lundi 25 août 2014

A política no reinar de Cristo

Jorge Pinheiro

Neste tempo de campanha e eleições, o país corre o risco de ser envolvido numa maré emocional, que leva aos extremos e ao ódio. Mas, política não deve ser feita assim. A administração, direção e organização de comunidades não se faz com as emoções à flor da pele, não é pensando em vendeta, não é odiando o adversário do momento, transformado em inimigo que deve ser varrido da face da terra, que se deve fazer política, que se pode falar em atividade de pessoas cidadãs. Essa leitura de ódio não constrói um país, mas divide e impossibilita o abraço solidário de um povo.

Quando a política é feita desta forma: com violência de ações e palavras, com vontade de destruir e matar, o irmão se distância do irmão e perdemos o sentido de nação e povo. Mas nós que temos a mente de Cristo devemos chamar a um jeito outro de fazer política, entendendo que o reino de César não deve estar acima do reinar de Cristo.

E esta política que constrói, que não mata, que não odeia, que possibilita ações diretas ou indiretas de governo, nasce fácil nos corações e dirige nosso fazer e nossas mentes quando o reinar de Cristo está presente nas vidas.

Dentro da unidade universal do reinar de Cristo encontra-se o princípio protestante enquanto evento fundante do cristianismo. É o princípio protestante que retira da imagem humana de Jesus tudo que nela poderia nela ser materializado como idolatria, por sua facticidade histórica. É por meio do símbolo da cruz que desaparecem as particularidades e o finito do evento Jesus, dando lugar ao significado presente do Cristo. 

O paradoxo do aparecimento do Cristo na existência sem a deformação da existência é uma interpretação radical do símbolo da cruz que salva nossa adoração do homem Jesus do significado da idolatria de se permanecer na adoração de um objeto histórico e por isso limitado, finito, enclausurado num espaço e tempo passados. O princípio protestante, lido sob tal perspectiva, apresenta a cruz como presente e fim, como revelação e eschaton que remetem ao kairós.

Mas, o protestantismo não abandona a unidade universal da substância, que mantém e possibilita o resgate do sentido do Eterno nas profundezas do humano. Na aridez do “deo dixit”, da palavra que se resume na ética do texto, as profundezas da interioridade humana podem ser esquecidas e perder seu vigor teológico. Por isso, a relevância do kerigma cristão deve andar em aliança com o reconhecimento da presença daquele que é Eterno, mas se expressa na cultura e nas dobraduras da secularidade. É a partir dessa compreensão que devemos entender o fazer política no reinar de César.

O conceito de política solidária pode então ser visto como definição de um processo de essencialização, já que o significado da vida, existencial e pessoal passa a consistir na expansão, nas culturas e vidas, da presença essencial do Eterno. A política solidária é latente antes do encontro com a presença central e fundante do Cristo, mas torna-se manifesta depois desse encontro. E é esse processo de essencialização da cultura e da vida, onde Cristo é centro e fundamento do fazer e pensar a política, que possibilita a política como fruto do ágape solidário que aponta para o kairós de Cristo. Fazer política, a partir desse processo de essencialização da cultura e da vida, é a via para a construção de uma sociedade solidária – plena de alegria, justiça e paz.