dimanche 16 septembre 2018

vou seduzir a minha amada

num domingo de janeiro preparei está leitura de manhã a partir daquilo que chamei lições de amor. foi um pensar na gratidão ao eterno, um jeito de dizer a ele que o amo. e pensando, me remeti a um filme, uma lição de amor, que conta a história de um pai com deficiência mental e uma filha, de sete anos, que começa a ultrapassá-lo intelectualmente. no filme, uma assistente social quer levar a menina para um orfanato, alegando que o pai não tem condições de criar a filha. foi nesse momento que me deparei com dois textos, o dos cânticos, e outro, também belíssimo, de um profeta mal compreendido e meio abandonado, oseias.

minha leitura da eternidade como um delírio, não faz o efeito que o materialismo esperava. na verdade, me leva a uma outra leitura: faço uma ponte entre as lições de amor da eternidade e a minha paixão por ela. e foi assim que surgiu esse pensar, num discurso sobre as minhas provas da existência da eternidade, que divido em três: o “noturno opus 9, no. 2” de chopin, a roda e a raiz quadrada de menos 1. talvez, você esteja achando que estou louco, o que pode não ser mentira, mas se tiver curiosidade e paciência, vai entender o caminho que trilhei. e esse caminho, que vai na contramão do que o materialismo diz, nos ajuda a entender porque estamos enamorados pelos temas centrais da fé cristã, criação, alienação e essencialização da vida. enfim, as lições de amor e essas minhas provas da existência da eternidade se correlacionaram e levam a uma teoria da existência.

eternidade e amor estão entrelaçados, e vejo isso quando sou obrigado a pensar uma teoria da existência. e, metodologicamente, a primeira coisa que devo me perguntar é se uma coisa existe ou não existe. e isso significa trabalhar com variáveis: uma coisa existe; uma coisa não existe; uma coisa não existe, mas já existiu, deixou de existir e não existe mais, porém poderia existir.

devo pensar também, e essa questão é um pouco mais complexa, que a existência existe. e ainda que eu diga que existência é espaço/tempo, como não temos espaço apenas, ou tempo apenas, a existência existe. não dá para dizer que a existência não existe, ela é realidade no cosmo, produz diferença no mundo. caso não existisse a existência, então, nada existiria.

mas, outra questão deve ser colocada: se posso falar numa teoria da existência, preciso entender que posso apreendê-la enquanto atos de conhecimento. e ato de conhecimento é uma ação consciente sobre algo que existe ou uma realidade. por isso, os atos de conhecimento nos remetem a pessoas que são conscientes e podem conhecer a existência através de seus processos e modos.

as pessoas são tocadas pelo amor. nada sensibiliza mais o ser humano do que o amor, como dissemos acima. e, por isso, o amor e a morte se nos apresentam como estados definitivos. caso você já tenha estado apaixonado ou apaixonada sabe como é.

e oseias contou que o eterno disse: “vou seduzir a minha amada e levá-la de novo para o deserto, onde lhe falarei do meu amor. ali, eu devolverei a ela as suas plantações de uvas e transformarei o vale da desgraça em porta de esperança. então ela falará comigo como fazia no tempo em que era moça, quando saiu do egito. mais uma vez ela me chamará de “meu marido”, em vez de me chamar “meu senhor”, meu baal. nunca mais deixarei que ela diga o nome baal, nunca mais ela falará desse deus. sou eu o senhor quem está falando. naquele dia, farei a favor dela uma aliança com os animais selvagens, com as aves, com as cobras, para que não ataquem a minha amada. quebrarei as armas de guerra, os arcos e as espadas. não haverá mais guerra e o meu povo viverá em paz e segurança. israel, eu casarei com você, e para sempre você será minha legítima esposa. eu tratarei você com amor e carinho, e serei um marido fiel. então, você se dedicará a mim, o senhor. naquele dia, serei  o eterno que atende: atenderei o pedido dos céus, os céus atenderão o pedido da terra, dando-lhe chuvas. e a terra responderá produzindo trigo, uvas e azeitonas. assim, eu atenderei as orações do meu povo da terra da estrela. plantarei o meu povo na terra prometida para que eles sejam a minha própria plantação. e eu amarei aquela que se chama não-amada, e para aquele que se chama não-meu-povo eu direi: “você é meu povo” e ele responderá: “tu és o meu eterno”.

