-crítico deveria, então, ser transformado e ampliado de forma a incluir também a revelação de Deus na história.

O ponto de partida da teologia de Von Rad, diz H. J. Kraus, tem um cunho nitidamente histórico-crítico, já que sua teologia do Antigo Testamento é uma teologia das tradições. Parafraseando Kraus, e fazendo a nossa crítica pontual a Von Rad, podemos dizer que a teologia do Antigo Testamento só é teologia pelo fato de “aceitar o contexto textual do cânon como verdade histórica, que carece de explicação e interpretação sumárias”. Ora, se esta é a situação da teologia do Antigo Testamento, então, não deve ser considerada história da revelação.

E eis aqui um resumo que pode ajudar: qual é o centro da teologia do Antigo Testamento?

Para Eichrodt é a aliança; para E. Sellin é a santidade de Deus; para Ludwig Kohler é o fato de que Deus é o Senhor; para Hans Nildberger é a eleição de Israel como povo de Deus; para Günther Klein é o reino de Deus; para Georg Fohrer é o governo de Deus e a comunhão Deus/humano; para Horst Seebass é o governo de Deus; para Uriezem é o fato de que Deus é o foco de todos os escritos; e para Von Rad é o fato de que Iavé é o centro. Ele, porém, parte de um centro secreto: Deus atua na história, e é na história que Deus revela o segredo de sua Pessoa.

A partir de Von Rad e de seus críticos e seguidores podemos dizer que o Antigo Testamento é um livro de história, história de Deus e de Israel, história de Deus e das nações, história de Deus e do mundo.

Fonte
HASEL, Gerhard F., Teologia do Antigo Testamento, Questões Fundamentais no Debate Atual, Juerp, São Paulo. Capítulos 3 e 4.