agora, vamos descontrair o texto de oseias e relacioná-lo com a teoria da existência. deslumbrar e fascinar são desafios da existência e isso está expresso do texto de oseias, quando o eterno diz: “vou seduzir a minha amada e levá-la de novo para o deserto, onde lhe falarei do meu amor”. a travessia do deserto, quando os hebreus fugiram do egito, foi um tempo de intimidade com a eternidade, uma porta de esperança, diferente do vale da desgraça, onde o soldado acã foi condenado à morte por traição.

assim, nessa correlação entre eternidade e amor, podemos discutir a existência a partir dos noturnos de frederico francisco chopin. esses noturnos eram cantos livres, que traduziam as experiências pessoais de chopin e expressavam sua espiritualidade. diria que os noturnos desse músico são o deserto do profeta oséias, espaço/tempo de intimidade com a eternidade.

particularmente, sou apaixonado pelo noturno opus 9 no. 2, que tem a propriedade de ser uma obra de criação e pertença de um humano sensível. é peculiar, diria inédita e exclusiva. e ao dizer essas coisas, afirmo não apenas que existe, mas sou obrigado a falar de sua natureza, de sua essência. ou seja, saber que o noturno opus 9 no. 2 de chopin existe, significa dizer que não existem outros noturnos opus 9 no. 2. só existe esse.

baal e îche são outros dois desafios da existência. e as lições de amor nos trazem de volta a oseias, quando o eterno diz: “ela me chamará de meu marido”. e isaías conta que o eterno disse: “não temas, porque não serás envergonhada; não te envergonhes, porque não sofrerás humilhação; pois te esquecerás da vergonha da tua mocidade e não mais te lembrarás do opróbrio da tua viuvez. porque o teu criador é o teu marido; o senhor dos exércitos é o seu nome; e o santo da terra da estrela é o teu redentor; ele é chamado o eterno de toda a terra”.

e mais uma vez a correlação entre amor e eternidade me remeteu a outro processo da existência, que vou analisar a partir de uma das mais simples máquinas que construímos: a roda. todos conhecemos as suas aplicações e sabemos que crescem a cada dia: vão do uso nos transportes à utilização nas mais diferentes máquinas mecânicas. mas é simples: caracteriza-se pelo movimento de rotação em seu interior. em mecânica diz-se que o seu fato mais importante é determinado pela a transmissão de força, velocidade e distância, que se dá pela relação entre o diâmetro da borda da roda e o diâmetro do eixo.

ora, a roda nos remete ao trocadilho que oseias fez com a palavra baal, que era o deus da fertilidade dos cananeus, mas cuja palavra significava também senhor e marido. oseias não quer que sua amada o chame de baal, mas de îche, homem, que por extensão poderia significar também marido e herói.

esse exemplo, o da roda, nos ajuda a entender a questão da existência, que não é uma propriedade que pertence, mas é o pertencimento a uma propriedade. pense na roda, no conceito roda e em todas que existem ou podem existir. a existência da roda consiste em participar de relações de predicados. assim, a existência da roda significa que pertence a propriedades ou é parte de propriedades. nesse sentido, a existência é sempre participação na relação de predicados. como baal ou îche.

celebrar a imagem que transcende é o desafio fundador da existência. “e para sempre você será minha legítima esposa”, disse o eterno sobre sua amada. oseias utiliza esse recurso para falar de uma aliança que transcende os predicados definidos pela existência.

ou como o eterno disse ao profeta jeremias: “quando esse tempo chegar, farei com o povo da estrela esta aliança: eu porei a minha lei na mente deles e no coração deles a escreverei; eu serei o eterno deles, e eles serão o meu povo. sou eu, o senhor, quem está falando. ninguém vai precisar ensinar o seu patrício nem o seu parente, dizendo: “procure conhecer a eterno, o senhor.” porque todos me conhecerão, tanto as pessoas mais importantes como as mais humildes. pois eu perdoarei os seus pecados e nunca mais lembrarei das suas maldades. eu, o senhor, estou falando”.

aqui entra o meu terceiro exemplo dessa correlação entre eternidade e amor e os desafios de uma teoria da existência: a raiz quadrada de menos 1 (√-1). como vimos, as coisas que existem tem suas propriedades. quando alguma coisa não tem   condições de ter existência comprovada ou não tem pertença/predicados, ela fica fora das leis fundamentais da lógica e da existência dos atos de conhecimento. por isso, em matemática falamos em unidade imaginária i, enquanto solução da equação quadrática: x2+1=0, da qual decorre x2=−1.

ou, dessa séria questão existencial x=√-1, onde a unidade imaginária é i=√-1. dentro da lógica matemática não posso dizer que este número exista, ele é imaginário porque é um recurso da minha imaginação, pois não há número real cujo quadrado seja negativo. é isso é um fato. imagina-se, então, que haja números especiais, dotados de propriedades que satisfaçam essa exigência da imaginação. e assim a matemática criou uma classe de números: os imaginários, que não são reais.

e, agora, voltemos ao filme. o que os amigos do pai deficiente mental entendiam, e a assistente social não, era que havia entre o pai e a filha uma aliança maior, que transcendia em muito suas deficiências intelectuais, uma aliança de amor.

dessa maneira, nessa correlação tresloucada entre eternidade e amor digo que uma teoria da existência parte de três fundamentos: a diferença entre existir e não existir, e que essa diferença não é um atributo, não é uma propriedade; a existência não faz parte da essência de cada coisa, mas cada coisa, todas as coisas mostram diferenças entre natureza e existência; a mente transcende, produz representações que agregam conhecimento e constroem sentido para a existência. é o que o materialismo não entende, já que é carência, e que, por isso, no esfacelar-se do caminhar devemos deixar que a própria eternidade testemunhe amor e paciência.

assim, na correlação eternidade/amor, a existência deslumbra e fascina; é baal e îche; transcende e cria a imagem que alucina. e como adara disse: e a que não via? fiquei com medo. sei que o chefe de vocês é diferente, que acredita no que faz e no que diz e pretende fazer com que o país volte às normas da legalidade absoluta, com a supressão do arbítrio e dos sonhos. e eu fiquei com medo. chovia. era difícil andar. eu por causa da velhice e ela porque tropeçava nas raízes. o mergulho, era isso que eu tinha na cabeça. nem mais, nem menos. paramos ao lado de uma poça. o longe roncava como fera. não sabia se o futuro começava ou se o passado cochilava. devagar, segurei sua cabeça e enfiei na lama. ela deixou. seu corpo se contorceu um pouco, com arrancos. meu medo foi passando. levantei seu rosto. éramos iguais os dois, mortos, com máscaras de lama.

segui sozinho, sentindo uma paz esquisita. acho que é a mesma paz que sentia o velho castelo depois da chuva de estrelas. não sei. sinceramente, valorosos guerreiros, não sei mais nada. o seu nome... não me lembro bem, mas parece que era dores. é, só poderia ser dores.

e assim, conta adara, o corpo que eu consegui a duras penas, e que me deu tantos prazeres, foi fuzilado numa tarde de setembro. e como você pode ver, esse limite infernal só apareceu para bagunçar o coreto. com o fim da guerra e sem corpo em que me agarrar, resolvi mudar de ares. cheguei aqui como ave de arribação, sem eira, nem beira, agarrado num mestre de artes marciais, mas logo encontrei quem eu procurava.

uai! que sonho estranho. é isso que dá brigar com brianda. sinto uma culpa danada e depois fico sonhando essas loucuras. e é tão fora de propósito que não dá para contar para ninguém. e para quem haveria de contar? estamos em pleno voo. eu disse que gosto dos portenhos, quero ver uns tangos, bailar. é nenhum exílio nos impede de curtir tangos.